SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número2Beauvoir e a crítica à supervalorização masculina na psicanálise freudianaIdentidade de gênero de homens transexuais à luz de Paul Preciado índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.2 Florianópolis maio/ago 2022  Epub 01-Maio-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n277282 

Artigos

Pornografia e atos de fala: a perspectiva de Catharine MacKinnon

Pornography and speech acts: Catharine MacKinnon's perspective

La pornografía y los actos de habla: la perspectiva de Catharine MacKinnon

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 90040-060 - ppgedu@ufrgs.br


Resumo:

Sabendo da importância que os debates em torno da questão pornográfica possuem para os feminismos históricos e contemporâneos, tomamos a obra Only Words (1993), de Catharine MacKinnon, como foco. Através de análise interpretativa, buscamos reconstruir a argumentação da autora sobre a forma como a pornografia opera e quais suas consequências para as experiências das mulheres no mundo real. Enfatizamos em nossa análise a importância da teoria dos atos de fala de John Austin (1962) para a constituição do pensamento da autora. Por fim, buscamos demonstrar que em alguns aspectos a teoria de Austin parece garantir a coerência interna das ideias de MacKinnon.

Palavras-chave: pornografia; feminismos; atos de fala; Catharine MacKinnon

Abstract:

Knowing the importance that debates about the pornographic issue have for historical and contemporary feminisms, we take the work Only Words (1993), by Catharine MacKinnon, as focus. Through interpretative analysis we seek to reconstruct the author's argument about the way pornography operates and what its consequences are for women's experiences in the real world. In our analysis, we emphasize the importance that John Austin's theory of speech acts has for the constitution of the author's thought. Finally, we seek to demonstrate that in some ways Austin's theory seems to guarantee the internal coherence of MacKinnon's ideas.

Keywords: pornography; feminisms; speech acts; Catharine MacKinnon

Resumen:

Conociendo la importancia que tienen los debates sobre el tema pornográfico para los feminismos históricos y contemporáneos, tomamos como foco la obra Only Words (1993), de Catharine MacKinnon. A través del análisis interpretativo, buscamos reconstruir el argumento de la autora sobre la forma cómo opera la pornografía y cuáles son sus consecuencias para las experiencias de las mujeres en el mundo real. En nuestro análisis, destacamos la importancia que tiene la teoría de los actos de habla de John Austin para la constitución del pensamiento de la autora. Finalmente, buscamos demostrar que en algunos aspectos, la teoría de Austin parece garantizar la coherencia interna de las ideas de MacKinnon.

Palabras clave: pornografía; feminismos; actos de habla; Catharine MacKinnon

Introdução

O desenvolvimento contemporâneo da pornografia é um fenômeno social que atrai a atenção de pesquisadoras de diversas áreas que buscam melhor compreender a forma como o consumo e a produção de pornografia tornaram-se tão difundidos na grande maioria das sociedades ocidentais e de que forma isso afeta nossas relações sociais. O presente artigo é uma tentativa de contribuir com tal discussão sob uma perspectiva filosófica. Uma melhor compreensão do posicionamento de uma das autoras mais ativas na produção feminista sobre as questões que envolvem pornografia e feminismos, nos parece importante para evitarmos afirmações superficiais sobre o tema, bem como para desenvolvermos estratégias de análise e de ação sobre um tópico ainda vital para os estudos feministas.

No final dos anos 70 e ao longo da década de 1980, muitas feministas passaram a defender a censura e/ou a regulamentação da distribuição de materiais pornográficos sob o argumento de que estes promoviam a objetificação da figura feminina e impulsionavam, desta forma, a violência contra as mulheres em seus diversos níveis.

A divisão do debate entre feministas defensoras da censura à pornografia e feministas que adotavam uma linha chamada de ‘pró-sexo’ vinculada a uma oposição geral à censura, levou à formação de uma série de grupos que passaram a advogar suas posições em diversos eventos, tanto nos Estados Unidos como em algumas cidades europeias. Destacam-se o grupo anti-pornografia, fundado em 1977, em São Francisco, Women Against Violence in Pornography and Media (WAVPM) e o grupo anti-censura Feminist AntiCensorship Taskforce (FACT), fundado em 1984, em resposta direta às tentativas de Catharine MacKinnon e Andrea Dworkin de regulamentar a produção pornográfica através das Ordenações de Minneapolis. O processo de constituição de tais grupos, bem como o clima político da época são retomados por Gayle Rubin (2011b) em um artigo que leva o sugestivo nome de “Sangue embaixo da ponte: Reflexões sobre ‘Pensando o sexo’”.1 Posteriormente, tal momento político, que se estendeu do final dos anos 70 até o início dos anos 90, ficou conhecido como porn wars2 nos Estados Unidos dada a imensa polarização entre diversos grupos sociais em torno da questão pornográfica.

Catharine MacKinnon e Judith Butler (1997) foram algumas das figuras em torno das quais o debate feminista do período tendeu a polarizar-se. Em um primeiro momento, seríamos levadas a crer, portanto, que tais pensadoras divergem absolutamente em suas bases teóricas. No entanto, um olhar mais atento permite perceber que a construção da argumentação das duas autoras, a favor e contra a regulamentação da pornografia, é fortemente devedora e está influenciada pela teoria dos atos de fala, elaborada pelo filósofo da linguagem John Austin e desenvolvida posteriormente por outros autores, como John Roger Searle. As teorias que envolvem as ideias de performance e de atos de fala normalmente estão relacionadas ao desenvolvimento da teoria queer, no entanto, como buscaremos demonstrar, não estão limitadas a ela.

Distintas correntes feministas também fazem ou fizeram uso desta matriz teórica para embasar suas escolhas e pensamentos. Em essência, a teoria dos atos de fala, tal como pensada inicialmente por Austin, possui como objetivo pensar a linguagem não mais apenas como representação da realidade, mas como uma forma de ação. Essa explanação, à qual voltaremos posteriormente, permite-nos introduzir o objetivo central do presente artigo: buscaremos reconstruir a argumentação de Catharine MacKinnon, bem como seu posicionamento sobre a pornografia, enfatizando a importância da teoria de atos de fala para a constituição do pensamento da autora. Posteriormente, tentaremos demonstrar que em ao menos alguns aspectos, a teoria de Austin garante a coerência interna das ideias da autora.

Contexto histórico e teórico

As duas principais representantes do movimento anti-pornografia norte-americano do período acima citado foram Catharine MacKinnon e Andrea Dworkin (1981). Para ambas feministas, a pornografia engendra um modo de se pensar o sexo que coloca a mulher necessariamente no papel de objeto a ser explorado. A pornografia seria responsável, nesta visão, pela formação de uma cultura do abuso e do estupro às mulheres, ao não lhes fornecer a possibilidade de serem sujeitos e de não estarem, portanto, aptas a aceitar ou não determinada ação sob seus corpos:

A desigualdade é o que é sexualizado por meio da pornografia, é o que há de sexual nisso. Quanto mais desigual, mais sexual. A violência contra as mulheres na pornografia é uma expressão da hierarquia de gênero, o extremo da hierarquia expressa e criada através do extremo do abuso, que, por sua vez, produz o extremo da resposta sexual masculina (Catharine, MACKINNON, 1991, p. 143-144).3

Para teóricas como MacKinnon qualquer prática pornográfica, mesmo as que se pretendem rompedoras dos esquemas tradicionais (masculino - dominador; feminino- submisso), ainda são perversas às mulheres, pois elas necessariamente têm que lidar e dialogar com categorias tradicionais do sexual, imitando-as, parodiando-as, negando-as ou mesmo invertendo-as. Tal fato faz com que a pornografia seja sempre, na visão e definição de MacKinnon, uma maneira de reafirmar os acordos sexuais standards. Esta forma de se pensar a pornografia não ficou restrita ao debate teórico. Entre os anos de 1983 e 1984, Catharine MacKinnon e Andrea Dworkin escreveram e defenderam um modelo de ordenações para a cidade de Minneapolis (EUA), em que a pornografia era definida como: “[...] uma forma de discriminação com base no sexo. A pornografia é a subordinação sexualmente explícita das mulheres, representada graficamente, seja em imagens ou palavras [...]” (MACKINNON; Andrea DWORKIN, 1997, p. 428).4

A Ordenação, tal como proposta pelas autoras, foi aprovada pelos conselhos das cidades de Minneapolis e Indianapolis nos Estados Unidos. No entanto, ela foi transformada em lei apenas na segunda cidade, pois o prefeito de Minneapolis, à época, vetou a promulgação da lei que a colocaria em prática. Em 1985, no entanto, um julgamento da Corte Federal determinou que a Ordenação em vigor na cidade de Indianapolis violava a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, tornando-a, desta forma, inválida.

Esta visão da pornografia e de suas consequências para as políticas de gênero, bem como da forma de combater seus efeitos foram rechaçadas por diferentes teóricas feministas. Estas passaram a defender outras abordagens que se deslocavam da lógica proibitiva em relação às produções pornográficas. Uma das principais autoras a adotar tal linha de pensamento foi a filósofa americana Judith Butler.

A perspectiva de Butler (1998) sobre a constituição do gênero é bastante devedora dos desenvolvimentos da filosofia da linguagem, sobretudo da teoria dos atos de fala. Butler revê as visões de John Austin e John Searle e a partir delas, juntamente com uma perspectiva fenomenológica, busca compreender a constituição do gênero a partir da repetição estilizada de atos. Para Butler, o gênero não é um dado biológico, mas sim uma identidade debilmente construída no tempo a partir da repetição de atos constitutivos, o que dá ao gênero um caráter histórico e performativo. Segundo Butler, o gênero é um ato ligado à ideia de repetição e reatuação de um conjunto de significados já socialmente estabelecidos. A performance de gênero torna, desta forma, explícitas, certas leis sociais. Tais regras ganham um caráter punitivo para aqueles que não atuam de acordo com o seu gênero. Butler defende que a realidade do gênero é real somente na medida em que é atuada. Ao tratar o gênero como performático e não como expressivo, Butler nega que as classificações de gênero expressem algo a mais do que a simples atualização das regras sociais.

É a partir deste marco teórico que Judith Butler se coloca contrária às tentativas de censura ou proibição da pornografia. Para a autora, a pornografia deve ser compreendida como discurso e não como uma conduta. Como discurso discriminatório, a mesma não deveria ser combatida através da proibição, mas sim, através da ressignificação das performances ali atuadas. Temos aqui, portanto, um confronto direto entre as posições de Judith Butler e Catharine MacKinnon.

O debate em torno da pornografia no período da porn wars envolveu uma série de outras autoras que se posicionaram sobre o tema, mesmo que muitas vezes não tenham elaborado reflexões exclusivas sobre a forma como a pornografia opera. Monique Wittig (1992) e Adrienne Rich (2010) dedicaram-se, por exemplo, a pensar sobre a forma como a pornografia está relacionada a sistemas de opressão mais amplos que envolvem a imposição da heterossexualidade como única forma de ser e conceber n(a) realidade.

Gayle Rubin (2011a), de forma similar a Butler, escreveu diversos textos em que defendeu que o que é produzido pela indústria pornográfica apenas reflete o sexismo já existe na sociedade como um todo. De forma que, na opinião da autora, o movimento feminista deveria focar-se em estabelecer visões feministas da sexualidade através de uma maior participação das mulheres enquanto diretoras, roteiristas e produtoras de filmes pornôs. Rubin faz um resgate fundamental da tendência da criação de pânicos morais em torno de questões sexuais como forma de promoção de determinada agenda política. Neste sentido, o combate à pornografia funcionaria como forma de instigar medos que levariam a perseguição das populações ou atividades sexuais não normativas. A autora retoma e contextualiza muitos dos debates mais recorrentes no contexto das porn wars e aponta que o movimento anti-pornografia em diversos momentos confluiu para a defesa de posições conservadoras em relação a sexualidade, como a condenação das práticas sadomasoquistas. Tal posição levou, por vezes, a perseguição de feministas que abertamente aderiam a tais práticas e a embates com grupos como o Samois (grupo lésbico de Sadomasoquismo de São Francisco, Califórnia), o qual Rubin integrava. Ao comentar as ações anti-pornografia do WAVPM, Rubin aponta que:

Quando o WAVPM começou a organizar protestos na primavera de 1977, o foco era tanto o S/M quanto a pornografia, ou melhor, era esse alvo confuso composto por pornografia, S/M, violência contra a mulher e subordinação feminina (RUBIN, 2011b, p.210).5

É necessário que percebamos que o debate feminista na época não estava focado apenas em questões teóricas, mas envolvia a defesa de diferentes formas de atuação do Estado em relação à pornografia e de propostas de ação política feminista. Tal discussão possui como marco legal a pertinência da classificação da pornografia dentro ou fora do escopo da Primeira Emenda americana.

Antes de prosseguirmos, torna-se necessário uma ressalva quanto à definição de pornografia que usaremos no presente trabalho. Mary Kate McGowan (2005) é uma das autoras que aponta a dificuldade de definirmos qual a extensão ou a referência do termo pornografia. Isto porque, como afirma Walter Kendrick (1995) ao retomar o processo histórico de constituição moderna do termo, a pornografia especifica um argumento, não uma coisa, e designa antes tudo uma zona de batalha cultural. Teóricas como Catharine MacKinnon e Andrea Dworkin propõem uma compreensão de pornografia, segundo a qual, ela é definida já em relação ao conteúdo gráfico explícito que subordina as mulheres. Tal definição, no entanto, foge da perspectiva ordinária do que se entende por pornografia.

Optamos, portanto, por tomar a definição exposta a seguir como ponto de apoio para o desenvolvimento do debate que pretendermos iniciar nas próximas páginas. Tal definição é similar a definições utilizadas por outras autoras que trabalham com questões pornográficas (Lynn HUNT, 1999; Shira TARRANT, 2016). Partimos, portanto, de um entendimento inicial de pornografia como sendo a representação de pessoas “[...] de maneira sexualmente explícita, em palavras ou imagens, com a intenção primaria e imediata e com uma esperança razoável de provocar uma excitação sexual significativa naquele que consome tais materiais” (Donald VEER, 2013, p. 818). Porém, como já colocado, não devemos nos fixar em nenhuma definição, já que elas tendem a caracterizar mais a batalha cultural em torno do termo, do que propriamente um objeto em si. Importante ressaltarmos que Catharine MacKinnon não qualifica o tipo de pornografia a qual sua análise diz respeito. No entanto, dada a ampla diversidade de materiais pornográficos que encontramos na atualidade, poderíamos apontar a que a autora se refere, ao longo de seu trabalho, principalmente a materiais pornográficos que poderíamos classificar como mainstream ou hegemônicos. Autoras como Gail Dines (2010), que seguem uma linha interpretativa similar a de MacKinnon, também se referem a este tipo de material como pornografia gonzo.

Iremos focar nosso esforço interpretativo das ideias de Catharine MacKinnon na análise da obra Only Words (1993). Tal obra tem se mostrado fundamental na literatura filosófica feminista, pois é nela que encontramos uma caracterização sistemática da pornografia como discurso que atua a discriminação e não apenas a representa. De fato, é partindo das ideias lançadas em tal livro que uma série de autoras (Jennifer HORNSBY, 1993; Rae LANGTON, 1993; Lisa SCHWARTZMAN, 2002; Mary Kate MCGOWAN, 2005) defenderam, posteriormente, a coerência das ideias de MacKinnon e desenvolveram leituras mais profundas da vinculação entre pornografia e a teoria dos atos de fala John Austin.

Only Words e a teoria dos atos de fala

A leitura de Only Words exige, antes de qualquer descrição teórica da obra, um reconhecimento do caráter político das ideias ali expressas. Como já colocamos, era intenção da autora promover uma mudança na forma como a distribuição dos materiais pornográficos era encarada pelo Estado.

A parte inicial do texto de MacKinnon busca retratar, então, o cenário legal americano em torno da regulamentação da pornografia. Em tal cenário, a distribuição e produção de materiais pornográficos tornou-se protegida pela 1ª Emenda da Constituição americana. Isto é, a questão da regulamentação legal da pornografia foi enquadrada como uma questão de liberdade de expressão dos produtores e consumidores de pornografia (MACKINNON, 1993). A pornografia foi reconhecida como discurso e, como tal, protegida contra ações legais que visassem a proibição ou uma regulamentação mais dura da sua produção/distribuição. Os elementos veiculados pela pornografia passaram, então, a ser tratados em termos de ‘conteúdo’, ‘mensagem’, ‘emoções’ e ‘ponto de vista’. (MACKINNON, 1993).

A pornografia pôde, assim, veicular um conteúdo misógino e adotar um ponto de vista machista sem que isto implicasse em censura a este material. Em tal enquadramento legal, o discurso é encarado apenas como uma forma de comunicação, capaz de produzir ofensas ou difamação e não como sendo capaz de ser, ele mesmo, discriminatório. Segundo MacKinnon, nessa leitura, as palavras teriam uma relação apenas referencial com a realidade, não sendo capazes, elas mesmas, de constituir a realidade.

Na parte inicial do texto, torna-se clara a estratégia teórica que a autora pretende adotar para atingir uma conclusão (prática) de que produções pornográficas não deveriam ser protegidas pela 1ª Emenda. Catharine MacKinnon não opta por negar que a pornografia seja discurso. Ela assume o caráter discursivo da pornografia, porém recusa a caracterização do funcionamento da pornografia como se dando apenas através da expressão de ideias. É neste ponto da obra que se inicia a associação entre a tese defendida por MacKinnon e a teoria de atos de fala de Austin. Para MacKinnon, o elemento central da pornografia não são as ideias que ela divulga, mas sim o tipo de performance e construção que a tornam própria. A pornografia não expressa ideias machistas, ela performa e atua a submissão das mulheres através de agressões e comportamentos discriminatórios. Segundo a autora:

A pornografia contém ideias, como qualquer outra prática social. Mas a maneira como funciona não é como um pensamento ou por meio de suas ideias como tais, pelo menos não da maneira como os pensamentos e as ideias são protegidos como discurso. Seu lugar no abuso requer entendê-la mais em termos ativos do que passivos, como construtora e performativa ao invés de meramente referencial ou conotativa (MACKINNON, 1993, p. 21).6

Diversas pensadoras trataram da relação entre a caracterização que MacKinnon oferece sobre o funcionamento da pornografia e a teoria de Austin. Poderíamos resumir tal tese na ideia de que, para a autora, a pornografia atua a discriminação sexual e produz como efeitos o silenciamento e a subordinação das mulheres e que, portanto, deveria ser objeto de censura por parte do Estado.

O primeiro ponto que nos parece relevante para a compreensão de tal argumento está no reconhecimento, por parte de MacKinnon, da existência de atos de fala que constituem práticas, isto é, que performam ações. Em Quando dizer é fazer (1990), Austin observa criticamente a tendência da filosofia em dar atenção para o conteúdo e para o efeito de uma elocução nos ouvintes, mas em ignorar as ações constituídas pelo discurso. Essa é a premissa central da tese de MacKinnon sobre a pornografia. É buscando caracterizar a pornografia como um discurso que faz coisas e não apenas diz coisas sobre as mulheres que a autora pretende retirar tais manifestações do escopo de proteção da Primeira Emenda.

O reconhecimento de que existe uma série de palavras que quando enunciadas, em certos contextos, constituem ações, é exemplificado por MacKinnon da seguinte maneira:

Dizer "mate" para um cão de ataque treinado são apenas palavras. No entanto, não é visto como expressando o ponto de vista "Eu quero você morto" - o que geralmente expressa, de fato. É visto como a realização de um ato equivalente à destruição de alguém, como dizer "preparar, apontar, atirar" a um pelotão de fuzilamento (MACKINNON, 1993, p. 12).7

A autora argumenta que no exemplo por ela fornecido não se ousaria defender aquele que ordenou o ataque de um cão treinado a partir do comando “mate” invocando a Primeira Emenda. Não classificamos a enunciação da palavra “mate” em tal circunstância como expressando uma ideia. Existiriam, portanto, na vida social uma série de palavras e enunciações que já seriam tratadas legalmente como ações (MACKINNON, 1993). A compreensão da diferenciação entre os diversos tipos de atos de fala não é realizada por MacKinnon com base direta na teoria de atos de fala de Austin. No entanto, a autora salienta que a importância de Austin para o desenvolvimento de seu pensamento se deve ao fato do filósofo não generalizar a performatividade a todos os atos de fala. Isto é, para Austin, não são todos os atos de fala que performam ações.

Tal ponto é de extrema importância para a tese de MacKinnon, pois a defesa da censura à pornografia reside na caracterização que a autora realiza da pornografia como um tipo específico de discurso. Se considerássemos que toda forma de discurso faz algo, então a distinção entre pornografia e, por exemplo, um manual escolar sobre sexualidade, estaria eclipsada.

Entre os diversos tipos de atos de fala reconhecidos por Austin são três as categorias que correspondem aos atos performativos, isto é, aqueles que se compreendem enquanto ação: atos locutórios, ilocutórios e os perlocutórios. Em especial, é a distinção entre estes dois últimos tipos de atos de fala que irá nos interessar mais profundamente.

O ato locutório é o ato de dizer algo, sem que haja aqui qualquer relação com a intenção daquele que enunciou o ato de fala. A descrição dos atos locutórios está, portanto, mais relacionada com um aspecto corriqueiro da comunicação. Os atos locutórios ocorrem quando há a emissão de um som, seguindo determinada ordem (gramática) e de acordo com determinado sentido ou referência (Maria Teresa FLORES, 2005). Em tais atos de fala “Preocupamo-nos sobretudo com o aspecto referencial, com a sua adequação aos factos (com a verdade ou falsidade, ou seja, com a referência e o sentido)” (FLORES, 2005, p. 16.) Diferentemente dos atos locutórios, a marca da ilocução ou o valor ilocucionário de um ato reside na ação performada pelo ato. Em tais atos, a intenção ou o sentido com o qual realizamos um ato, torna-se vital para a compreensão do ato performado. Podemos dizer, portanto, que os atos ilocutórios correspondem “às diferentes maneiras segundo as quais podemos usar o enunciado” (FLORES, 2005, p. 15) e que em tais atos torna-se vital “saber o que estamos a efetuar ao dizer algo” (FLORES, 2005, p.15).

Para compreendermos melhor a especificidade de tais atos comecemos com dois exemplos simples oferecidos por Austin:

(a) “Aceito esta mulher como minha legítima esposa” - do modo como é proferido no decurso de uma cerimônia de casamento.

(b) “Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth” - quando proferido ao quebrar-se a garrafa contra o casco do navio. (John AUSTIN, 1990, p. 24)

Segundo Austin, ao proferirmos tais sentenças (nas circunstâncias adequadas) não estaríamos descrevendo nossa ação e, portanto, as mesmas não possuiriam um determinado valor de verdade. Desta forma, quando alguém diz “Aceito” em um casamento, esta pessoa não está relatando o que está acontecendo, ela está se casando, isto é, constituindo uma ação (AUSTIN, 1990). Dito de outra maneira, os atos ilocutórios são aqueles que fazem o que dizem no momento em que são ditos. Iremos esclarecer outros pontos importantes relacionados a tais tipos de ato mais adiante, quando entrarmos na caracterização da pornografia como ato ilocutório.

Por fim, consideremos os atos perlocutórios. A marca de tais atos está relacionada ao efeito ou à consequência que estes produzem “sobre os sentimentos, pensamentos ou ações dos ouvintes, ou de quem está falando, ou de outras pessoas” (AUSTIN,1990, p. 89). Consideremos o seguinte caso apresentado por Austin:

Ato (A) ou locução: Ele me disse “Atire nela!” querendo dizer com “atire” atirar e referindo-se a ela por “nela”.

Ato (B) ou ilocução: Ele me instigou (ou aconselhou, ordenou, etc.) a atirar nela.

Ato (C.a) ou Perlocução: Ele me persuadiu a atirar nela.

Ato (C.b): Ele me obrigou a (forçou-me a etc.) atirar nela. (AUSTIN, 1990. p. 90)

Notemos que a distinção entre o Ato A, B ou C é de difícil apreciação, ao menos em um primeiro momento. Parece-nos útil, portanto, que nos voltemos para algumas considerações que o próprio Austin realiza ao tentar explicar a diferença entre perlocução e ilocução: “devemos distinguir entre ‘ao dizer8 tal coisa eu o estava prevenindo’ e ‘por dizer tal coisa eu o convenci, ou surpreendi, ou o fiz parar’”. O ato B (a ilocução) não envolve nenhum tipo de segundo passo à pronúncia do ato de fala, pois ao dizer “Atire nela!” já estaria constituída a ação de instigar (ou aconselhar ou ordenar). Já nos exemplos C.a e C.b (de perlocução) existiriam dois momentos, por assim dizer, relativos ao ato de fala. O primeiro momento caracterizado pela enunciação de determinada locução, neste caso "Atire nela!” e um segundo momento marcado pelo efeito (de sentir-se persuadido, obrigado ou forçado) de tal pronunciamento sobre o ouvinte.

Uma total precisão na distinção entre atos ilocutórios e perlocutórios talvez seja inalcançável na comunicação cotidiana, até mesmo porque no mundo social os atos de fala se relacionam de maneira mais fluída, podendo, por exemplo, um ato ilocucionário ter como objetivo atingir um determinado efeito perlocutório. Portanto, o que nos parece necessário retermos das ideias de Austin para a compreensão das teses de MacKinnon, é a noção de que a força de certos proferimentos não está relacionada nem ao conteúdo semântico dos mesmos, como no caso dos atos locutórios, e nem aos efeitos alcançados por sua enunciação, como no caso das perlocuções. Rae Langton, a partir do exemplo anteriormente mencionado de Austin, parece destacar tal diferenciação de maneira precisa: “Dizer 'sim' no contexto certo conta como - constitui - casar: esse é o ato ilocucionário performado. Não conta como angustiar minha mãe, mesmo que tenha esse efeito: esse é o ato perlocucionário performado” (Rae LANGTON, 1993, p. 300).9

A pornografia como um ato ilocucionário:

Na interpretação de MacKinnon, a pornografia é um discurso que atua a discriminação sexual e que produz o silenciamento das mulheres. O fato de grifarmos os termos que enfatizam a ação da pornografia em atuar a discriminação e em produzir efeitos como o silenciamento e a subordinação das mulheres é revelador da força tanto ilocucionária quanto perlocucionária, respectivamente, das representações pornográficas, na visão de MacKinnon. No entanto, é com base na caracterização da pornografia como um ato ilocucionário que MacKinnon busca com maior veemência argumentar a favor da regulamentação da pornografia.

Tendo realizado a distinção entre os diversos tipos de atos de fala existentes, cabe-nos agora aprofundar a caracterização da pornografia enquanto ato ilocucionário. A partir de tal caracterização poderemos, então, compreender o potencial da pornografia para subordinar e silenciar as mulheres.

No primeiro capítulo de Only Words, Catharine MacKinnon estabelece um paralelo entre a pornografia e certas injurias raciais. Segundo a autora, ao se colocar uma placa em um determinado local com os dizeres Whites Only (Somente Brancos) ou Juden nicht erwünscht (Judeus não são desejados) não se está comunicando uma ideia ou se vinculando um argumento. Tais dizeres, tais atos de fala, são atos de discriminação em si mesmos. Poderíamos dizer, portanto, que tais atos apresentam uma característica nítida dos atos ilocutórios, eles constituem uma ação, nestes casos, de discriminação. Ao se colocar tais placas em determinado local estaria se constituindo um ato de segregação. Para MacKinnon, a pornografia atua de forma similar. Isto é, ela não vincula ideias de subordinação ou expressa pensamentos machistas, ela é um ato de discriminação. Para a autora, portanto, não haveria sentido em realizar uma distinção entre ‘fantasia’ e ‘realidade’ ou entre ‘representação’ e ‘realidade’ no que tange ao desenvolvimento das tramas pornôs.

A pornografia não é apenas representação, pois ela é constituída através de atos ilocucionários: “Para fazer pornografia visual e cumprir seus imperativos, o mundo, ou seja, as mulheres, devem fazer o que os pornógrafos querem ‘dizer’”.10

Uma pesquisa rápida em torno de quais são as cenas mais comuns nas produções pornográficas irá demonstrar que a subordinação feminina é tópico recorrente na fala dos pornógrafos. Em pesquisa dedicada a análise de conteúdo dos títulos pornográficos mais populares nos EUA, pesquisadores buscaram averiguar o grau de frequência de agressão e violência em tais cenas. O estudo chegou à conclusão de que:

Das 304 cenas analisadas, 88.2% continham agressões físicas, principalmente palmadas, engasgos e tapas e 48,7% das cenas continham agressão verbal, principalmente xingamentos. Os perpetradores das agressões eram usualmente homens (70.3%) e os alvos das agressões eram esmagadoramente mulheres (94.4%). Os alvos das agressões com frequência mostram prazer ou responderam com neutralidade às agressões (Ana J. BRIDGES et al., 2010, p. 1065).11

Na perspectiva de Catharine MacKinnon, a subordinação, a utilização da mulher como objeto de prazer vinculado à violência, não foi retratada em tais cenas, ela foi performada, no mesmo sentido em que atos ilocucionários são atuados. A subordinação ocorreu ao se realizarem tais atos. Por meio de tais atos.

Um dos elementos trazidos à tona por MacKinnon para comprovar que a pornografia não poderia ser encarada como simples reprodução ou vinculação de ideias está relacionado ao grau de consciência que as representações pornográficas e os comportamentos dela derivados exibem. Segundo a autora, distintamente de manifestações racistas ou da literatura misógina não sexual, na pornografia não se apresenta a defesa clara de uma determinada ‘ideia’:

Com a pornografia, ao contrário, os consumidores veem as mulheres como menos que humanas, e até as estupram, sem saber que uma "ideia" de promoção desse conteúdo, muito menos uma posição política a favor da desigualdade sexualizada dos sexos, está sendo desenvolvida.12 (MACKINNON, 1993, p. 62)

É interessante notarmos aqui que a falta de estrutura argumentativa ou de expressão consciente de um ponto de vista sobre a condição feminina no discurso pornográfico, não é utilizada pela autora como forma de descaracterizar a estrutura discursiva da pornografia. Pelo contrário, o fato de as manifestações pornográficas não apresentarem argumentos misóginos no nível da consciência implica que tais manifestações devam ser encaradas como discursos de um tipo especial, isto é, como discursos que atuam a inequidade. O fato de tais discursos atuarem no nível do inconsciente reforça o caráter perverso e eficaz de tal fala sobre as mulheres.

Neste ponto, existe uma especificidade do discurso sexual em relação ao discurso racista. Ao vermos uma placa com os dizeres “Somente Brancos” em um determinado local, podemos assumir que os responsáveis por aquele estabelecimento defendem ou ao menos aceitam o discurso racista e resolveram atuar a inequidade inerente a tal discurso promovendo a segregação naquele local. Na pornografia, além de vermos a atuação da ideologia misógina através de atos ilocucionários discriminatórios, sem que haja a explicitação ofensiva que o dizer “Somente Brancos” carrega, é promovida uma associação perversa entre a presença de tal ideologia discriminatória e momentos de prazer sexual, realizando-se, desta forma, a erotização da submissão e do domínio masculino.

Portanto, a especificidade com que o discurso pornográfico atua a inequidade é ponto chave para compreendermos em parte, na teoria de MacKinnon, a capacidade de os pornógrafos disseminarem conteúdos pornográficos sem que os mesmos sejam notados como discursos discriminatórios. Segundo a autora, a expansão da pornografia em novos mercados associada a uma legislação que não está preocupada em perceber o mal feito às mulheres nas e pelas produções pornográficas, resultariam em um cenário de progressiva invisibilidade do abuso sexual como abuso e de uma transformação do abuso em sexo. A pornografia realiza, portanto, um movimento duplo, de subordinação das mulheres através de atos ilocutórios discriminatórios e as silencia através da privação de potencial ilocucionário das mesmas.

A erotização do abuso que ocorre na pornografia é responsável diretamente, segundo MacKinnon, pela perda de capacidade de reconhecimento do abuso em outras circunstâncias fora do universo pornográfico. MacKinnon exemplifica tal conclusão a partir de casos em que os relatos das mulheres vítimas de abusos são classificados como ‘fantasia’, ‘mentira’ ou ‘hipocrisia’ por comentadores diversos. A extensão da lógica pornográfica às demais relações sociais impede que as mulheres sejam capazes de relatar o abuso a partir das palavras dos abusadores sem que elas fiquem marcadas como narradoras de uma história ‘ofensiva’ e ‘suja’. Tais adjetivos se tornam marcas das vítimas e não dos abusadores:

Em um mundo feito pela pornografia, o testemunho sobre o assédio sexual é pornografia oral ao vivo, estrelando a vítima. Como o relato se torna uma forma de sexo, o abuso se torna consensual na mente do espectador (MACKINNON, 1993, p. 67).13

Rae Langton (1993) aprofunda, a partir da teoria dos atos de fala, tal relação explicitada por MacKinnon entre pornografia e o silenciamento das mulheres. Segundo Langton, para que os atos de fala sejam realizados com êxito é necessário que eles cumpram certas condições de sucesso ou felicidade (Felicity Conditions), tais condições seriam fixadas por convenções. Por exemplo, para que um navio seja, de fato, batizado com determinado nome é necessário que a pessoa que pronuncie as palavras “Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth” possua a autoridade para realizar tal ação e que tais palavras sejam pronunciadas no momento adequado para a realização de tal ato. Caso contrário, a ação de nomear ou batizar o navio não será realizada.

Partindo da teoria de Austin, Langton chega à conclusão de que existem tipos de discursos que determinam a possibilidade dos discursos que podem existir de maneira exitosa. Desta forma, não existiriam apenas meios materiais e coercitivos de privar alguém ou algum determinado grupo de potencial discursivo. Segundo Langton: “É possível usar o discurso para desabilitar falantes e evitar que satisfaçam as condições de felicidade para algumas ilocuções que podem querer realizar” (LANGTON, 1993, p. 319-320).14

Tomando como hipótese que existem discursos que são capazes de silenciar, a questão passa a ser então, de se a pornografia pode ser enquadrada como um desses tipos de discursos. É neste momento que a tese de MacKinnon, para ser verificada, necessita olhar para o mundo a procura de indicativos que sustentem suas afirmações:

À medida que a indústria se expande, isso se torna cada vez mais a experiência genérica do sexo, a mulher na pornografia se tornando cada vez mais o arquétipo vivido da sexualidade feminina na experiência dos homens, portanto, das mulheres. Em outras palavras, conforme o humano se torna uma coisa e o mútuo torna-se unilateral e o dado é roubado e vendido, a objetificação passa a definir a feminilidade e a unilateralidade passa a definir a mutualidade e a força passa a definir o consentimento à medida que as imagens e as palavras se tornam as formas de posse e uso através das quais as mulheres são realmente possuídas e usadas. Na pornografia, imagens e palavras são sexo. Ao mesmo tempo, no mundo que a pornografia cria, o sexo é imagens e palavras. Conforme o sexo se torna discurso, o discurso se torna o sexo (MACKINNON, 1993, p. 26).15

A objetificação das mulheres, a ideia de que não existe a necessidade de consenso, pois o “não” nunca é um não na pornografia, ou de que o consenso pode ser comprado tornam-se não mais elementos discriminatórios característicos das produções pornográficas mas, através da masturbação e da erotização, tornam-se o sexo, isto é, tornam-se a experiência sexual para um grande número de pessoas. Na medida em que a experiência pornográfica se torna a experiência sexual, as mulheres são privadas das condições de satisfação de certos atos ilocucionários (como relatar um abuso ou negar uma investida sexual), pois os mesmos não são mais interpretados como deveriam. Para que um “não” seja aceito como recusa a um convite sexual é necessário que, minimamente, compreenda-se a mulher como ser dotado de vontade própria e em domínio das ações que podem ser realizadas com seu corpo. A narrativa pornográfica, segundo MacKinnon, elimina tais condições de sucesso para a efetivação do ato ilocucionário que o “não” deveria performar em tal contexto.

Rae Langton, ao analisar a forma como foi comercializada a biografia de Linda Marchiano (Linda Lovelace), a atriz do título pornográfico, Garganta Profunda, oferece-nos ainda outra exemplificação deste processo descrito por MacKinnon. Segundo Langton, a biografia de Marchiano foi escrita com o intuito de denunciar os abusos que a autora sofreu no processo de feitura do filme e ao longo de sua carreira como atriz pornô. No entanto, a biografia foi comercializada como ‘literatura para maiores’ (Adult Reading) e aparecia sendo vendida entre os títulos “Fantasias sexuais proibidas” e “Orgia: uma experiência erótica”. Segundo Langton, a erotização do discurso de protesto demonstra o processo descrito por MacKinnon de silenciamento das mulheres, não através da coerção física, mas através da impossibilidade de ser compreendida em suas próprias palavras:

Marchiano diz as palavras adequadas para um ato de protesto. Ela usa as locuções corretas, palavras que representam graficamente sua própria subordinação. Ela pretende protestar. Mas sua fala falha. Algo sobre quem ela é, algo sobre o papel que ocupa, a impede de satisfazer as condições de felicidade de protesto, pelo menos aqui. Embora as ameaças e piadas tenham desaparecido, há um silêncio de outro tipo. [...] O protesto é indizível para ela. [...] O que ela tenta dizer sai como pornografia. Seu protesto foi desabilitado (LANGTON, 1993, p. 322).16

Neste sentido, parece-nos que a teoria do discurso de Austin permite que possamos defender a coerência das ideias de MacKinnon ao aceitarmos a postulação de que ações podem ser performadas por simplesmente se dizer as palavras certas nas circunstâncias adequadas. De forma equivalente, atos de fala que correspondam a uma ação, os atos ilocutórios, podem ser frustrados por impossibilitar que determinadas palavras encontrem as circunstâncias adequadas de locução. A comprovação do papel da pornografia no processo de silenciamento das mulheres é algo mais difícil de se atingir, no entanto, as autoras até o momento citadas apresentam alguns casos para a reflexão que tornam as alegações MacKinnon, no mínimo, plausíveis.

Igualdade vs liberdade de expressão

A terceira e última parte de Only Words, intitulada “Igualdade e Discurso”, é dedicada a uma análise da questão pornográfica através da contraposição de dois valores constitucionais, liberdade de expressão e igualdade. Tendo já estabelecido, nos dois capítulos anteriores, que a pornografia é um tipo de discurso que atua a discriminação e que promove o silenciamento das mulheres, o objetivo de MacKinnon nesta parte final da obra é demonstrar as vantagens sociais que poderiam advir de se regular a produção e distribuição de materiais pornográficos pelo princípio da igualdade e não pelo princípio da liberdade de expressão.

MacKinnon inicia sua reflexão neste capítulo retomando a historicidade da implementação da 1ª Emenda à Constituição norte-americana. Segundo a autora, a ‘Era McCarthy’ possui um papel traumático importante na compreensão popular do significado da Primeira Emenda. As perseguições ocorridas neste período histórico fizeram com que a Primeira Emenda se tornasse símbolo da defesa da livre expressão de todos aqueles que não concordavam com as diretrizes políticas e econômicas que eram, então, tomadas pelo governo norte-americano. O território de desenvolvimento de tal regra constitucional foi, portanto, marcado pela busca de evitar-se o mal que poderia advir da restrição de ideias por parte do governo. Tal cenário levou ao desenvolvimento da ideia de que quanto mais um discurso fosse odiado, mais importante seria que ele fosse protegido.

Para MacKinnon, o receio constante de que a censura a determinadas ideias levassem a uma nova ‘caça às bruxas’ e à crença de que, havendo uma livre circulação de ideias, prevaleceriam aquelas mais verdadeiras e justas, criaram um contexto em que não existem ‘ideias falsas’ em termos constitucionais, mas apenas ideias mais ou menos ofensivas e que não caberia ao governo julgar o conteúdo das mesmas. Em tal visão, a resistência às ideias consideradas danosas deve ocorrer através da vinculação de ideias contrárias, sem que haja regulamentação por parte do governo daquilo que é dito.

A reivindicação que MacKinnon realiza em Only Words é de que a aplicação de tal forma de se pensar a Primeira Emenda para o caso da pornografia foi extremamente maléfica para as mulheres, pois permitiu que a pornografia continuasse a atuar de forma irrestrita o abuso e a discriminação, produzindo o silenciamento e a subordinação. Neste caso, parece-nos que existe ao menos um aspecto da teoria dos atos de fala que poderia contribuir para a compreensão da coerência das ideias de MacKinnon.

Tal aspecto surge como uma consequência lógica do desenvolvimento das ideias de MacKinnon e, portanto, é preciso que aceitemos a primeira parte da argumentação da autora para que tal ponto faça sentido. Segundo a teoria dos atos de fala, vimos que existem discursos que podem causar uma invalidez ilocutória, isto é, que podem provocar uma inaptidão para que determinadas pessoas atinjam as condições necessárias para que seus atos de fala ilocutórios sejam compreendidos. Como já havíamos dito anteriormente, MacKinnon defende que a pornografia é um tipo de discurso que causa esta invalidez ilocutória nas mulheres. Dado que as condições que garantem a felicidade ou não de determinado ato de fala são dadas essencialmente por convenções sociais, poderíamos cogitar como hipótese que a promoção da mudança das convenções sociais, sem restrição à liberdade dos pornógrafos, poderia levar à garantia de que as mulheres estariam aptas para realizar os atos de fala que desejam. Este é o tom da consideração inicialmente apresentada por Rae Langton:

Talvez o discurso pornográfico pudesse ser combatido com mais discurso: o discurso da educação para se contrapor às falsidades da pornografia, onde as mulheres dizem como as mulheres realmente são, ou o discurso da competição para se opor ao monopólio da pornografia, onde as próprias mulheres se tornam autoras de erotismo que é excitante e explícito, mas não subordinado (LANGTON, 1993, p. 314).17

Tal proposta seria assimilada à concepção liberal que vê a possibilidade de oposição a determinados discursos através da veiculação de discursos contrários, de maneira que prevaleça uma espécie de bom senso coletivo, fruto da consideração equânime das ideias apresentadas. No entanto, se levarmos a sério as colocações de Austin sobre a capacidade de determinados discursos operarem como inibidores de certos atos ilocutórios e se assumirmos que a pornografia é, minimamente responsável por criar condições para o silenciamento das mulheres, veremos que esta não é, de fato, uma opção válida para o combate à subordinação das mulheres. Contrapormos a pornografia misógina com a veiculação de uma pornografia feminista é inócuo na visão de MacKinnon, pois aquilo que se quer dizer através de uma pornografia feminista não será escutado. Mantendo a metáfora de um ‘mercado de ideias’, Rae Langton desenvolve, tal ponto de maneira precisa:

Talvez algumas ideias devam ser censuradas para que outras possam encontrar espaço nas prateleiras. Aqui, novamente, temos a tendência da qual Austin se queixou: foco no conteúdo, ignorando o ato de fala realizado. A alegação de que a pornografia silencia as mulheres não é sobre ideias, mas sobre pessoas. A liberdade de expressão é uma coisa boa porque permite que as pessoas ajam, permite que as pessoas façam coisas com palavras: argumentar, protestar, questionar, responder. O discurso que silencia é ruim, não apenas porque restringe as ideias disponíveis nas prateleiras, mas porque restringe a ação das pessoas (LANGTON, 1993, p. 328).18

Tal aspecto é enfatizado também por Jennifer Hornsby, ainda que de maneira distinta. A perspectiva de Hornsby sobre as teses de MacKinnon nos parece interessante, pois a autora trabalha com a ideia de ‘graus de silenciamento’ e com a noção de que o silenciamento é um processo acumulativo.

Hornsby estabelece a reciprocidade como elemento fundamental para a constituição do sucesso de um ato de fala ilocutório: “A reciprocidade é a condição da comunicação linguística. É obtida quando as pessoas reconhecem a fala umas das outras de acordo com a intenção de destino e, assim, garante-se o sucesso das tentativas de realizar atos de fala” (Jennifer HORNSBY, 1993, p. 41).19 Segundo Hornsby, na medida em que a reciprocidade falha, somos privados de potencial ilocucionário. Isto é, nossas ações não são percebidas como deveriam. Tal ponto é fundamental, pois leva em consideração não apenas o conteúdo locucionário dos atos de fala, mas também suas condições de possibilidade pragmático-formais.

A distinção entre os diferentes tipos de atos de fala realizada por Austin torna-se, desta forma, essencial para compreendermos tanto a argumentação de MacKinnon e suas defensoras, quanto a suposta falha do argumento liberal de defesa da liberdade de expressão. Podemos produzir uma quantidade massiva de materiais que promovam a sexualidade sob uma perspectiva feminista. Isso não nos é negado pela indústria pornográfica e nem pelas circunstâncias sociais atuais, pois possuímos liberdade para realizarmos atos locucionários. No entanto, a(s) perspectiva(s) feminista(s) sobre a sexualidade não cumprirão sua função de mudar a condição de subordinação das mulheres, pois não são dadas as condições de reciprocidade necessárias para a realização, com sucesso, de determinados atos ilocucionários; tornando-se necessário, portanto, regular a distribuição de materiais pornográficos por outros princípios que não apenas o de liberdade de expressão (1ª Emenda).

Em Only Words (1993), Catharine MacKinnon não apresenta uma proposta de regulamentação da pornografia tal como a presente nas ‘ordenações de Minneapolis’ (1983). De fato, em Only Words, a proposta da autora está mais baseada no reconhecimento da necessidade de pautarmos determinadas disputas discursivas, como o caso da pornografia e de outros discursos de ódio pelo princípio da igualdade (representado pela 14ª Emenda da Constituição americana) e não apenas pelo princípio da liberdade de expressão (representado pela 1ª Emenda). Segundo MacKinnon, seria necessário que “passássemos a ver o discurso através das lentes da igualdade”, de tal forma que possamos impedir que determinados discursos sigam produzindo inequidade nas relações sociais. É neste sentido que a autora traz como exemplo de regulamentação não sua antiga proposta de censura à pornografia apresentada nas ‘Ordenações’ (ainda que esta seja mencionada), mas sim o tratamento dado pela Constituição e pela Suprema Corte canadenses para as questões que envolvem a contraposição do princípio da igualdade e do princípio da liberdade de expressão.

Segundo MacKinnon, o primeiro passo dado, tanto pela Constituição quanto pela Suprema Corte canadense, para evitar que as leis de alguma maneira funcionassem como mantenedoras do status quo da desigualdade, foi estabelecer uma interpretação do princípio da igualdade que não tivesse a preocupação de ser neutra.

MacKinnon defende que a obsessão por neutralidade por parte dos legisladores norte-americanos levou a uma compreensão do princípio de igualdade que inibe a possibilidade de mudança de relações desiguais. A intepretação do conceito de igualdade dada pela Suprema Corte do Canadá, por sua vez, estaria mais relacionada à concepção de que a lei deve ser promotora da igualdade.

Na visão de MacKinnon, a interpretação vigente do princípio de liberdade de expressão tem apoiado a manutenção do domínio social de determinados grupos. Pautar certas disputas não mais pela ideia de liberdade de expressão, mas sim pelo princípio de igualdade, seria uma forma de evitar a perpetuação de tal cenário. A defesa que a autora realiza na última parte de Only Words é de que passemos a reconhecer a igualdade como um valor constitucional capaz de, em certos casos, sobrepor-se a liberdade de expressão. A igualdade deveria ser, portanto, na visão de MacKinnon, um interesse de Estado, de forma que através dele se pudesse justificar a proibição a meios expressivos que praticam e/ou promovem a inequidade.

Conclusão

A difusão do consumo e da produção de itens pornográficos muito provavelmente esteja em um de seus ápices históricos. A obliteração entre os polos de consumo e produção promovida pelo desenvolvimento da Web 2.0 (Carolina PARREIRAS, 2015) tornou o acesso a uma conexão à Internet o único requisito para entrarmos em contato com qualquer tipo de conteúdo pornográfico e sermos potenciais produtores de pornografia. O que vemos em voga é, portanto, uma mudança radical na forma como se dá o consumo e a produção de materiais pornográficos. Algumas destas mudanças já são apontadas e detalhadas por pesquisas que se dedicam a entender as dinâmicas do consumo de pornografia contemporâneo, neste sentido, existem indicativos robustos de que a idade do primeiro contato com materiais pornográficos é mais recente para as gerações atuais do que para gerações anteriores (Jane BROWN; Kelly L’ENGLE, 2009) que muitas vezes tal contato se dá de maneira não intencional (Elena MARTELLOZZO et al, 2017) e de que a pornografia opera como um mecanismo de pedagogia do gênero e da sexualidade (Emily ROTHMAN et al, 2014). Por outro lado, algumas mudanças relacionadas a novas tendências (Jacob BERSTEIN, 2019) na produção de materiais pornográficos apenas agora começam a ser notadas, devendo ainda ser objeto de estudos acadêmicos. No entanto, a alegação de que a Internet teria destruído a indústria pornográfica (Louis THEROUX, 2012) não parece mais se sustentar, o que vemos é a necessidade de compreensão da forma como tal indústria se reestruturou a partir das mudanças tecnológicas e passou a contar com novos protagonistas e mecanismos de funcionamento (Gilbert WONDRACEK et al, 2010).

Quando observamos os posicionamentos contemporâneos de diversas pensadoras feministas em relação à pornografia, notamos, no entanto, que estes ainda parecem manter-se filiados às discussões que inicialmente marcaram as primeiras disputas feministas em torno do tema e que foram apresentadas no início deste artigo.

Tal fato não indica uma estagnação das discussões feministas, mas sim o ressurgimento e a atualidade de muitos dos pontos que estavam na pauta dos debates filosóficos feministas nos anos 1970 e 1980 e na parte inicial dos anos 90. Por um lado vemos um fortalecimento da noção de que deveria haver algum limite estabelecido para o acesso a materiais pornográficos degradantes e que promovem a desigualdade de gênero (Anne Wescott EATON, 2007), por outro lado, retoma-se a defesa de uma posição anti-censura que defende que o foco das preocupações feministas deveria centrar-se na condição de produção de tais materiais (Drucilla CORNELL, 2004) e vemos surgir também, muitas vezes sob a nomenclatura de pós-pornô, pornoterrorismo, pornô queer, entre outros diversos movimentos (Paul PRECIADO, 2017) a favor da constituição de representações da sexualidade que fujam aos padrões impostos pela indústria pornográfica mainstream. Podemos notar, através da leitura de trabalhos mais recentes sobre o tema, que muitos dos pontos levantados por MacKinnon e Butler em suas respectivas obras, foram incorporados pelas críticas feministas atuais e se mantêm como elementos centrais dos debates sobre a pornografia e sua relação com o desenvolvimento dos papéis de gênero.

Ao que nos parece, o grande desafio para o feminismo é garantir que a proliferação do consumo de pornografia, em seus mais diversos meios, não implique no estabelecimento de uma voz masculina hegemônica que dita o que é o sexo para uma grande parcela da população, e na perda do controle sobre as condições nas quais o consentimento ocorre. Ainda há necessidade, portanto, de pensarmos o que faremos, como feministas, com a pornografia. Esperamos que este trabalho tenha minimamente contribuído para tal discussão.

Referências

AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. [ Links ]

BERSTEIN, Jacob. “How Only Fans Changed Sex Work Forever.” The New York Times [online], 09/02/2019. Disponível em Disponível em https://www.nytimes.com/2019/02/09/style/onlyfans-porn-stars.html . Acesso em 15/01/2019. [ Links ]

BRIDGES, Ana J. et al. “Aggression and Sexual Behavior in Best-Selling Pornography Videos: A Content Analysis Update”. Violence Against Women [online], v. 16, n. 10, p. 1065-1085, outubro 2010. Disponível em https://doi.org/10.1177/1077801210382866. Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

BROWN, Jane; L’ENGLE, Kelly L. “X-rated sexual attitudes and behaviors associated with US early adolescents’ exposure to sexually explicit media”. Communication Research [online], v. 36, n. 1, p. 129-151, fevereiro 2009. Disponível em https://doi.org/10.1177/0093650208326465. Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

BUTLER, Judith. “Actos performativos y constituición del género: un ensayo sobre fenomenología y teoría feminista”. Debate feminista [online], v. 18, p. 296-314, outubro 1998. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.22201/cieg.2594066xe.1998.18.526 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

BUTLER, Judith. Excitable Speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997. [ Links ]

CORNELL, Drucilla. “Pornography’s Temptation”. Freiburger FrauenStudien: Zeitschrift für Interdisziplinäre Frauenforschung [online]. Freiburg, v. 10, n. 02, p. 149-164, 2004. Disponível em Disponível em https://www.budrich-journals.de/index.php/fgs/issue/view/156/showToc . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

DINES, Gail. Pornland: how porn has hijacked our sexuality. Boston: Beacon Press, 2010. [ Links ]

DWORKIN, Andrea. Pornography: Men Possessing Women. EUA: G. P. Putnams Sons, 1981. [ Links ]

EATON, Anne Wescott. “A sensible anti-porn feminism”. Ethics [online], Chicago, v. 117, n. 04, p. 674-715, julho 2007. Disponível em Disponível em https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/519226 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

FLORES, Maria Teresa. “Agir com Palavras: a Teoria dos Atos de Linguagem de John Austin”. BOCC- Biblioteca online de Ciências da Comunicação [online], n. 1, p. 1-19. 2005. Disponível em Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/flores-teresa-agir-com-palavras.pdf . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

HORNSBY, Jennifer. “Speech Acts and Pornography”. Women's Philosophy Review [online], UK, v. 10, p. 38-45, novembro 1993. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5840/wpr19931021 Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

HUNT, Lynn. “Obscenidade e as Origens da Modernidade, 1500-1800”. In: HUNT, Lynn (Org.). A Invenção da Pornografia: Obscenidade e as Origens da Modernidade. São Paulo: Hedra, 1999. p. 09-48. [ Links ]

KENDRICK, Walter. El museo secreto: La pornografía en la cultura moderna. Colombia: Ed. Tercer Mundo, 1995. [ Links ]

LANGTON, Rae. “Speech Acts and Unspeakable Acts”. Philosophy and Public Affairs [online]. Princeton, v. 22, n. 4, p. 293-330, 1993. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/2265469. Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

MACKINNON, Catharine. Towards A Feminist Theory of the State. Cambridge: Harvard University Press, 1991. [ Links ]

MACKINNON, Catharine. Only words. Cambridge: Harvard University Press, 1993. [ Links ]

MACKINNON, Catharine; DWORKIN, Andrea (Eds.). In harm’s way: The pornography civil rights hearings. Cambridge: Harvard University Press, 1997. [ Links ]

MARTELLOZZO, Elena et al. “‘I wasn’t sure it was normal to watch it…’. A quantitative and qualitative examination of the impact of online pornography on the values, attitudes, beliefs and behaviors of children and young people [online]. Londres: Middlesex University, 2017. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.6084/m9.figshare.3382393.v4 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

MCGOWAN, Mary Kate. “On Pornography: MacKinnon, Speech Acts, and ‘False’ Construction”. Hypatia [online], v. 20, n. 3, p. 22-49, 2005. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2005.tb00485.x . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

PARREIRAS, Carolina. Altporn, corpos, categorias, espaços e redes: um estudo etnográfico sobre pornografia online. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. [ Links ]

PRECIADO, Paul B. “Museu, lixo urbano e pornografia”. Periódicus - Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades [online], Salvador, v. 1, n. 8, p. 20-31, 2017. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/23686 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

RICH, Adrienne. “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”. Bagoas - Estudos gays: gêneros e sexualidades [online], v. 4, n. 05, p. 17-44, novembro 2010. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2309 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

ROTHMAN, Emily F. et al. “‘Without Porn … I Wouldn't Know Half the Things I Know Now’: A Qualitative Study of Pornography Use Among a Sample of Urban, Low-Income, Black and Hispanic Youth”. The Journal of Sex Research [online], v. 52, n. 7, p. 736-746, 2014. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1080/00224499.2014.960908 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

RUBIN, Gayle. Deviations: a Gayle Rubin reader. Durham and London: Duke University Press, 2011a. [ Links ]

RUBIN, Gayle. “Blood under the Bridge: Reflections on ‘Thinking Sex’”. In: RUBIN, Gayle. Deviations: a Gayle Rubin reader. Durham and London: Duke University Press, 2011b. p. 194-223. [ Links ]

SCHWARTZMAN, Lisa. “Hate speech, illocution, and social context: A critique of Judith Butler”. Journal of Social Philosophy [online], v. 33, n. 3, p. 421-441, dezembro 2002. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1111/0047-2786.00151 . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

TARRANT, Shira. The Pornography Industry: What everyone needs to know. New York: Oxford University Press, 2016. [ Links ]

THEROUX, Louis. “How the internet killed porn”. The Guardian [online]. 05/06/2012. Disponível em Disponível em https://www.theguardian.com/culture/2012/jun/05/how-internet-killed-porn . Acesso em 14/08/2019. [ Links ]

VEER, Donald Van de. “Pornografia (verbete)”. In: CANTO-SPERBER, Monique (Org.). Dicionário de ética e filosofia moral. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2013. p. 818-820. [ Links ]

WITTIG, Monique. The Straight Mind and Others Essays. Boston: Beacon Press, 1992. [ Links ]

WONDRACEK, Gilbert et al. “Is the Internet for porn? An insight into the online adult industry”. In: WEIS WORKSHOP ON ECONOMICS OF INFORMATION SECURITY, 9, 2010, Boston. Proceedings… Boston, 2010. p. 1-14. Disponível em Disponível em https://publications.sba-research.org/publications/weis2010_wondracek.pdf . Acesso em 21/09/2021. [ Links ]

1 Tradução própria. No original: “Blood under the Bridge: Reflections on ‘Thinking Sex’” (2010).

2A tradução literal do termo seria ‘guerras do pornô’, no entanto, tal período ficou conhecido no Brasil também sob a nomenclatura de ‘Guerra dos sexos’ (Adriana PISCITELLI, 2008). PISCITELLI, Adriana. “Entre as ‘máfias’ e a ‘ajuda’: a construção de conhecimento sobre tráfico de pessoas”. Cadernos pagu, n. 31, p. 29-63, jul./dez. 2008.

3Tradução própria. No original “Inequality is what is sexualized through pornography; it is what is sexual about it. The more unequal, the more sexual. The violence against women in pornography is an expression of gender hierarchy, the extremity of the hierarchy expressed and created through the extremity of the abuse, producing the extremity of the male sexual response.”

4Tradução própria. No original “Pornography is a form of discrimination on the basis of sex. Pornography is the sexually explicit subordination of women, graphically depicted, whether in pictures or in words […]”

5Tradução própria. No original: “When WAVPM began to stage public protests in the spring of 1977, its focus was on S/M as much as porn, or rather on this confused composite target made up of porn, S/M, violence against women, and female subordination”.

6Tradução própria. No original “Pornography contains ideas, like any other social practice. But the way it works is not as a thought or through its ideas as such, at least not in the way thoughts and ideas are protected as speech. Its place in abuse requires understanding it more in active than in passive terms, as constructing and performative rather than as merely referential or connotative.”

7Tradução própria. No original “Saying "kill" to a trained attack dog is only words. Yet it is not seen as expressing the viewpoint "I want you dead"-which it usually does, in fact, express. It is seen as performing an act tantamount to someone's destruction, like saying "ready, aim, fire" to a firing squad.”

8Grifos próprios. No original, as marcas linguísticas dos atos ilocutórios e perlocutórios são “in saying” e “by saying”, respectivamente.

9Tradução própria. No original “Saying ‘I do’ in the right context counts as - constitute - marrying: that is the illocutionary act performed. It does not count as distressing my mother, even if it has that effect: that is the perlocutionary act perfomed”.

10Tradução própria. No original “To make visual pornography, and to live up to its imperatives, the world, namely women, must do what the pornographers want to ‘say.’”

11Tradução própria. No original “Of the 304 scenes analyzed, 88.2% contained physical aggression, principally spanking, gagging, and slapping, while 48.7% of scenes contained verbal aggression, primarily name-calling. Perpetrators of aggression were usually male, whereas targets of aggression were overwhelmingly female. Targets most often showed pleasure or responded neutrally to the aggression.”

12Tradução própria. No original “With pornography, by contrast, consumers see women as less than human, and even rape them, without being aware that an "idea" promoting that content, far less a political position in favor of the sexualized inequality of the sexes, is being advanced.”

13Tradução própria. No original “In a world made by pornography, testimony about sexual harassment is live oral pornography starring the victim. Because the account becomes a form of sex, the abuse is rendered consensual in the mind of the viewer.”

14Tradução própria. No original “It’s possible to use speech to disable speakers, and possible to prevent them from satisfying the felicity conditions for some illocutions the might want to perform”.

15Tradução própria. No original “As the industry expands, this becomes more and more the generic experience of sex, the woman in pornography becoming more and more the lived archetype for women's sexuality in men's, hence women's, experience. In other words, as the human becomes thing and the mutual becomes one-sided and the given becomes stolen and sold, objectification comes to define femininity, and one-sidedness comes to define mutuality, and force comes to define consent as pictures and words become the forms of possession and use through which women are actually possessed and used. In pornography, pictures and words are sex. At the same time, in the world pornography creates, sex is pictures and words. As sex becomes speech, speech becomes sex”.

16Tradução própria. No original “Marchiano says the words appropriate for an act of protest. She uses the right locutions, words that graphically depict her own subordination. She intends to protest. But her speech misfires. Something about who she is, something about the role she occupies, prevents her from satisfying protest’s felicity conditions, at least here. Though the threats and gags are gone, there is silence of another kind. […] Protest is unspeakable for her. […] What she tries to say comes out as pornography. Her protest has been disable.”

17Tradução própria. No original “Perhaps pornographic speech could be fought with more speech: the speech of education to counter pornography’s falsehoods, where women tell the word what women are really like, or the speech of competition to counter pornography’s monopoly, where women themselves become authors of erotica that is arousing and explicit but does not subordinate”.

18Tradução própria. No original “Perhaps some ideas must be censored so that others can find space on the shelves. Here again we have the tendency of which Austin complained: a focus on content, while ignoring the speech act performed. The claim that pornography silences women is not about ideas, but about people. Free speech is a good thing because it enables people to act, enables people to do things with words: argue, protest, question, answer. Speech that silence is bad, not just because it restricts the ideas available on the shelves, but because it constrains people’s action”.

19Tradução própria. No original: “Reciprocity is the condition of linguistic communication. It obtains when people are such as to recognize one another's speech as it is meant to be taken, and thus to ensure the success of attempts to perform speech acts”.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: BERCHT, Gabriela. “Pornografia e atos de fala: a perspectiva de Catharine MacKinnon”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 2, e77282, 2022

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 21 de Setembro de 2020; Revisado: 22 de Setembro de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2021

gabrielabercht@gmail.com; gabriela.bercht@ufrgs.br

Gabriela Bercht (gabrielabercht@gmail.com; gabriela.bercht@ufrgs.br) é doutoranda em Educação pelo PPGEDU-UFRGS, mestre em História pelo PPGHIST-UFRGS, licenciada em História (UFRGS) e bacharel em Filosofia (UFRGS).

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons