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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.1 Florianópolis ene./apr 2022  Epub 01-Ene-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n175609 

Artigos

Pequenas cócegas: abuso sexual de meninas

Little Tickles: Sexual Abuse of Girls

Pequeñas cosquillas: abuso sexual de niñas

1Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. 78060-040 - ppgedu.ufmt@hotmail.com


Resumo:

A leitura hermenêutica do filme Inocência roubada, foco deste texto, tem por objetivo tratar de abuso sexual com meninas. As contribuições teóricas de Rogério de Almeida e Marcos Ferreira-Santos sobre cinema e hermenêutica nos permitem entender que o cinema também cria um itinerário de formação e, nesse sentido, é educativo. A autora deixa reverberar de maneira autônoma as leituras que fez, ao longo de sua trajetória acadêmica, sobre educação, feminismo, gênero e sexualidade, associadas ao ensaio da espanhola María Zambrano, intitulado “As metáforas do coração”, mote sensível para destacar a ressonância do abuso sexual sofrido na infância, ecoando pela vida inteira da mulher. Concluo que é preciso coragem para emancipar-se de tamanha dor, estudar, falar e narrar sobre abuso sexual com pais e educadores para que as crianças possam seguir em frente na vida, de maneira segura.

Palavras-chave: abuso sexual de meninas; educação de crianças; itinerário de formação; cinema

Abstract:

This paper, an attempt to deal with the interpretation of the film Little Tickles under the academic perspective of Hermeneutics, aims to discuss the issue of sexual abuse suffered by girls in their childhood. The theoretical contributions from Rogério de Almeida and Marcos Ferreira-Santos on Cinema and Hermeneutics allow us to comprehend that Cinema, through its proposed itineraries, is also a means of formation. Thus, in that sense, Cinema can be seen as an educational resource. The author of this paper openly reverberates her academic trajectory, making use of constructs regarding education, feminism, genre and sexuality. All of those academic constructs are enriched by the views of the Spanish essayist María Zambrano, in her work entitled As metáforas do coração (The metaphors of the heart) - a sensitive essay in which the resonances of a childhood sexual abuse throughout her life as a woman are highlighted. As a conclusion, the present academic work shows that much courage is needed to break free from such pains. For this reason, it is highly important to narrate, to study and to discuss child sexual abuse with teachers and parents so that children who have suffered those sorts of violence may have a chance to keep on leading their lives safely.

Keywords: Sexual abuse of girls; Children’s education; Formative itineraries; Cinema

Resumen:

La lectura hermenéutica de la película Inocencia robada, foco de este texto, tiene como objetivo abordar el abuso sexual de niñas. Las aportaciones teóricas de Rogério de Almeida y Marcos Ferreira-Santos sobre cine y hermenéutica nos permiten comprender que el cine también crea un itinerario de formación y, en este sentido, es educativo. La autora deja que se reflejen de manera autónoma las lecturas que hizo, a lo largo de su trayectoria académica, sobre educación, feminismo, género y sexualidad, asociadas con el ensayo de la española María Zambrano, titulado Las metáforas del corazón, un lema sensible para resaltar la resonancia del abuso sexual sufrido durante la infancia, repercutiendo a lo largo de toda la vida de la mujer. Concluimos que se necesita valor para emanciparse de ese gran dolor, estudiar, hablar y narrar sobre el abuso sexual con padres y educadores para que los niños puedan avanzar en la vida de manera segura.

Palabras clave: abuso sexual de niñas; educación de los niños; itinerario de formación; cine

Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!

(João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, 1986)

Acordes Iniciais

Escrevo a respeito de um tema que é delicado e vital do ponto de vista educacional. É sobre violência sexual com meninas. Esta que escreve é uma mulher, avó, doutora em educação com quase sessenta anos de idade. Neste ano de 2020, pude voltar ao assunto que, dito de maneira muito simples, é isto: aos 5 ou 6 anos de idade, sofri abuso sexual por parte de um adulto muito próximo. Não vou entrar nos detalhes pessoais, pois este não é o espaço para isso.

Deliberadamente, libertei-me dos imperativos acadêmicos de trazer grande fundamentação teórica sobre abuso sexual, sexualidade e educação de crianças, embora tenha lido a respeito (Guacira Lopes LOURO, 1997; Virginia Georg SCHINDHELM, 2011; Alexandre BORTOLINI et al., 2014; Constantina XAVIER FILHA, 2012; 2014; Raquel Gonçalves SALGADO et al., 2018). Espero que, no trabalho da escritura, tenha ficado transparente uma certa apropriação dos conceitos e teorias desses e demais autores que tratam da temática do texto.

Como formadora de professores que trabalharão com crianças, meu objetivo é abordar o abuso sexual de meninas a partir de uma interpretação hermenêutica do filme Inocência roubada, com a intenção de que este texto possa ser lido didaticamente por pais, mães, professores e responsáveis pela educação de crianças. Sensíveis e informados, esses adultos podem agir responsavelmente e com respeito às nossas crianças.

O roteiro de Inocência roubada, resumidamente, tem Odette como protagonista, personagem que, aos oito anos, gostava de pintar e desenhar, como toda criança. Odette também brincava com pessoas adultas, por isso não se recusou a participar de uma “brincadeira de cócegas” com um homem mais velho, amigo de confiança de seus pais. Anos depois, já adulta, ela vive assombrada por seus traumas infantis, que tenta esquecer através da dança, atividade que desenvolve profissionalmente (FILMOW, 2019).

Para Rogério de Almeida (2015), apoiado em Paul Ricoeur, a hermenêutica como método de estudos nos permite afirmar que:

[...] de um lado, todo texto (e aqui uso o termo em sentido ampliado) é uma proposição de mundo, mundo que pode ser habitado e com o qual dialogamos a partir de nossas próprias proposições de mundo; de outro lado, há um distanciamento entre nós e esse mundo do texto, o que possibilita operar o texto como medium para a compreensão de nós mesmos diante do texto, diante do mundo (ALMEIDA, 2015, p. 09, grifos do autor).

Ao tirar do silêncio um tema tão doloroso para educar, é preciso muita sensibilidade, ou seja, trata-se de trabalhar com o coração: “Carece de ter coragem”, repete muitas vezes o personagem Riobaldo, de Grande sertão: veredas (João Guimarães ROSA, 1986, p. 89), autor que me ancora na epígrafe. Então, este texto é escrito com o sangue e as lágrimas de tantas e tantas meninas e mulheres que foram violentadas. Nesse sentido, ancoro-me, também, à epistemologia feminista, pois

uma das mais importantes contribuições do feminismo às Ciências Sociais, mais precisamente às pesquisas, foi sem dúvida a construção de categorias de análise como o cotidiano, a vivência e a emoção: o cotidiano para pensar o lócus onde acontecem as relações pessoais, afetivas, de trabalho, de lazer e tantas outras; a vivência para pensar as diferentes experiências ao longo da vida das mulheres e dos homens que marcam o corpo e a sexualidade; a emoção como categoria negligenciada e obscurecida pelo positivismo (...) (Eleonora Menicucci de OLIVEIRA, 2008, p. 238).

A autora reitera que as emoções, numa perspectiva feminista, são interpretadas como construções sociais, por isso a lógica da argumentação proposta ao longo deste texto foi de outra ordem ou dimensão, nem por isso menos importante ou menos válida. Recorro à etimologia da palavra coragem como uma força para seguir adiante:

A palavra coragem vem do “latim”coraticum, que significa a bravura que vem de um coração forte. Em latim,coraticumtinha o mesmo significado que coragem. A pessoa com coragem não se esconde, mas enfrenta os desafios e os medos com a ajuda de sua “força interior”.

A palavracoraticumvem da raizcor, que significa “coração”.Cor, oucordis, “coração”, a sede das emoções, dos pensamentos, da vontade e da inteligência. Do latim para o português, a palavracoraticumsofreu algumas alterações. O sufixo latino -aticum foi substituído pelo sufixo português -agem, que indica a atuação de alguma coisa. Nesse caso, coragem significa literalmente a “ação do coração” (DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, 2008).

A filósofa espanhola María Zambrano (2000) escreveu, em 1950, um pequeno ensaio intitulado “A metáfora do coração”, sob a forma de razão poética, à margem da produção intelectual puramente racional, mas sem abandonar o diálogo com essa tradição. Em seus textos, percebemos o uso de metáforas, o uso da força imaginadora, criativa, e da intuição, para conseguir dar conta da multiplicidade de formas de que se reveste a vida. Ao lê-la, ficamos nos perguntando: é filosofia ou é literatura? E é preciso ler meditativamente, aos poucos, como se estivéssemos saboreando algo muito especial. Cada palavra tem uma precisão quase cirúrgica, outra característica dos textos poéticos: a palavra condensada. Dessa forma, a autora questiona o exclusivismo da intelectualidade e da racionalidade para dar conta de questões da vida humana e, assim, restituir ao coração um lugar a partir do qual se pode também produzir conhecimentos, tal como abordado por Oliveira (2008), acima. Ressalta Zambrano que “A razão, embora ligada a um órgão fisiológico, o cérebro, não consiste nele” (ZAMBRANO, 2000, p. 21). O coração, por sua vez, é “como um espaço que dentro da pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juízos e daquilo que pode ser explicado” (2000, p. 22).

Afirmo, assim, outros modos de fazer ciência, com minha escrita carregada de subjetividade (Elni Elisa WILLMS, 2020), sem descuidar de aspectos lógicos, alinhando-me também à epistemologia feminista. Para Oliveira, as pesquisadoras

[...] praticarão a ciência de modo diverso, com uma metodologia diferente que permite observar e compreender com intencionalidade os fenômenos em sua diversidade e complexidade e, assim, incluir as emoções até agora proscritas do conhecimento científico em categorias explicativas de análise (OLIVEIRA, 2008, p. 240).

Por enquanto bastam essas palavras para iniciar a conversa sobre abuso sexual com meninas, e como essa violência repercute vida afora sob a forma de culpa, vergonha, submissão, desvalorização, violência, opressão, entre outros sentimentos de extremo desconforto. O gatilho que disparou a coragem para escrever partiu do filme Inocência roubada (2018), cujo título original em francês é Les chatouilles ou “As cócegas”.

A dança de uma garotinha em sofrimento

As cenas iniciais mostram uma jovem dançando Krumping (Igor GASPARINI, [s.d.]), ritmo cujas características lembram uma luta em movimentos agressivos de contato físico não violento, com referência às articulações de um palhaço ou um robô se debatendo de maneira rápida e mecanicamente; expressa sentimentos humanos como raiva, frustração, e outras emoções intensas. O corpo parece quebrado sobre o fundo escuro do cenário. Os gestos sugerem submissão e repulsa, vão e voltam abruptamente, como se a dançarina não conseguisse parar algo que a incomoda e, por um instante, as mãos se juntam no peito e a câmera focaliza o rosto lívido, os olhos fechados. A cabeça pende para trás. A moça veste calça jeans, coturno e uma camisa polo verde. No fim, ela esmorece e se prostra sobre quatro apoios no chão, as mãos caem esticadas para trás. Cessa a música. Na segunda cena, um homem sorrindo entra num quarto infantil e chama uma menina pelo nome, num comportamento tipicamente familiar. Uma garotinha ajoelhada e de vestido faz um desenho com giz colorido: uma menina num balanço. Nas cenas que seguem, vemos o que ele faz a ela, como ele ABUSA da menina. O abusador é apresentado aos espectadores nos primeiros minutos do filme: um homem jovem e belo, muito educado, sorridente e muito gentil.

Vicente de Paula Faleiros (2005) aponta para a relação complexa entre violência, segredo e cumplicidade intrafamiliar, constituindo essa trama numa espécie de drama social e trauma para os vitimizados. Esses aspectos aparecem claramente no filme, pois a vida da pequena Odette transcorreu sem que ninguém do grupo familiar desconfiasse do que se passou com ela durante anos. Somente quando já adulta, ao procurar ajuda terapêutica, é que ela vai, aos poucos, percebendo as repercussões que aquelas “pequenas cócegas” deixaram ao longo de sua tumultuada vida.

O Art. 227 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), assegurado no Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, torna oficial, no território brasileiro, que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1990).

É da família a responsabilidade primeira de garantir a segurança das crianças, colocando-as a salvo de violências, inclusive as sexuais. Ressalvo que, muitas vezes, a família usa o argumento de que somente a ela cabe cuidar da “vida sexual” das crianças para cercear a liberdade da escola no tocante às temáticas de gênero e sexualidade (Ana Letícia BONFANTI; Aguinaldo Rodrigues GOMES, 2018). Valem-se do dever de cuidar, para questionar o direito da escola de também adentrar nessa ceara. Talvez, olhar para o comportamento dos adultos do filme possa nos educar.

Como agem os adultos no filme?

Nos recuos da memória, Odette lembra que fazia aulas de balé. Sua mãe a comunica que quem vai buscá-la à escola é Gilbert - esse é o nome do agressor, amigo familiar e de confiança, casado e pai de três meninos. A menina reclama, mas a mãe não escuta e insiste em que a menina o acompanhe até como forma de agradecimento, pois ele a “enche de brinquedos”. É preciso que prestemos muita atenção a esses pequenos gestos das crianças quando elas resistem em acompanhar ou permanecer na companhia de certas pessoas, mesmo aquelas bem próximas como tios, avós, primos ou amigos. Por outro lado, a atitude de presentear em excesso também deve ser observada: pode ser algo aceitável, mas pode também revelar que esse adulto está aliciando uma criança.

Aquele homem aparentemente amigável, enquanto conduz o carro com Odette, silenciosa no banco lateral, e após conversar banalidades com a menina diz, de maneira grosseira: “Agora vamos, tire a calcinha! Vamos!” e derruba com violência o estojo de lápis de cor que estava no colo da menina. E, assim, vamos tomando contato com as formas nada sutis da violência, da dissimulação de alguém que é aceito pela família. Silenciosa, a menina se submete aos toques do adulto que pergunta se ela gosta. Ele pergunta e rapidamente afirma: “Claro que gosta! Eu também”. Ele ainda diz que ela pode tocá-lo também, se quiser. Vemos o rosto do homem se contorcer de prazer, e quando a câmera focaliza o rosto da menina, ela está com a cabeça virada para o lado oposto, olhando a paisagem, numa clara atitude de quem se submete a algo sem ter como reagir, mesmos gestos que a vimos representar, como adulta, na dança inicial. Finalmente, a criança olha longamente para aquele homem - é difícil qualificar esse olhar, talvez seja de desamparo -, entretanto, não consegue reagir, pois se trata de uma “pessoa de confiança” da família. Como uma menina tão pequena poderia ser ouvida? Como ela poderia elaborar e falar para os adultos aquilo que sofria? Teria como ela saber que aquilo era agressivo?

“Falar é o princípio da aceitação, do alívio da dor”. Este é o comentário que ouvimos da terapeuta que, em vários momentos do filme, coloca-se dentro da trama que é trazida pela memória de Odette: sua escrivaninha está no jardim da casa da menina, numa clara demonstração de que é preciso aproximar-se e oferecer apoio à vítima. O passado não nos esquece. É preciso coragem para lembrar de tudo, pois são essas lembranças que, aos poucos, vão revelar como se deram os atos violentos do agressor e, ao mesmo tempo, a displicência dos adultos. Essa memória que tem potência para regenerar, para fazer nascer algo novo de uma dor tão grande é o “reativar” ao qual se refere Isabelle Stengers:

“‘Reclaiming’ é uma aventura tanto empírica quanto pragmática, pois não significa primordialmente retomar o que foi confiscado, mas aprender o que é necessário para habitar novamente o que foi destruído. ‘Reclaiming’, na verdade, está irredutivelmente associado a ‘curar’, ‘reapropriar’, ‘aprender/ensinar de novo’, ‘lutar’, ‘tornar-se capaz de restaurar a vida onde ela se encontra envenenada’”. Decidimos pela tradução do verbo “to reclaim” como “reativar” a fim de abarcar o potencial terapêutico e político da ideia aqui proposta (STENGERS, 2017, p. 08).

Essa dor de se fazer a restauração de si não alcança compreensão até que se possa falar dela na companhia, na escuta atenta e comprometida de outra pessoa que possa nos guiar nesse labirinto. Por isso é tão importante que o silêncio, o medo, a culpa, a vergonha e todos os demais sentimentos de inferioridade sejam lentamente reativados por meio da fala e na escuta qualificada: sem julgamento, sem medicalização, sem banalização, sem pressa, mas com acolhimento ao vivido para que algo novo possa brotar ou ser reativado. Leva tempo, muito tempo para aprender e reconstruir sobre um terreno assolado de atrocidades! Juntar os cacos e recompor a vida com alguma dignidade. A escrita deste texto, por exemplo, é uma forma de autorreconstrução.

Neste ano de 2020, em que estamos vivendo os desdobramentos da pandemia ocasionada pela Covid-19, veio a público o livro coordenado por Michèle Sato (2020), Os condenados da pandemia, numa clara referência ao livro de Frantz Fanon (1968), Os condenados da terra. Diversos pesquisadores de algumas universidades públicas brasileiras apresentam vinte e dois grupos que, de diferentes formas, padecem de maior vulnerabilidade nestes tempos de emergência climática em que eclode a pandemia exatamente por causa dos abusos causados ao ambiente. Entre os “condenados” destacam-se crianças, mulheres, indígenas, negros, entre outros grupos identitários, além dos trabalhadores informais. Como escreveu recentemente Boaventura de Souza Santos (2020) em A cruel pedagogia do vírus, há no mundo modos de dominação desde o século XVIII que se apresentam como três unicórnios: “[...] são o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado” (p. 12). Muito da violência que vivemos em nossas sociedades é fruto desse cruzamento de forças de poder que nos subjugam de maneira econômica e cultural com repercussões profundas e realmente cruéis, que se manifestam nos nossos cotidianos.

Volto ao filme. Os adultos gritam, dão ordens, festejam, vivem seus dramas e conflitos, mas não prestam atenção à criança. Fazem-se de cegos e surdos, ou seja, alheios ou alienados. Diante de uma toalha “grudenta” - conseguimos facilmente imaginar por que ela estava assim - que fora um “presente” do agressor, a mãe irrita-se e sai gritando do quarto da menina, dizendo que não é empregada dela e que, portanto, Odette deve cuidar dos seus pertences. A menina só consegue balbuciar: “Sinto muito, mamãe!” e recolhe-se, mais uma vez, na sua insignificância. E assim vai lentamente desaparecendo a menina, quase como se não tivesse rosto ou identidade, restando apenas a ferida invisível que a consome em vida e vai arder na forma de desajustes nos relacionamentos abusivos com os homens, com o trabalho, com a vida como um todo. Aquela sensação inominável de desconforto. Até a fuga nas drogas, como se verá na sequência do drama. Inocência roubada é fruto da experiência pessoal da diretora e atriz Andréa Bescond e este fato evidencia que o caminho da elaboração do trauma, ao passar para as telas na forma de um texto, como uma obra da cultura, cumpre o papel educativo, alertando para o necessário cuidado em relação ao tema do abuso sexual de meninas, tal como faço neste texto.

Em dois livros, Rogério de Almeida e Marcos Ferreira-Santos (2011; 2014) abordam o papel dO cinema como itinerário de formação, que pode acontecer fora da sala de aula, e dO cinema e as possibilidades do real, que nos permite acessar realidades antes não observadas. É nesse sentido que este texto se constrói, ou seja, como uma leitura hermenêutica pela abundância de imagens que nos permite variadas leituras para assim atingir diferentes camadas de compreensão dessa realidade complexa e dolorida que é o abuso sexual de uma menina. Almeida (2017) afirma, entre outros aspectos, que, por um momento, imersos na ficção, podemos acessar algo bem real e muito íntimo. Uma memória, um pequeno gatilho e um novo caminho pode desenrolar-se no sentido de uma compreensão do que nos acontece ou àqueles que nos são tão próximos.

A mãe da menina tem um comportamento quase insuportável ao longo de todo o filme. Imatura. Irresponsável. Insensível. Ela tem uma dificuldade imensa para se relacionar de maneira adulta com sua filha - mais adiante vou especular sobre isso. Por exemplo, para punir a menina que não lavou a toalha “grudenta”, a mãe a condena a viajar para as montanhas com o agressor, após consultá-la e a menina ter dito que não gostaria de ir. O pai, por sua vez, é carinhoso, mas cego e surdo ao que acontece com sua filha, quase ausente. É justamente nesse cenário que o abusador encontra o terreno fértil para agir: nas brechas do abandono. Essa é uma pista gigante para que nós, educadores, prestemos bastante atenção, ou seja, o abusador busca crianças que são abandonadas por aqueles que deveriam protegê-las. Ele observa e sabe que existem espaços onde pode agir impunemente.

Precisamos pensar os efeitos do sistema heteropatriarcal (Hilan BENSUSAN, 2004) na produção das subjetividades, para compreendermos o porquê desse comportamento da mãe e do pai. As meninas são ensinadas desde muito cedo que é preciso manter a representação da família perfeita a qualquer custo. Há uma negação da violência, do abuso sexual, por parte da mãe, uma vez que assumir que a criança está sendo violentada é assumir sua parcela de responsabilidade ou talvez reviver memórias de si insuportavelmente dolorosas. Esse argumento não justifica a negligência da mãe e do pai, mas tento compreender de onde vem essa omissão, mesmo sem conseguir ter uma resposta conclusiva sobre esse assunto. Outro ponto a ser pensado é a hierarquização dos sujeitos dentro deste arranjo patriarcal. A objetificação do corpo feminino e das crianças, a posição de subalternidade delas (mulheres e crianças) diante do masculino, a manutenção da família a qualquer custo, são indícios da produção de uma subjetividade feminina que naturaliza a violência.

Com a intenção de continuar a elaborar as maneiras como vai se tecendo a violência com a criança, mais uma cena do filme nos apresenta requintes de crueldade por parte do adulto abusador. Odette dorme em seu quarto com seu irmão menor. Ouvimos a voz do agressor que, sussurrando e fingindo docilidade, a desperta e começa a tocá-la. Em dado momento, a menina diz “Ai, está doendo!”, mas ele pede que ela relaxe e diz que irá mais devagar e que é gostoso sentir essas pequenas cócegas. Dói! Ela chora e ele pede que ela não chore, pois “só bebês choram”. Dói ver a tirania e a perversidade de um adulto diante da impotência de uma criança tão pequena, violada no abrigo de seu quarto e à noite! Esse sentimento de impotência, no filme, vai se instalar diante de muitas situações no desenrolar da vida desta mulher.

Na manhã seguinte, a calcinha de Odette está manchada de sangue e a sua mãe, ao ver o sangue, “acredita” que sua filha teve a primeira menstruação. Ela vibra, canta e celebra esse acontecimento com a menina que “se tornou mulher”, essa criança que a tudo assiste imóvel e muda. A imobilidade diante de outras violências que ela vai consentir, inconscientemente, no futuro. A vontade calada de morrer. A mãe até estranha que a menina não tem pelos, que seus seios ainda não cresceram e fala, fala, fala tanta parvoíce e a menina sentada escuta a tudo silenciosa. Abandonada. A mãe não vê a realidade, é isso que o filme nos mostra, esse comportamento absolutamente displicente dos adultos. A menina morde os lábios, ensaia e balbucia umas palavras, tenta contar para a mãe o que está a se passar. A mãe não escuta - ou não consegue escutar - e quer levá-la ao ginecologista, afinal, é esse o costume diante da menarca. Entretanto, ameaçada que era pelo agressor, a menina não quer ir ao médico. A mãe cede. E perde-se uma oportunidade de que um profissional da saúde percebesse, num simples exame clínico, que aquela menina de oito anos estava a ser violentada.

Odette foi estuprada por Gilbert. Essa revelação se faz num momento do filme em que ela pergunta para a terapeuta: “Por que ele continuava, se eu não gostava?”. Está definido o crime na resposta que a terapeuta lhe dá, algo de que a própria Odette adulta ainda não tinha se dado conta. É isso: “Você foi estuprada, Odette”. É tudo tão hediondo, confuso e nebuloso que a pessoa, mesmo já adulta, sozinha, não consegue compreender. De acordo com a legislação brasileira:

O crime de estupro é definido como qualquer conduta, com emprego de violência ou grave ameaça, que atente contra a dignidade e a liberdade sexual de alguém. O elemento mais importante para caracterizar esse crime é a ausência de consentimento da vítima. É importante salientar que não é preciso haver penetração para que o crime se caracterize como estupro. Desde 2009 o Código Penal Brasileiro prevê, no artigo 213, que o estupro acontece quando há, com violência ou grave ameaça, “conjunção carnal ou prática de atos libidinosos”, prevendo penas que variam de seis a dez anos de prisão, podendo ser agravadas caso o crime resulte em morte, lesões corporais graves ou se for praticado contra adolescentes (BRASIL, 2018, p. 08).

Ainda, segundo o documento acima, no caso de menores de 14 anos, qualquer ato sexual é considerado estupro, pois, nessa idade, as crianças não estão aptas a discernir ou consentir com tal ato. Por isso a mediação de profissionais - da educação, da saúde, psicólogos - torna-se necessária para qualificar o abuso, tratar a vítima e responsabilizar o agressor.

A memória

Em vários momentos do filme, algo paralisa Odette, já adulta. É quando a memória é ativada por palavras, gestos ou objetos, e faz eclodir facetas da dor. Ao abrir a torneira, ela lembra da calcinha manchada de sangue; ao pegar uma toalha, ela lembra que era com elas que o agressor se limpava após estuprá-la. Um dia Odette fala da toalha em voz alta, sem perceber, diante de duas colegas de dança. Ela consegue dar vazão a esse segredo pela primeira vez longe da terapeuta. São esses gatilhos que disparam algo como se fossem pequenas luzes a iluminar um caminho obscuro. É também uma pequena libertação, embora dolorida e chocante: a amiga que ouve fica desolada. Odette defende-se e diz que está bem, que é forte, não passa fome, que trabalha, que seguiu em frente. É assim: porque passou por um sofrimento tão grande pensa que pode ser forte o tempo todo e, agindo assim, segue autoagredindo-se e violentando-se. É uma tal falta de respeito para consigo que é difícil perceber. A gente não percebe. O olhar da amiga reconhece a dor de Odette e compreende instantaneamente todos os seus comportamentos agressivos até ali. Por obra da memória, fez-se uma pequena compreensão, ou, como aponta a filósofa Isabelle Stengers (2017, p. 03), é possível estabelecer “uma ponte que dê às ideias do passado o poder de afetar o presente” restaurando-o no sentido de uma certa elaboração que nos permita seguir, como a superação do trauma que não é de outra senão da autora - personagem -, diretora do filme, ou seja, que não é de uma, mas de todas nós mulheres que vivemos sob uma ordem patriarcal de gênero, que nos oprime e nos faz silenciar tantas dores. Embora muitas vezes nos sintamos perdidas, solitárias, sem compreender ou enxergar, ver ou ouvir tudo pelo que se passou, ou seja, o caminho da compreensão do que nos aconteceu costuma ser longo. Inclusive porque não se faz em solidão e envolve outras pessoas, algumas muito próximas.

Após essa fala com a amiga, Odette sai correndo para uma apresentação, entretanto, tropeça, cai e machuca o tornozelo. O osteopata que a atende emergencialmente diz que lesões no tornozelo revelam dificuldade para seguir em frente. Para nós, que assistimos ao filme, isso fica evidente, porém, essa revelação ainda não faz sentido para a mulher violentada. Quase sempre é após muitas quedas e ferimentos, é aos poucos que a pessoa vai percebendo o quanto sua vida está tumultuada. Quantas e quantas vezes ouvimos diagnósticos cirurgicamente precisos, entretanto, não conseguimos avançar? No caso de Odette, o grande avanço é que ela consiga contar aos seus pais quem é o agressor. Para sair do bloqueio. Numa cidade pequena, isso seria uma espécie de bomba atômica que, entretanto, precisa ser detonada.

O mergulho nas memórias dói. É um grito de uma dor represada e contida sob a forma das contínuas violências perpetradas pelo agressor e paira como uma espada de Dâmocles (Marcus Tullius CÍCERO, 2005), simbolizando uma ameaça que pode destruir a pessoa a qualquer momento. A história narrada por Cícero conta que Dioniso, um tirano, governava Siracusa, no século IV a.C., uma cidade da Sicília. Era bajulado pelo conselheiro Dâmocles, que o invejava tanto a ponto de querer ficar no lugar do rei. Certo dia, o tirano concedeu todas as regalias ao conselheiro que, num primeiro momento, fartou-se com banquetes e demais benesses do poder:

Dâmocles se considerou muito feliz. Em meio a esse aparato, Dionísio ordenou que uma espada brilhante fosse descida do teto, suspensa por uma única crina de cavalo, de modo a ficar pendurada sobre a cabeça daquele homem feliz. Depois disso, ele não olhou para aqueles garçons bonitos, nem para o prato bem trabalhado; nem tocou em nenhuma das provisões: logo as guirlandas se despedaçaram. Por fim, ele implorou ao tirano que lhe desse licença para partir, pois agora ele não tinha desejo de ser feliz como Dionísio (CÍCERO, 2015, p. 185).

Esse sentimento de perigo, de não poder ser feliz, é o mesmo que atravessa a vida de uma pessoa que sofre abuso sexual, ilustrado por essa história clássica e também nas diversas atitudes da personagem Odette durante o filme. Esse perigo eminente, sobre o qual não se tem controle - a chegada do agressor -, realmente pode acabar com a tranquilidade e a vida da pessoa a qualquer momento e, em geral, acompanha a vítima vida afora, caso não busque ajuda especializada.

Vemos, no filme, como esse sentimento, retido na memória corporal, causa uma imensa angústia e mal-estar e então explode até nas pessoas mais amáveis que se aproximam de Odette, como o gentil osteopata que a atendeu e com quem ela passa a ter um relacionamento ainda bastante instável, mas que, ao final, evolui para uma relação equilibrada.

De volta ao filme, vemos que a pequenina Odette está na piscina da casa da família. E quem está ali, com os três filhos? O amigo agressor a brincar também com a menina, tranquilamente, aos olhos de todos, mas discretamente ele pede que a menina entre na casa e o espere, pois logo ele irá ao encontro dela no banheiro. É assim que tudo se passa. O agressor invade a casa e a intimidade das pessoas. Um dos amigos nota e comenta com o pai de Odette que Gilbert é muito próximo da menina, entretanto, mais uma vez, o pai ignora o alerta e nada muda na vida da pequena.

Revelar: “O que vamos fazer? O que vamos dizer?”

Quando, após várias sessões de terapia, Odette revela o abuso aos pais, a mãe consegue balbuciar um tanto amuada que “Não é fácil”. O pai fica indignado com a fala da mãe e com a violência perpetrada pelo “amigo de confiança”. A mãe, sentada no sofá e de braços cruzados, numa atitude patética, diz que não consegue ver o “amigo” como pedófilo; um homem bonito, bem-sucedido, não parece um pervertido. As perguntas do pai para essa mãe são as que fazemos a cada leitor: “Como anda um pedófilo? Como se veste? Você tem alguma ideia? Pode ser qualquer um!”. Mas a mãe ainda confronta a filha e pergunta se ela tem certeza. É uma cena curta, intensa e que nos deixa perplexos. Como pode uma mãe não ter um gesto de acolhida para com a filha violentada?

E aqui eu vou especular - sem nenhuma intenção de aprofundar o assunto, deixo apenas como uma indagação indignada - a respeito dessa mãe, sem nenhum intuito de julgá-la ou condená-la: será que essa mãe não teria sofrido algum tipo de violência também? E porque não pode olhar, falar, elaborar ou ser socorrida, seguiu em frente aos trancos e barrancos, tornando-se obtusa e insensível para com a filha. Em várias cenas do filme, nos é apresentada uma mulher dura, fria, cruel e inflexível, demonstrando claramente sua dificuldade, ou seja, sinais de alguém que foi vítima de abuso e não encontrou apoio para sair dessa situação. E é desse lugar que precisa sair para acessar uma vida plena e relacionamentos saudáveis em todas as dimensões - pessoais e profissionais. Todo esse sofrimento da mãe e da mulher é estrutural na sociedade em que vivemos os efeitos perversos do patriarcado.

É grave o que se passou. É grave a atitude da mãe que está preocupada com o que as pessoas vão pensar. Odette grita: “E eu?”, quase como a clamar para que a mãe saia de seu umbigo, algo que - nós, como espectadores, sabemos - ela não consegue ou não pode, ainda. Dar esse passo significaria que a mãe teria que reativar o seu passado. A atitude da mãe, o tempo todo sentada no sofá, de braços cruzados, é muito indicativa dessa condição de aceitação da violência sem reação. O pai, entretanto, levanta-se, circula pela sala, esbraveja e fala, parece ter alguma lucidez. E é ele quem consegue, finalmente, acolher a dor da filha. Pai e filha seguem para a delegacia. Mais tarde, descobrem que há outras denúncias sobre o pedófilo: é reincidente, inclusive, abusou da própria irmã, confirmando que o abusador não age uma única vez, como apontam Luci Pfeiffer e Edila Pizzato Salvagni (2005). No julgamento, a família e os filhos já adultos do agressor são apresentados a essa triste realidade. Todo esse percurso aqui narrado não é simples, nem fácil, mas necessário.

Ao chegar na delegacia, Odette desce do carro, mas logo volta e abraça o pai. Eles choram juntos. O pai pede perdão repetidas vezes, francamente emocionado, sente vontade de matar o violador. O pai reafirma o seu amor pela filha e diz que a vida dele está no fim, mas que a dela segue em frente, e pede a Odette: “Sempre me imagine te pedindo perdão! Quero que reverbere pela sua vida toda que seu pai esteve sempre com você”. É isso. É esse o cuidado que se pede dos pais ou adultos responsáveis: que estejam a vida toda perto de suas crianças e que cuidem e as protejam. Que estejam atentos para evitar ao máximo que elas sejam violentadas.

Odette faz a queixa. Corajosamente, ela faz o que precisa ser feito. O violador irá a julgamento. Antes disso, ela pede ajuda da mãe, pede ajuda de seu amor, mas a mãe está mais preocupada com o que vai acontecer com o entorno social e é até aceitável a crueldade dessa mãe, se ela evidencia o outro lado e, talvez, no filme, ela também represente isso, o outro lado, o do agressor sobre o qual é tão difícil ter bons sentimentos. O agressor é alguém que precisa de ajuda e tratamento, para que outras pessoas não passem pelo sofrimento da violação da sua intimidade, para que outras pessoas não sejam estupradas e não tenham suas vidas estraçalhadas.

A cruel e abusiva realidade brasileira

As últimas legendas do filme trazem um dado estatístico alarmante da realidade europeia: “De acordo com o Conselho da Europa, 1 a cada 5 crianças sofre abuso sexual. E 700 morrem por agressão todos os anos na França”. A situação brasileira não difere muito e é por causa desses números que, como educadores, temos a obrigação de estudar e falar sobre o assunto. O Mapa da violência contra a mulher 2018 confirma que a situação é gravíssima e, por isso, trata-se de uma tarefa urgente:

Os dados mostram que o maior número de abusadores sexuais compartilha laços sanguíneos ou de confiança com a família da vítima. Quanto maior o grau de proximidade, maiores as chances de ocorrer o abuso. Quanto menor a idade da vítima, maiores são as chances desses abusadores se aproveitarem da confiança da família para realizar o estupro. [...] Quando diminuímos a idade para menores de 14 anos - quando se configura estupro de vulnerável -, temos que os parentes, conhecidos da família e vizinhos representam, juntos, 86,4% do total de abusadores sexuais das meninas (BRASIL, 2018, p. 10, 12).

Este último número da estatística que aponta para quase 90% de abusadores muito próximos das famílias das crianças menores de 14 anos confirma a história do filme e é a realidade brasileira. Por si só, esse número deveria servir de alerta máximo para tomadas de decisões políticas. O atual governo fascista que ocupa o poder neste ano de 2020 - e que não representa a maioria da população brasileira - tem feito um verdadeiro desmonte de políticas públicas de proteção aos direitos de crianças e adolescentes construídas durante as últimas décadas deixando, dessa forma, as nossas crianças desprotegidas. Falar de educação sexual, para esse governo, é algo imoral, como se não fosse imoral a rede de mentiras e falsidades por meio da qual se sustenta. E é nesse sentido que o papel da escola, na pessoa dos professores como educadores, pode representar uma espécie de tábua de salvação para as vítimas. De acordo com Xavier Filha:

O desafio consiste em tentar problematizar as maneiras autoritárias e adultocêntricas dos/as docentes. Colocarmos em xeque, desconstruir o desejo de estudar as crianças para dominá-las. O que se pretende é entender os diferentes caminhos que nos fizeram agir como adultos com a pretensão de exercer domínio e posse em relação à criança, para passar a pensá-la como sujeito que deve ter voz, necessidade de relações pedagógicas mais dialógicas e mais horizontais para que se inovem práticas sociais para e com elas (XAVIER FILHA, 2012, p. 10).

Além disso, como pais e/ou educadores, temos a obrigação de ensinar as nossas crianças a se protegerem. Temos que dizer clara e seguramente para as crianças que elas são donas de seus corpos e que ninguém pode tocá-las sem autorização. Desde a mais tenra idade. Isso deve ser dito pelo adulto que cuida da criança olhando-a nos olhos. Essa autonomia precisa ser conquistada pela criança com o apoio e a orientação de adultos responsáveis. A criança precisa sentir que é protegida pelo adulto. E que elas podem e devem confiar nesse adulto - pai, mãe e professores, inclusive. Sim, os professores podem ser aqueles adultos a quem uma criança pode recorrer num momento de violência, alguém em quem ela confia a ponto de confessar seu problema.

Educação de crianças e sexualidade

Iniciei o texto afirmando a coragem para tratar do abuso. Muitas mulheres carregam essa dor por longos anos, algumas nem chegam a revelar ou não encontram espaços de acolhida para elaborar essa dor que as viola por muito tempo, como parece ser o caso da mãe de Odette, no filme. Mesmo que consigam falar, resta um ferimento, e somente com ajuda terapêutica especializada é possível superar a dor e os estragos que, em geral, tal ato deixa nas vidas das mulheres. Por vezes, a mulher se sente culpada, mas é preciso saber que a criança abusada não sabia, não sabia, não sabia, como na epígrafe, em que Guimarães Rosa ressalta por três vezes essa condição. É o adulto que viola a criança de maneira insidiosa.

É preciso dizer o nome completo do agressor. É preciso registrar a queixa, para proteger as pessoas à sua volta. Não importa sua profissão, condição étnica, a qual classe social pertence ou se tem laços familiares. É preciso ter muita coragem, repito. Porque os pesadelos não prescrevem e as pessoas podem ter atitudes como a da mãe que, afinal, duvida da filha já adulta. A desigualdade de gênero é um elemento central nessa teia. É necessário questionar o que a transformou nesse sujeito complacente às violências à filha perpetradas.

É preciso muita coragem para revelar detalhes tão íntimos. É preciso contar com a ajuda de profissionais qualificados, psicólogos e terapeutas, para acolher a pessoa abusada e dar o suporte necessário de que ela precisa. Só assim poderá seguir em frente na vida. Para que nenhuma menina seja abusada, é preciso que nós, educadores, sejamos corajosos e responsáveis. Por amor às nossas crianças, precisamos estar atentos. É uma parte de nosso papel do qual não podemos abdicar.

Por isso o fenômeno do abuso sexual merece ser contemplado e discutido nos cursos de formação de professores da educação básica, “[...] para que educadores/as possam problematizar situações e vivências que envolvem violências contra crianças, sobretudo, para pensar qual a conduta a ser adotada” (XAVIER FILHA, 2014, p. 278). Como pedagoga que se dedica há anos aos estudos de gênero e sexualidade na escola, a autora enfatiza que há mais de duas décadas o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) está em vigor, entretanto, “seu teor não é conhecido por muitos/as educadores/as que, na maioria das vezes, não notifica os casos de violência ao Conselho Tutelar” (XAVIER FILHA, 2014, p. 279), sendo esta a primeira providência a ser tomada em casos de suspeita ou confirmação de abusos ou maus- tratos. A autora ainda revela uma série de sinais que, embora não sejam uniformes e generalizantes - é preciso interrogar cada situação -, podem ser observados nas crianças vítimas de violência, tais como: dificuldade para se expressar verbalmente, agressividade, medo, a criança pode mostrar-se arredia, esquiva e ter crises de choro sem motivo aparente.

Ainda, para a mesma autora, a atuação docente nesses casos exige um posicionamento ético e “para tal, necessitamos pensar em estratégias de aproximação com eles, bem como com maneiras de lidar com o segredo confiado e a legitimidade e garantia dos seus direitos (XAVIER FILHA, 2014, p. 280). Tratar de gênero e sexualidade na escola impõe-se como uma questão ética e um assunto ao mesmo tempo urgente e polêmico que pede, por sua vez, a atenção dos educadores.

Neste texto, estive a tratar a infância como uma construção histórica (Philippe ARIÈS, 1981) e a criança como um sujeito histórico e de direitos, como apontam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2012). Como educadores, em geral, precisamos “desmontar” uma ideia arraigada no imaginário social, ou seja, é preciso desconstruir a ideia da infância como período de pureza e de inocência, como tempo de espera para apenas adiante ser algo. A criança é. Não há essa pureza, nem a infância é um período idílico, nem ingênuo. Afirmo isso apoiada nos estudos feministas, sobre crianças e infâncias, numa tentativa de romper com essa rede discursiva que, segundo Salgado et al. (2018), captura, vigia, controla e enreda os corpos e prazeres infantis.

É certo que a criança atua ativamente na sua própria história e se constitui como sujeito. Nesse sentido, a sexualidade cruza o seu caminho pelo abuso ou não. A sexualidade cruza a infância de todo ser humano. A criança está imersa num campo sexual e erótico, mesmo que os adultos ignorem esse fato. O encontro com a sexualidade pode se dar apenas observando o outro, fantasiando, portanto, e, como educadores de crianças, precisamos estudar muito para compreender esses aspectos.

Como aponta Xavier Filha (2012), o tema da violência contra crianças desperta sentimentos ambíguos nos profissionais da educação: por um lado, sentem-se indignados e querem fazer justiça, punindo o agressor, mas, por outro lado, em geral, as professoras sentem-se impotentes:

A fragilidade da rede de proteção à criança e ao adolescente é comumente denunciada pelos/as educadores/as. O Conselho Tutelar é questionado por não desempenhar suas funções a contento na rede de proteção. No entanto, o que se percebe é que a escola e demais instituições educativas também não se veem como integrantes dessa rede (XAVIER FILHA, 2012, p. 136).

Por isso, Xavier Filha (2012; 2014), Cláudia Maria Ribeiro (2011), Bortolini et al. (2014), entre muitos outros pesquisadores, assim como neste texto, defendem a necessidade, na formação de professores, como política pública, que os currículos e projetos político-pedagógicos contemplem a obrigatoriedade da inclusão, ao menos de maneira transversal, nas ementas das disciplinas, de estudos aprofundados de temas como gênero, sexualidade, feminismo, abuso e violência sexual contra a mulher, crianças e adolescentes (meninos e meninas) ao lado de estudos sobre a infância como construção social e da criança como protagonista. Esta escrita se coloca como uma ação capaz de suscitar reflexões para decisões coletivas no sentido de proteção às crianças.

Nesse sentido, ressalta-se a obrigatoriedade de profissionais de saúde e educação notificarem a suspeita de violência, prevista desde a promulgação do ECA (BRASIL, 1990) e, posteriormente, organizadas em redes e linhas de cuidado específicas (BRASIL, 2010). Existe uma rede de proteção e cuidado, com serviços que atuam no Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e Adolescentes (SGD), do qual o Disque 100 faz parte, número nacional para se ligar gratuitamente, sem ser identificado, a fim de denunciar ou solicitar proteção. É preciso que os profissionais da educação e as crianças tenham conhecimento dessas formas de proteção para que possam agir de maneira coordenada e recorrer em caso de abuso. A escola precisa assumir sua parcela de responsabilidade nesses casos e, para tanto, faz-se necessário que todos os educadores saibam acolher e orientar o encaminhamento numa relação de parceria com o sistema de saúde público.

A criança e a mulher reconciliadas: Odette e o cisne

Numa das cenas finais, Odette dança como se estivesse recebendo choques elétricos. Ela cai e levanta sucessivas vezes. É assim que se abate sobre a mulher violentada o sofrimento de quase morte dia a dia. Odette tenta conversar com a mãe e ouvir dela algo como um “sinto muito porque eu te abandonei, minha filha”, entretanto, ao que parece, a mãe também precisa de um tempo para elaborar toda a violência sofrida. O mais importante é que, simbolicamente, na última cena, Odette reencontra sua criança abandonada lá na infância. Elas se encontram sob fundo de um cenário escuro como duas boas amigas. Conversam e sorriem cúmplices e acolhedoras. Amáveis, trocam palavras amorosas. A criança que estava sozinha e abandonada há tanto tempo aceita ir junto com a mulher adulta. A mulher adulta agora sabe que a criança foi ferida e podem, finalmente, seguir em frente, juntas e reconciliadas. A mulher adulta seguirá se ocupando disso, que é a sua sexualidade durante toda a sua vida, de forma violenta ou com delicadeza, mas, sobretudo, como adulta que foi ouvida, acolhida e tratada. É disso que tratam o filme e este artigo.

Por fim, mas não menos importante, neste texto baila Odette, nome da jovem aprisionada no corpo de um cisne por um feiticeiro, na peça O lago dos cisnes, conforme o conto “O lago dos cisnes”, versão de Teresinha Pereira (2011). Durante o dia, sob condição animal, Odette vive no lago formado pelas lágrimas de sua mãe - outra pista que reforça nossa especulação -, porém, à noite, e por algumas horas, ela consegue revelar-se como uma bela moça. Tchaikovsky estreou o balé pela primeira vez em 1877 no Teatro Bolshoi, de Moscou. A peça narra que, para se libertar da maldição, Odette precisa que um jovem admirador lhe declare amor e fidelidade. Caso isso não aconteça, ela permanecerá para sempre como cisne. Na peça, existe uma mulher má, chamada Odile e, no filme, a nossa Odette por várias vezes se dirige ao espelho que, perversamente, a acusa e zomba de seu sofrimento. Entretanto, a coragem e a força do amor à vida se revelam maiores que as atrocidades sofridas. No final do conto e após passar por todas as provas, Odette consegue regenerar-se para viver sua vida, em segurança e com a alegria real e possível. Igualmente, a Odette do filme em análise fez uma trajetória em que deu mostras de uma elaboração que lhe permitiu sair da condição de vítima a ponto de produzir uma obra fílmica que se oferece educativa, conforme apresentado neste texto.

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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: WILLMS, Elni Elisa. “Pequenas cócegas: abuso sexual de meninas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 1, e75609, 2022.

Financiamento: Não se aplica.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 12 de Julho de 2020; Revisado: 23 de Julho de 2021; Aceito: 04 de Outubro de 2021

elnielisaw@gmail.com

Elni Elisa Willms (elnielisaw@gmail.com) é Professora Associada I da Universidade Federal de Mato Grosso. Realiza pesquisas sobre arte e educação, literatura e educação infantil. Vinculada aos grupos de Pesquisa GEIFEC e LAB-ARTE

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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