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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.2 Florianópolis maio/ago 2022  Epub 01-Maio-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n277563 

Artigos

Contraescritas feministas: educação das meninas de pedra

Feminist Counterwritings: Education of Stone Girls

Contraescrituras feministas: la educación de las niñas de piedra

Rosemary Rodrigues de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-1349-659X

Késia dos Anjos Rocha2 
http://orcid.org/0000-0002-1707-6007

Érika Cecília Soares Oliveira3 
http://orcid.org/0000-0003-4877-0971

1Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Departamento de Economia, Administração e Educação, Jaboticabal, SP, Brasil. 14884-900 - economia.fcav@unesp.br

2Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil. 49100-000 - ppged.ufs@gmail.com

3Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 24210-201 - sfp.ese@id.uff.br


Resumo:

Neste artigo, convidamos você a pensar fora das caixas coloniais da escrita acadêmica a partir da experiência de uma viagem de trem. Em seus vagões, estamos nós, autoras desta narrativa: duas mulheres negras e uma branca. Nosso propósito é produzir uma política de aliança entre mulheres no combate ao racismo. Embora se trate de um falatório, a protagonista desta história é a primeira autora e é em sua cabine que se desenrola esta contraescrita gestada no coração do Sul global. É por meio de seu trabalho de memória que discorremos sobre as exclusões que atravessam os corpos de meninas negras durante seus processos de escolarização. Resulta dessa lição a constatação da produção de fileiras de meninas de pedra, apartadas do ensino formal. Aqui, nosso pensamento se ancora em teorizações feministas e, a cada estação, reescrevemos a história oficial, registramos as lutas e construímos um futuro em comum.

Palavras-chave: Contraescrita; Feminismos subalternos; Memória; Mulheres negras; Educação

Abstract:

In this article, we invite you to think outside the colonial boxes of academic writing from the experience of a train trip. In its wagons we are, authors of this narrative: two black women and a white one. Our purpose is to produce a policy of alliance between women in combating racism. Though it is about polyphonic talk, the protagonist of this story is the first author and it is in her cabin that this counterwriting gestated in the heart of the global south takes place. It is by means of her memory work that we talk about the exclusions that cross the black girls’ bodies during their schooling processes. It results from this lesson the observation of the production of stone girls’ ranks, apart from formal education. Here, our thought is anchored in feminist theorizations and, at every station, we rewrite the official history, register the fights and build a common future.

Keywords: Counterwriting; Subaltern feminisms; Memory; Black women; Education

Resumen:

En este artículo, lo invitamos a pensar fuera de las cajas coloniales de la escritura académica a partir de la experiencia de un viaje en tren. En sus vagones, estamos nosotras, autoras de esta narrativa: dos mujeres negras y una mujer blanca. Nuestro propósito es producir una política de alianza entre mujeres en la lucha contra el racismo. Aunque se trata de una charla, la protagonista de esta historia es la primera autora y es en su cabina donde se desarrolla esta contraescritura generada en el corazón del sur global. Es a través de su trabajo de memoria que discutimos las exclusiones que atraviesan los cuerpos de las niñas negras durante sus procesos de escolarización. Resulta de esta lección la constatación de la producción de rangos de niñas de piedra, apartadas de la educación formal. Aquí, nuestro pensamiento está anclado en teorías feministas y, en cada estación, reescribimos la historia oficial, registramos las luchas y construimos un futuro común.

Palabras-llave: Contraescritura; Feminismos subalternos; Memoria; Mujeres negras; Educación

A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;

para aprender da pedra, frequentá-la;

captar sua voz inenfática, impessoal

(pela de dicção ela começa as aulas).

A lição de moral, sua resistência fria

ao que flui e a fluir, a ser maleada;

a de poética, sua carnadura concreta;

a de economia, seu adensar-se compacta:

lições da pedra (de fora para dentro,

cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão

(de dentro para fora, e pré-didática).

No Sertão a pedra não sabe lecionar,

e se lecionasse, não ensinaria nada;

lá não se aprende a pedra: lá a pedra,

uma pedra de nascença, entranha a alma.

(João Cabral de MELO NETO, 2008 [1965])

Linguagem seca, precisa, concisa, desprezo pelo sentimentalismo. A arte não é intuitiva - é calculada, nua e crua. Assim é a poesia “A educação pela pedra”, de João Cabral de Melo Neto. Assim foi inicialmente minha incursão pela escola. Um suprir de necessidades sem lirismo.

Filha do meio de pais analfabetos, até a quinta-série do Ensino Ginasial - atual sexto ano do Ensino Fundamental -, a escola era uma tarefa desagradável a ser cumprida.

Lembro-me das brincadeiras, das merendas, das brigas, das horas em pé na sala de aula, atrás da porta, escrevendo: ‘devo fazer a lição de casa’, das faltas. Muitas, incontáveis. Aluna evadida.

Lembro-me de que um dia, na quinta-série, após faltar seguidamente por vários dias, resolvi ir à escola. Por azar (que hoje percebo como sorte), ao chegar à sala de aula, fui surpreendida com a notícia de que haveria prova de Ciências.

Sentei-me. Alunas enfileiradas. Provas entregues. “O que são rochas magmáticas? Dê exemplos”. Sabia escrever meu nome. Sabia a data. Mas não sabia o que eram rochas e muito menos o que seriam as ‘magmáticas’.

Levanto o olhar da folha em branco e encontro um par de olhos sobre mim.

Ele não deveria ser alto, mas, para crianças, todos os homens o são.

Era um pouco gordo e tinha bigode. Era branco e se chamava Luís. Professor Luís. Ele me olhava.

Sinto aqui, nessa folha de papel, o peso de seus olhos.

Demorei-me para entender o significado do olhar que em mim pesava.

Não era raiva... os olhos pareciam rir, mas não eram simpáticos. Não riam para mim. Riam de mim. Hoje, aos 50 anos de idade, digo que era um olhar irônico. Aos 11 anos de idade, eu não sabia nomear, apenas sabia sentir o desconforto daquele olhar que, em minha percepção, se abateu por 50 minutos apenas sobre mim naquela sala de aula.

Findo o tempo da prova, era de praxe que as alunas passassem a folha de questões para a colega da frente e assim sucessivamente, até que uma pilha de provas se amontoasse na primeira carteira e, então, o professor as recolhia, formando um monte único.

Naquela manhã, o ritual foi quebrado e, antes que eu pudesse enviar minha folha em branco para a colega da frente, o professor se postou em pé diante de mim. Mão estendida, olhos que riam. Disse ele:

- Me dê a prova. Não adianta, Rose, tentar tirar sangue de pedra. É isso que você é. Você é uma pedra.

Não entendi o teor das palavras do professor aos 11 anos de idade. Apenas fiquei profundamente envergonhada com o peso dos olhos, o tom da voz, a mão esticada, a palavra proferida apenas para mim, a sala me olhando. Esse evento foi o primeiro divisor de águas em minha vida.

Não voltei mais à escola aquele ano. Um dia meu pai descobriu que eu ‘repeti o ano por faltas’ e eu, acreditando que iria apanhar, ouvi temerosa de sua boca algumas poucas palavras tranquilas:

- Se não quiser mais ir à escola não precisa, Rose, eu nunca fui e a gente sempre come.

Não sei precisar o poder desses dois eventos em minha vida. Mas hão de possuir algum poder, pois são esses, dos eventos que constituem minhas memórias escolares, os que me encharcam o coração quando penso em escola.

No poema de João Cabral, a pedra nos remete à aridez humana e geográfica do Nordeste, que é símbolo constante na obra do autor, fazendo confluir a temática social com a reflexão sobre o fazer poético no próprio texto artístico. A pessoa retratada pelo poeta pertence a um espaço em que não se pode aprender a pedra, mas onde a própria pedra se aloja na alma do sujeito. E é esse incômodo, essa realidade às vezes repugnante, às vezes encantadora, que figura ao mesmo tempo nos versos do poeta.

Há, em João Cabral, uma verdadeira “didática da pedra”, como processo teórico e prático da preensão da realidade. Essa “educação” consiste num processo de imitação de objetos, pelo qual é possível tratar da realidade através do poema. Isto é, através de uma forma, de uma linguagem que, para sua estruturação, não despreza, antes acentua, a existência do objeto. O autor faz uma poesia de “pedra”. Ou seja, uma poesia de imagens duras, tanto nos temas quanto na escolha das palavras.

Eu, quando criança, fui nomeada pedra. No poema de João Cabral, quem ensina é a pedra. A pedra, um objeto inanimado, duro, frio, que a princípio não tem nenhuma qualidade, não demonstra nada, não faz nada, é passada despercebida, ganha em João Cabral essa poesia fantástica.

Ao longo de minha vida escolar/acadêmica, existiram poesias de grãos, por fim, que permitiram a surpresa, permitiram procurar, descobrir ou mesmo inventar novos sentidos à palavra proferida pelo meu professor de Ciências e que, talvez antes, sequer merecessem figurar dentre os versos de minha vida, dando valor à experiência e ao meu aprendizado difícil - pelo contato, pelo atrito, pela visão e pelo sentido -, que é muito mais complexo que qualquer abstração.

Ao fim do Ensino Fundamental, minha professora de Língua Portuguesa, dona Maria do Carmo Claudino de Castro, me enxergava não como pedra, mas como esponja, que a tudo ouvia e absorvia. Ávida. Via em mim diferentes possibilidades de ser no mundo e sacramentou: ‘você deve fazer faculdade’. Inicialmente, o imperativo da fala foi, para mim, apenas isso: uma ordem, que se metamorfoseou em desejo, e que posteriormente criou raízes de destino a ser cumprido. E com esse ideário, findo o Ensino Fundamental e intenciono ingressar no Ensino Médio, com vistas à construção dos alicerces que me levariam à Universidade.

Contudo, esse destino era desacreditado pelo meu pai, que me retirou da escola. Ele não era intelectualmente limítrofe como Fabiano, do romance de Graciliano Ramos (2013), mas se conformava com a ‘ordem natural das coisas’ e era machista. Nas palavras de meu pai: uma moça ter estudado até a oitava série já está de bom tamanho, e dizia ainda que faculdade era coisa de gente rica e a gente é pobre, aqui você não estuda.

Saí da casa de meu pai aos 15 anos para poder estudar, visto que sua ordem foi clara. Eu preferi seguir o imperativo de minha professora de Língua Portuguesa.

Na estação. A espera. Um convite para o embarque

Imaginemos uma estação. Os trilhos dos trens em horizontes infinitos. A imagem dos trilhos do trem trazida por Grada Kilomba (2019), o mesmo trilho que habitou a infância de algumas de nós, o trilho que divide territórios, mas que também cruza paisagens, que é fronteira e que conecta geopolíticas, pessoas, mundos. Convidamos vocês a adentrarem nos vagões da locomotiva, ela já apita e esfumaça, está preparada para partir. Seu destino? Não sabemos. Garantimos que, por hora, ela seguirá pelos trilhos. O convite é feito por nós, duas mulheres negras, uma mulher branca; o fazemos como quem, pacientemente, prepara um origami e, a cada dobra, buscamos dar formas às nossas alianças e estratégias de enfrentamento ao racismo. Convidamos vocês a fazerem conosco essa viagem, e nessas horas de estradas e paisagens em movimento, embarcaremos juntinhas, tentando tecer algum tipo de pensar. Que seja leve. Que tenha amendoim, pé de moleque, café ou, até mesmo, uma tapioquinha com coco, pois partilhar a comida também é ‘contra mover-se’. Que seja polifônico. Que seja um grande falatório.

Cabine 1 do vagão: A cabine de Rose

[Sentadas cada uma em sua poltrona, estamos nós, as autoras. O trem começa a se mover e a paisagem passeia diante de nossos olhos. Um leve sorriso inunda nossos rostos. Não é necessário palavra. Nos falamos num entreolhar].

Copio inúmeras vezes o nome deles no caderno de capa azul, quero provar a mim mesma que eles existiram, pronuncio seus nomes um a um na noite silenciosa. Sobre cada nome devo definir um rosto, pendurar um retalho como lembrança.

(Scholastique MUKASONGA, 2018)

A narrativa que abre este artigo se ancora na memória escolar de uma das autoras. Tomaremos essa narrativa memorialística como o fio condutor das discussões que se seguirão. A escolha de uma narrativa pessoal, aqui, não é por acaso. Acreditamos que o trabalho de memória tem sido utilizado por muitas mulheres do Sul global que sabem que suas histórias não são individuais e, por isso mesmo, lutam para não deixá-las permanecerem presas em um quarto fechado. De acordo com Nelson Maldonado-Torres (2019), intelectuais negras e de cor costumam compreender a escrita como um momento fundamental em suas trajetórias, utilizando-a como uma forma de reconstruir seus mundos. Para tanto, este autor traz a ideia do corpo aberto, inspirado em autoras/es como o martinicano Frantz Fanon (2008) e a chicana Gloria Anzaldúa (2016). Um corpo aberto seria capaz de produzir vínculos, construir pontes, permitindo emergir um discurso singular e novas formas de pensar, capazes de revelar as feridas abertas pela colonização. Em Pele negra, máscaras brancas, Fanon (2008) expressa, em uma única frase, uma prece que encerra a obra, aquilo que Walter Mignolo (2017) diz se tratar da base das epistemologias fronteiriças, ao imprimir a percepção ‘bio-gráfica’ do corpo em sua narrativa. Diz Fanon (2008, p. 191): “Ô meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!”.

Em seu livro Borderlands/La Frontera, Anzaldúa (2016) diz preferir pensar as histórias que escreve não como objetos mortos e inertes e, sim, como performances e, como qualquer obra de arte, elas encerrariam dentro de si encarnações de deusas e ancestrais bem como poderiam trazer poderes naturais e cósmicos, sendo possuidoras de identidades. Por meio de sua escritura, Anzaldúa reconstruía seus traumas, encontrando sentido para eles e, com isso, eles se tornariam passíveis de transformações. Escrever, ainda que seja um trabalho dolorido, de retorcer-se por completo, um “espinho de cacto metido na pele” (ANZALDÚA, 2016), permite também o alívio da dor e, sobretudo, a possibilidade de criar um significado para a experiência vivida. Trata-se de lançar uma ponte erigida com as próprias costas que conecta culturas, raças, gerações e, sendo assim, acaba por educar as pessoas sobre suas raízes. Justamente por acreditar na importância da escritura para que um amplo público tivesse conhecimento de sua herança cultural é que a escritora escrevia livros infantis, poemas, ficção, além de teorias, apostando na possibilidade de reinventar o que já foi dito. São suas as palavras: “Toda mi lucha gira en torno a cambiar las disciplinas, a cambiar los géneros, a alterar el modo en que la gente mira un poema, la teoría o los libros infantiles” (ANZALDÚA, 2016, p. 278).

São muitas as autoras que partem de suas lembranças para construírem um outro universo cognitivo, tais como as brasileiras Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus, a ruandesa Scholastique Mukasonga, as nigerianas Buchi Emecheta e Chimamanda Ngozi Adichie, a norte-americana Maya Angelou, só para mencionar algumas. Elas tiveram o paciente trabalho de escolher as palavras como instrumento para transmitir suas memórias, para dar visibilidade a experiências múltiplas e, ao mesmo tempo, singulares, espalhadas pelo globo e para recontar, estrategicamente, histórias que, de outro modo, permaneceriam desconhecidas, engrossando a ignorância tão astutamente almejada por parte de grupos dominantes. Histórias essas que conectam raça, gênero, orientação sexual, religião, classe social, região e tantos outros vetores de poder e diferenciação e que mostram distintas aritméticas de opressão e de luta, confrontando a ideia de universalidade histórica que nos tem sido imposta. A memória, neste caso, é acionada como um dever - “dever de memória” -, como aponta Mukasonga em entrevista (Thaís SEGANFREDO, 2018), referindo-se ao genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994. Para esta autora, seria digno de arrependimento e também um grande perigo que se deixasse de falar sobre as coisas que aconteceram. Ela se compreende como uma guardiã da memória de seu povo.

Ao embarcarem nesse processo de narrativização de si - e, portanto, do mundo -, essas escritoras se tornaram contadoras de histórias que, usualmente, não estão disponíveis nas historiografias oficiais androcêntricas e embranquecidas e que não chegam para grande parte da população. Entregaram-se ao trabalho de se desprender (MIGNOLO, 2017), que nada mais é que um vigoroso processo de desobediência epistêmica e, de algum modo, de reconstrução do social. Como não podem evitar as narrativas que lhes foram designadas, acabam por desobedecê-las. Desprender, portanto, teria estreita conexão com a tarefa de colocar o pensamento, como ensina Patricia Hill Collins, “fora das caixas coloniais da tradição” (Dennys SILVA-REIS, 2019, p. 232).

Se o Sul é uma ficção política construída pela razão colonial (Paul Beatriz PRECIADO, 2019), essas mulheres expõem as feridas abertas (ANZALDÚA, 2016) pelas milhares de explorações que incidiram sobre seus corpos e subjetividades. Elas deixam ver o talho profundo que sangra sem cessar e cuja reparação (e cicatrização) terão que reivindicar incansavelmente ao longo de anos, décadas, até mesmo séculos. De acordo com Preciado (2019), para a epistemologia ocidental, o Sul não passa de um animal, do feminino, sempre infantil, negro, maricas. Tomado como a região da mais pura exploração, o Sul seria a pele, o útero, o café, o azeite, a carne e o ouro, onde se deposita tudo o que não presta. Sendo assim, tudo teria um sul: a linguagem, nossos corpos, a música e as comunidades interpretativas, diríamos, também têm seu sul. Com isso, o trabalho de memória gestado no Sul global é árduo porque historicamente desautorizado, considerado insuficiente, intelectualmente carente. Não é à toa que mencionamos aqui enquanto possibilidade de escrituras subalternas aquelas que se enquadram na literatura, uma vez que essa modalidade tem permitido, por meio de narrativas autobiográficas, memorialísticas, diários confessionais, testemunhos, que vozes de grupos marginalizados cavouquem seus próprios espaços e elaborem um sul da literatura. Isso porque, a despeito do que grupos que detêm o poder acreditam ser literatura, essas escritoras, algumas delas com pouca escolarização e oriundas das classes populares, conseguiram ter publicadas suas ideias e, com isso, atingiram distintos públicos, questionando, a partir daí, o que vem a ser compreendido como produção artística. Algumas delas entraram pelas “portas dos fundos dos cânones literários”, modelando o papel da literatura por meio da conciliação entre arte e intervenção política (Anselmo ALÓS, 2009, p. 143).

Reunindo emoção e experiências, essas mulheres partiram de suas comunidades interpretativas, de acordo com Collins (SILVA-REIS, 2019), para discorrer sobre o mundo e produzir conhecimento, ludibriando as patrulhas das fronteiras das grandes narrativas hegemônicas e as políticas de escrita resultantes delas ao colocarem-se como as personagens de seus textos, utilizando-se da primeira pessoa e, ao mesmo tempo, mostrando que se tratam de experiências coletivas. Com isso, demonstram a indissociabilidade que existe entre o lugar que ocupam e o modo como a realidade social pode ser explicada. Ao falar da produção de conhecimento de mulheres afro-americanas, Collins (2019a) ressalta a importância da emoção na formulação de saberes, inscrevendo-a em uma ética do cuidado na qual falar com o coração é central em processos de validação do conhecimento. Segundo ela, as emoções fazem com que aquela/e que fala acredite na validade de seu próprio argumento; o que implica articular razão e emoção.

Construir pensamentos e ideias a partir do coração e das próprias experiências, trazendo a sabedoria como protagonista do ato de refletir sobre o mundo tem sido, para essa autora, um exercício acionado historicamente por mulheres de sua comunidade e, podemos ampliar, salvaguardando as especificidades de cada lugar, para as mulheres negras brasileiras também. Ao projetarem suas histórias por meio de suas narrativas memorialísticas, essas mulheres têm procurado questionar o modo como a verdade tem sido produzida e, ainda de acordo com Collins (2019a), elas demonstram que as formas de validação de conhecimento estão profundamente coladas àquelas comunidades interpretativas que possuem maior capital social e econômico. Neste caso, tais comunidades interpretativas costumam ser representadas por homens brancos da elite que têm o poder de dizer o que é válido como conhecimento e quem pode participar desse jogo.

A Cabine de Rose, portanto, traz uma escrevivência (Conceição EVARISTO, 2007) ou, como define Mukasonga (SEGANFREDO, 2018), uma narrativa de vivência própria, que se funda nas lembranças de seu universo escolar e das múltiplas camadas de exclusão que uma menina negra vivencia em seu cotidiano nos idos de 1980 em nosso país. Neste sentido, a memória da autora se confunde com a história de milhares de meninas negras que enfrentaram - e ainda enfrentam - os bancos escolares. Este olhar para o passado se ancora em toda uma vida repleta de bagagens e leituras e na inserção, como docente, em uma universidade pública, em um país no qual as instituições de ensino superior promovem um verdadeiro apartheid racial com um reduzido percentual de professoras negras em seus quadros (Renata GONÇALVES, 2018). Aqui cabe um parêntese para trazermos uma reflexão realizada por Collins (2017) no final dos anos de 1990, em que ela problematiza a absorção das vozes de mulheres afro-americanas em salas de aula no ensino superior em descompasso com sua presença nas universidades. Com isso, a autora apontava para uma ilusão de mudança que acontecia naquele período nos Estados Unidos, denunciando o modo como o mercado editorial foi tornando a escrita dessas mulheres uma mercadoria desejada. No Brasil, podemos ver o mercado editorial lançando obras de mulheres negras, sobretudo nos últimos dez anos, e o aumento, em alguma medida, de leitoras de seus livros dentro da academia. Em 2016, contudo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostrava que a segregação racial nas universidades continuava a mesma de anos anteriores: ao avaliar instituições públicas e privadas brasileiras naquele ano, constatou que, dos 383.683 docentes, somente 1,34% declararam-se negras e negros (GONÇALVES, 2018). Isso tem semelhanças com o fenômeno que Collins (2017) tenta destacar em seu artigo.

Na obra Becos da memória, Evaristo (2017) aciona a memória e, com isso, ficcionaliza lembranças e esquecimentos de suas experiências e de sua família, inventando histórias, mesmo que reais. Antes de colocar as palavras no papel, ela se lembra das vozes de quem conta essas histórias, com o objetivo de misturá-las: vozes de sua mãe, sua avó, vizinhas. Em contato com as lacunas dessa memória por vezes viva, noutras esfarelada, Evaristo (2017) preenche os buracos com invenções; memória ficcionalizada. A memória, assim, cria espaços, constrói distâncias, permite ser perscrutada a partir da sabedoria. Ao falar sobre a sabedoria como um pilar essencial na produção de conhecimento de mulheres negras, Collins (2019a) traz o ensaio “On Call”, da escritora June Jordan, no qual ela reflete sobre o suicídio de sua mãe. Jordan teria o conhecimento sobre o ato desta morte trágica, mas, ao adquirir sabedoria, ela pôde redimensionar o significado da morte, dar-lhe outros contornos. A sabedoria, neste caso, é um atributo para a sobrevivência do qual não se pode prescindir. Nas palavras da autora: “O conhecimento desprovido de sabedoria é adequado para quem detém o poder, mas a sabedoria é essencial para a sobrevivência do subordinado” (COLLINS, 2019a, p. 149). Em entrevista a Karin Ikas, Anzaldúa (2016), ao explicar como desenvolve as ideias que irão para seus textos, menciona que suas teorias sempre surgem de um sentimento, antes de mais nada.

[No decorrer da viagem, vamos nos levantando, a circulação pelas demais cabines do vagão é livre, são muitas rodas de diálogo e a viagem é longa. Então fiquem à vontade]

Cabine 2 do vagão. Emoções: feituras feministas e corazonamientos

[Sentadas ao redor de uma mesinha estão Audre Lorde, Mariela Solana, Nayla Vacarezza, Lélia Gonzalez, Patrício Arias, Alisson Jaggar, Sílvia Cusicanqui, Eduardo Galeano. A porta está aberta a quem quiser se achegar. A polifonia de vozes em diálogo é trilíngue].

Recordar: do latim re-cordis tornar a passar pelo coração.

(Eduardo GALEANO, 2002)

Rose adentra à cabine. A cabeça cheia de pensamentos. Pensa o quanto essa viagem tem sido permeada por redemoinhos de afetos. Quase dá para ver os pensamentos sobrevoando sua cabeça, como se fossem pequenas nuvens, eles vêm e vão. São rapidamente substituídos pelos seguintes. Poderia sua incursão pela escola ter sido mais permeada pela dimensão da poesia, do encantamento? Ela não sabe. Mas suspeita que sim. Ouvimos então em tons sussurrantes: eu, aluna evadida; eu diante de olhos que riam de mim; olhos apontados para mim; senti vergonha; não voltei à escola naquele ano; sonhei que escrevi; consegui escapar do medo de escrever, de não escrever; busquei na escrita espaço seguro; sonhei que escrevia; escrevi; eu contraescrevi. Nós contraescrevemos.

Ao redor, todos a observam, apreciando o silêncio e sentindo cada efeito daqueles pensares sussurrados. A dimensão dos afetos e das emoções tem atravessado e constituído as histórias dos feminismos. Uma das potências da proposta feminista talvez seja oferecer um caminho que nos ajude a questionar o binário razão versus emoção e, assim, pensar uma epistemologia, um palavreado que se faça base para os questionamentos de uma concepção de ciência que se crê desapaixonada, (des)afetada. Esse palavreado feminista é localizado, encarnado, é emocionado (Mariela SOLANA; Nayla VACAREZZA, 2020).

A ideia do afeto como algo íntimo, privado, de dentro. A mulher como uma sujeita do privado, do íntimo, do sentimento. A mulher do privado e não do público. Mulher do “pra dentro”. Produto da religião, da ciência hegemônica, da política patriarcal. A mulher produto. A mulher coisa. Corpos vulneráveis são comumente definidos como emocionais. Um dos questionamentos dos feminismos é sobre os porquês de as mulheres terem sido encerradas no lugar de “donas do afeto” - convertidas em seres unicamente emocionais (SOLANA; VACAREZZA, 2020). E a subversão está no questionamento ao uso patriarcal das emoções e na aposta no seu valor epistêmico. O exercício polifônico que estamos realizando neste texto, a proposta insurgente, é de mobilizar a partir de “dentro”. Revolucionar de dentro. Implodir. Mobilizar memórias afetivas e produzir uma corazonada (Patrício Guerrero ARIAS, 2010). Somos mulheres afetadas.

Solana e Vacarezza, (2020, p. 8) nos apontam que algumas das nossas emoções - como medo, raiva, dor, vergonha, muitas vezes valoradas como negativas, podem se converter, justamente, na potência da ação e do pensamento feministas. A emoção não precisa ser entendida como algo pelo qual se padece. Alisson Jaggar (1997) entende as emoções como respostas ativas ao mundo, como forças motoras que impulsionam a criação, a vida, a feitura de teorias. Audre Lorde (2019) acreditava que, conforme nos aproximamos e nos permitimos conhecer nossos sentimentos honestamente, eles se converteriam em espécies de santuários das ideias. Ela dizia que “A poesia não é apenas sonho ou imaginação; ela é o esqueleto que estrutura nossas vidas. Ela estabelece os alicerces para um futuro de mudanças, uma ponte que atravessa o medo que sentimos daquilo que nunca existiu” (LORDE, 2019, p. 46). Esse exercício de contraescrita tece pontes entre nossos medos e permite a travessia.

Emoções têm história, são, portanto, processos construídos num contexto geopolítico, social e econômico (JAGGAR, 1997) e seus sentidos e significados estão atrelados a esses fatores. No exercício cotidiano da vida, desde crianças, aprendemos a sentir, a sentir medo, vergonha, alegria, raiva, e esses múltiplos sentimentos nos auxiliam a desenhar nossas subjetividades. Deles nascem nossas capacidades de nos protegermos de possíveis ameaças ou nos entregarmos a situações de prazer e conforto. Com isso, queremos dizer que as emoções não devem ser vistas apenas como fenômenos passivos, elas estão em plena atividade e em mutação.

Nesses trilhos de pensamentos pelos quais nos aventuramos, consideramos a relação entre conhecimento e emoção e identificamos nela fendas revolucionárias. Revolucionárias porque carregam o desafio de questionar uma concepção hegemônica de ciência, e questionam justamente alguns elementos que, por muito tempo, foram centrais: a ideia de imparcialidade, a oposição razão e emoção, a separação mente e corpo. Conforme sugere Jaggar (1997, p. 170), “[...] em vez de reprimir a emoção na epistemologia, é necessário repensar a relação conhecimento e emoção e construir modelos conceituais que demonstrem a relação mutuamente constitutiva em vez da relação oposicional entre razão e emoção”. A partir daí, é possível acreditar que “[...] as emoções tornam-se feministas quando incorporam percepções e valores feministas, exatamente como as emoções são sexistas ou racistas quando incorporam percepções e valores sexistas ou racistas” (JAGGAR, 1997, p. 174).

Dor. Raiva. Vergonha. Amor. Assombro. Essas emoções nos ajudam a desenvolver uma pesquisa crítica, pois “[...] emoções convencionalmente inexplicáveis, particularmente, embora não exclusivamente, aquelas vivenciadas pelas mulheres, podem nos levar a fazer observações subversivas que contestam as concepções dominantes do status quo” (JAGGAR, 1997, p. 175-176). Falamos de um pensamento corporizado, pigmentado, generificado, racializado, localizado. Sara Ahmed (2015) acredita que as emoções têm papel importante na politização das sujeitas, e bons exemplos disso estão em manifestações sociais recentes, como o movimento da Marcha das Vadias, Ele Não, #Vidas negras importam, dentre outros. São respostas políticas corporificadas e carregadas de emoções.

Indignação. Dor. Assombro. Amor. Esperança. A esperança mantém algo aberto e, a partir da conexão desses múltiplos sentires, nasce um tipo de “nós” que tem sido pensado e repensado no contexto dos feminismos, um “nós” que está constantemente em disputa. Não falamos de coesões e consensos, falamos de uma espécie de gramática coletiva que se tece a partir de traçados imperfeitos. Ao contar a sua experiência de contato com os feminismos, Ahmed (2015) aponta que as questões e fundamentos feministas a ajudaram a ler suas memórias de outras formas. As emoções que acionamos nesse revisitar de memórias, memórias de infância, memórias escolares são, para a autora, “la carne misma del tempo”; “[...] a través de las emociones, el pasado persiste en la superfície de los cuerpos” (AHMED, 2015, p. 304), e esse turbilhão de emoções faz também a história, inclusive aquela que muito se tentou apagar, memórias de processos de escravização, dos colonialismos, da morte, da violência, da resistência. O pensamento de Ahmed se pausa quando alguém aparece à porta e lhe oferece uma bebida, dizendo sorridente: dá licença que “[...] o lixo vai falar, e numa boa” (Lélia GONZALEZ, 2019, p.77). Gonzalez pede a palavra para nos lembrar de que esse exercício de acesso às memórias e experiências, como inscrições legítimas e produtoras de teorias, se deve aos feminismos negros. O mergulho arqueológico ao mundo das memórias, das memórias de si, nos permite tecer outras narrativas, outras poéticas, outros modos de ser e pensar.

No processo complexo de alinhavo da história, memória e esquecimento caminham lado a lado, somos constituídos por “desmemórias”, como poetiza Eduardo Galeano (2002), que seriam aqueles esquecimentos produzidos propositalmente no intuito de cravar verdades. Olvidar/esquecer compõe, portanto, nossas existências. No exercício de uma escrita feminista, dessa contraescrita, a memória se torna ferramenta epistêmica; como sugere Sílvia Cusicanqui (2015), os feminismos são importantes articuladores de resistências aos efeitos dos apagamentos produzidos pelo colonialismo e as práticas teóricas dos feminismos, e principalmente daqueles entendidos como subalternos; atuam politicamente contra uma política de encapsulamento de memórias. Cusicanqui nos provoca com essa ideia, pois entende que é necessário que possamos criar estratégias para conectarmos aquela memória épica (colonial) que nos foi apresentada como verdade à nossa memória cotidiana e individual e à memória que nos é coletiva. A partir desse exercício de conexão, os feminismos bordam resistências ao romperem com aqueles esquecimentos estratégicos que nos foram tão impostos ou sob os quais, por necessidade de sobrevivência, precisamos nos esconder.

Acionar emoções. Revisitar memórias. Força política no enfrentamento aos apagamentos epistêmicos. Corazonar. Arias está sentado num canto, saboreando sua bebida. Ele observa o debate e logo percebe eixos de conexões entre seu pensamento e o das companheiras. A conversa o faz viajar em suas referências e se lembrar de uma premissa da sabedoria xamânica que entende que nós, seres humanos, somos “estrellas con corazón y con conciencia” (ARIAS, 2010, p. 84). Arias acredita na insurgência da ternura como caminho de transformação. Para o autor, “[...] si queremos tener perspectivas presentes y futuras para la existencia, necesitamos hacer un urgente pacto de ternura con la vida, desde la sabiduría del corazón, de ahí que el sea una respuesta insurgente para la decolonización de la vida” (ARIAS, 2010, p. 89).

Teorias feministas que se tecem em corazonamientos, ao articularem razão e emoção, propõem a feitura de um pensamento descentralizado no qual o coração transita do centro às margens das estruturas e a razão é atravessada pela afetividade. Como sugere Arias (2010), é um exercício de Co-razonar. Avistamos um pensamento feminista insurgente, que emerge a partir das subalternidades e enfrenta os efeitos de uma “ordem epistémica euro-gringo-cêntrica dominante”. Corazonar é dar afetividade à inteligência e abrir brechas para a criação de uma comunidade ‘sentipensante’, uma comunidade que fala por si e também de si, uma comunidade que se recusa a ser difusora de ecos sonoros. É um “[...] sentipensar con el corazón, o con todo el nuestro corpo, como expresión de otra forma de corpolítica” (ARIAS, 2010, p. 93).

A sala se aquieta, todas estão em silêncio, imersas em seus pensamentos, Galeano rompe o silêncio, ao pensar em voz alta: “Para que a gente escreve, se não é para juntar nossos pedacinhos?” (GALEANO, 2002, p. 64). Ele relembra que, certa vez, ao partilhar alguns momentos com pescadores ribeirinhos da costa colombiana, ao ouvi-los proferirem a palavra sentipensador para se referirem à ideia de verdade, ficou impactado, notara que, para aqueles homens do mar, só era possível viver a vida assim, sentipensando; para eles, alma, corpo, razão, emoção, presente, passado, eram componentes de uma coisa só.

Cabine 3 do vagão: Cabine dos sonhos

[Sentada numa poltrona ao fundo da cabine está Rose. Envolta em pensamentos e lembranças, ela revisita memórias do antes e as vê se misturando às tantas histórias de mulheres negras que já ouvira, lera, sonhara. Ela não está só]

Exatamente assim é que me sinto: com as mãos atadas pelo que hoje sou, condicionada pelo meu presente, é que procuro narrar um passado que re-faço, re-construo, re-penso com as imagens e ideias de hoje. A própria seleção daquilo que incluo na narração obedece a critérios do presente: escolho aquilo que tenha relações com o sistema de referências que me dirige, hoje. A (re)construção de meu passado é seletiva: faço-a a partir do presente, pois é este que me aponta o que é importante e o que não é; não descrevo, pois; interpreto.

(Magda SOARES, 2001, p. 40, grifos meus)

Entro no trem e procuro um lugar afastado das outras pessoas. Desejo ir acompanhada de meus pensamentos, minhas lembranças. Sei que lembrar não é exatamente reviver, mas repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado... lembrar é um espaço de luta e conflitos, um espaço de construção. Concordo com Gonzalez, que diz que “a memória, a gente considera como o não saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ação” (GONZALEZ, 2019, p. 78).

Penso em minhas memórias escolares e me cobro a reflexão teórica sobre as mesmas, pois acredito que é a reflexão sobre a experiência que é formadora, não a experiência por si só. Como diria Nóvoa, no “esforço de construção (e de reconstrução) dos itinerários passados [...] o que se diz é tão importante como o que fica por dizer. O como se diz revela uma escolha, sem inocências, do que se quer falar e do que se quer calar” (António NÓVOA, 2001, p. 7-8), e é pensando no rigor acadêmico sobre minhas memórias que pego no sono.

Sentada em meu banco, entre um cochilo e outro, as imagens esfumaçadas pelo sono vêm e vão no mesmo ritmo do balanço do trem. Memórias recentes e antigas se misturam. Prazo de um texto que se aproxima, ideias enevoadas do que poderia compô-lo. Medo de não ser suficiente.

Num dado momento, me pego pensando que a escrita acadêmica é um processo de negociação. Talvez você concorde comigo e diga que sim, negociamos com as autoras e autores que sustentarão nosso discurso, negociamos com as leitoras e leitores, negociamos com as pareceristas/periódicos que nos avaliarão, negociamos conosco, buscando colocar nossa própria voz nos espaços de debate (Jurema WERNECK, 2010). Por certo que eu concordo com isso que você pensou, contudo, dentre todos os processos de negociação, a solidez do sonho me revela que o que mais me perturba é a folha em branco. O cursor no editor de texto que denuncia que eu não sei escrever.

Todas as vezes em que eu, mulher acadêmica negra, professora e formadora de futuras professoras e professores de Ciências e Biologia preciso escrever, é iniciado um intenso processo de negociação com a folha em branco. Entre o cochilo embalado pelo barulho dos trilhos, vozes ecoam sobre os possíveis porquês. Ouço ao longe ‘oustsider within’...oustsider within’..., aquela que ‘fala de dentro’ (COLLINS, 2016). Não me detendo nos ecos, o sonho me leva para outros lugares de resposta. O que é o sonho senão possibilidades de resposta àquilo que, acordada, não consigo elaborar? E o que é o sonho senão um edifício arquitetado por mim mesma?

A cabeça sacoleja no ritmo do trem e sonho que sou Harriet Jacobs, subalternizada, a “outra da outra” (Yuderkys Espinosa MIÑOSO, 2009). Sou a primeira mulher negra a escrever sua própria história e “nunca fui tratada como frágil [sou] parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. [...] a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados” (Sueli CARNEIRO, 2003, p. 1). Sonho que luto para manter intacta minha capacidade de controlar meu corpo e mente, sou uma mulher escravizada que busca ser reconhecida como sujeita pensante e com direito de fala, que anseia por autossuficiência, independência e autodefinição. Sou Harriet e ninguém acredita que sou uma “mulher negra agente de conhecimento da realidade” (COLLINS, 2019b, p. 12) e que fui eu quem escrevi meu próprio livro.1

Sou a pequena Harriet e aprendo a resistir. Sei que, para empreender a ação, eu preciso recusar mentalmente minha condição, negociar com meu eu, confrontar o que me aprisiona. Faço escolhas, crio estratagemas, elaboro fugas e esconderijos. Fui assistente e advogada em benefício de pessoas negras refugiadas. Defendo meus irmãos e irmãs. Sim, eu escrevi um livro. Escrevo e torno visível minha voz amefricana (GONZALEZ, 2019) do mesmo modo que minha irmã maranhense Maria Firmina dos Reis (2018), em 1859, 29 anos antes da abolição no Brasil e se dizendo “uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem, com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida [com] cabedal intelectual quase nulo” (REIS, 2018), resistiu escrevendo o seu Úrsula.

Na sonolência, me articulo à Angela Davis e a ouço explicar que, mesmo em um contexto adverso, mulheres como Harriet e Maria Firmina e eu encontraram caminhos para a resistência através da aprendizagem de leitura e escrita. E que embora tenham existido teses sociais a respeito da inferioridade biológica das pessoas negras em relação às brancas, teses que ainda colonizam os pensamentos atuais, muitas mulheres arriscaram a vida para que meninas negras pudessem estudar. Davis me diz que, se as pessoas negras fossem realmente inferiores em termos biológicos, nunca teriam manifestado desejo nem capacidade de adquirir conhecimento, não haveria Harriets e Marias Firminas. Portanto, não teria sido necessário proibi-las de aprender. Davis acaricia minha cabeça em seu colo e me diz que, na realidade, é claro, a população negra sempre demonstrou uma impaciência feroz no que se refere à aquisição de educação (Angela DAVIS, 2016).

Sobressalto. Sou Harriet... sou Maria Firmina e sou Rose, tenho 11 anos e agora posso ir à escola, posso aprender a ler e a escrever, mas o professor de Ciências me chamou de pedra. A folha em branco, o cursor. A negociação com as epistemologias. O medo de não saber escrever na academia. Fui capturada pelas tecnologias de domínio (MIÑOSO, 2009) e possuo dificuldade em escapar, não enxergo as rotas de fuga, não enxergo as possibilidades de fissuras. Não enxergo que a escrita é potência que explicita a memória coletiva de mulheres, memória de afetos, memória corporal, não escuto que nossa experiência é um arquivo de conhecimentos encarnados que nos permitem ter consciência do lugar subalternizado em que somos mantidas e que é a escrita dessa experiência que possibilitará a quem escreve e a quem lê o desvelar dos esquemas de poder. Vejo a menina empobrecida e ouço o professor proferir a sentença: você é uma pedra, é incapaz de produzir saberes, de ter e desenvolver projetos para o futuro.

Sonâmbula, penso nas outras sujeitas que são/foram produzidas nos mesmos ‘entre mundos’ que eu fui: o mundo da pobreza na infância, da evasão e violência escolar, do pai machista, que não se reconhecia nem a si nem à sua filha como negra, mas que nem por isso ela escapa de o ser; o mundo da academia, do processo de formação de professora universitária colonizada por um tipo de saber neutro, objetivo, universal, positivo (predominante no curso de Ciências Biológicas que frequentei), que subvaloriza, ignora, exclui, silencia e inviabiliza determinado tipo de conhecimento (Ochy CURIEL, 2014) e o mundo do feminismo negro que se descortina agora para mim.

E é desse lugar de ‘entre mundos’ que me funda, que me causa insegurança, mas também esperança, que eu sonho que escrevo. É desse lugar que balanço minha cabeça no trem e ouço a voz de Suzana de Castro (2020) a me dizer que “ninguém domina o outro sem impor um processo de inferiorização” (p. 143). Na escola, quando o professor confundiu autoridade com autoritarismo; organização do trabalho docente com disciplina forçada e violência verbal e/ou física, o que ele verdadeiramente praticou foi um processo de dominação da menina negra - que pode ser entendida como o corpo bárbaro, irracional, não civilizado, não socializado, corpo que, de acordo com Gonzalez (2019), está na “lata de lixo da sociedade brasileira” - pelo corpo racional e civilizado do docente.

Mais que uma relação de poder entre professor-aluna, ocorreu um processo de dominação e inferiorização, visto possuir intensa assimetria. Processo discriminador ao qual, enquanto criança, frente ao olhar perscrutador do professor e aos risos da turma, foi impossível resistir e que, associado às minhas condições materiais de existência, me fez abandonar a escola naquele ano. Benedita da Silva (1995), ao assumir o mandato no Senado brasileiro, em 1995, afirma, em seu discurso, que “Não há estímulo que resista diante de um ensino público de baixa qualidade e de uma educação elitista e discriminadora” (SILVA, 1995). Ela tem razão.

Na situação dada, o professor é um indivíduo que pertence a um grupo social privilegiado e não foi capaz de enxergar as hierarquias produzidas por ele, nem dimensionar como sua ação impactaria na constituição e manutenção do lugar de subalternização da criança (Djamila RIBEIRO, 2017), não apenas pelo ano de escolarização perdido, mas pela constituição de suas subjetividades. Não entendeu que a imagem que coloniza sua mente de professor homem e branco (a menina negra não aprende, pois é periférica, filha de pais analfabetos, pobre etc.) é uma imagem de controle, que aparece como discurso que sustenta suas práticas escolares. As imagens de controle conferem uma aparente naturalidade e inevitabilidade às violências sistemáticas, às injustiças sociais que são imprimidas na vida e no cotidiano de mulheres negras (COLLINS, 2019b), e acarretam supressão da subjetividade, supressão de direitos e, consequentemente, supressão da cidadania.

Mas qual é a escrita da academia? É uma escrita que traz em si práticas sociais, epistêmicas e políticas. Hoje ainda é a escrita da dominação. Ainda não é um espaço seguro (safe space) para a livre expressão e o fortalecimento da agenda política de mulheres negras (COLLINS, 2019b) - e por isso o edifício conceitual do sonho traz o medo como chave de compreensão: a escrita subjetiva inscrita e posicionada no mundo (EVARISTO, 2007) é ainda um campo minado na universidade.

Sonho que exercito a liberdade criativa de sair de um determinado lugar na academia, de corresponder a esse lugar que a academia espera de mim ou que eu sempre acreditei que esperava, por ter sido colonizada por esse sistema de saber (MIÑOSO, 2009). Sonho que, como Harriet, resisto a partir de um ponto de vista autodefinido, me humanizo, nomeio minhas experiências.

Sonho que, ao conseguir sair desse lugar, sou finalmente uma representante da academia que pensa os “pilares sobre os quais se sustentam as práticas de que faço parte” (MIÑOSO, 2009). Ao me autodefinir politicamente, bordo novas possibilidades narrativas e abro caminhos para que outras ousem falar sobre isso nesse espaço.

“Sonho só alimenta até a hora do almoço, na janta, a gente precisa ver o sonho acontecer” (EVARISTO, 2017, p. 51). Acordo, sou mulher e sou negra, sou professora universitária, formadora de professoras e professores e busco formas de reverter os processos de supressão intelectual de mulheres negras, os de minhas alunas e alunos e os meus. Amparo-me em bell hooks (2013) e me empenho, a partir de minha experiência como estudante e como professora, a produzir uma pedagogia engajada e formar

professores progressistas que trabalham para transformar o currículo de tal modo que ele não reforce os sistemas de dominação nem reflita mais nenhuma parcialidade [...] indivíduos mais dispostos a correr os riscos pela pedagogia engajada e fazer de sua prática de ensino um foco de resistência (p. 13)

ensinando de modo a proteger e respeitar os corações e as mentes de nossas meninas e meninos.

Sentada no banco de meu trem, acordada, sorrio. Meu coração, no compasso de trem caipira, de Heitor Villa-Lobos, canta que preciso de uma contraescrita que conte as histórias das meninas de pedra. Uma escrita que não colabore para o silenciamento dessas meninas, que não as mantenha à margem da participação político-social do país. Uma escrita que transgrida as fronteiras e fomente uma nova práxis. Uma escrita que acolha práticas pedagógicas igualitárias com vistas à superação do racismo epistêmico, dando voz e lugar às subjetividades subalternas (DAVIS, 2016). A escola, como espaço político e social, deve assumir essa responsabilidade, buscando apresentar leituras e escritas que fortaleçam, capacitem e emancipem professoras/es e alunas/os durante o processo (hooks, 2013).

A última cabine do vagão: Deslocamentos

[Pelos corredores da locomotiva todas se movem livremente, entram e saem das cabines, o riso é solto, o afeto se vê, se sente e se ouve. Um verdadeiro falatório]

Cusicanqui coloca uma pequena dose de uma bebida num copo comprido. Prova. Está muito boa, sente saudades da Bolívia e dos seus. Ainda sozinha, ela lembra que, na próxima semana, terá o início da cátedra Sociologia da Imagem em La Paz (Bolívia). Desde que se aposentou, a pesquisadora oferece essa espécie de formação, uma experiência coletiva baseada numa visão de ciência que ela denomina de artesanal. A coletiva da qual faz parte - Coletivx Ch’ixi - fala a partir del chuyma, que em aymara significa falar a partir das entranhas superiores - o pulmão e o coração. Durante cerca de um mês convivendo com um grupo de cerca de 30 pessoas, ela as desafia a pensarem com os pés e mãos na terra, a reconectar ciência e corpo. Ela precisa voltar à Bolívia alguns dias antes para preparar as atividades (Michele TORINELLI, 2018).

Seus pensamentos são interrompidos pela chegada de Rose e de outras companheiras de viagem. Quem chega vai se sentando e enchendo os copos com a bebida. Agora são muitas mulheres juntas, falando em línguas pelos confins do Sul Global. Cusicanqui olha para Rose e Anzaldúa e solta uma gargalhada, “nós esboçamos aqui, nessa viagem, uma contralíngua, uma contraescrita perigosa”. Glória interrompe e, entre palavras e risos, diz que somos todas “monstras perigosas”. O álcool vai deixando os corpos mais soltos, o falatório aumenta. Assim as teorias viajam.

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1Harriet Ann Jacobs, autora de Incidentes na vida de uma menina escrava, foi a primeira mulher escravizada norte-americana a publicar um livro, em 1861. Embora Lydia M. F. Child, abolicionista e pesquisadora feminista branca, ao prefaciar o romance, tenha declarado a veracidade da autoria de Harriet e assumido que seu trabalho foi apenas o de organizadora da obra, muitos questionaram, devido à qualidade do material, se o texto foi realmente escrito por uma mulher escravizada.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: OLIVEIRA, Rosemary Rodrigues de; ROCHA, Késia dos Anjos; OLIVEIRA, Érika Cecília Soares. “Contraescritas feministas: educação das meninas de pedra”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 2, e77563, 2022.

Financiamento: Não se aplica.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 06 de Outubro de 2020; Revisado: 03 de Maio de 2021; Aceito: 17 de Maio de 2021

rosemary.oliveira@unesp.br

kesiaanjos@gmail.com

erikaoliveira@id.uff.br

Rosemary Rodrigues de Oliveira (rosemary.oliveira@unesp.br) é licenciada em Ciências Biológicas, mestra e doutora em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora Assistente Doutora junto ao Departamento de Economia, Administração e Educação pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV/UNESP), e do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino e Processos Formativos da Universidade Estadual Paulista (UNESP Ilha Solteira/São José do Rio Preto/Jaboticabal). Atua nos seguintes temas: sexualidade e gênero; formação de professores; ensino de ciências e biologia.

Késia dos Anjos Rocha (kesiaanjos@gmail.com) é licenciada em História, mestra em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Realiza pesquisas sobre gênero e sexualidades na educação em interface com os estudos feministas, decoloniais e estudos queer.

Érika Cecília Soares Oliveira (erikaoliveira@id.uff.br) é graduada em Psicologia, mestra em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora Adjunta junto ao Departamento de Fundamentos Pedagógicos da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (PPGP/UFAL). Realiza pesquisas sobre epistemologias feministas, políticas de escrita, feminismos subalternos e decoloniais.

Contribuição de autoria: As autoras contribuíram igualmente.

Conflito de interesses: Não se aplica.

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