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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.2 Florianópolis mayo/aug 2022  Epub 01-Mayo-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n276548 

Artigos

A poesia de terror em Paul Éluard, Julia Hartwig e Anne Sexton

The Terror Poetry in the Work by Paul Éluard, Julia Hartwig and Anne Sexton

La poesía de terror en Paul Éluard, Julia Hartwig y Anne Sexton

Olga Donata Guerizoli Kempinska1 
http://orcid.org/0000-0002-0311-2249

1Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil. 24210-200 - gcl@vm.uff.br


Resumo:

Ao indagar a complexa relação estética que se tece entre a poética do gótico e a poética do surrealismo, assegurada pelas experiências da crise do mito, do informe, e em consequência, do terror e do horror, neste artigo, proponho a leitura de alguns poemas que encenam essa difícil articulação. Paul Éluard, Julia Hartwig e Anne Sexton buscam, com efeito, os procedimentos aptos à encenação do doloroso desamparo subjetivo, que diz respeito, também, à questão dos limites do gênero. O regime da negatividade característico da poética gótica leva à recusa da busca por novos mitos e por novas imagens da criatividade feminina, típica do romantismo. Ao valorizar a representação do espaço, o gótico preparou o caminho da crítica, poética e feminista, dos discursos da psicanálise e da fenomenologia.

Palavras-chave: surrealismo; gótico; gênero; terror; subjetividade

Abstract:

In analysing the complex aesthetic relationship established between the poetics of Gothic and the poetics of Surrealism, based on the experiences of the crisis of myth, of the formless, and consequently, of terror and horror, the paper proposes the reading of some poems that stage this difficult articulation. Paul Éluard, Julia Hartwig and Anne Sexton seek, in fact, the procedures capable of representing the painful subjective helplessness, which also concerns the issue of gender limits. The regime of negativity characteristic of Gothic poetics leads to the refusal of the search for new myths and new images of female creativity, typical of romanticism. By valuing the representation of space, Gothic prepared the path of criticism, poetic and feminist, of the discourses of psychoanalysis and phenomenology.

Keywords: Surrealism; Gothic; Gender; Terror; Subjectivity

Resumen:

Al analizar la compleja relación estética que se teje entre la poética del gótico y la poética del surrealismo, asegurada por las experiencias de la crisis del mito, del informe y, en consecuencia, del terror y del horror, el artículo propone la lectura de algunos poemas que representan esta difícil articulación. Paul Éluard, Julia Hartwig y Anne Sexton buscan, de hecho, los procedimientos capaces de poner en escena la dolorosa impotencia subjetiva, que también se refiere a la cuestión de los límites de género. El régimen de negatividad característico de la poética gótica conduce al rechazo de la búsqueda de nuevos mitos y nuevas imágenes de la creatividad femenina, típica del romanticismo. Al valorar la representación del espacio, el gótico preparó el camino de la crítica, poética y feminista, los discursos del psicoanálisis y de la fenomenología.

Palabras clave: surrealismo; gótico; género; terror; subjetividade

E assim, ela nunca chega a sua identidade de mulher.

Luce Irigaray

The typical sentence produced by a woman is:

Do you love me?

Luce Irigaray

Componente importante da representação, não raramente desvalorizado em prol do tempo - a expressão “cronotopo” é, nesse sentido, evocativa -, o espaço, tal como encenado na literatura gótica, afirma-se com vigor na segunda metade do século XVIII nos textos de língua inglesa. Trata-se, de fato, de um espaço mal definido e em busca de sua estrutura e de seus limites. Ora por demais estreito, tal o sótão do nefasto enclausuramento simbólico, ora complicado e plural, transformado em um percurso da investigação motivada pela angústia e pela insaciável curiosidade, o espaço é o grande questionamento da literatura gótica, fortemente caracterizada pela criatividade feminina. Assim, o espaço gótico, marcado pelo terror e pelo horror, foi eloquentemente articulado nas obras de Ann Radcliffe, Clara Reeve, Mary Shelley e Emily Brontë, dentre outras.

O gótico preferiu, com efeito, a exploração do espaço mal ordenado dos subterrâneos e dos esconderijos da vida psíquica do sujeito, repleta de segredos e rica em mistérios, à vastidão das viagens etnocêntricas do romantismo sempre em busca de novas conquistas e de novos mitos. Ao escolher o regime da negatividade, o gótico assinalou também a irreversibilidade do rompimento dos limites subjetivos efetuado por meio da metamorfose, da fragmentação ou da criação de um duplo. Na teoria feminista, uma das pensadoras críticas que se debruçam sobre a questão da dor psíquica resultante da fragmentação subjetiva causada pela violência patriarcal que exclui o feminino da linguagem e do discurso, neutralizando com isso a própria diferença genérica, é Luce Irigaray.

A extensão temporal do gótico, que se iniciou na estética e na literatura em meados do século XVIII, e que proliferou vigorosamente em obras das qualidades muito diversas, foi incerta, abrangendo os anos 20 ou 40 do século XIX, e sofrendo, em seguida, as tentativas, nem sempre muito bem-sucedidas, de algumas atualizações. No âmbito da vanguarda surrealista, que abertamente busca pela continuidade de/para/com a convenção que desafiou eficazmente a racionalidade iluminista sem, contundo, se transformar na expansividade romântica, o espaço gótico adquire as características explicitamente psicológicas, remetendo aos insondáveis meandros da interioridade humana, também em seus aspectos da experiência da feminilidade e da ambivalência do gênero.

Nesse texto, dividido em três partes, “Espaço onírico de Paul Éluard”, “Julia Hartwig e o informe” e “Anne Sexton e a crise do mito”, tentarei discutir a importância da poética gótica em seus aspectos topográficos na escrita surrealista e, sobretudo, na escrita feminina pós-surrealista. De fato, ao questionar as experiências do terror e do horror oriundas da estética do sublime de Edmund Burke (1757), que as descrevia como as emoções mais intensas, e representadas nas obras do gótico feminino, a poesia da segunda parte do século XX escrita pelas mulheres volta a afirmar a importância da relação entre os sentidos e as emoções em toda sua amplitude, sua complexidade e sua riqueza. A atualização da discussão da estética pré-kantiana, voltada para a ambivalência, acaba por valorizar o diálogo entre a poesia e a pintura e por remeter ao pensamento de Georges Bataille, que não apenas se debruçou sobre o problema do mal, como também descreveu as experiências da crise do mito e do informe.

Espaço onírico de Paul Éluard

“Construção pré-logica” (Lucien SCHELER, 1966, p. 11) sendo o procedimento que Paul Éluard (1895-1952) compartilha com os outros surrealistas, apesar de ter praticado pouco a escrita automática (Maurice NADEAU, 1964, p. 61), sua poética torna-se, sobretudo, um espaço de busca, cujo objeto é também o próprio espaço em seus aspectos exteriores e interiores. Seria, de fato, possível conciliar os dois, tal como parecia factível no caso da realidade e do sonho? Essa natureza da poesia enquanto um espaço de pesquisa, ou seja, em seus aspectos de um conhecimento acerca da experiência, é genuinamente surrealista. Assim, no poema “Giorgio de Chirico”, do livro Capitale de la douleur, de 1926, surge a questão da ambivalência do espaço afetivo, quase claustrofóbico, simultaneamente passado e presente, acolhimento e perigo:

Um muro denuncia um outro muro

E a sombra me protege de minha sombra medrosa.

Ó torre de meu amor em torno de meu amor,

Os muros rolos brancos em torno de meu silêncio.

Você, o que protegia? Céu insensível e puro

Tremia você me acolhia. A luz em relevo

Sob o céu que não mais é o espelho do sol,

As estrelas de dia dentre as folhas verdes,

A lembrança daqueles que falam sem saber,

Mestres de minha fraqueza e estou em seu lugar

Com os olhos de amor e as mãos fiéis demais

Para despovoar um mundo do qual estou ausente1

(Paul ÉLUARD, 1966, p. 62).

Ao evitar cuidadosamente as rimas finais, as três estrofes regulares do poema tecem, no entanto, uma densa rede de correspondências sonoras com as palavras “mur” (muro), “tour” (torre), “autour” (em torno), “amour” (amor), “pur” (puro), “sur” (sob) e “jour” (dia). A forma do endereçamento acentua a presença da outra/do outro, sem caracterizá-la/lo do ponto de vista do gênero. Essas aproximações sonoras relacionam os elementos do espaço ao vocabulário das emoções. Éluard considerava a pintura uma parte muito importante de sua vida criativa, e possuía algumas obras de Pablo Picasso, Max Ernst e Giorgio De Chirico. Na lista de seus quadros vendidos em 1938 constam, de fato, seis obras de Chirico: “A incerteza de poeta”, “A saudação de um amigo distante”, “Interior metafísico”, “A surpresa”, “Retrato de Gala e Paul Éluard”, “O poeta e o filósofo” (Roger-Jean SÉGALAT, 1968, p. 75).

Nos quadros de Chirico, que trouxe para as pesquisas surrealistas também as narrativas de seus sonhos, a representação dos manequins, que combinam os resquícios dos elementos míticos com os instrumentos construtivos, adquire um efeito fortemente desantropomorfizante, remetendo às questões da metamorfose e do duplo, muito frequentes também no gótico. A representação visual artística, que possui um caráter simbólico, costuma levar em consideração apenas alguns aspectos do objeto, nunca podendo representá-lo plenamente. Essa dificuldade se reveste do caráter abertamente paradoxal quando se trata da representação do universo interior ou onírico.

Controvérsia muito antiga da história da representação pictórica, a representação do espaço enquanto mensurável e controlável diz respeito, sobretudo, à construção perspectivística. Em seu estudo sobre a perspectiva como uma forma simbólica, Erwin Panofsky (1991) descreve os motivos pelos quais a perspectiva geométrica artificial conceituada na época do renascimento não corresponde nem à perspectiva utilizada na Antiguidade, na qual as linhas retas eram representadas como encurvadas, e tampouco à visão natural, na qual dificilmente existe um ponto de vista único e imóvel. A perspectiva, a palavra significando “ver através”, “transforma o espaço psicofisiológico no espaço matemático”2 (PANOFSKY, 1991, p. 31), negando várias diferenças existentes na percepção visual subjetiva e tátil do espaço, que nunca é percebido como homogêneo. Nos quadros de Chirico, é ressaltada, sobretudo, a artificialidade do espaço.

No período metafísico da produção de Chirico, surpreendem a estranha estagnação, o uso da sombra, o vazio, o silêncio, a ausência, o recurso à iluminação, que remete ao fim da tarde, os manequins sem rosto e sem identidade, ou seja, o aspecto fantasmático. Vários desses efeitos podem ser interpretados, de fato, como a representação do espaço por meio do uso do esquematismo da perspectiva isométrica. Dessa maneira, o espaço parece ainda mais “artificial”, reconstruído ou reencontrado.

Ao se ater à construção onírica do espaço, manifesta nas narrativas dos sonhos, o surrealismo busca, de fato, por um outro espaço, compreendido como irredutível às noções da subjetividade ou da objetividade:

A rigor, o romance gótico, seja de Radcliffe, Lewis ou Maturin, foi erguido pelo surrealismo contra a literatura dominante - antes de mais nada, contra o romance realista -, como uma forma alternativa de criatividade. Antes de mais nada, “o problema do castelo” de Breton, no qual as ruínas do castelo representam o lugar da reflexão, colocado por Le Brun como o problema do “ponto de vista, mais exatamente, do ângulo de vista” - o de um espaço “nem subjetivo nem objetivo” -, onde a preocupação central foi para Breton o estabelecimento da forma contemporânea de um motivo conceitual muito profundamente enraizado na psique humana3 (Neil MATHESON, 2018, p. 240).

Essa difícil busca por um espaço outro e articulado contra o realismo, que afirma uma distinção nítida entre a subjetividade e a objetividade, encontrou sua configuração teórica também no âmbito da psicanálise, sobretudo no pensamento de Wilfred Bion, que, ao analisar o jogo entre a ordem e a desordem, buscou compreender a “situação” das emoções no espaço psíquico4 ( Ian MILLER, 2015; François LÉVY, 2020). Ao comentar as variantes da representação onírica ao longo dos séculos, que diz respeito ao problema de um espaço sem medida, Áron Kibédi Varga (2005) assinala três modalidades suas: a representação do sonhador, a representação do sonhador e do sonho, e a representação do sonho sem sonhador. Os quadros surrealistas de Chirico fazem parte dessa última vertente, talvez a mais incalculável. Ainda assim, “o espectador investiga o vazio, não busca explicar-se os motivos daquilo que vê, mas antes, pensa nos enigmas que se escondem nesses espaços sem vida” 5 (KIBÉDI VARGA, 2005, p. 125).

Julia Hartwig e o informe

Essas breves considerações sobre a importância da representação do espaço onírico em seus aspectos ambivalentes, na poesia e na pintura surrealistas, devedoras em relação ao terror e ao horror góticos, permitem compreender melhor a importância da poética surrealista para as poéticas posteriores, inclusive as femininas. Destarte, é possível também elaborar uma reflexão acerca da atualização e da eficácia dos traços góticos na poesia da segunda metade do século XX escrita pelas mulheres, sobretudo naquilo que tange às tentativas do espelhamento no efeito estético das emoções ambivalentes ou negativas encenadas pelo sujeito lírico. Pois o gótico foi fortemente reivindicado pelos surrealistas, não apenas pelo fato de confundir a clareza da fronteira entre a realidade e o sonho, mas também por ter recorrido a uma estética de reverberação, na qual a leitora e o leitor parecem ecoar as emoções encenadas no texto literário.

A poeta polonesa Julia Hartwig (1921-2017), que foi também tradutora dos poemas de Guillaume Apollinaire e de Henri Michaux, entre outros, elaborou uma dicção poética fortemente marcada pelo surrealismo, que inclui a escrita dos fragmentos. Sua escrita, muito conhecida antes de mais nada do período tardio, deve alguns de seus recursos também à experiência da tradução da poesia vanguardista. Os poemas em prosa, que correspondem, na obra de Hartwig, à escrita ainda influenciada pela poética surrealista, apresentam frequentemente as narrativas dos sonhos, cotejando a observação das imagens impactantes da realidade e as complexas referências culturais. O leve terror que caracteriza a subjetividade encenada nos poemas, por vezes mais denso e mais intenso, e que busca encontrar seu espelhamento no efeito estético do texto, traz os ecos do medo característico do feminino circunscrito pelo patriarcado, enclausurado metafórica e literalmente no “sótão”. Junta-se a esse terror uma certa surpresa devido à aproximação entre o trivial e o sofisticado - uma combinação extravagante -, presente também no surrealismo, na forma da composição das imagens a partir da associação dos elementos dos contextos muito afastados.

De fato, os diversos teóricos do gótico, que continua suscitando sempre novas abordagens metodológicas e novas periodizações, preocupados com sua delimitação, sobretudo em relação ao romantismo, com o qual compartilha apenas alguns traços, associaram-no à “extravagância” (fancy) (Anne WILLIAMS, 1995, p. 6), como também ao segredo, à emoção, à psicologia, à exclusão, à imaturidade, ao espaço e à desordem. O romantismo corresponde, nesse sentido, às qualidades tais como a imaginação, a melancolia, o gênio criador, a história, a viagem, a infância, o tempo e a diversidade. Essas características diferenciam o gótico do romantismo, assinalando sua irredutível especificidade, como também uma intensa crise do mito (Patrick DAY, 1985), que não busca por uma nova configuração. Assim, as características da poética gótica remetem à importância da negatividade.

A percepção um tanto vaga de diversos vultos, que surgem do nada indistintos perante as protagonistas, suscitando seu terror, mas por vezes também sua estranha curiosidade, faz parte do repertório gótico. Sua atualização dá-se no âmbito do surrealismo não apenas por meio da exploração de diversos estados entre o sono e a vigília, e dos estados da atenção diferenciada, mas, sobretudo, graças à elaboração do conceito do informe:

Um dicionário começaria a partir do momento em que não daria mais o sentido, mas antes, a tarefa das palavras. Assim, informe não é apenas um adjetivo que possui tal sentido, mas um termo que serve para desclassificar, exigindo geralmente que cada coisa tenha sua forma. Aquilo que designa não tem direito em nenhum sentido e se faz esmagar em todo lugar como uma aranha ou uma minhoca6 (Georges BATAILLE, 1970, p. 217).

De fato, em 1929, na revista Documents, Bataille vê no informe uma característica muito importante do surrealismo em seu envolvimento na mudança da compreensão acerca da percepção e do saber. Além disso, de acordo com alguns comentadores, o gótico busca dar a forma ao mal que existe no espírito humano, infringindo, destarte, a esfera do irrepresentável. Uma outra vertente crítica associa essa procura à questão do gênero feminino, sobretudo em sua dimensão psicológica e social, que abre o caminho da análise de suas vicissitudes discursivas. Nesse sentido, o gótico surge como uma forma de luta pela configuração dos limites subjetivos, no sentido estético, ético e genérico, que não se distinguem muito bem na época. Seu tema é frequentemente uma espécie de terror ou horror “inominável” (nameless) (Eugenia DELAMOTTE, 1990, p. 16). Assim, o gótico se inscreve entre dois pavores do sujeito: o do desespero da separação absoluta (“estou completamente só”), e o do desastre da fusão com o Outro (“não estou só”). No âmbito do gótico, as energias do sujeito, mormente do sujeito feminino, veem-se mobilizadas pela intensa angústia suscitada pela incerteza dos limites, aqueles que separam o sujeito do mundo, aqueles que encerram o sujeito dentro de um mundo e aqueles que separam o sujeito do Outro.

De fato, foi a escritora Ann Radcliffe (1764-1823), cuja obra assinala o intenso florescimento do gótico no fim do século XVIII, que introduziu a oposição entre o terror - que, podendo ser agradável, amplia a alma -, e o horror, que, univocamente, “estreita a alma” (shrinks the soul) (Elizabeth MacANDREW, 1979, p. 156). Assim, o terror possibilita ao sujeito uma expansão emotiva ou espiritual, preservando os traços de um prazer negativo, tal como conceituado por Burke: “Mas o terror dessa natureza, da maneira como ocupa e expande a mente, e a eleva até mais alta expectativa, é puramente sublime, e nos leva, por uma espécie de fascinação, a buscar até por aquele objeto que parece estreitar-nos”7 (Ann RADCLIFFE, 1824, p. 335). Quanto ao horror, este causa uma experiência negativa de petrificação e de sufoco, deixando o sujeito impotente de representar, sem palavras, ou inconsciente: “Parou de novo, e então, com uma mão tímida, levantou o véu; mas deixou-o cair instantaneamente - ao perceber que aquilo que escondia não era um quadro, e antes de poder sair do quarto, caiu inconsciente no chão”8 (RADCLIFFE, 1824, p. 335).

Quando despertou, em seu peito, na palma de sua mão em descanso estava uma aranha, séria como uma escura estrela, como uma joia antiquada.

As gotas pretas de seus olhos hipnóticos anunciavam uma caminhada pelas salas noturnas vazias, leves como os tesouros com o eco armazenado. Andava dentro da teia do sonho, leve e sem paciência9

(Julia HARTWIG, 1980, p. 32).

No poema em prosa de Hartwig, o despertar se confunde não apenas com o pesadelo do encontro com o horror e a abjeção, como também com a entrada em um novo sonho. A confusão subjetiva com o objeto do horror - a aranha -, assim como sua estranha ambivalência (aranha/estrela/joia/olhos), que prepara a metamorfose, assinala o doloroso rompimento das fronteiras subjetivas entre o “eu” e o não “eu”, entre a vigília e o sonho, entre o ser humano e o animal. O espaço subjetivo articula-se a partir do corpo, desdobrando-se em um misterioso percurso, como se fosse a emanação do psiquismo. É importante notar, também, a tematização do eco, que corresponde ao efeito estético almejado pelo terror.

Em um outro poema do mesmo volume de Hartwig, de 1980, o despertar do sujeito significa um encontro com o fantasma materno, que - desespero e desastre, e um jogo com a ausência e a presença -, parece querer assinalar a distinção entre a vida e a morte, a realidade e o sonho, a luz e a sombra:

Minha mãe debruça-se sobre a cama.

Acorde, você perdeu dormindo mil duzentas e trinta manhãs de sol e sem-número nubladas. Estão esperando por você.

Mas não há ninguém. E ela não mais está. Ligo o rádio para abafar a lembrança do som de sua voz.

Na grama se pode ver os traços da geada noturna.

As árvores desfizeram-se durante a noite de suas últimas folhas.

Como é possível que haja em mim alegria e dor ao mesmo tempo10

(HARTWIG, 1980, p. 18).

As palavras da mãe assinalam, no poema, o limite do dizível, tematizado como a diferença entre um número exato e o “sem-número”. Nesse sentido, ao expressar uma emoção próxima do prazer negativo, sempre matizado pelo sofrimento, o poema se inscreve mais no âmbito do terror do que no do horror paralisante. O olho vazio da gaivota confundida com uma escultura transforma-se no centro da ambivalência emocional em um outro texto, que se debruça sobre o problema da semelhança entre o objeto e sua imagem, como também sobre os limites da antropomorfização. Como veremos mais à frente, esse tema corresponde à questão da contrafação em sua relação com a oposição entre a não arte e a arte, e com o funcionamento das hierarquias do poder simbólico:

As gaivotas de uma espécie são todas parecidas, como se fossem esculpidas em madeira, com um olho vazio, de um ar bondoso e preocupado.

De longe parecem mais belas, de perto lembram algumas mulheres conhecidas sem beleza.

A gralha é mais digna. Anda na areia da praia como uma châtelaine, com passos cerimoniosos e um pouco exagerados, mas não desprovidos de bom-tom.

Dizem que ela é uma espécie em perigo.

A maldição consiste por vezes em tirar as coisas as mais cotidianas: os pássaros comuns conhecidos, o pão de centeio, o sono forte.

É possível também um inferno assim: os papagaios e os canários nas gaiolas, na mesa nada menos que um suflê, a conversa apenas sobre arte e Wittgenstein11

(HARTWIG, 1980, p. 19).

Nos poemas de Hartwig, a maternidade e a orfandade como possíveis imagens do fazer poético no feminino, presentes também, por exemplo, nos textos de Mary Shelley e de Emily Brontë, fazem pensar na contestação da metáfora da criatividade masculina como obrigatória e exclusiva da escrita literária. Esta remete, com efeito, à visão romântica da criatividade original, à autoria como decorrente da inspiração, portanto, inerente à natureza, estranha ao artifício, à contrafação, e diferente da atividade mimética. Essa compreensão da criatividade inerente ao patriarcado ocidental, presente em diversos mitos e utilizada pelo romantismo na figura do gênio criador, foi analisada criticamente por Sandra Gilbert e Susan Gubar (2000) no conhecido estudo The Madwoman in the Attic, de 1979. A paternidade e a criatividade correspondem ali à inabalável hierarquia do poder, na qual o gênero feminino se inscreve em negativo, por meio da exclusão ou da reclusão.

Chegou a hora? Esses dois lagos como as bocas abertas, cheias de sangue sempre quente e preto como a terra. As bocas mudas, cansadas, pesadas com o silêncio. Não, é uma parada. Agora me vendarão os olhos com a névoa, envolverão em névoa, colocarão no barco preto. Não há nuvens nem estrelas, nada que perturbe essa união.

O primeiro horizonte, o segundo, alguém passa ao lado. E um canto como um foguete preto estoura acima da cabeça. Um canto tão alto que tampo os ouvidos12

(HARTWIG, 1980, p. 46).

No espaço noturno do lago, circunscrito e nisso diferente da amplidão marítima, encena-se a captura e a limitação da palavra feminina. A espessura do conteúdo dos lagos-bocas, sua assombrosa afirmação volumétrica, assinalam, contudo, a iminente plenitude do dizer. Trata-se da representação do silenciamento da palavra, do diálogo entre as duas bocas, e da redução dos sentidos. O poema de Hartwig assinala, destarte, a inscrição no discurso da impossibilidade do diálogo entre o “eu” no feminino e um “você”.

Um peixe disforme, um raio, um raio-peixe, um besouro na carniça, um pássaro, uma mulher-pássaro, uma quimera, um gato esfolado, um pombo atropelado, uma hidra, uma medusa com um olho protuberante, um hystrix, uma fuinha preparando seu pulo, um verme cortado com uma pá, uma aranha fitando uma adormecida - todas vocês estão em mim, criaturas vivas, criaturas semivivas, criaturas deficientes, indiferentes, tagarelas, caladas.

Durante as noites sinto seu trabalho devastador. Ouço as vozes. Por sua libertação vocês me prometem a paz e o descanso. Vocês querem espalhar-se pelo mundo. Querem envenená-lo. Quanto sacrifício em protegê-lo contra vocês!

Mas a verdade é que justamente graças a vocês eu existo13

(HARTWIG, 1980, p. 73).

Os bichos informes de várias espécies, contidos dentro da subjetividade feminina, ela mesma investida, destarte, pela negatividade, paradoxalmente asseguram sua existência, ou seja, seus limites. A enumeração das criaturas visa à encenação da multiplicidade, à nivelação das diferenças entre o real e o maravilhoso, insistindo, também, nos estados da metamorfose. A situação dos bichos sugere também a proximidade entre a vida e a morte, assim como um intenso conflito existente entre o “eu” feminino e o mundo.

Pensamos nos fantasmas. Que um dia podem aparecer diante de nós.

Mas eles já chamaram daquela noite nublada e de vento: Hamlet! Hamlet!

Pensamos no veneno. Que um dia teremos que bebê-lo.

Já o bebemos.

Pensamos que chegará o momento da prova.

Entretanto, os peregrinos que conduzíamos há muito tempo jazem no fundo do mar e já são irreconhecíveis.

Pensamos: a partir de amanhã viveremos de verdade.

Entretanto, esta já é a vida e alguns de nós já estão mortos de verdade14

(HARTWIG, 1980, p. 52).

A enunciação no masculino, que lança mão de paralelismos, evoca uma série de identificações com as imagens masculinas ocidentais: Hamlet, Sócrates e Lord Jim. A questão do fantasma se transforma no problema da projeção comparativa com o outro, remetendo à distinção entre a realidade, a vida e a morte.

A transposição topográfica das qualidades psicológicas tais como o terror e o horror remete à estrutura do confinamento. No universo patriarcal ocidental, que configura a alteridade como uma espécie de assombração e que busca fundamentar uma comparação entre a poesia e a sexualidade, a mulher vê-se enclausurada dentre as propriedades simbólicas do homem. Ainda assim, nesse contexto opressivo e restritivo, as mulheres, apesar de não possuírem a autonomia das palavras, têm, contudo, ainda, a (dolorosa) autonomia de sua experiência. Destarte, é sobretudo essa independência irrequieta e paradoxal da vida psíquica no feminino, que reluta e que resiste, que se vê enfatizada pelo gótico, enquanto um complexo, intenso e poderoso conjunto emocional.

Anne Sexton e a crise do mito

De fato, “a demente no sótão” - e é importante que ela seja definida a partir de sua inscrição em um lugar, o do confinamento e da expulsão do espaço social -, torna-se, sobretudo no âmbito do romantismo, a metáfora da busca por uma poética eminentemente feminina, que ultrapassasse o nível da negatividade. Pois, no âmbito do gótico, que valoriza a tradução da experiência em termos das relações espaciais, persiste a firme tendência à negatividade e à recusa dos novos mitos e das novas versões dos antigos mitos, nas quais as figuras femininas secundárias passavam ao primeiro plano.

Em 1947, resumindo as conquistas da vanguarda surrealista, que desestabilizou a firmeza da percepção do espaço e da linguagem, Georges Bataille formulou a questão da ausência do mito, lançando mão de uma metáfora topográfica:

O espírito determinado por esse momento do tempo necessariamente resseca - e, todo seco, quer esse ressecamento. O mito e a possibilidade do mito se desfazem: subsiste apenas um imenso vazio, amado e miserável. A ausência de mito talvez seja esse solo, imutável sob meus pés, mas talvez logo esse solo escapando15 (BATAILLE, 1988, p. 237).

A ausência do mito, afirmada pelas poéticas surrealistas, que muito experimentaram com os elementos dos diversos mitos, deslocando-os, subvertendo-os, até esgotá-los, significa, aos olhos de Bataille, o fim do enclausuramento subjetivo, possibilitando uma abertura, talvez até vertiginosa e por demais vasta. A poeta norte-americana Anne Sexton (1928-1964), tendo lançado mão de uma imagem solar dos peixes em cardume que estão em uma jornada sem retorno fora d’água, e recorrido à evocação dos insetos - a das moscas nas testas dos homens -, para expressar o profundo desamparo emocional do sujeito entregue ao terror existencial, escreveu também um poema sobre uma boneca.

Talvez até o uso da escrita poética como um espaço criativo de uma franca reação psíquica, a saber, uma prática de uma qualidade estética questionável, seja, de certa forma, de proveniência gótica, por confundir audaciosamente os limites da arte. Nesse sentido, a própria poeta não dissociava a poesia e a experiência psíquica, e “abertamente esperava que sua poesia conseguisse trazer o conforto e o insight16 (Paula SALVIO, 2007, p. 17). Uma de suas leitoras confessa: “o risco de identificação com Sexton é que eu poderia ser acusada de não ter gosto”17 (Gillian WHITE, 2014, p. 99), pois sua lírica parece conter o segredo das emoções humanas. O efeito estético do poema parece, destarte, envolver um risco de exposição subjetiva para a leitora, provavelmente o de cumplicidade e de ecoar as emoções encenadas.

Intitulado “Eu mesma em 1958”, o poema aparentemente filosófico, existencial, foi, na verdade, composto durante vários anos, entre 1958 e 1965, e se inicia com uma intensa inquietação ontológica, para logo variar sua inscrição discursiva e se transformar em uma indagação acerca do sentido do ser-boneca. O texto se inscreve também na discussão teórica modernista acerca da obrigatoriedade da dissociação entre o poeta e o sujeito lírico, exagerando suas propostas por meio de uma verdadeira “produção” de uma forma artificial diminuída e deslocada em relação à pessoa da poeta. Dessa maneira, a construção do “eu-boneca” pode ser interpretada como uma estratégia antilírica, apesar da promessa autobiográfica do título.

Avesso à afirmação da potência da natureza cara aos românticos, ancorado à experiência da contrafação, o discurso poético do eu-feminino-boneca, com efeito, busca a riqueza inerente à artificialidade, anunciando, portanto, a irônica antropologia ciborgue (Donna HARAWAY; Hari KUNZRU; Tomaz TADEU, 2009) dos anos 80, que abertamente renunciará à inocência das origens:

O que é a realidade?

Sou uma boneca de gesso; faço a pose

com os olhos que rasgam sem pouso nem repouso

uma pessoa vazia e sorridente,

os olhos que se abrem, azuis, acerados, e se fecham.

Sou eu aproximativamente um eu. Transplante da Magnin?

Tenho o cabelo, anjo negro,

um anjo-negro-cheio para pentear,

as pernas de nylon, os braços luminosos

e roupas de marca18

(SEXTON, 1966, p. 73).

A pergunta inquietante “Am I approximately an I”, ao lançar mão da repetição sonora (am I/an I), transforma o advérbio “approximately” em um núcleo tenso da indagação identitária sem resposta. Uma equação com uma desconhecida “x” no centro, uma questão de uma distância conveniente, da proximidade desejável, torna-se também uma reflexão sobre a impossibilidade de se chegar ao saber exato. Na terceira estrofe, o jogo sonoro que encena o segredo da identidade do eu-mulher-boneca retornará enigmaticamente no verso quiasma “They think I am me!”, no qual o pronome pessoal se espelha no ponto de exclamação. Destarte, o poema de Sexton expressa uma das maiores angústias das mulheres, privadas de um “eu” no feminino e submetidas ao movimento discursivo da linguagem dominada pelos valores e pelas expressões patriarcais, que frequentemente apaga as marcas do gênero feminino.

Vivo em uma casa de boneca

com quatro cadeiras,

uma falsa mesa, um telhado plano

e uma grande porta de frente.

Vários chegaram a tal encruzilhada.

Há uma cama de aço,

(A vida aumenta, a vida tem um propósito)

um chão de cartolina,

as janelas que se abrem para uma cidade de alguém,

outras coisas19

(SEXTON, 1966, p. 73).

O lugar mal-assombrado do enclausuramento simbólico do feminino, o espaço, que pode significar tanto reclusão quanto expulsão é, no poema, representado como uma casa de boneca. Móveis simples são descritos de uma forma aparentemente realista nesse cenário de proporções diferentes. Pois tudo parece pertencer ao regime de um artifício. De fato, o poema de Sexton encena uma desordem existencial do “eu”, que é (também) o de uma boneca. Assim, torna-se evidente a radicalidade da experiência gótica, que é sem retorno e que expõe o sujeito à experiência de um duplo, possibilitando apenas seus inumeráveis desdobramentos que, como veremos, decorrem da dificuldade de se dizer “eu” no feminino.

“Pois sua visão abrangia a ordem das vidas das mulheres: trabalho, família, filhos, amor. Ao mesmo tempo, ela se aventurou para o mundo mais privado e sombrio de insegurança, de dor, de alucinação e de terror”20 (Kathleen SPIVACK, 2012, p. 53). A passagem do gesso para o plástico destrói qualquer positividade da evocação do mito de Pigmaleão. Pois a boneca, cuja manipulação infantil sádica é descrita em versos breves e acentuada em intensos paralelismos, paradoxalmente tem uma mãe, o que será revelado, mais um segredo, na última estrofe do poema.

Alguém brinca comigo,

coloca-me no forno elétrico,

Foi isso que disse Sra. Rombauer?

Alguém finge comigo -

fico petrificada com seu barulho -

ou me coloca em sua cama estreita.

Creem que eu sou eu!

Seu calor? Seu calor não é amigo!

Abrem minha boca para seus copos de gim

e seu pão amanhecido21

(SEXTON, 1966, p. 73-74).

O gótico foi, de fato, também o âmbito do estereótipo e do exagero, propício à criação de uma zona de indistinção entre o estético e o não estético. De acordo com Irigaray, que analisou as estratégias do apagamento linguístico e discursivo do gênero, as conotações do discurso feminino encontram sua expressão, sobretudo, no uso dos adjetivos, que no poema de Sexton, desde a primeira estrofe, tendem a subverter o regime natural, e que resistem à tradução - “plaster”, “steel”, “nylon”, “advertised” -, para encontrar seus evocativos ecos semânticos nas estrofes seguintes: “counterfeit”, “iron”, “all-electric”, “synthetic”. Pois a realidade no patriarcado, que valoriza a fundamentação histórica dos conceitos do ponto de vista masculino, e, nesse sentido, é a realidade pós-romântica, remete a uma construção cultural devido à inscrição discursiva do poder masculino:

A realidade surge como uma realidade já sempre cultural, relacionada à história do sujeito masculino. Trata-se sempre de uma natureza secundária, descontínua de para com suas raízes corporais, seu ambiente cósmico, sua relação à vida. Essa relação é sempre mencionada para ser negada e tem perpetuamente passado a um comportamento não cultural22 (Luce IRIGARAY, 1993a, p. 35).

A negação da natureza, enquanto sempre secundária, exclui o corpo, mas também o regime das emoções, como os componentes relevantes da cultura, correspondendo, destarte, a alguns aspectos do horror gótico, no qual se dá a construção de diversas armadilhas. A representação do autômato na literatura gótica, por exemplo, na obra de Ernst Hoffmann e de Edgar Allan Poe, “não pode escapar a uma constante oposição entre a enunciação científica e a enunciação mítica” (André BELLEAU, 1972, p. 116), levando, sobretudo, à subversão dessa segunda. Ainda assim, o problema do ser-boneca parece dizer respeito, antes de mais nada, à questão da aparência.

O que é a realidade

para essa boneca de plástico

que deve sorrir, que deve mudar as peças,

abrir as portas em uma sã desordem,

e sem as provas de ruína ou medo?

Mas eu choraria,

enraizada na parede que

uma vez já foi minha mãe,

se pudesse me lembrar como

e se tivesse lágrimas23

(SEXTON, 1966, p. 74).

O poema coloca em questão a validade dos diversos discursos forjados para a representação da realidade. A repetição da pergunta inicial pela identidade da realidade no início da última estrofe leva à encenação de uma estranha maternidade e da tristeza sem lágrimas. Pois a boneca do poema de Sexton faz com que seja possível refletir também sobre a importância da nostalgia da contrafação:

A contrafação, pela definição, tende para duas direções ao mesmo tempo: por um lado, inclui uma nostalgia espectral pela correspondência “natural” desvanecedora entre o signo e o estatuto social (“o signo ligado” medieval); por outro lado, essa nostalgia é contrariada pela tendência a se arrancar a suas conexões anteriores os signos do estatuto mais antigo e a transferi-los de uma pessoa para outra - onde se tornam contrafações do estatuto -, no tempo que possibilita um aumento de ascensão social dependente do sucesso econômico24 (Jerrold HOGLE, 1998, p. 263).

Tal como o descreve Jean Baudrillard (1996) no caso do capital em sua relação ao período ético da produção, no qual esta remediava à penúria, da mesma forma a proximidade da não arte ou da arte de má qualidade cria uma ameaça para a arte, restaurando, nessa tensão, a experiência da nostalgia dos tempos da arte verdadeira e autêntica. O teórico do simulacro e do terror do simulacro que tem como sua fonte o funcionamento correto do sistema traça uma distinção entre a contrafação e as outras ordens dos simulacros, mecânicos ou industriais. Pois, diferentemente dos autômatos, que correspondem ao momento da revolução industrial, a contrafação - e Baudrillard analisa o exemplo de um anjo de estuque -, “trabalha apenas sobre a substância e a forma, não tendo chegado às relações e às estruturas” (BAUDRILLARD, 1996, p. 67-68).

Colocar a “natureza” entre aspas, sem que seja possível, no entanto, afirmar, desse jeito, a predominação da cultura, situa o gótico em oposição ao romantismo, que buscava pela afirmação e pelo uso das forças da natureza. Pois o artifício e a contrafação atualizam a experiência da autenticidade, ainda que às avessas, apenas atualizando a problemática oposição entre a natureza e a cultura, e suscitando, com isso, uma intensa nostalgia.

Conclusão

No regime do patriarcado, no qual as filhas se veem transformadas pelos pais em objetos de troca, e as mães correspondem à imagem da Mãe Terra, as mulheres não possuem uma identidade, sofrendo as identificações múltiplas e contraditórias (IRIGARAY, 1992). Essas identificações plurais desordenadas suscitadas pela violência patriarcal envolvem também as fragmentações subjetivas e as metamorfoses das quais as próprias mulheres não são conscientes, a não ser quando estas se tornam por demais dolorosas. Pois quem dá a forma à matéria é o pai. Nesse contexto opressivo, moldado pela hierarquia, as relações amorosas entre os dois sexos tendem a imitar a estrutura das relações entre as mães e os filhos. O amor enquanto tal entre as mulheres e os homens transforma-se em uma obrigação, uma patologia e uma alienação.

De acordo com Irigaray, que analisa a complexidade e a pavorosa eficácia da inscrição discursiva da carência identitária feminina, quando as mulheres chegam a dizer “eu”, ainda assim, é muito difícil estabelecer a relação entre “eu” e “ela”. Nesse sentido, a pensadora assinala também que o homem deveria se tornar uma parte de um diálogo, que corresponderia à função de um “você”. Pois, no contexto da violência simbólica, a diferença assinala-se apenas como uma indiferença, uma atrofia ou uma deficiência. Com efeito, ainda que vários linguistas tentem provar que o gênero gramatical não depende das denotações ou conotações sexuais, sendo simplesmente arbitrário, a inscrição do poder genérico no discurso parece dificilmente questionável. Irigaray busca descrever com exatidão a ação da dominação inscrita na linguagem dos patriarcados, assinalando, portanto, a complexidade da constituição da cultura em sua relação à natureza:

A apropriação masculina do código linguístico procura por pelos menos três coisas:

1. provar que eles são pais;

2. provar que eles são mais poderosos do que as mães-mulheres;

3. provar que eles são capazes de engendrar o domínio da cultura da mesma maneira como eles foram engendrados no domínio natural do óvulo, do ventre, do corpo de uma mulher25

(IRIGARAY, 1993a, p. 69).

Por vezes, a determinação genérica das palavras depende também da língua da qual estas foram pegas emprestadas, tal a predominação do masculino, em francês, nas palavras vindas do inglês. Lançando mão de um estilo lírico e da forma do ensaio, a pesquisadora dialoga com o pensamento da fenomenologia, segundo o qual a linguagem é feita não de plenitudes em oposição, e sim de diferenças, o sentido consistindo no movimento dessas diferenças (Maurice MERLEAU-PONTY, 1964). O sentido surge, assim, misteriosamente, na beira dos signos, como um intenso anseio da totalidade do sentido, que corresponderia à linguagem e à cultura, ambas no sentido patriarcal e perpassadas pelas estruturas de poder. É dessa totalidade que se vê excluída a positividade do feminino: “O prazer feminino deve permanecer inarticulado na linguagem, em sua própria linguagem”26 (IRIGARAY, 1985, p. 77).

Assim, a linguagem traduz o pensamento, também em suas vicissitudes hierárquicas do gênero e suas exclusões, sem que haja, no entanto, alguma linguagem que precedesse a linguagem. “O sujeito é ignorante ou incompreensivo da capacidade da linguagem de gerar, procriar símbolos”27 (IRIGARAY, 1993b, p. 133). De fato, a linguagem se parece mais com um ser do que com um meio ou um instrumento, donde sua capacidade de proporcionar a estranha impressão da plenitude. Pois, toda linguagem, sendo fortemente alusiva e indireta, existe, na situação dialógica, na simpatia de uma totalidade do sentido, na qual o gênero feminino e a subjetividade feminina não têm lugar, e que é altamente suspeita em termos da articulação da diferença de gênero. É justamente a essa totalidade que se deveria renunciar, segundo a perspectiva feminista:

De fato, as falas masculinas já foram em geral transformadas na terceira pessoa. Dessa maneira, o sujeito está mascarado por e dentro do mundo, da verdade. Mas esse universo é a construção do sujeito. O ele é uma transformação, uma transposição do eu. Que utiliza o edifício da linguagem para embaçar a enunciação. E nega também quem é que produziu essa gramática, esse sentido, e as regras que os governam.

O ele pode também se tornar um , uma máscara a mais para o eu28 (IRIGARAY, 1993b, p. 136-137).

O estilo da escrita feminina valoriza, segundo Irigaray, as qualidades táteis, que envolvem também a experiência da orientação no espaço e a percepção da proximidade e da distância, sendo, nesse sentido, solidário da fenomenologia. A difícil tarefa da análise da expressão do poder patriarcal diz respeito à função da linguagem, que é conseguir dizer mais como um todo do que é dito palavra por palavra. É também, segundo a imagem da alteridade inscrita no patriarcado, e em um surpreendente eco das representações góticas, que o outro - uma espécie de duplo -, assombra, sendo, de certa forma, a imagem da imagem do sujeito. Ao compartilhar com o interlocutor a mesma linguagem, o outro “eu” se torna o outro, o outro tornando-se uma parte de si mesmo. Destarte, a mudança nas relações simbólicas entre os gêneros deve ser inaugurada pela modificação das estruturas linguísticas e discursivas, não no sentido de sua neutralização genérica, mas, antes, no de uma melhor articulação da diferença.

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1 Un mur dénonce un autre mur Et l’ombre me défend de mon ombre peureuse. O tour de mon amour autor de mon amour, Tous les murs filaient blanc autor de mon silence. Toi, que défendais-tu? Ciel insensible et pur Tremblant tu m’abritais. La lumière en relief Sur le ciel qui n’est plus le miroir du soleil, Les étoiles de jour parmi les feuilles vertes, Le souvenir de ceux qui parlaient sans savoir, Maîtres de ma faiblesse et je suis à leur place Avec des yeux d’amour et des mains trop fidèles Pour dépeupler un monde dont je suis absent.

2“transforms psychophysiological space into mathematical space”.

3“Narrowly defined, the gothic novel, whether in Radcliffe, Lewis or Maturin, has been brandished by surrealism against mainstream literature - particularly against the realist novel - as an alternative form of creativity. Above all, Breton’s ‘castle problem’, where the castle ruin figures as site of reflection, posed by Le Brun as a problem of ‘point of view, more precisely, of angle of view’ - that of a space ‘neither subjective nor objective’ - where a central preoccupation for Breton was with establishing the contemporary form of a conceptual motif so deeply entrenched in the human psyche.”

4Na visão de Wilfred Bion, o sujeito deveria aprender a sofrer, atravessando uma mudança catastrófica, na qual as emoções contrárias tais como o amor e o ódio se transformam em uma relação simbiótica de interpenetração. Bion comentou em sua teoria o problema da amplidão do espaço mental do ser humano, que pode ser por demais vasto para o aparecimento da emoção, que tende a dispersar-se. O psicanalista acreditava que pensar significa conseguir o acesso a um espaço ocupado por não objetos, as ausências, que não devem ser confundidas com as inexistências.

5“le spectateur scrute le vide, ne cherche pas à s'expliquer les raisons d'être de ce qu'il voit, mais réfléchit sur les énigmes qui se cachent dans ces espaces sans vie”.

6“Un diccionaire commencerait à partir du moment où il ne donnerait plus le sens mais les besognes des mots. Ainsi informe n’est pas seulement um adjectif ayant tel sens mais un terme servant à déclasser, exigeant généralement que chaque chose ait sa forme. Ce qu’il désigne n’a ses droits dans auncun sens et se fait écraser partout comme une araignée ou un ver de terre”.

7“But a terror of this nature, as it occupies and expands the mind, and elevates it to high expectation, is purely sublime, and leads us, by a kind of fascination, to seek even the object from which we appear to shrink.”

8“She paused again, and then, with a timid hand, lifted the veil; but instantly let it fall - perceiving that what it had concealed was no picture, and before she could leave the chamber, she dropped senseless on the floor.”

9Kiedy się ocknęła, na piersiach, w zagłębieniu jej odpoczywającej dłoni siedział pająk, poważny jak ciemna gwiazda, jak staroświecki klejnot. Czarne krople jego hipnotycznych oczu zapowiadały wędrówkę przez puste nocne sale, lekkie jak skarbce z przechowywanym echem. Szła w pajęczynie snu, lekko i niecierpliwie.

10Moja matka stoi nad łóżkem. Wstawaj, przespałaś tysiąc dwieście trzydzieści poranków słonecznych i nieskończoną ilość mglistych. Czekają na ciebie. Ale nie ma nikogo. I jej już nie ma. Nastawiam radio, żeby zagłuszyć wspomnienie jej głosu. Na trawie widać ślady nocnego szronu. Drzewa otrząsnęły się przez noc z ostatnich liści. Jak to się dzieje, że jest we mnie radość i ból jednocześnie.

11Mewy jednego gatunku wyglądają wszystkie tak samo, jak wycięte z drewna, z pustym okiem, wyraz poczciwy i zafrasowany. Z daleka wydają się piękniejsze, z bliska przypominają pewne znajome nieurodziwe kobiety. Wrona jest dostojniejsza. Kroczy po piasku plaży jak kasztelanowa, krokiem ceremonialnym i trochę przesadnym, ale nie pozbawionym ogłady. Mówią, że jest gatunkiem zanikającym. Przekleństwo polega czasem na odebraniu rzeczy najcodzienniejszych: znajomych pospolitych ptaków, razowego chleba, mocnego snu. Może być i takie piekło: w klatkach papugi i kanarki, na stole nic poniżej sufletu, rozmowa tylko o sztuce i Wittgensteinie.

12Czy to już? Te dwa stawy jak otwarte usta, pełne krwi nie stygnącej i jak ziemia czarnej. Usta nieme, osłabłe, ociężałe ciszą. Nie, to postój. A teraz mgłą mi zawiążą oczy, w mgłę zawiną, posadzą do tej łodzi czarnej. Ni chmur, ni gwiazd, niczego, co tę jedność zmąci. Pierwszy horyzont, drugi, ktoś mija mnie w łodzi. I śpiew jak czarna raca wystrzela nad głową. Śpiew tak ogłuszający, że zakrywam uszy.

13Poczwarna ryba, błyskawica, błyskawico-ryba, żuk na ścierwie, ptak, kobieta-ptak, chimera, kot odarty ze skóry, przetrącony gołąb, hydra, meduza z wyłupiastym okiem, jeżozwierz, kuna spięta w oczekiwaniu, glista przecięta łopatą, pająk wpatrujący się w śpiącą - wszystkie jesteście we mnie, twory żywe, twory półmartwe, twory kalekie, obojętne, gadatliwe, milczące. Czuję nocami waszą pustoszącą pracę. Słyszę głosy. Za swoje uwolnienie obiecujecie mi spokój i wypoczynek. Chcecie rozpełznąć się na świat. Chcecie go zatruć. Ileż poświęcenia, że go przed wami chronię! Ale prawda jest taka, że właśnie dzięki wam istnieję.

14Myślimy o duchach. Że mogą nam się kiedyś pokazać. A one już zawołały do nas tamtej mglistej, wietrznej nocy: Hamlecie, Hamlecie! Myślimy o truciźnie. Że kiedyś będziemy musieli ją wypić. Wypiliśmy ją już. Myślimy, że nadejdzie chwila próby. A tymczasem pielgrzymi, których wieźliśmy, od dawna spoczywają na dnie morza i są już nie do rozpoznania. Myślimy: od jutra będziemy żyli naprawdę. A przecież to już życie i niejeden z nas jest już martwy na dobre.

15“L’esprit que détermine ce moment du temps nécessairement se dessèche - et, tout entier tendu, il veut ce dessèchement. Le mythe et la possibilité du mythe se défont: subsiste seul un vide immense, aimé et misérable. L’absence de mythe est peut-être ce sol, immuable sous mes pieds, mais peut-être aussitôt ce sol se dérobant.”

16“hoped aloud that her poetry would endure to offer comfort and insight to those who, like herself, suffered the unrelenting pain of mental illness and addictions”.

17“the risk of identifying with Sexton is that I might be accused of having no taste”.

18What is reality? I am a plaster doll; I pose with eyes that cut open without landfall or nightfall upon some shellacked and grinning person, eyes that open, blue, steel, and close. Am I approximately an I. Magnin transplant? I have hair, black angel, black-angel-stuffing to comb, nylon legs, luminous arms and some advertised clothes.

19I live in a doll’s house with four chairs, a counterfeit table, a flat roof and a big front door. Many have come to such a small crossroad. There is an iron bed, (Life enlarges, life takes aim) a cardboard floor, windows that flash open on someone’s city, a little more.

20“But her vision encompassed the range of women’s lives: work, family, children, love. At the same time she journeyed into a more shadowy private world of self-doubt, pain, hallucination, and terror”.

21Someone plays with me, plants me in the all-electric kitchen, Is this what Mrs. Rombauer said? Someone pretends with me - I am walled in solid by their noise - or puts me upon their straight bed. They think I am me! Their warmth? Their warmth is not a friend! They pry my mouth for their cups of gin and their stale bread.

22“Reality appears as an always already cultural reality, linked to the individual and collective history of the masculine subject. It’s always a matter of a secondary nature, cut off from its corporeal roots, its cosmic environment, its relation to life. This relation is only ever mentioned to be denied, and is perpetually passing into uncultured behaviour”.

23What is reality to this synthetic doll who should smile, who should shift gears, should spring the doors open in a wholesome disorder, and have no evidence of ruin or fears? But I would cry, rooted into the wall that was once my mother, if I could remember how and if I had the tears.

24“The counterfeit, by this definition, is pulled in two directions at once: on the one hand, it includes a spectral longing for a fading 'natural' correspondence between sign and social status (the medieval 'bound sign'); on the other hand, that nostalgia is countered by the tendency to break signs of older status away from their earlier connections and to transfer them from one person to another - where they become counterfeits of status - at a time that allows increased social climbing depending on economic success”.

25“Men’s appropriation of the linguistic code attempts to at least three things: 1. prove they are fathers; 2. prove they are more powerful than mother-women; 3. prove they are capable of engendering the cultural domain as they have been engendered in the natural domain of the ovum, the womb, the body of a woman”.

26“Feminine pleasure has to remain inarticulated in language, in its own language”.

27“The subject is ignorant or uncomprehending of language’s capacity to generate, to procreate symbols”.

28“In fact, masculine utterances have generally already been transformed into the third person. In this way the subject is masked by and within the world, the truth. But this universe is the subject’s construction. The he is a transformation, the transposition of the I. Which uses the edifice of language to blur the enunciation. And denies also who it is who has produced this grammar, this meaning, and the rules governing them. The he can also turn into a there is, one more mask for the I”.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: KEMPINSKA, Olga Donata Guerizoli. “A poesia de terror em Paul Éluard, Julia Hartwig e Anne Sexton”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 2, e76548, 2022.

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 18 de Agosto de 2020; Revisado: 15 de Abril de 2021; Aceito: 01 de Julho de 2021

olgagkem@gmail.com

Olga Kempinska (olgagkem@gmail.com) possui graduação e mestrado em Filologia Românica pela Uniwersytet Jagiellonski de Cracóvia (Polônia), e doutorado em História Social da Cultura pela PUC-Rio. É professora de Teoria da Literatura no Departamento de Ciências da Linguagem da Universidade Federal Fluminense. Além de artigos e traduções, publicou os livros Mallarmé e Cézanne: obras em crise (NAU) e Klov (7Letras).

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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