SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número2Narrativas de feminicidio en la AmazoníaParto y subjetivación femenina. Un proyecto artístico con madres al sur de Chile índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.2 Florianópolis mayo/aug 2022  Epub 01-Mayo-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n277384 

Artigos

Dos fios que se interpenetram na tecelagem: um conceito para os estudos feministas

Los hilos que se interpenetran en el tejido: un concepto para los estudios feministas

Edla Eggert1 
http://orcid.org/0000-0002-1980-7053

Márcia Alves da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-4727-2623

Aline Lemos da Cunha Della Libera3 
http://orcid.org/0000-0001-9441-3348

1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Escola de Humanidades PUC/RS, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, RS, Brasil. 90619-900 - educacao-pg@pucrs.br

2Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Pelotas, RS, Brasil. 96010-770 - depfund@ufpel.edu.br

3Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Porto Alegre, RS, Brasil. 90046-900 - dee@ufrgs.br


Resumo:

Aprendemos junto aos grupos de estudos e pesquisa nos quais estamos inseridas e pesquisamos. Uma das aprendizagens realizadas, durante nossos percursos profissionais, tem sido articular os estudos feministas, a pesquisa participante e a pesquisa autobiográfica. Neste artigo, apresentamos nossa compreensão sobre a integração desses três aspectos, os quais produzem nosso “fazer pensar” pesquisa em Educação por meio do conceito de “interpenetração”, que é uma técnica da tecelagem manual. Revela fios que se juntam, mas não se confundem, formando desenhos. Sendo assim, essa técnica é utilizada como metáfora para pensar em nossa opção metodológica. Partindo dessas análises, tal conceito representa a busca de um “fazer pensar” fecundo com as mulheres excluídas dos processos formais de Educação, mas que se educam na vida, nas resistências diárias à subjugação de gênero, classe e raça e, igualmente, no mundo do trabalho.

Palavras-chave: estudos feministas; pesquisa participante; pesquisa autobiográfica; interpenetração

Resumen:

Aprendemos junto a los grupos de estúdio e investigación en los que operamos e investigamos. Uno de los aprendizajes, durante nuestros recorridos profesionales, ha sido la articulación de los estudios feministas, con la investigación participante y la investigación autobiográfica. En este artículo mostramos nuestra comprensión sobre la integración de estos tres aspectos, que producen desdoblamientos en el hacer pensar la investigación en Educación a través del concepto de interpenetración, técnica de tejido manual, que presenta hilos que se juntan, pero que no se confunden formando dibujos. De esta manera, utilizamos dicha técnica, como metáfora para pensar en nuestra opción metodológica. Partiendo de estos análisis, el concepto representa la búsqueda de un hacer/ pensar fecundo entre las mujeres excluidas de los procesos formales de Educación, pero que se educan en la vida, en las resistencias diarias al sometimiento de género, clase y raza e igualmente en el mundo del trabajo.

Palabras claves: estudios feministas; investigación participante; investigación autobiográfica; interpenetración

Abstract:

We learn from the study and research groups in which we are engaged and research. One of the lessons learned during our professional paths has been to integrate feminist studies, participant research and autobiographical research. In this article, we present our understanding about the integration of these three aspects, which produce our “making think” research in Education through the concept of “interpenetration”, which is a manual weaving technique. It reveals threads that come together, but do not get mixed up, forming designs. As such, this technique is used as a metaphor to reflect on our methodological option. Based on these analyses, this concept represents the search for a fruitful “making think” concerning women who are excluded from formal educational processes, but who educate themselves in life, in the daily resistance to gender, class and race subjugation and, equally, in the work environment.

Keywords: Feminist studies; Participatory research; Autobiographical research; Interpenetration

Introdução

Uma trama na tecelagem nunca é solitária, faz-se com muitos fios. Na experiência de pesquisar, o tramado também é coletivo.1 Neste artigo, narramos acontecimentos do fazer pesquisa que marcaram nosso entendimento sobre os caminhos do fazer e do pensar investigativo. Algo acontece quando observamos a nossa movimentação, juntamente com a de estudantes de iniciação científica, mestrado ou doutorado, nos seus tempos e em suas produções textuais. Essa trama aumenta à medida que pensamos o caminho trilhado, conjugando os estudos feitos com o modo como buscamos outras informações, que não constam somente nos livros e nos artigos. As visitas, as entrevistas, as viagens aos lugares em que buscamos informações/conhecimento parecem que não nos dão a mesma certeza da leitura feita em artigos e livros que já foram publicados. Ao contrário, passa a haver um aumento das nossas incertezas e dúvidas, em que problematizamos, inclusive, nossas próprias trajetórias como pesquisadoras, pois percebemos que alguns dos referenciais lidos não dão conta dos novos contextos que se colocam em nossas biografias.

Vivenciamos inúmeras mudanças durante a execução dos nossos projetos científicos. Na condição de projetos, parecem tão convincentes, mas, quando vivenciados, nas idas e vindas ao campo, mudam constantemente. É na empiria que a historicidade acontece e onde, a cada visita, temos a vida que pulsa como elemento estruturador e desestruturador da pergunta feita. Identificamo-nos com o artigo das pesquisadoras e professoras Maria Aparecida de Souza Perrelli, Flavinês Rebolo, Leny Rodrigues Martins Teixeira e Eliane Greice Davanço Nogueira (2013), que, assim como aqui o fazemos, analisaram suas experiências investigativas como processos formadores. Embora elas não façam alusão direta às questões feministas e/ou de gênero, percebemos que algumas das reflexões apontadas no artigo delas relacionam-se com as experiências aqui apresentadas. Contar nossas histórias, simplesmente por contar, é possível e faz parte do cotidiano. Entretanto, contar nossas histórias, produtoras de experiências, relacionadas com a leitura de mundo e dos textos, compreende um universo bem mais complexo. Sobre esse aspecto, gostaríamos de nos debruçar neste artigo.

A complexidade a que nos referimos trata das leituras que formaram nossa percepção sobre as possibilidades de conhecer, movendo-nos na área da Educação, tendo presente a importância de autoras como Guacira Lopes Louro (2002), Joan Scott (1998; 2001) e Ivone Gebara (2000).2 Outros autores, como Paulo Freire (1981), Carlos Rodrigues Brandão (1981), Marie-Christine Josso (2007; 2010), Danilo Streck (2014), Cheron Moretti e Telmo Adams (2011), também compõem esta trama de teorias. Intercambiamos nossos estudos a partir da consciência de que autores e autoras, como estes citados, analisaram experiências embasadas nos movimentos sociais, como o feminista, e nas experiências de Educação Popular na América Latina. Nesses diálogos com autores e autoras, identificamos a importância das histórias de vida. Por meio delas, chegamos no processo autoformador de quem pesquisa. Com os estudos feministas, percebemos a experiência das marginalidades denunciadas, desde a realidade das mulheres, e aproximamo-nos das lutas de resistência da Educação Popular, que fez emergir a pesquisa participante como forma de sistematizar os saberes de grupos excluídos.

Moretti e Edla Eggert (2017) aprofundam a compreensão de experiência, pensada por mulheres, ao afirmarem que é uma “categoria que demanda história e contexto de nós mesmas” (p. 48). Abordar o próprio contexto significa conceber que a experiência delas é um processo com potencial de conceituação e teorização, e sempre em amadurecimento. E, nesse re-conhecimento, é produzido o despertar da consciência crítica que pode promover a coletividade feminina, em busca da visibilidade de suas demandas, por meio da participação política.

Apoiadas em Freire, Eggert e Márcia Silva (2012), afirmam que “[...] aprendemos sobre a importância da historicidade, do contexto de quem aprende e das formas como metodologicamente os temas geradores auxiliam para que o sujeito leia a palavra e o mundo” (p. 53). É nesse espírito que intencionamos analisar práticas educativas do processo investigativo do nosso tema, que é a produção artesanal, e todo o envolvimento das mulheres nesse assunto. Observamos que o feminismo contribuiu na produção de críticas, tanto para a política liberal, como também para o marxismo, por exemplo. De uma ponta à outra, as teóricas feministas desmembraram as teorias produzidas na tradição androcêntrica e incrementaram a análise sob o ponto de vista da experiência das mulheres, por dentro dos movimentos feministas.

Margarita Pisano (2004) desconstrói habilmente a produção, a reprodução e a manutenção, sempre repaginada, de um patriarcado sustentado em “novos” argumentos teóricos e científicos e, com isso, recentralizador do triunfo da masculinidade. Não podemos deixar de registrar, embora não seja o objeto deste artigo, outro tema da atualidade que diz respeito às fronteiras produzidas por meio das muitas identidades de gênero. O que significa ser identificada, ao nascer mulher e estar sob a condição constante da marca do ser de alguém e para os outros, como aponta Marcela Lagarde y de Los Ríos (2005)? Também podemos questionar: o que significa ser designado como homem ao nascer e não se reconhecer nesta designação? Sobre esse debate, sugerimos Beatriz Paul Preciado (2011), que, assim como Judith Butler (2004) e André Musskopf (2012), tem no conceito Queer a análise das sexualidades e das muitas composições que podem vir a ser o estranho em nós - o ser humano -, que hoje se permite pensar para além das fronteiras da heterossexualidade.

Na mesma escala, se coloca o tema da raça/etnia, numa perspectiva interseccional com a classe social. Debate que surge, cada vez com mais força, a partir da expressão direta das mulheres negras, indígenas marginalizadas, invisibilizadas e, muitas vezes, ainda “reveladas” por meio das pesquisas das mulheres brancas.

Fazendo uma analogia com a tecelagem, o texto que temos em tela e em mãos possui, no seu desenvolvimento, três fios tramadores da peça. A peça é entendida, neste contexto, como um tecido que acolhe os modos de fazer ensino, extensão e pesquisa entre o espaço de quem projeta e coordena propostas investigativas, mas também orienta trabalhos de conclusão de graduação e especialização, dissertações e teses. Esses três fios não poderão ser entendidos como separados. Por isso, a palavra “trama” tem base real na experiência da tecelagem artesanal e na produção de diferentes tipos de trabalhos manuais, tema que pesquisamos há quase uma década.

Este artigo é fruto de experimentações tecidas, nos últimos cinco anos, em encontros produzidos pelos Grupos de Pesquisa aos quais as autoras estão vinculadas. Também é resultado de projetos de extensão e de pesquisas, coordenados pelas autoras, assim como é marcado e atravessado por diversas orientações em andamento e concluídas. Possui a marca de mulheres artesãs das cidades de Alvorada/RS, Pelotas/RS e Pinheiro Machado/RS, bem como de mulheres artesãs que, atualmente, se encontram privadas de liberdade no sistema prisional, na cidade de Porto Alegre/RS.3 Nosso caminho é o de pensar a malha tecida no ato de “fazer pensar” pesquisa. Desse modo, o texto se faz no plural, porque é feito singularmente no coletivo. Essa produção representa um reencontro entre as autoras, materializado em seus estudos de pós-doutoramento, e engendra uma escrita que apresenta conceitos fundantes vindos dos estudos feministas, da pesquisa participante e da pesquisa autobiográfica.

Na tecelagem, temos artefatos que determinam a produção artesanal: a roca, a fiandeira, a urdideira e o tear. O urdume é a preparação dos fios para colocação no tear. A tecelã conta os fios e calcula o tamanho da peça, partindo das dimensões e quantidade dos fios. Depois enfia, fio por fio, no pente liço do tear, produzindo nele o urdume. Simultaneamente, prepara a navete, que é a agulha de tecer, na qual se enrola o fio que será traspassado nos fios da base do tear, gerador da trama têxtil. A interpenetração é uma técnica de colocar um novo fio que não é enlaçado, e sim vai até uma parte da trama quando, depois de batida pelo pente, retorna para a mesma direção de onde veio, com outro fio que se interpenetra junto daquele. Essa composição é o que para, nós autoras, determina a inteireza de cada um desses três campos, que, quando interpenetrados, dão forma a um desenho nas pesquisas que temos produzido. A técnica serve de inspiração para nosso trabalho intelectual-artesanal, gerado no encontro dos estudos feministas, da pesquisa participante e da pesquisa autobiográfica. A seguir, nossos apontamentos sobre cada um desses “fios”.

O fio dos estudos feministas

Os Estudos Feministas compõem o primeiro fio envolto numa navete, e a cor desse fio é lilás. A experiência, para o mundo das mulheres, tramado por elas [por todas as mulheres e, em grau maior, pelas mulheres conscientes da luta por dignidade e autonomia, portanto, as feministas], quase sempre foi simultânea, fragmentada e precária. O conceito de experiência carrega para o debate das teorias feministas um legado necessário para a história da humanidade, pois a manutenção da vida humana perpassou, em grande medida, o trabalho não remunerado, pouco reconhecido e explorado de uma mulher.

O modo como nos aproximamos desses estudos remete à leitura de historiadoras como Michelle Perrot (2007), e de teólogas como Elizabeth Schüsller Fiorenza (1995) e Rosemarie Ruether (1993); não sem antes buscarmos a leitura dos textos das mulheres negras, como Angela Davis (2016), Maya Angelou (2013) e Conceição Evaristo (2013), que conseguem, por meio da pesquisa histórica, da literatura e da poesia, produzir a visibilização da experiência das mulheres negras. Temos a consciência meridiana de que essas mulheres possuem outras histórias, bem menos conhecidas e muito mais difíceis de contar.

O que se passa nos corpos das mulheres provoca outras narrativas, outros modos de apresentar o cotidiano, ainda pouco visibilizado na trama da teorização, no mundo da produção científica autoral. Historicamente, a maior parte das mulheres foi invisibilizada. Perrot (2007) retrata a história das mulheres sem história e inaugura um olhar mais atento, na pesquisa nesse campo, para outros registros, que passaram a ter valor historiográfico, a partir do movimento intitulado Escola de Annales. Movimento este que mudou radicalmente a visão sobre as possibilidades de se fazer pesquisa histórica, a partir da segunda metade do século XX, na Europa. É possível relacionar essa virada metodológica com o que aconteceu na América Latina na mesma época, vivenciado por meio da Pesquisa Participante nos movimentos de Educação Popular e da Teologia da Libertação. Sem dúvida, um tempo efervescente, em que múltiplos movimentos sociais apontavam para novos horizontes produtores de outros conceitos.

E será nesse contexto, com a herança do movimento político das mulheres do século XIX e do reconhecimento das mulheres como protagonistas de si mesmas na busca pelo voto, que sedimentar-se-á, no século XX, o movimento feminista. Ele criou o confronto e o mal-estar em tudo o que parecia harmônico. Desafiou o pressuposto de que cada um e cada uma sabe do seu “lugar” e que, no silêncio, vivem a subordinação e a subserviência quando não são parte do segmento que dominam. O movimento feminista rompeu com esse silêncio harmônico e ampliou-se em desdobramentos complexos de novas teorias.

Atualmente, podemos analisar os registros produzidos ao longo da história e encontrar, dentre eles, aqueles que comprovam a participação de mulheres na reinvenção do conhecimento, decorrente das lutas feministas, que foram distintas em cada país e época. O modo de aprendermos por meio da história única, focada nos interesses de elites econômicas, foi extremamente nefasto e despotencializador para a autoria das mulheres que, ao longo da História, têm tido suas experiências e seus saberes silenciados, como bem mostrou Perrot (2007). Cumpre ressaltar que, mesmo parte das elites econômicas, a vida das mulheres e suas possibilidades de ação, historicamente, restringiram-se pelas convenções sociais, que determinavam certas condutas. Certamente, para aquelas que compunham os grupos populares, a invisibilidade tinha dupla marca: o ser mulher e a pobreza. Quando negras, inclui-se a raça. A presença desconfortável do movimento feminista, ao longo de todo o século XX e, na sequência, do século XXI, provoca distintas formas de pensar e romper com determinações que cercearam a existência de mulheres em diferentes grupos sociais.

Sandra Harding (2007) questiona: “Como seria uma teoria do conhecimento humano que se construísse com base nas percepções desses movimentos contemporâneos característicos?” (p. 167). Pisano (2004) busca entender o quanto teóricas feministas têm buscado criar uma sistemática na produção teórica científica, a fim de compartilharmos, cada vez mais, o que se origina das experiências vivenciadas pelas mulheres.

A nossa compreensão se mantém no sentido do que Eggert (2006) afirma, quando diz que “[...] deve existir um conhecimento a ser sistematizado, com base no ato de dar sentido às atividades das mulheres” (p. 226). É por isso que o fio lilás dessa navete infere a primeira “interpenetração”, porque entendemos que nos “[...] saberes menosprezados das e pelas próprias mulheres, existe a possibilidade da recriação e visibilização de saberes e, com isso, da construção de outros espaços e formas de poder” (PERROT, 2006, p. 226). Com isso, assumimos que há múltiplos conhecimentos e formas de expressá-los, assim como distintas formas para que sejam acessados.

Esse fio vislumbra o reconhecimento da vida das mulheres em todos os aspectos e a metodologia não é mero instrumento de coleta e análise. Entendemos que é um compromisso de “pesquisar com”, qualificar processos por meio da constante troca e retorno ao campo pesquisado. É atentar ao que Eli Bartra (2008) chama de melhorar as condições de vida das mulheres e, em especial, das mulheres pobres, numa perspectiva interseccional de gênero.

O que se deseja, em última instância, é que o conhecimento, traduzido como a ordem dos tempos modernos, e o que tem sido chamado como a era do conhecimento, traduza a experiência pensada pelas próprias mulheres em seus contextos e realidades. E, sobre as mulheres latino-americanas, há diversas particularidades. Francesca Gargallo (2007) alerta que, na América Latina, pouco se tem discutido sobre o fato de que, nesse continente, houve a morte de 90% da população originária, no começo da instalação de um forte processo de ocidentalização. Isso se reflete fortemente na construção de um feminismo latino-americano, pois “[...] pocas mestizas se reconocen en su historia, prefiriéndose occidentales que índias, blancas que morenas, genéricamente oprimidas que membros de una cultura de la resistencia” (GARGALLO, 2007, p. 17). Isto reforça o colonialismo europeu na América Latina e alimenta cicatrizes profundas que se materializam em um continente majoritariamente católico, com uma economia de mercado subalterna a outros países e que se estrutura em relações sociais baseadas no patriarcado, no racismo e na discriminação de toda ordem. Sobre o forte processo de ocidentalização, Gargallo (2007) afirma que:

Para el feminismo latinoamericano es muy difícil de construir su occidentalidad, porque ésta se impuso como sinónimo de un mundo tecnológicamente moderno y legalista que hasta las socialistas querían alcanzar. Sólo desde el análisis de la pobreza y la desigualdad como frutos de un colonialismo capitalista que necesitaba, y sigue necesitando, de la contraparte pobre de la riqueza de su lugar de origen y expansión, el feminismo latinoamericano se plantea hoy la necesidad de liberarse de la perspectiva del universalismo cultural occidental, y su construcción determinista: la organización de géneros sexuales, masculino y femenino, bipolares, binarios y jerarquizados para que el trabajo gratuito de las mujeres descanse en una naturaleza invariable, construida desde la cultura (p. 22).

Dessa forma, para que se possa superar essa situação, revisitar nossa própria história é imperativo para reconhecer o processo de colonização que dominou e subjugou a América Latina. E, ao mesmo tempo, deve-se incluir nessa problematização a própria configuração de gênero, como constituição que se dá na vida social historicamente situada. Só dessa forma podemos avançar num processo de construção de um feminismo latino-americano.

As mulheres das periferias e do mundo rural, por exemplo, têm sido parceiras em nossas pesquisas e nos apresentam uma série de desafios para pensar seus processos educativos, que, em grande medida, situam-se à margem das ofertas de educação formal. A escola, para muitas delas, ainda não contempla as suas necessidades de capacitação e de formação, pois compõem um grupo que ficou, por muito tempo, excluído deste ou neste espaço. Entretanto, mesmo quando passa a ser novamente considerado o retorno ao ensino formal, é necessário um tempo significativo para a maioria das pessoas se reconhecer como capaz de encarar a formação.4 Em específico, pela condição apontada por Lagarde y de Los Ríos (2005), àquelas que estão encarceradas, pois se tornam exemplares de condutas desviantes do que se espera para a existência das mulheres: que sejam boas, honestas, comportadas, discretas, de alguém e para os outros. As reclusas, prisioneiras no cárcere, têm suas experiências de aprendizagem perpassadas pelo cerceamento do corpo e de seu condicionamento, o que se reflete, também, no reforço de que suas capacidades se limitam às marcas que a acusação feita sobre elas impõe (ladras sabem roubar; poderão fazer outra coisa? é possível que haja transformação?) pelo descrédito, de boa parcela da sociedade, em suas possibilidades para além do crime. Contudo, podemos compreender que, aprender e ensinar com as mulheres, em geral, perpassa sua condição de gênero, traduzida em um corpo marcado e cerceado. Nesse caso, Lagarde y de Los Ríos (2005) também salienta que as mulheres são “todas presas, todas cativas” (p. 641), chamando a atenção para o fato de que há aprisionamentos vividos amplamente em uma sociedade patriarcal. Tal afirmação nos inspira à compreensão de que, para reconhecer-se como aprendizes e educadoras, todas as mulheres necessitam lograr sua liberdade física e social, nos múltiplos sentidos que essa conquista pode representar.

O fio da pesquisa participante

Os movimentos sociais produzidos no final dos anos 1950 do século XX, e que resistiram nas diversas ditaduras militares em toda a América Latina, nas décadas seguintes, proporcionaram pedagogias relidas e recriadas no acontecer das contingências, sob elevada opressão. A provocação para que houvesse participação popular, de modo a produzir dinâmicas para a resolução de problemas e necessidades junto às comunidades, gerou o que chamamos de metodologias participativas, entre elas, a pesquisa participante, nomeada dessa forma em âmbito brasileiro.

A presença de leituras do campo materialista-dialético misturou-se às leituras humanistas, perpassadas pela Teologia da Libertação, encharcada pela experiência das comunidades eclesiais de base (CEBs). As comunidades eclesiais de base (CEBs) foram responsáveis pela formação sociopolítica, em especial entre as décadas de 1960 até o final da década de 1980. A motivação teológica, fundada nos argumentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), estimulou a produção da teologia da libertação, oriunda das experiências da base. Ou seja, uma teologia contextual e crítica, amparada por leituras interdisciplinares majoritariamente sociológicas e econômicas. Lia-se a bíblia tendo por referência a vida do povo pobre. Em círculos de novenas e estudos bíblicos, faziam e comiam o pão na partilha de saberes. Leonardo Boff, Clodovis Boff, Gustavo Gutierrez, Carlos Mesters, Juan Luis Segundo e Ivone Gebara, pela tradição católica, e Rubem Alves, Richard Schall, pela tradição protestante. Sobre a teologia da libertação no viés católico, ver Battista Mondin (1980), e, sobre protestantes latino-americanos revolucionários, ver Joanildo Burity (2011).

O exercício das análises de conjuntura era feito por profissionais vindos, na maioria das vezes, dos cursos de Sociologia e comprometidos com a mudança de postura: da subserviência à cidadania [conscientização]. Tal realidade marcou uma época por mais de duas décadas.

Conforme Maria Teresa Esteban e Maria Tereza Tavares (2013), a Educação Popular é reconhecida, nesse contexto, como uma proposta de ação para a cidadania produzida em diferentes lugares, tanto na escola pública como nos movimentos sociais. É produzida nas margens, desde o tempo da resistência à ditadura de 1964, e em grande medida ainda assim se encontra, na atualidade. “E por quê?”, poderíamos nos perguntar. Arriscamos a afirmar que, em boa medida, refere-se ao fato de que, ao longo desses 30 anos de pós-ditadura, as escolas fazem o lento movimento de reconhecerem-se (re)produtoras de um conhecimento que pouco está comprometido com a mudança e com a ruptura com tempos de cerceamento de liberdades (de aprender, de ensinar, de reivindicar, de criticar...). Quando indicamos que a Educação Popular é uma ação pedagógica em direção à cidadania, estamos nos referindo à consciência das pessoas que vivem num país que, desde sua inscrição na história da modernidade, foi aviltado pela violência e pela opressão. Dos 500 anos de história narrada oficialmente, temos a mísera conta de 30 anos de abertura democrática.

Assim, a pesquisa participante (originada das experiências de Educação Popular) é o fio de cor vermelha, da cor que lembra o sangue das pessoas que foram mortas na luta por liberdade e de outras tantas torturadas, somado ao sangue indígena e negro que, em tempos coloniais e imperiais, teve suas vidas banidas em nome da exploração da terra e de sua força de trabalho. Hodiernamente, é imprescindível trazer à memória esse tempo, que, para alguns, é ficção, e, para outros, já passou. Entretanto, para Juliana Borges (2018), as realidades vividas nas periferias brasileiras, o genocídio negro nas favelas e o encarceramento em massa elucidam que esses tempos não são remotos, foram apenas reinventados e repaginados. Hoje, início da terceira década do século XXI, o Brasil ainda vive tempos de interdição, cerceamento de liberdades e subjugação do seu povo.

Dos movimentos de luta em diferentes contextos, chegaremos à academia, que, por meio de intelectuais que dialogavam com a população das comunidades de base, possibilitou pensar processos metodológicos de produção do conhecimento. É nesse nicho que encontraremos textos hoje entendidos como clássicos da pesquisa nesse campo, como o livro organizado por Brandão (1981), intitulado Pesquisa Participante, que apresenta um capítulo de Paulo Freire e outro do colombiano Orlando Fals Borda (1981), autores que subsidiam compreensões sobre a Educação Popular. É importante, porém, destacar que as mulheres também sistematizaram e analisaram aspectos metodológicos da pesquisa participante. Foram elas: Maria Ozanira Silva e Silva (1986), Justa Ezpeleta (1984) e Marcela Gajardo (1986), as quais foram protagonistas nessa experiência metodológica. De modo mais contemporâneo, e num diálogo entre grupos organizados de movimentos sociais e da academia, encontraremos mulheres e homens implicados a produzir debates e novas possibilidades no Grupo de Trabalho Educação Popular - GT 06, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED).

No que se refere às mulheres, a Educação Popular traz contribuições importantes no sentido de identificar o processo de construção de um pensamento pedagógico feminista. Este encontra-se alicerçado na produção pedagógica da Educação Popular e nos estudos feministas. Cláudia Korol (2007), Luz Ochoa (2008) e Moema Viezzer (1987) são exemplos de produções pedagógicas feministas no campo do pensamento latino-americano, contribuindo para a construção de uma pedagogia e de uma Educação Popular Feminista.

Korol (2007), coordenadora do setor de gênero do grupo de educação popular argentino Pañuelos em Rebeldía, sintetiza a aliança entre feminismo e Educação Popular, embora reconheça que o processo de uma pedagogia popular feminista não é apenas para as mulheres, mas visibiliza e denuncia as mais diversas opressões. Para Korol (2007),

sería una manera de pensar una pedagogía de los oprimidos, oprimidas, de lxs ofendidxs de diversas maneras por la cultura capitalista, patriarcal, racista, homofóbica, imperialista, violenta; una pedagogía que nos permita volvernos sujetos de nuestra propia marcha, de su rumbo, de la renovación de sus metas y de las formas y ritmos que elegimos para caminar (p. 17).

Para Korol (2007), o feminismo não se constitui em um limite para a Educação Popular, mas, ao contrário, representa uma abertura e amplia as possibilidades. Do feminismo, a autora identifica elementos a serem balizadores, como a crítica ao capitalismo patriarcal, o questionamento à cultura androcêntrica, a desconstrução de categorias binárias, a busca de horizontalidade e autonomia, a valorização do diálogo nas práticas políticas e a denúncia nos ordenamentos que buscam disciplinar o campo de resistência à dominação (KOROL, 2007).

Ochoa também assinala alguns desafios a serem enfrentados em um processo de construção de uma pedagogia feminista, como: a busca por uma necessária vinculação entre pedagogia e epistemologia; a criação de uma nova linguagem e universos de sentidos que superem a linguagem androcêntrica e sexista; a pedagogização do conflito e do poder; a incorporação da questão geracional; o fomento e a ampliação do desenvolvimento de investigações na área; a ampliação das políticas públicas para as mulheres; e, ainda, a atenção para a necessária reflexão e ação em contexto de globalização (OCHOA, 2008).

No Brasil, a experiência de mulheres que amalgamaram a Educação Popular e os estudos feministas originou a defesa de uma Educação Popular Feminista (Tereza MOREIRA; VIEZZER, 2017).5 Assim como salientado por Korol (2007), as educadoras populares feministas, no Brasil, pretendiam ampliar a compreensão da Educação Popular que vivenciavam nas comunidades, por seu envolvimento com as questões das mulheres (luta contra a carestia, organização coletiva em “Clubes de Mães”, violência familiar e doméstica...), e não a cercear. O diálogo com mulheres latino-americanas e caribenhas, em especial, mas também em outras partes do mundo, possibilitou à Viezzer e a outras educadoras populares feministas, nos anos 1980, após o retorno do exílio, dialogar, mesmo com certa dificuldade, com grupos de esquerda que emergiam no Brasil. Moreira e Viezzer salientam que a discussão de gênero, oriunda dos Estudos Feministas, era concebida, à época, como possibilidade de abandono da categoria “[...] ‘classe trabalhadora’, como se esta fosse uma peça monolítica, constituída por pessoas sem sexo, sem idade, sem cor...” (MOREIRA; VIEZZER, 2017, p. 266). A síntese da luta empreendida pelas educadoras populares feministas no Brasil, nos anos 1980, as quais foram pioneiras no que se refere ao debate sobre os Direitos Humanos das Mulheres pós-ditatura militar, aponta para algumas “marcas” da Educação Popular Feminista:

[...] os processos de autoconsciência individual e coletiva [...], a construção de perspectivas pedagógicas apropriadas à Educação Popular Feminista [...], a formação como exercício político das mulheres [...], a ação sistemática para incidir politicamente pela equidade e justiça de gênero [...], [e] a afirmação dos ‘ativos das mulheres’, entendidos como conhecimentos, habilidades, ideias, recursos que as mulheres têm e podem se tornar fontes de intercâmbio, de trocas, ajudando-as a sair do enfoque das debilidades, [...] para criar situações novas, que levem a melhor qualidade de vida (MOREIRA; VIEZZER, 2017, p. 268).6

Essas “marcas”, as quais podemos considerar pressupostos, resultaram no fato de que a Educação Popular Feminista está pautada em âmbito internacional, partindo da reivindicação de mulheres que se posicionaram contrárias às análises generalizantes sobre as vivências da classe trabalhadora. E essas “marcas” foram, em boa medida, incorporadas nas pesquisas e produções vinculadas à Educação Popular. Nossa suspeita, contudo, é de que pouco desse material teórico-metodológico foi publicado. Ou seja, suspeitamos que conceitos ficaram reservados e/ou invisibilizados.

O fio da pesquisa autobiográfica

Sobre o processo (auto)biográfico, Eggert e Silva (2012) afirmam que “[...] quem narra constrói um estilo e um estudo em torno da sua narrativa, analisando seus processos formativos” (p. 53). Seguimos entretecidas com essa possibilidade, pois compreendemos que a palavra é nosso instrumento de trabalho. O que temos buscado é pensar as experiências que as mulheres vivenciam como modos de contar suas histórias de vida, aprendizagens esquecidas no mundo da pedagogia. É uma dimensão metodológica que busca perceber o processo formativo como parte da trajetória de vida das pessoas envolvidas numa investigação. Na pesquisa-formação, tendo por base Josso (2007; 2010), o (auto)biográfico é percebido como um dos requisitos para que tenhamos a sensibilidade na escuta do outro ou da outra. Observar e ter em mente que, ao pesquisarmos histórias de vida, produzimos análises com base em narrativas que também são nossas. Nesse caminho, desencadeamos, tanto no entrevistado como em nós mesmas, a capacidade de nos ouvirmos e, ao fazermos isso, despertamos a (auto)escuta.

Ainda, conforme Christine Delory-Momberger (2008), as biografias, na qualidade de um conjunto de representações que as pessoas fazem de suas próprias vidas, possuem um caráter educativo, pois a maneira como constroem o que fazem nos mais diversos espaços sociais, como na família, na escola, na profissão etc. são partes constitutivas tanto do processo de aprendizagem como de formação. Dessa forma, as narrativas biográficas possuem papel central, pois elas materializam e dão forma às histórias de vida das mulheres. Elas conformam uma construção que situa e une os acontecimentos da vida, como aspectos que se organizam em um todo significante, não de forma estanque e imutável, mas, ao contrário, de forma constantemente submetida a reconfigurações.

Um aspecto fundamental a ser considerado se refere à construção das narrativas biográficas na relação com as outras pessoas. Para Delory-Momberger (2008), “[...] é uma representação bastante corrente assimilar-se a compreensão que temos da narrativa do outro a uma atitude de empatia, que postula nossa capacidade humana para partilhar os sentimentos, as emoções, os pensamentos de um outro ser humano” (p. 59).

Conforme Franco Ferrarotti (2014), a pesquisa biográfica e autobiográfica não possui a marca do individualismo, ela produz narrativas que compõem uma síntese complexa do tecido social e é isto o que nos leva a compreender que estas escolhas metodológicas nos apresentam aspectos coletivos da vida das mulheres e, por isso, podem se constituir em ferramentas potentes para a construção de um processo de parceria, conscientização e cumplicidade entre as mulheres. E, desse modo, a produção de conhecimento reconhecida, em especial, por elas mesmas, nos anima a enfatizar esse fio como tramador para uma outra postura na produção científica. Coletivos narrativos se especializam no encontro para contar e ouvir histórias, e buscar, assim, forças em sobreviver e resistir no exílio, na vida miserável, na violência e na dor. São histórias do micro que refletem o contexto, a dimensão da “Pedagogia do Oprimido”. Streck e Telmo Adams (2014) definem que a dominação geográfica de um país, uma vez conquistado, produz sua permanência por meio da colonialidade. Os subsídios desse argumento estão vinculados a Walter Mignolo (2017) e Aníbal Quijano (2005), que sustentam o argumento da “colonialidade engendrada”, ou seja, aquela que subjuga e domina na subjetividade da vida e nos faz acreditar que não somos capazes, muito antes pelo contrário: necessitamos do poder daquele que nos colonizou. Talvez o escritor brasileiro Nelson Rodrigues (1993) ilustre, de modo ainda mais preciso, a consequência dessa colonialidade engendrada, quando nos apresenta a crônica “Complexo de vira-latas”, em 1958 (p. 118-119). Pesquisar (auto)biograficamente possibilita destacar histórias como as de Gloria Anzaldúa (1987), provocadora de um pensar para além do engendramento da colonialidade, o engendramento patriarcal. Anzaldúa (1987), ao contar da sua vida como mestiça nos Estados Unidos, faz um recorrido das artimanhas de viver nas entranhas do império colonialista, racista e patriarcal. Concordamos com ela quanto ao fato de o engendramento patriarcal ser anterior ao colonialismo e à colonialidade. Anzaldúa (1987) diz, a partir de sua mestiçagem, que experimentou desde sempre o quanto os povos originários também foram marcados pelo domínio patriarcal. Ou seja, antes de ser nomeada com o nome de América Latina, existia algo em comum com os homens do além-mar: o domínio e a exploração de mulheres. Por meio da sua experiência de chicana, transparece um olhar de suspeição sobre a euforia de querer e/ou de pensar que o que aqui se vivia na mesoamérica eram flores antes de os europeus chegarem. Ela foi dessas mulheres que impactaram a academia pelo fato de dizer/escrever o que sentia: “escrevia com as tripas”! Chama de mestiçagem o que viveu na pele como chicana, pobre e lésbica nos Estados Unidos, onde nasceu e cresceu, sem jamais esquecer de suas raízes e marcas de pobreza, sexualidade e raça/etnia. Seus textos nos deixam doídas, porque elencam as entranhas, o de dentro, da raiva, do doer. Fazer com que isso entre em cena nos textos acadêmicos é alterar a abstração, a objetividade do distanciamento, beirando à neutralidade.

Não podemos discutir colonialidade sem trazer à tona a importante contribuição de María Lugones (2014) que, embora reconhecendo a importância da obra de Quijano (2018), foi além, cunhando o termo colonialidade de gênero que, segundo ela, foi de certa forma invisibilizado por Quijano, pois, quando desenvolveu o conceito de colonialidade do poder, utilizou a raça como elemento fundante e ignorou as questões de gênero.

O fio que preenche essa navete é tramado com a (auto)biografia e tem a cor verde, numa simbologia esperançosa de podermos fazer ciência com nossa miúda história pensada desde a potência de um projeto sonhado, até a ação da burocracia real, que nos entremeia com a plataforma dos Comitês de Ética: a vida acadêmica que nos obriga a preencher formulários, a encaminhar autorizações e pedidos de financiamento. Essa trama nos compõe!

O urdume acolhe a trama e produz a “interpenetração”

Utilizamos a referência das técnicas da tecelagem como metáfora para nosso argumento que vislumbra alinhavar, ao partir das experiências do “fazer pensar” das mulheres na compreensão científica do fazer ciência, na linguagem da produção do conhecimento, três fios. Com isso, por meio da epistemologia feminista, lançamos as bases de outra ciência e de outro conhecimento, que incorpora e reconhece os fazeres das mulheres (MORETTI; EGGERT, 2017).

Optamos por relacionar a experiência dos fazeres artesanais vindos do mundo têxtil como uma forma de indicar escolhas na linguagem provocadoras de um determinado modo de olhar. Na arte de tecer, a técnica de interpenetrar é compreendida naquilo que é a produção da trama quando há mais de um fio, em mais de uma navete a ser tecida. Esse aspecto garante a coletividade do processo colorido da peça, não apenas pela simples presença de diversos fios, mas pela trama necessária, pois, sem a trama, não existe produção. Para Áquila Klippel,

interpenetração ou interlace é quando duas - ou mais (acréscimo nosso) - navetes [espécie de agulhas] com fios de cores diferentes, na mesma cala são conduzidos em sentidos contrários. A navete com a cor A opera apenas do lado esquerdo do trabalho, enquanto que a navete de cor B opera do lado direito. O ponto de encontro das duas navetes no centro do tear é constantemente mudado. As navetes se encontram no centro do tear sem se cruzarem, por exemplo, com o pente na posição superior. Troca-se o pente e as navetes voltam cada uma para o seu lado. Uma das duas navetes deverá envolver a urdidura que fica entre as duas linhas.

A técnica da interpenetração é utilizada como metáfora para pensar em nossa opção metodológica. O urdume, que são os fios fixados no tear e por onde a trama se produz, chamamos de argumento da descolonialidade, e os fios das navetes, que fazem a trama acontecer, são em número de três, apresentando cores que delineiam essa experiência: lilás - estudos feministas; vermelho - pesquisa participante; e verde - pesquisa autobiográfica. É na passada de navetes com os fios diferentes (teorias distintas) num urdume que trama esse movimento de ir e vir por meio do pente e da navete que ensaia essa nossa experiência teórico-metodológica.

A “interpenetração” contém a perspectiva dos três “fios” teórico-metodológicos que fortalecem os argumentos para a superação do patriarcalismo, do colonialismo e do racismo. A “interpenetração” é feita com o urdume compositor da experiência das mulheres. Em outras palavras, não é possível pesquisar sem considerar os modos de produzir conhecimento comprometidos com o movimento político das mulheres latino-americanas e de todo o mundo, na valorização dos saberes advindos dos povos tradicionais, que, nesse caso, podem ser representados na prática do tecer e do tramar. Dessa forma, queremos aqui visibilizar os saberes das mulheres invisibilizadas (dos grupos populares, das negras, das indígenas, das aprisionadas), demonstrando que elas são produtoras de conhecimento. Questionamos a ideia de um único conhecimento válido e viável. Subvertemos essa lógica e refazemos algumas perguntas, como: a ciência tem se alimentado dos saberes populares? O quanto ela está aberta para isso? Especialmente, no que a ciência se refere aos conhecimentos produzidos por mulheres que integram esses grupos? A ciência incorpora e reconhece esses conhecimentos? De que modo?

Nesse contexto, provocamos com a palavra vinda dessa técnica tecelã: interpenetração!, que pode gerar muitas associações fálicas, marcadas também por violências. Nossa busca ensaística é pela ressignificação. A diferença entre as técnicas de entrelaçar e interpenetrar é de que, no entrelaçar, temos o enlace dos fios da navete, e, no interpenetrar, temos o enlace junto ao urdume, mantendo cada fio na sua pertença.

Problematizamos o conhecimento academicamente válido, marcado historicamente pela invisibilidade dos conhecimentos das mulheres. E esses conhecimentos são retomados pelas influências dos estudos feministas, da pesquisa participante e da pesquisa autobiográfica, em nosso urdume de pesquisas. É, portanto, uma metodologia fundada a partir da produção coletiva de peças produzidas, com diferentes grupos de mulheres. São recursos metodológicos em processo simultâneo entre o fazer e o pensar. Nesse sentido, fazer e pensar se articulam e, simultaneamente, são performances simbólicas do que milenarmente as mulheres aprenderam como tarefa sua. Essas reinvenções visam apresentar novos modos de “senti-pensar” a pesquisa com mulheres e não sobre elas. Para Silvia Marcos e Carmen Hernández (2013), “senti-pensar” ou “sentipensar” é uma proposta de vida e pode ser considerada, também, uma categoria epistemológica, introduzida pelos povos originários mesoamericanos (MARCOS; HERNANDÉZ, 2013).

Há uma intrepidez em processamento constante para aqueles e aquelas que não se conformam. Acreditamos que, sem a insurgência, não respiramos a ousadia da desinformação, da deseducação, para a descolonização acontecer: pensar e fazer coisas para além do que nos desejaram e inscreveram. Para descolonizar, é preciso perceber a colonialidade enraizada e engendrada. A colonialidade engendrada em nós persiste quando “ainda” mantemos na Educação Popular a ideia velada de que podemos considerar a universalidade/homogeneidade como palavra geradora, suavizando as discriminações firmadas no sexismo da produção do conhecimento, entre uma maioria de companheiros que escreve na contrapartida de uma maioria de companheiras que lê. Não nos apercebemos de que, quando escrevemos, citamos muito mais os companheiros do que as nossas próprias companheiras. Muitas vezes, ainda deixamos de lado memórias, histórias geradoras e produtoras de conhecimento experimentadas por mulheres.

Marina Colasanti (2004), no conto ficcional “A Moça Tecelã”, descreve uma personagem tecelã que, através do bordado, materializa seus desejos. Conforme Maria Helena Beluque e Célia Regina Fernandes (2011),

a narrativa inicia com a imagem de uma moça que, sentada em seu tear, é capaz de produzir tudo aquilo que necessita e deseja. Tece o nascer e o pôr do sol, as estações do ano, os alimentos que precisa e, principalmente, o faz com muito prazer. Até que um dia se sente muito sozinha e resolve tecer um companheiro. Com a chegada dele, o tear é transformado em um instrumento para aquisição de riquezas. Ele solicita à moça tecelã a construção de um castelo de luxo, com torres, cavalos e cofres. Já cansada dessas obrigações, a moça resolve voltar à sua condição inicial e, ao anoitecer, senta-se ao tear e destece tudo aquilo que o marido solicitara, até mesmo o companheiro. Ao final, encontra-se sozinha, em sua pequena casa, tecendo um novo amanhecer (p. 172).

Sobre as origens das personagens tecelãs, podemos afirmar que o ato de tecer está relacionado, historicamente, a uma atividade majoritariamente feminina.

Encontramos, na mitologia grega, a lenda de Aracne, uma tecelã que desafia uma divindade para um concurso de tecelagem e, por ser melhor que ela, a personagem é transformada em aranha; e a mulher Ariadne, do mito do Minotauro, que orienta Teseu a sair do labirinto que abrigava o monstro seguindo o novelo de lã que marcaria o caminho. Na literatura clássica, conhecemos, na obra Odisséia, a esperta Penélope, que tecia de dia e desmanchava à noite, com o propósito de adiar a escolha do novo marido e esperar por Ulisses. Há ainda, nos contos tradicionais, a pobre moça que desejava se casar e recebeu ajuda das senhoras fiandeiras, em As três parcas, dos Irmãos Grimm; o conto Rumpelstiltskin, dos mesmos autores, que inclui uma personagem que transforma fios de linho em fios de ouro ao tecer; além da velha que fiava no alto da torre, cujo fuso feriu a jovem Bela Adormecida, entre outras (BELUQUE; FERNANDES, 2011, p. 173-174).

O desejo destacado no conto se refere a uma idealização do marido perfeito. Mas, ao longo do conto, fica visível o quanto ela perdeu sua autonomia. Os seus desejos não eram mais seus, mas os de seu marido, que passou a dominar a vida dessa mulher, dominando a sua magia de tecer a vida. Em um belíssimo texto sobre têxteis e mulheres, para a escritora Ana Maria Machado (2003), o ato de fiar e tecer esteve em mãos de mulheres até o aparecimento do tear mecânico, em 1764, considerando que só se difundiu na primeira metade do século XIX. Isso permitiu a domesticação feminina, com o confinamento da mulher no espaço doméstico. Mas, ao mesmo tempo, possibilitou também que, com o aumento da fiação e da tecelagem, aumentassem as comunidades femininas, onde mulheres passavam o dia reunidas, tecendo juntas, separadas dos homens, contando histórias, narrando e explorando as palavras, com poder sobre sua própria produtividade e possuindo certa autonomia de criação. “A carga simbólica de tudo isso era poderosa, associando útero e tecelagem, cordão umbilical e fio da vida, trama e coletividade na produção de excedentes econômicos” (MACHADO, 2003, p. 182).

Peter Stallybrass (2008) afirma que pensar sobre roupas significa pensar sobre a memória e também sobre poder e posse. Ao examinar a Inglaterra renascentista, o autor a classifica como uma “sociedade da roupa”, reconhecendo a base da economia da época na produção têxtil. Para ele, “em uma economia da roupa, entretanto, as coisas adquirem uma vida própria, isto é, somos pagos não na moeda neutra do dinheiro, mas em material que é ricamente absorvente de significado simbólico e no qual as memórias e as relações sociais são literalmente corporificadas” (p.15).

Considerações finais

Pensar ao largo da colonialidade, assim como pensar para além do patriarcado, é a utopia para as nossas pesquisas dentro e fora das instituições formais de ensino, sejam elas escolas ou universidades. É nesse sentido que mesclar Estudos Feministas, Educação Popular e Pesquisa autobiográfica constrói um argumento metodológico descolonizador potente. A percepção da importância das experiências do mundo da vida das mulheres, das diferenças/injustiças de gênero e das lutas pela igualdade, tanto nas questões de gênero, classe e raça/etnia, reafirma o tema da dignidade humana e constitui elemento criativo de resistência e insubordinação.

A “interpenetração” é a busca de um “fazer pensar” fecundo, com as mulheres excluídas dos processos formais de Educação, mas que se educam na vida, nas resistências diárias à subjugação de gênero, classe e raça, e, igualmente, no mundo do trabalho. É, também, a tentativa de compreender as singularidades por meio do ato de sistematizar e narrar, o que possibilita pensar nossas experiências formadoras interpenetradas na trama descolonizadora e da consciência dos limites que essa experiência já nos produziu. Aponta para o inédito viável - a descolonização da própria teoria -, encabeçado por grupos de mulheres cada vez mais autônomas e, por isso, leitoras e escritoras do mundo.

Nossas experiências acadêmicas com mulheres das classes populares, tanto das periferias urbanas quanto de áreas campesinas, que já somam mais de uma década de atuação nestas tramas de estudos, nos levam a perceber a potência das trajetórias das mulheres, e a força de suas narrativas. Suas vivências, com a produção artesanal, visibilizam para elas mesmas (e isso é o mais importante) a importância do seu “ser mais”, enquanto pessoas que são sujeitos de conhecimento, e que seus saberes são válidos, tanto quanto outros conhecimentos que lhes foram negados ao longo da vida (como os saberes escolares, por exemplo). Percebemos o quanto a produção artesanal e/ou têxtil aproxima as mulheres que, coletivamente, se formam e se fortalecem, num processo que é pedagógico, mas também é social e político.

Referências

ANGELOU, Maya. Mom & Me & Mom. New York: Random House, 2013. [ Links ]

ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Aunt Lute Books, 1987. [ Links ]

BARTRA, Eli. “Rumiando en torno a lo escrito sobre mujeres y arte popular”. La ventana [online], Guadalajara, v. 3, n. 28, 2008, p. 7-23. [ Links ]

BELUQUE, Maria Helena Touro; FERNANDES, Célia Regina Delácio. “Reencantos e ressignificações no conto de fadas contemporâneo: uma análise de ‘A Moça Tecelã’”. Anuário de Literatura, v. 16, n. 1, p. 171-185, 2011. [ Links ]

BORDA, Orlando Fals. “Aspectos teóricos da pesquisa participante: considerações sobre o significado e o papel da ciência na participação popular”. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 42-62. [ Links ]

BORGES, Juliana. O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2018. [ Links ]

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa participante . São Paulo: Brasiliense, 1981. [ Links ]

BURITY, Joanildo. Fé na revolução: protestantismo e o processo revolucionário brasileiro (1961-1964). Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2011. [ Links ]

BUTLER, Judith. “Resignificación de lo universal: Hegemonía y limites del formalismo”. In: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj (Orgs.). Contingencia, hegemonía, universalidad. Barcelona: FCE, 2004. p. 17-48. [ Links ]

COLASANTI, Marina. A moça tecelã. São Paulo: Global, 2004. [ Links ]

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016. [ Links ]

DAVIS, Angela. Women, Race, & Class. New York: Vintage Books, 1983. [ Links ]

DELORY-MOMBERGER, Christine. Biografia e educação: figuras do indivíduo-projeto. Tradução de Maria da Conceição Passeggi, João Gomes da Silva Neto e Luis Passeggi. Natal: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; São Paulo: Paulus, 2008. [ Links ]

DELORY-MOMBERGER, Christine. Biographie et éducation. Figures de l’individu-projet. Paris: Anthropos, 2003. [ Links ]

EGGERT, Edla. “Supremacia da masculinidade: questões iniciais para um debate sobre violência contra mulheres e educação”. Cadernos de Educação, UFPel, v. 15, p. 223-232, 2006. [ Links ]

EGGERT, Edla; SILVA, Márcia Alves da. “Observações sobre pesquisa autobiográfica na perspectiva da educação popular nos estudos de gênero”. Contexto & Educação, v. 26, p. 51-68, 2012. [ Links ]

ESTEBAN, Maria Teresa; TAVARES, Maria Tereza. “Educação popular e a escola pública: antigas questões e novos horizontes”. In: STRECK, Danilo R.; ESTEBAN, Maria Teresa. Educação Popular: lugar de construção social coletiva. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 73-99. [ Links ]

EVARISTO, Conceição. “Chica que manda ou a mulher que inventou o mar”. Anuário de Literatura. Florianópolis, UFSC, v. 18, 2013, p. 137-158. [ Links ]

EZPELETA, Justa. “Notas sobre pesquisa participante e construção teórica”. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA PARTICIPATIVA, 1984, Brasília. Anais ... Brasília: INEP, 1984. [ Links ]

FERRAROTTI, Franco. História e histórias de vida: o método biográfico nas ciências sociais. Natal: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2014. [ Links ]

FIORENZA, Elisabeth Schüsller. Discipleship of Equals: A Critical Feminist Ekklesia-Logy of Liberation. Barcelona: Herder, 1993. [ Links ]

FIORENZA, Elizabeth Schüsller. Discipulado de Iguais. Ekklesia-Logia Feminista. Tradução de Yolanda Steidel Toledo. Petrópolis: Vozes, 1995. [ Links ]

FREIRE, Paulo. “Criando métodos de pesquisa alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação”. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 34-41. [ Links ]

GAJARDO, Marcela. Pesquisa Participante na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1986. [ Links ]

GARGALLO, Francesca. “Feminismo latino-americano”. Revista Venezolana de Estudios de la Mujer, Caracas, v. 12, n. 28, p. 17-34, enero-junio 2007. [ Links ]

GEBARA, Ivone. Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal. Petrópolis: Vozes, 2000. [ Links ]

HARDING, Sandra. “Gênero, democracia e filosofia da ciência”. RECIIS, Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 163-168, jan./jun. 2007. [ Links ]

JOSSO, Marie-Christine. “A transformação de si a partir da narração de histórias de vida”. Revista Educação, Porto Alegre, ano XXX, n. 3, v. 63, p. 413-438, set./dez. 2007. [ Links ]

JOSSO, Marie-Christine. Caminhar para si. Tradução de José Claudino e Júlia Ferreira. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010. [ Links ]

JOSSO, Marie-Christine. Chemer Verso Soi. Lausane: Editions L’Age d’Homme, 1991. [ Links ]

KLIPPEL, Áquila. Tecelagem Manual. Tear de Pente Liço, [s.d.]. Disponível em Disponível em http://www.tecelagemanual.com/ . Acesso em 24/05/2018. [ Links ]

KOROL, Claudia. “La educación como práctica de la libertad: nuevas lecturas posibles”. In: KOROL, Claudia (Org.). Hacia una pedagogía feminista: géneros y educacíon popular. Buenos Aires: El Colectivo y América Libre, 2007. p. 9-22. [ Links ]

LAGARDE Y DE LOS RÍOS, Marcela. Los cautiverios de las mujeres: madresposas, monjas, putas, presas y locas. Ciudad de México: PUEG, 2005. [ Links ]

LOURO, Guacira Lopes. “Epistemologia feminista e teorização social - desafios, subversões e alianças”. In: ADELMAN, Miriam; SILVESTRIN, Celsi Brönstrup (Orgs.). Gênero Plural: um debate interdisciplinar. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2002. p. 11-22. [ Links ]

LUGONES, María. “Rumo a um feminismo descolonial”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set.-dez. 2014. [ Links ]

MACHADO, Ana Maria. “O tao da teia - sobre textos e têxteis”. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 173-197, 2003. [ Links ]

MARCOS, Silvia; HERNÁNDEZ, Carmen Osorio. Senti-pensar el género: perspectivas desde los pueblos originários. Guadalajara: Taller Editorial La Casa del Mago, 2013. p. 27-61. [ Links ]

MIGNOLO, Walter D. “Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, p. 3-17, jun. 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092017000200507&lng=en&nrm=iso . Acesso em 01/06/2018. [ Links ]

MONDIN, Battista. Os teólogos da Libertação. São Paulo: Paulinas, 1980. [ Links ]

MOREIRA, Tereza; VIEZZER, Moema. Moema Viezzer: vocação para semente - a história de uma facilitadora da inteligência coletiva. São Paulo: Brasil Sustentável, 2017. [ Links ]

MORETTI, Cheron Zanini; ADAMS, Telmo. “Pesquisa participativa e Educação Popular: epistemologias do sul”. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 447-463, maio/ago. 2011. [ Links ]

MORETTI, Cheron Zanini; EGGERT, Edla. “Mulheres, Experiência e M/ediação: encontros possíveis/necessários[?] Entre a cidadania e a pedagogia”. In: ADAMS, Telmo; STRECK, Danilo; MORETTI, Cheron. Pesquisa-Educação, mediações para a transformação social. Curitiba: Appris, 2017. p. 45-64. [ Links ]

MUSSKOPF, André. Via(da)gens teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2012. [ Links ]

OCHOA, Luz Maceira. El sueño y la práctica de sí. Pedagogía feminista: una propuesta. México, D.F.: El Colegio de México, Centro de Estudios Sociológicos, Programa Interdisciplinario de Estudios de la Mujer, 2008. [ Links ]

PERRELLI, Maria Aparecida de Souza; REBOLO, Flavinês; TEIXEIRA, Leny Rodrigues Martins; NOGUEIRA, Eliane Greice Davanço. “Percursos de um grupo de pesquisa-formação: tensões e (re)construções”. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 94, n. 236, p. 275-298, jan./abr. 2013. [ Links ]

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. Tradução de Ângela M. S. Côrrea. São Paulo: Contexto, 2007. [ Links ]

PERROT, Michelle. Mon histoire des femmes. Paris: Seuil, 2006. [ Links ]

PISANO, Margarita. El triunfo de la masculinidad. Fem-e-libros/creatividad feminista, 2004. Disponível em Disponível em https://www.avlaflor.org/wp-content/uploads/2020/04/El-Triunfo-de-la-masculinidad.-Pisano.pdf . Acesso em 24/05/2018. [ Links ]

PRECIADO, Beatriz Paul. Manifiesto contrasexual. Traducción de Julio Díaz y Carolina Meloni. Barcelona: Anagrama, 2011. [ Links ]

QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2005. p. 227-278. (Colección Sur Sur) Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/pt/Quijano.rtf. Acesso em 21/01/2018. [ Links ]

RODRIGUES, Nelson. “O complexo de vira-latas”. In: CASTRO, Rui (Org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva; Companhia das Letras, 1993. p. 118-119. [ Links ]

RUETHER, Rosemary Radford. Religion and Sexism: Images of Woman in the Jewish and Christian Traditions. Oregon: Wipf & Stock, 1998. [ Links ]

RUETHER, Rosemary. Sexismo e Religião. Tradução de Walter Altmann e Luís Marcos Sander. São Leopoldo: Sinodal, 1993. [ Links ]

SCOTT, Joan Wallach. “A invisibilidade da experiência”. Tradução de Lúcia Haddad. Revisão Técnica de Marina Maluf. Projeto História, São Paulo, v. 16, p. 297-325, 1998. [ Links ]

SCOTT, Joan Wallach. “Experiência”. Tradução de Moisés Silva. Revista La Ventana, México, n. 13, p. 47-74, 2001. [ Links ]

SCOTT, Joan Wallach. “The evidence of experience”. Critical Inquiry, v. 17, n. 4, p. 773-797, 1991. [ Links ]

SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Refletindo a pesquisa participante no Brasil e na América Latina. São Paulo: Cortez, 1986. [ Links ]

STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. [ Links ]

STRECK, Danilo R.; ADAMS, Telmo. Pesquisa Participativa, Emancipação e (Des)Colonialidade. Curitiba: CRV, 2014. [ Links ]

STRECK, Danilo. “Pesquisa (ação)participante e convergências disciplinares. Reflexões a partir do estudo do orçamento participativo no sul do Brasil”. Civitas, Revista de Ciências Sociais (Impresso), Porto Alegre, v. 13, p. 477-495, 2014. [ Links ]

VIEZZER, Moema. Se me deixam falar, Domitila: depoimento de uma mineira boliviana. São Paulo: Global, 1987. [ Links ]

1A ideia de trabalhar coletivamente um texto é sempre um desafio. Esse texto é resultado de algumas oficinas, debates e trocas entre as autoras, com a consciência das metáforas a partir do artesanato. O urdume, as navetes e os fios da tecelagem enfatizam a ideia dos nossos estudos feministas, da pesquisa participante e da (auto)biografia.

2Nomear as autoras e autores é uma escolha metodológica que busca problematizar o utilitarismo na apresentação das teorias estudadas. Para além das ideias, estamos dialogando, por meio dos seus escritos, com homens e mulheres que, em seu tempo, propuseram análises, as quais nos interpelam nos dias atuais e se tornaram referências para novas pesquisas e novas teorias.

3Nos diferentes grupos de mulheres, nas cidades citadas, variadas técnicas de produção artesanal foram vivenciadas/observadas, por meio de atividades de pesquisa e extensão.

4A experiência formadora das mulheres das classes populares com pouca escolaridade, chamadas de analfabetas funcionais, tem na figura das mulheres negras seu maior grau. A proposta dos governos Lula e Dilma, de centro esquerda do Brasil, entre os anos 2003 até 2015, criou alternativas de acesso para a educação formal dessas mulheres, por meio de Programas Nacionais que iniciaram na Região Norte e Nordeste, chamados Mulheres Mil. Todo esse esforço de estruturar políticas públicas para diminuir o alto grau de mulheres analfabetas está novamente paralisado, devido ao golpe parlamentar e jurídico vivido pela Presidenta Dilma Rousseff, no ano de 2016, e com a vitória de Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018. E, portanto, uma vez paralisado, sinaliza o aprofundamento do abismo em que novamente essas mulheres, a maioria negra, têm sido mantidas.

5Essa obra citada traz uma boa síntese da militância de Moema Viezzer (socióloga, feminista e ambientalista brasileira), por meio da Rede Mulher de Educação, ONG feminista sediada em São Paulo, fundada no início da década de 1980. Nessa atuação militante, em diálogo com outras feministas, é que surge o conceito. A sistematização das experiências com as mulheres no Brasil e nos demais países da América Latina e Caribe é referência para a compreensão da Educação Popular Feminista como referencial teórico, metodológico e político das análises feitas por essas pioneiras.

6As autoras destacam que essa síntese foi produzida pela REPEM (Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e o Caribe), na comemoração dos seus 30 anos, partindo das experiências dos coletivos feministas a ela filiados. Sobre a REPEM, ver http://www.democraciaycooperacion.net/contenidos-sitio-web/portugues/fidc-370/redes-e-organizacoes/article/rede-de-educacao-popular-entre. Acesso em 01/07/2019.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: EGGERT, Edla; SILVA, Márcia Alves da; DELLA LIBERA, Aline Lemos da Cunha. “Dos fios que se interpenetram na tecelagem: um conceito para os estudos feministas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 2, e77384, 2022.

Financiamento: Projetos coordenados pelas autoras: - “Tecnologia e Educação: o artesanato, as mulheres e a busca por dignidade e reconhecimento”. Projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Edla Eggert [Bolsa Produtividade, 2012-2014]; - “Gerenciar, criar e produzir: o educativo de um ateliê de tecelagem”. Projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Edla Eggert e financiado pelo Edital Universal CNPq 2012-2014; - “O processo (auto)formador de trabalhadoras no artesanato gaúcho”. Projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Dr. Edla Eggert e financiado pelo Edital MCT/CNPq/SPM-PR/MDA n.57/2008 - categoria 1; - “Artesã e professora: aproximações entre trabalho feminino e docência”. Projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Márcia Alves da Silva. Projeto de pesquisa financiado pelo Edital CNPq Universal 14/2011; - “Gênero, educação e arte: artesania, arte popular e formação em oficinas de criação coletiva”. Programa de extensão universitária coordenado pela Profa. Dra. Márcia Alves da Silva, financiado pelo Edital PROEXT 2014. MEC/SESu; - “Conhecimento que se tece e destece: diálogos com mulheres que ensinam e aprendem artesanato problematizando pressupostos na elaboração de propostas para a educação de jovens e adultos”. Projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Aline Lemos da Cunha Della Libera e financiado pelo CNPq e FAPERGS entre os anos de 2011 e 2014; - “Justiça com as próprias mãos: grupos de discussão e trabalhos manuais com mulheres negras atendidas pela Maria Mulher - os limites da/na legislação e a possibilidade de construir coletivamente alternativas viáveis para a superação de situações de opressão”. Projeto de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Aline Lemos da Cunha Della Libera, entre os anos de 2011 até 2012, financiado pelo CNPq.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 25 de Setembro de 2020; Revisado: 11 de Março de 2021; Aceito: 20 de Abril de 2021

edla.eggert@pucrs.br; edla.eggert@gmail.com

marcia@ufpel.edu.br; profa.marciaalves@gmail.com

alinefaced@gmail.com; alinefaced@gmail.com

Edla Eggert (edla.eggert@pucrs.br; edla.eggert@gmail.com) é pós-doutora (2014-CNPq) no Programa de Estudios de la Mujer da Universidad Autónoma Metropolitana - UAM, Cidade do México. Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (1998). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (1992) e Graduação em Pedagogia pela Universidade do Planalto Catarinense - UNIPLAC (1986). Professora na Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica - PUC-RS, sendo coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação desde abril de 2017 e docente nos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Teologia da mesma Universidade

Márcia Alves da Silva (marcia@ufpel.edu.br; profa.marciaalves@gmail.com) é pós-doutora em Educação (2018) pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-RS. Doutora em Educação (2010) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestre em Educação (2002) pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel e Bacharel em Ciências Sociais (1996). É Professora Associada e atua no Programa de Pós-Graduação em Educação, nível mestrado e doutorado acadêmico, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas.

Aline Lemos da Cunha Della Libera (alinefaced@gmail.com; alinefaced@gmail.com) é pós-doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-RS (2018). Doutorado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2010). Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel (2005). Possui Graduação em Pedagogia Séries Iniciais pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG (1998). Atualmente, é professora do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Contribuição de autoria: As autoras contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons