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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.2 Florianópolis mayo/aug 2022  Epub 01-Jun-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n286981 

Seção Temática Fazendo Gênero em tempos de pandemia

A trajetória e resistência do Escreva Lola Escreva

Escreva Lola Escreva’s trajectory and resistance

La trayectoria y resistencia de Escreva Lola Escreva

1Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. 60020-181 - delilt@ufc.br


Resumo:

Em janeiro de 2008, quando comecei o meu blog, “Escreva Lola Escreva”, não esperava que ele fosse um blog necessariamente feminista, mas pessoal. Afinal, tem até o meu nome no título. Porém, como eu me assumo feminista desde os oito anos de idade, praticamente tudo que escrevo carrega um viés feminista, inclusivo, em defesa dos direitos humanos. 14 anos depois, meu blog continua ativo, e é sempre gratificante ouvir uma leitora ou leitor dizer que passou a combater e superar seus próprios preconceitos por meio da leitura do meu blog. No entanto, nem tudo são flores. Há mais de 11 anos sou ameaçada e atacada por grupos organizados de misóginos e neonazistas, que apelidei de mascus (abreviação de masculinistas). Minha resistência e a dificuldade para fazer boletins de ocorrência inspiraram a criação da Lei Lola, que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes misóginos na internet. Este é meu relato de experiência. Seguimos na resistência.

Palavras-chave: feminismo; blog; misoginia; resistência

Abstract:

In January 2008, when I started my blog, Escreva Lola Escreva (Write Lola Write), I didn't expect it to be a feminist blog necessarily, but a personal one. After all, it even has my name in the title. However, as I have considered myself a feminist since I was eight years old, practically everything I write has a feminist, inclusive, and in defense of human rights bias. 14 years later, my blog is still alive, and it is always gratifying to hear that a reader began to fight and overcome prejudice after reading my blog. On the other hand, not everything is a bed of roses. It's been more than 11 years that I have been threatened and attacked by organized groups of misogynists and neonazis, which I nicknamed mascus (short for masculinists). My resistance and my difficulty to register police reports inspired the creation of Lola's Law, which assigns the Federal Police the mission to investigate misogynist crimes on the internet. This is my experience report. We continue being the resistance.

Keywords: Feminism; Blog; Misogyny; Resistance

Resumen:

En enero del 2008, cuando partí con mi blog Escreva Lola Escreva (Escribe Lola Escribe), no esperaba que fuera un blog necesariamente feminista, sino más bien personal. Después de todo, lleva mi nombre incluso en el título. Sin embargo, como soy feminista desde que tenía ocho años de edad, prácticamente todo lo que escribo lleva un sesgo feminista, de inclusión, en la defensa de los derechos humanos. 14 años después, el blog sigue activo, y es siempre gratificante escuchar una lectora decir que ha pasado a combatir sus propios perjuicios por medio de la lectura del blog. Pero no todo son flores. Hace más de 11 años recibo amenazas y ataques por parte de grupos organizados de misóginos y neo nazistas, los cuales he nombrado “mascus” (una abreviación de “masculinistas”). Mi resistencia y la dificultad en hacer denuncias policiales inspiraron la creación de la Ley Lola, que atribuye a la Policía Federal la investigación de crímenes misóginos en internet. Este es mi relato de experiencia. Seguimos en la resistencia.

Palabras-clave: feminismo; blog; misoginia; resistencia

Comecei o meu blog, “Escreva Lola Escreva”, em janeiro de 2008, enquanto morava em Detroit, Michigan, e fazia o doutorado sanduíche em Literatura em Língua Inglesa. Estava cansada de colaborar com dois sites que não tinham muito a ver comigo, um de fotografia e outro de cinema de ação. Eu queria total liberdade editorial para poder publicar o que quisesse. Não era para ser um blog necessariamente feminista, mas pessoal - tanto que leva o meu nome no título, um trocadilho com o filme alemão cult Corra, Lola, Corra, de 1998. Porém, como eu me assumo feminista desde os oito anos de idade, graças a pai e mãe progressistas, de esquerda, praticamente tudo que falo ou escrevo tem um viés feminista.

Por exemplo, durante 14 anos, entre 1998 e 2011, fui colaboradora do segundo maior jornal de Santa Catarina, “A Notícia”. Eu escrevia sobre cinema, na maior parte das vezes, e me autointitulava “cronista de cinema”, mais do que crítica. Em 2006, ao escrever sobre À Procura da Felicidade, filme até hoje muito festejado em que Will Smith se sacrifica para cuidar do filho e se tornar um corretor de Wall Street, eu observei que as únicas três mulheres de destaque na história são todas vilãs. Uma é a mulher negra do herói, que abandona filho e marido; outra, uma asiática, é dona da creche em que fica o menino enquanto o pai faz o estágio não remunerado; a terceira, uma hippie que decide roubar o material de trabalho do nosso herói. Em contrapartida, os muitos homens brancos engravatados e endinheirados do filme, com exceção de um, são exemplares homens de bem. Não há no filme (nem em grande parte das análises sobre ele) qualquer crítica a um sistema que exige que um homem pobre estagie sem qualquer remuneração num escritório rico durante meio ano. É mais fácil culpar mulheres sem nenhum poder pelas agruras do mártir.

Por essas e outras, desde o começo, o meu blog - assim como qualquer outro blog ativista - atraiu trolls. Os trolls (esses seres mitológicos que viraram sinônimo de gente sem educação, que deixa comentários para ofender, desvirtuar discussões e semear a discórdia) até hoje seguem um padrão: quase sempre são homens anônimos, que se classificam como brancos e heterossexuais; muito conservadores, geralmente cristãos, de direita ou extrema-direita, e machistas, racistas, LGBTfóbicos, capacitistas, gordofóbicos, xenofóbicos, etaristas, enfim, sempre um combo de preconceitos. Pode ser que exista, mas até hoje, depois de 14 anos de blog, ainda não conheci um troll que fosse “apenas” machista. A misoginia realmente anda de mãos dadas com o racismo e a homofobia.

Antes de iniciar o blog, eu, como a maioria das mulheres e de outros grupos historicamente oprimidos, já tinha sido alvo de machismo. No entanto, eu não conhecia o nível desse ódio às mulheres. No meu dia a dia, sempre tive o privilégio de poder escolher com quem me relacionar, então não tenho, entre meus amigos e conhecidos, alguém que seja abertamente misógino, ou que, por exemplo, se refira às mulheres como “vadias”. Mas na internet, e sob o anonimato, o comportamento de certos homens é completamente diferente.

E um blog feminista serve como ímã irresistível para machistas. Um dos posts de maior repercussão no começo do “Escreva Lola Escreva” data de 8 de março de 2008, Dia Internacional da Mulher, pouco mais de um mês após o lançamento do blog. Inspirada numa conversa que eu tinha tido durante uma aula alguns anos antes durante o mestrado em Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal de Santa Catarina, escrevi que “Toda mulher tem uma história de horror pra contar” (Lola ARONOVICH, 2008d). Narrei quatro ocasiões em que escapei de um estupro. Dezenas de leitoras se identificaram e decidiram contar suas histórias de horror também. Este sempre foi o melhor lado do blog, o da empatia, de compartilhamento de experiências.

Desde o início do blog, passei a publicar guest posts, textos de convidados e convidadas que escreviam sobre temas, experiências e conhecimentos diferentes dos meus. Essa foi uma forma que encontrei de despersonalizar um pouco o blog, de divulgar outras autoras e autores, e de publicar textos sobre pautas importantes que eu sei tão pouco, como poliamorismo, maternidade, veganismo, violência obstétrica, entre muitos outros. Até hoje, creio ter publicado cerca de 2 mil guest posts sobre os mais variados assuntos, o que faz o “Escreva Lola Escreva” mais interessante e menos monotemático.

Outra forma de tentar integrar a blogosfera feminista, que na época já existia (estou longe de ser pioneira), foi compartilhar textos. Em junho de 2009, organizei o primeiro concurso de blogueiras, que não era de fato uma competição, mas um meio de espalhar blogs escritos por feministas. Uma leitora fez um selo que dizia “Blogueiras que querem ser ouvidas, não vistas”. Essa foi uma alfinetada num concurso de blogueiros da época em que só homens eram indicados a categorias sérias, mas havia uma categoria para a blogueira mais gostosa e simpática ou a musa da internet. Daí veio a minha inspiração para fazer um concurso diferente, em que leitoras e leitores do “Escreva Lola Escreva” indicassem posts específicos de um outro blog. A ideia era que o leitorado do meu blog visitasse aquele outro blog, lesse o post indicado, e escolhesse o melhor entre vários. No primeiro concurso, que teve tema livre, 12 posts de diversos blogs feministas foram indicados. Isso criou uma espécie de comunidade. 195 pessoas votaram e escolheram o post “O Primeiro vôo do anjo”, do blog “Borboleta Pequenina na Suécia”, da Somnia, em que ela contava a sensação que era deixar o filho Ângelo na creche pela primeira vez (Somnia CARVALHO, 2008).

No segundo concurso, em julho de 2009, o tema foi feminismo. 17 posts foram inscritos, 302 pessoas votaram, e a vencedora foi Marjorie Rodrigues (o blog, que tem o nome da autora, tem acesso restrito hoje, apenas para convidados), com o post “Da frase que mais me irrita nessa vida”. No terceiro concurso, com o tema da maternidade (inclusive de quem decidiu não ser mãe), houve 25 inscrições, 379 votos, e quem ganhou foi Tina Lopes (2009), do “Pergunte ao Pixel”, com o post “Aguenta que lá vem homenagem ou: meu coração peludo” (LOPES, 2009). No quarto concurso, realizado em setembro de 2010, foram 32 posts, divididos em quatro etapas, com o tema “a origem do meu feminismo”, em outras palavras, como a autora se descobriu feminista. Foi um sucesso: os textos eram ótimos, escritos especificamente para o concurso, e o concurso contou com 1.476 votos. A vencedora foi Leika, do “Proseando”, com o post “Mulheres, homens e mais mulheres” (o blog não existe mais).

Nesses concursos, havia muita interação nas caixas de comentários, não apenas do meu blog como dos blogs participantes. Eu notava que, realmente, estávamos nos conhecendo. As leitoras trocavam ideias, se apresentavam, descobriam pontos em comum, faziam novas amizades. Não tenho como medir a importância desses concursos para promover uma unidade maior entre blogueiras feministas, e também para o surgimento de novos blogs escritos por mulheres (ARONOVICH, 2009).

Em junho de 2011, leitoras me avisaram sobre um programa, CQC 3.0, que passava na internet após o programa na Rede Bandeirantes, que zombava das mulheres que amamentavam em público. O humorista alçado a jornalista Rafinha Bastos começava lendo a carta de uma leitora que lhe perguntava para falar sobre o “mamaço”, um protesto realizado em frente ao Itaú Cultural, em São Paulo, depois que uma mãe foi impedida de amamentar seu bebê. Rafinha então se manifestou: “Por que cargas d’água tem aquela mãe que enfia a teta nas caras das pessoas na rua, véio? Mano, vai prum banheiro, caralho, porque a gente olha, não tem como”. Ele também disse que o mamilo de algumas mães “parece um rocambole”. Marco Luque, outro da bancada do CQC, disse que amamentar era um pretexto, e o que a mulher queria mesmo era mostrar os seios. O problema, segundo Rafinha, não era querer mostrar “a teta”, era “que quem quer mostrar é quem não deveria querer mostrar. Nunca é aquela gostosa. Geralmente é aquela mãe com aquelas buchibas”. Rafinha, Luque e Marcelo Tas lamentaram que nunca viram a Giselle Bundchen amamentar, só aquela mulher que, segundo Rafinha, “não precisa de um sutiã, precisa de uma joelheira”.

Eu fiquei indignada e escrevi no meu blog um post chamado “CQC, vai pra PQP” (ARONOVICH, 2011c). No post, eu descrevia o que os jornalistas/humoristas disseram, e explicava que seios não servem apenas para vender cerveja, que o corpo das mulheres não existe para ser exibido ou utilizado pelos homens, e que falar mal das mulheres que amamentam em público equivale a se posicionar contra a amamentação. O post teve bastante repercussão, e no mesmo dia eu recebi um e-mail do Marcelo Tas, querendo saber onde e quando ele se posicionou contra a amamentação. Respondi que nem ele nem o resto da bancada se opuseram à amamentação, e sim à amamentação em público. Ele então me enviou um outro e-mail subindo o tom, pedindo retificação imediata e negando ser misógino. Publiquei os dois e-mails dele nos comentários do post, como um direito de resposta dele, mas ele me enviou um terceiro e-mail, que dizia: “Você vai aprender através de um processo por calúnia e difamação a ser mais responsável com o que publica, esta troca de e-mails documenta a minha tentativa de diálogo com você antes de tomar o caminho da Justiça”.

O que a maior parte dos blogueiros faz ao receber uma ameaça de processo de uma celebridade com uma equipe de advogados por trás? Eles apagam o post. Já vi alguns deletarem o blog inteiro. Nunca mais falam da figura na vida. Ficam petrificados de medo. Bom, não foi o que eu fiz. Eu fui ao meu Twitter e comuniquei que Marcelo Tas tinha me ameaçado com um processo. No dia seguinte, publiquei o post “Liberdade relativa: Marcelo Tas quer me processar” (ARONOVICH, 2011d), que até hoje é o recordista em visualizações (cerca de cem mil no mesmo dia). No post, eu dizia que, se o CQC tinha o direito de criticar mães que amamentam em público, eu tinha todo o direito de criticar o CQC (ARONOVICH, 2011c).

Pegou mal pro Marcelo Tas. Afinal, ele não era só um astro de TV há muitas décadas ameaçando uma reles blogueira. Ele também se vendia como arauto da liberdade de expressão (além de ter uma coluna na revista “Crescer”, para pais). Recebia muito dinheiro defendendo a liberdade irrestrita de expressão, e de repente estava processando uma blogueira por dar sua opinião sobre um programa em que ele era o principal nome. Como era a época das primeiras Marchas das Vadias no Brasil (e no mundo), várias manifestantes em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Fortaleza levaram cartazes me apoiando, com falas como “Marcelo Tas, deixa a Lola em paz”.

Depois disso, Marcelo Tas nunca me processou. E meu blog, que naquela época tinha apenas 3,5 anos de vida e umas 150 mil visualizações por mês, ganhou muitos novos leitores. Se o blog recebia cerca de 90 mil visitas únicas por mês, depois desse episódio subiu para 150 mil visitas/mês, um outro patamar.

Mas considero que meu primeiro contato com a misoginia cibernética veio logo após o lançamento do blog, ainda em janeiro de 2008. Li o post em que uma blogueira feminista americana, Melissa McEwan (2007), do Shakesville, narrou o terrível estupro que sofreu quando tinha 16 anos, e como foi deixada para morrer numa poça de seu próprio sangue (McEWAN, 2007). Ainda mais hediondo que o estupro em si foram os comentários anônimos deixados naquele blog. Primeiro, a acusaram de mentir: afinal, quem iria querer estuprar uma feminazi?1 Ela não “merecia” ser estuprada. Depois, lamentaram que ela não foi morta. Em seguida, torceram para que ela fosse estuprada de novo e, desta vez, pegasse Aids. Também disseram, entre dezenas de outras barbaridades, que, caso o estupro tivesse acontecido de verdade, “foi a melhor transa que você já teve” e “pelo menos uma vez na sua vida patética você conseguiu ser útil” (McEWAN, 2007, minha tradução).

Eu fiquei chocada com aquela violência gratuita contra uma sobrevivente de estupro. Quem eram aqueles homens que iam agredir em bando, todos com um discurso tão parecido? (ARONOVICH, 2008c). Só um ano depois eu descobri que eram MRAs, sigla para Men’s Rights Activists (defensores dos direitos dos homens). Voltarei a falar neles em breve.

Meu segundo contato indireto com a misoginia virtual aconteceu ainda no meu primeiro ano do blog, em outubro de 2008. Um caso de enorme repercussão nacional me deixou tão revoltada que escrevi quatro posts sobre ele. Foi o assassinato de Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, que antes foi mantida em cárcere privado pelo ex-namorado. O Brasil acompanhou o drama da menina de Santo André em tempo real, ao vivo, com direito à mídia sensacionalista entrevistando o ex-namorado, Lindemberg Alves, por telefone. No programa vespertino de Sônia Abrão, na Rede TV, um advogado desejou que aquilo terminasse em “final feliz”, “num casamento futuro entre ele a namorada, a apaixonada dele, né?” (ARONOVICH, 2008b). Outro fato marcante no caso, além da irresponsabilidade criminosa da mídia, foi a ação desastrosa da polícia de São Paulo, que devolveu uma refém, Nayara, amiga de Eloá, que já tinha sido libertada. No final nada feliz, a polícia invadiu o apartamento, Lindemberg atirou e matou Eloá, e também acertou Nayara na boca, mas ela sobreviveu. Ele foi condenado a 39 anos e continua preso (Michele MENDES, 2021).

Um dos quatro posts que dediquei ao tema foi sobre uma comunidade no Orkut chamada “Eloá virou presunto - vai tarde”. Na época, o Orkut ainda era muito mais popular no Brasil que o Facebook, e comunidades misóginas abundavam. Esta, assinada pela “Suprema Ordem dos Homens de Bem”, já contava com 1.200 membros quando eu vim a saber da sua existência. Nos comentários, havia inúmeras fake news: Eloá seria uma prostituta e, Lindemberg, seu cafetão; Eloá estaria fazendo uma orgia com Nayara e dois colegas da escola, e Lindemberg flagrou a “vadia mirim”. Havia também discordâncias entre os membros sobre o caixão branco em que Eloá foi enterrada, já que ela não seria mais virgem, logo, “não merecia a cor da pureza”. Outro membro finalizou: “Que se foda a cor do caixão, o importante é que ela vai ser comida embaixo da terra” (ARONOVICH, 2008a).

Assim como fiquei perplexa com os comentários sobre o estupro de Melissa, também me choquei com o que li naquela comunidade. Não entendia quem eram aqueles sujeitos e por que eles tinham tanto ódio das mulheres, ao ponto de saudarem Lindemberg como herói.

Com uma breve pesquisa, vi que o que era chamado nos países de língua inglesa de Men's Rights Activists, no Brasil, recebeu o nome de “masculinistas”. Havia vários subgrupos, mas a maioria parece ter começado por volta de 2005, no Orkut, através de comunidades como “O Lado Obscuro das Mulheres” e “Mulher Gosta de Homem Babaca”. Havia “Guerreiros da Real” e uma espécie ainda mais extremista, os “Homens Sanctos”. Todos copiavam (e ainda copiam) os MRAs americanos, usando termos como ‘mangina’ (um trocadilho entre homem e vagina, para designar um homem frouxo e bonzinho com as mulheres),2 e, claro, ‘feminazi’, e nutrindo adoração pela pílula vermelha do filme Matrix, que permite ver a realidade (no caso, que homens são sugados por mulheres, todas parasitas).

Qualquer pessoa minimamente sensata que passa cinco minutos numa página, fórum ou chan (fóruns anônimos, também conhecidos como image boards, onde há mais imagens que textos) de “defensores dos direitos dos homens” percebe que eles não defendem direito algum, a não ser o de atacar e ameaçar mulheres em geral e feministas em particular.

Hoje em dia, tanto o termo MRA quanto ‘masculinista’ estão em desuso, e são mais adotadas as nomenclaturas de subgrupos como incel (involuntary celibate, ou celibatário involuntário, popularmente conhecido como ‘virjão’; é o homem frustrado por não fazer sucesso com as mulheres), MGTOW (sigla para Men Going Their Own Way, ou “homens trilhando seu próprio caminho”, ou seja, defendem que homens não devem se relacionar com mulheres, ou, no mínimo, não namorar ou casar), e PUA (sigla para Pick-Up Artist, ou “artista da sedução”; são os coaches que ensinam os homens frustrados dos outros subgrupos a conquistarem mulheres, geralmente tratando-as mal). Embora esses subgrupos pareçam se odiar entre si, todos partem dos mesmos princípios: que mulheres são interesseiras, fúteis, ignorantes e inferiores, que elas controlam o planeta, pois têm o “poder da buceta”, que o mundo está degenerado, que o feminismo destrói (quanto mais feminista um país, mais acabado; logo, misóginos pintam a Suécia como o inferno na Terra), que mulheres odeiam homens bonzinhos (como eles) e só gostam de cafajestes e criminosos, que garantam a elas “fortes emoções”.

Não vou exemplificar tudo que citei no parágrafo acima, mas quero citar dois instantes em que esses devaneios chegaram nos comentários do meu blog. Em 2009, um ‘mascutroll’ (cunhei essa expressão para designar trolls masculinistas) foi tentar convencer leitoras feministas de que todas as mulheres são interesseiras (“não existe mulher-exceção” é um dos mantras deles). Eles até pegaram emprestado da Sociologia e Antropologia um termo científico para sua teoria: ‘hipergamia’. Na definição deles, todas as mulheres são hipergâmicas, ou seja, sempre procurarão homens mais ricos e bonitos, e nunca se contentarão com homens do mesmo patamar que elas. O ‘mascutroll’ tentou argumentar, dando um exemplo: Gisele Bundchen. Segundo ele, Gisele se casou com o jogador de futebol americano Tom Brady por dinheiro. Quando o ‘mascutroll’ foi informado de que Gisele é ainda mais rica que Tom, mesmo que ambos sejam bilionários, ele, sem se dar por vencido, tirou da manga uma outra explicação por que Gisele se casaria com Tom: “Então foi pelo Greencard!”.

Em janeiro de 2013, outro ‘mascutroll’ frequente, Fábio, que trabalhava como segurança armado numa loja, deixou seu desabafo: “Minha mãe até hoje, quando vou visitá-la, faz o meu mingal (sic) de aveia, agora pergunte se minha namorada faz pergunte? Não custa nada. Vocês feministas estão estragando os relacionamentos, parabéns”. Depois disso, Fábio ficou conhecido como “Fábio do Mingau”, ridicularizado até não poder mais, e teve que sumir das redes sociais.

Apesar de rir das muitas barbaridades que os masculinistas dizem, considero meu blog bastante inclusivo. Em pouco tempo, ele se tornou o maior blog feminista do Brasil, e no seu auge, em 2013, recebia cerca de 400 mil visualizações de página por mês. Não sigo nenhuma corrente específica do feminismo, mas, muitas vezes, sou tachada de radical pelos antifeministas. Creio que, para quem odeia o feminismo, toda feminista é radical. Eu acho inaceitável que feministas sejam transfóbicas, mas evito ao máximo confiscar carteirinha feminista de alguém. Não tenho esse poder, nem essa vontade. Defendo que homens não só podem, como devem ser feministas.

Desde o início, meu blog chamou atenção dos masculinistas no Brasil que, por serem muito limitados, passaram a me ver como representante-mór do feminismo. Antes de eu saber de sua existência, eles já me atacavam em suas comunidades e fóruns. Eles também me xingavam na caixa de comentários do meu blog, com os mesmos adjetivos que foram usados contra as sufragistas no século 19 (mal-amada, mocreia, gorda, lésbica etc. - ninguém pode acusá-los de serem criativos). Quando passei a ver que formavam um grupo organizado e aprendi mais sobre eles, escrevi um post, em fevereiro de 2011, “O pensamento vivo (modo de dizer) dos masculinistas”. Acabava assim:

O movimento masculinista é minúsculo, mas tem potencial pra crescer. Parece fácil recrutar soldados pra uma causa dessas. Sua mulher se recusa a recolher e lavar as cuecas que você larga pelo chão? Sua mulher te deixou? Você não conquistou a gostosona da escola? Você se sentiu usado por uma garota que só queria sexo? Sua paquera te traiu? Você tem uma chefa que te dá ordens? Sua mãe manda você lavar a louça? Alguma mulher riu do tamanho do pacote? Você não usou camisinha, sua (ex)namorada engravidou, e agora ela exige pensão pro filho? Ou, pior: você não usou camisinha, sua (ex)namorada engravidou, você até quis casar com ela, mas ela preferiu abortar seu herdeiro divino? Você não arranja mulher porque nenhuma presta e elas não apreciam caras super legais como você? Uma feminista disse pra você pensar? Junte-se aos homens de verdade! (e deixe meu bloguinho em paz, pelamor!) (ARONOVICH, 2011a).

O post gerou muita indignação nos masculinistas, a ponto de eu reunir os comentários mais divertidos num outro post, “Troll fest de lógica linear dos mascus”, publicado em 1 de março de 2011 (por exemplo: “Mulheres são seres amorais e sem caráter, incapazes de tomar decisões por conta própria. A única época em que existiram mulheres decentes, boas mães e esposas foi quando estava vigente o patriarcado”). Pela primeira vez, tratei os masculinistas como ‘mascus’, uma abreviação (ARONOVICH, 2011b). Mas o termo se espalhou e tornou-se tão pejorativo que praticamente acabou com o masculinismo no Brasil (pelo menos, no nome), já que nenhum masculinista queria ser chamado de ‘mascu’.

Infelizmente, o bom humor e a ideia de que ‘mascus’ são fracassados inofensivos não duraram muito. Em 7 de abril de 2011, Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, invadiu a escola municipal onde ele havia estudado anos antes em Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro, e abriu fogo, matando dez meninas e dois meninos, todos com idade entre 13 e 15 anos, e ferindo outras 22 pessoas. Um policial o baleou na perna e Wellington se matou. Apesar desse tipo de massacre ser comum nos Estados Unidos, ele era bastante inédito entre nós brasileiros. A mídia não soube lidar: chamava o massacre de “tragédia” ou “incidente”, e, ainda pior, não classificou o ato como um crime de ódio, ignorando a discrepância entre o número de vítimas meninas e meninos, ou inventando narrativas absurdas para isso (como “as meninas correm menos”). Já as testemunhas não deixavam dúvida: “Nas meninas, ele [Wellington] atirava para matar. Nos meninos, os tiros eram só para machucar, nos braços ou nas pernas” (Fabricio COSTA, 2011).

Wellington era um ‘mascu’. Ele frequentava blogs e fóruns masculinistas, usava a mesma linguagem, e conversava com eles. Antes de cometer o que ficou conhecido como o massacre de Realengo, ele deixou alguns vídeos em que se dizia virgem e chamava as meninas de “seres impuros”. Os ‘mascus’ sabiam que Wellington era um deles, tanto que, no dia seguinte ao massacre, supondo que a Polícia Federal os investigaria, vários blogs ‘mascus’ fecharam as portas. Foi o caso do mais popular dos blogs ‘mascus’, o de “Silvio Koerich” (não é um nome real, mas um pseudônimo). Koerich sumiu no dia seguinte, sem dar explicações, e parou de atualizar o blog. Seis meses depois, em agosto de 2011, reapareceu para comunicar que estava fechando seu blog. Mas o blog ressurgiu logo em seguida, ainda mais extremista.

O blog “Silvio Koerich” sempre foi misógino, agressivo e violento, mas, antes do massacre de Realengo, tinha algum viés de humor. O blog que ressurgiu em agosto passou a exibir imagens explícitas de mulheres e meninas (e também animais) sendo torturadas, estupradas e mortas (o que se costuma chamar de gore), e textos igualmente escabrosos que defendiam a legalização do estupro, principalmente do estupro corretivo para lésbicas, o assassinato de mulheres, negros e gays, e a legalização da pedofilia. Havia várias ameaças, acima de tudo contra o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), em seu primeiro mandato, e contra mim. Havia também promessas de recompensas para quem nos matasse. No meu caso, as ameaças não ficavam restritas à minha morte: “Pago 5 mil reais via paypal para quem conseguir montar na lolaescreva como se fosse um touro de rodeio, filmar o ato e botar no youtube (sic)”,3 escreveu um usuário chamado Kyo.

O blog de ódio permaneceu no ar entre agosto de 2011 e abril de 2012, apesar de ter sido denunciado quase 70 mil vezes na SaferNet, a primeira ONG de combate a cibercrimes contra Direitos Humanos no Brasil. O blog viralizou e gerava pânico, principalmente entre alunas da UnB, pois eram constantes os posts prometendo um massacre no prédio de Ciências Sociais daquela universidade, para matar “o maior número de vadias e esquerdistas”. Porém, a Polícia Federal não deu qualquer retorno de como estavam indo as investigações. Tivemos mais sorte com o grupo Anonymous, que descobriu a identidade dos dois principais autores do blog: Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello. Emerson era um antigo neonazista que já havia produzido provas contra si mesmo - um vídeo de dez minutos extremamente racista que ele gravou enquanto andava na Índia, afirmando que “o estado natural do preto é a sujeira, o estado natural da mulher é a prostituição”. Já Marcelo era conhecido nos chans, por ter sido o primeiro brasileiro a ser condenado por racismo na internet, em 2009, por agressões verbais que proferiu no breve período em que cursou Letras Japonês na UnB. Ele não foi preso na ocasião porque alegou insanidade mental.

Em março de 2012, Marcelo havia acabado de se mudar de Brasília para Curitiba, onde Emerson morava, quando ambos foram presos pela Operação Intolerância. Foram julgados e condenados a 6 anos e 7 meses de prisão cada, mas cumpriram pena de pouco mais de um ano. Em maio de 2013, assim que saíram da cadeia, eles, separadamente, me enviaram e-mails avisando que iriam me processar, pois me viam como grande responsável pela sua desgraça. Emerson de fato me processou. Numa ação que só chegou a mim em 2015, ele pedia R$ 41 mil de danos morais. Eu aceitei a sugestão das minhas advogadas (duas leitoras do meu blog que me ajudaram pro bono) e entrei com reconvenção contra ele, pois, naquele ano, ele fez dezenas de vídeos no YouTube me difamando - por exemplo, declarando que eu comprei carros de luxo e mansões com o dinheiro que eu teria roubado de uma compra de livros para a biblioteca da UFC (Emerson manifestou, assim, a sua total ignorância sobre como funcionam os trâmites numa universidade pública e sobre como a verba para novos livros é minúscula). Nunca tivemos uma única audiência e ele abandonou o processo. A minha ação, no entanto, continuou, e, no final de 2020, ele foi condenado a me indenizar em R$ 25 mil. Não tenho esperança de ver a cor do dinheiro, até porque Emerson fugiu para a Espanha no início de 2018. Ele segue fazendo vídeos me caluniando.

Marcelo também buscava vingança. Pouco depois de sair da prisão, já deixava vários comentários assinados no meu blog, como este, de 15 de fevereiro de 2014:

O mais divertido é que no Brasil a pena máxima é de 30 anos. Ou seja, eu poderia apagar você, o Delegado [responsável pela Operação Intolerância], poderia até mesmo estuprar e matar uma vagabunda feminista, a pena máxima é de 30. Por isto, lhe digo. O dia que você ver que um Delegado Federal em Curitiba foi assassinado, é bom que você sinta medo, pois você será a próxima. Eu não sou de mandar outros fazerem o serviço, eu mesmo faço4 (tudo sic).

Marcelo não sustentava suas ameaças, principalmente a parte de “eu mesmo faço”. Tanto que Emerson gravou vários vídeos afirmando ter testemunhado, em 2016, quando ele e Marcelo retomaram a amizade, Marcelo negociar a minha morte com um ex-policial de Curitiba por R$ 80 mil. Em 17 de fevereiro de 2017, Emerson, ao implorar para que eu fizesse uma aliança com ele contra Marcelo (eu recusei), deixou um longo comentário no meu blog. Numa das partes, ele diz: “Eu mesmo presenciei ele negociando com o ex policial (sic) civil Jhones Falcão em Curitiba e oferendo (sic) R$80.000 reais para matar você. Eu vi com meus olhos”.

No segundo semestre de 2013, Marcelo criou o seu próprio chan, o Dogolachan. O cabeçalho desse chan, que ficava na superfície, não na Deep Web (uma parte da internet que não aparece nos mecanismos de busca e que não tem regulamentação), e podia ser acessado por qualquer pessoa, incluía as imagens de um cachorro branco, o mascote do chan, e três “heróis”: Wellington, do Massacre de Realengo, Anders Breivik, um neonazista que, em junho de 2011, cometeu o maior massacre da história norueguesa, matando 77 pessoas, e Elliot Rodger, que, em maio de 2014, matou seis pessoas e se suicidou, deixando um manifesto de 140 páginas em que lamentava ser virgem (Rodger popularizou o termo incel). Ao lado dessas imagens, as palavras “/b/ a hero” (seja um herói). Este desejo de forjar novos mártires era frequente no Dogolachan - e em outros chans. Por atraírem muitos rapazes com tendências suicidas, não é incomum que um deles avise que irá se matar. A este anúncio costuma seguir-se uma mensagem, quase um coro: “leve a escória junto”. Em outras palavras, vá a uma palestra feminista, a uma marcha das vadias, a uma parada do orgulho gay, a algum protesto do Black Lives Matter, mate o maior número possível de participantes, e depois se mate, ou seja morto pela polícia (há um termo em inglês para isso, divulgado em chans americanos: suicide by cop), e torne-se um herói entre os channers.

Porém, se eu não era de maneira alguma frequentadora de chans, como fiquei sabendo da existência do Dogolachan, em maio de 2014? Marcelo fez questão de deixar o link nos comentários do meu blog, para que eu pudesse acompanhar as ameaças diárias contra mim, meu marido, e minha mãe. Quando recebi o link e fui ao chan, me deparei diante de um dilema: eu deveria esquecer aquilo, sabendo que a maioria das ameaças e planos mirabolantes contra mim não se concretizaria, ou deveria acompanhar o que eles falavam para não ser surpreendida? Escolhi a segunda opção. Claro que, se eu soubesse, na época, que teria que ficar entrando num chan cheio de ódio pelos quatro anos seguintes, talvez eu tivesse feito outra escolha.

Um dos inúmeros exemplos das ameaças no Dogolachan é esta, do dia 29 de maio de 2014, ao lado de uma foto minha carregando um bolo, em que um anônimo escreveu:

É inadmissível que essa gordona escrota continue dia após dia destilando misandria na internet, essa desgraçada é responsável pela lavagem cerebral de putinhas mirins que crescem lendo seu blog misandrico. Eu estava pensando isto: A morte é o fim inevitável de todos, dar a sua vida por uma causa nobre é a coisa mais sublime que existe. É por isso q estou disposto a me tornar um martir sancto, não aguento mais ser achincalhado pela sociedade, em 30 anos de existência. Eu quero galgar o paraiso dos martires, quero estar junto com ted bundy, George sodini, wellington, henry lucas, jack estripador e com elliot rodger que me inspirou a fazer uma ação sancta, morram depósitos de porras, morram seus lixos, eu irei deixar meu rastro de furia um dia (tudo sic).

Antes de recrutar jovens diretamente para cometer massacres, Marcelo testava sua lealdade. Para fazer jus ao título de ‘homem sancto’, o neonazista Gustavo Guerra (de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul), teve que fazer vários telefonemas para a minha casa me ameaçando, em dezembro de 2014. Guilherme Zaccarin, ou “Coelho”, que mora em Chicago, me ligou diversas vezes a toda hora do dia e da noite, em 2016. Arthur Lopes (de Aracaju, Sergipe), Ryan ‘Cangaceiro’ (de Pernambuco) e Breno Alves (de Franca, São Paulo) gravaram vídeos no YouTube dizendo, respectivamente, que eu abusei sexualmente dele num banheiro num congresso escolar, que eu era sua mãe, que o abandonei para virar feminista, e que eu negociei aumentar sua nota num curso de inglês em troca de sexo e, diante da sua negativa, passei a assediá-lo.

Descobri esses e outros nomes no ‘Dogolachan’ porque, toda vez que eles brigavam, um expunha o outro, e eu estava lá para tirar print e montar um dossiê. Minha maior preocupação, no entanto, era reunir evidências para provar que o ex-presidiário Marcelo era o dono do chan. Portanto, quando ele (anonimamente) colocava dados e imagens que só ele podia ter, como uma carteira de estudante de doze anos atrás, ou a inscrição em um concurso público, eu arquivava tudo. Para as ameaças que me pareciam mais sérias, eu ia a delegacias registrar boletins de ocorrência. Meu marido, Silvio, também teve que fazer um, já que, entre 2013 e 2017, Marcelo lançou vários sites de ódio (como “Realidade”, “Homens de Bem”, “Tio Astolfo”, “PUAHate”, “Reis do Camarote”, “Filosofia do Estupro”, e “Rio de Nojeira”, além de “Guias de estupro”, em que ensinava “como estuprar vadias” na USP, UFC, UFRGS, UFRJ e, óbvio, na UnB, sua obsessão), e alguns continham o nome de Silvio como autor do site, montagens com suas fotos, e endereço residencial.

Mas a maior vantagem de monitorar o chan é que, quando Marcelo criou seu site de ódio diferente, depois de muito planejamento coletivo no Dogolachan, eu não fui pega de surpresa. Era um site no meu nome (doloresaronovich), com fotos minhas, link pro meu currículo Lattes, meu endereço e telefone residencial em cada post. O objetivo de Marcelo, como ele deixava claro repetidamente no Dogolachan, era que as pessoas me reconhecessem na rua e me linchassem. O site, escrito em primeira pessoa como se fosse eu, pregava racismo, aborto para fetos masculinos, infanticídio e castração de meninos, e queima de bíblias. Um post chegou a dizer que eu realizei um aborto numa aluna em sala de aula na UFC. O site não viralizou imediatamente, como os outros mais óbvios. Precisou da ajuda de figuras reacionárias maiores, como o guru da extrema-direita Olavo de Carvalho e o músico Roger Moreira, ex-Ultraje a Rigor. Mesmo sabendo que o site não era meu, eles o divulgaram nas suas redes sociais. E mesmo sendo avisados que o site foi feito para me incriminar, eles seguiram com a divulgação. E, com isso, vários homens indignados ligaram para a minha casa, cobrando satisfações, e denúncias foram enviadas à Ouvidoria da UFC, exigindo minha demissão. Ademais, fui chamada para depor como réu na Polícia Federal, tendo que provar que o site não era meu (o que não foi muito difícil, visto que eu tinha prints do Dogolachan e que eu havia registrado um BO na mesma semana que o site foi ao ar).

Ainda assim, o dia em que o site de ódio no meu nome viralizou foi a única vez que eu chorei em quatorze anos de blog, porque foi quando constatei que é muito mais fácil espalhar o mal que o bem. Apesar de todo o empenho e atualizações diárias que eu dedicava ao meu blog de verdade, em apenas um dia conseguiram espalhar um site falso no meu nome, defendendo causas que eu jamais defenderia. Vale dizer que foi no final de 2015, antes do termo fake news se popularizar. Se tivesse sido depois das eleições de 2018, vencidas pela extrema-direita graças a mentiras como a mamadeira erótica, eu não teria ficado chocada ao ver tanta gente acreditando que uma professora (de Letras!) fazia abortos em sala de aula.

Mas nem tudo foi negativo. A mídia quis saber por que uma professora universitária estava sendo tão atacada (àquela altura, eu já havia virado especialista em ‘mascus’ sem querer). E as entrevistas acabaram chamando atenção da ex-prefeita de Fortaleza e então deputada federal Luizianne Lins (PT-CE). Ela leu as matérias em que eu relatava a dificuldade que era saber onde fazer os boletins de ocorrência: a Polícia Civil estava sempre ocupada demais, e não parecia ter muito conhecimento sobre internet em geral; na Delegacia das Mulheres, a primeira pergunta era “O que o agressor é seu?”, e eu tinha que explicar que não conhecia meus agressores pessoalmente nem nunca me comunicava com eles, ou seja, não eram nada meus; na época (e até hoje), o Ceará não tinha Delegacia de Crimes Cibernéticos; um superintendente da Polícia Federal me comunicou, por e-mail, que a PF só investigava crimes em que o Brasil era signatário internacional, como racismo e pornografia infantil. Luizianne então redigiu o projeto de lei nº. 4614/2016, que atribui à Polícia Federal investigar crimes de ódio contra as mulheres na internet. Sancionado em 2018, virou a lei nº. 13.642, ou Lei Lola, em minha homenagem. É a primeira vez que o termo ‘misoginia’ aparece na legislação brasileira.

Claro que nada disso impediu a continuação dos ataques. Em dezembro de 2016, dois dias antes do Natal, a quadrilha do Dogolachan enviou ao reitor da UFC um e-mail que dizia, entre links de bombas caseiras, “Deixo na mão de vocês escolherem: 1) expulsar esse demônio imundo [eu]. 2) Passar uma semana recolhendo pedaços de corpos e enterrando centenas de mortos”. Novamente, eu fui chamada para depor na Polícia Federal e tive que entregar o HD do meu computador e a senha do meu e-mail para que tentassem rastrear os autores. De todo modo, essa ameaça foi um ponto crucial para que a PF passasse a investigar Marcelo por terrorismo. Em abril de 2017, eu depus durante cinco horas ininterruptas na Delegacia da Mulher, que finalmente abriu um inquérito (e logo depois encaminhou o pedido de investigação à Polícia Federal).

Antes disso, em janeiro de 2017, o Dogolachan realizou, sob o comando de Marcelo, denúncias em massa, via script, contra o meu blog ao Google. O Google acatou as denúncias anônimas e removeu a minha senha de acesso ao blog e todas as imagens. Por meio de mobilização na internet, consegui falar com um ser humano, não um robô, e no final daquela semana pude recuperar o “Escreva Lola Escreva”.

Um mês depois, chegou o primeiro processo de Marcelo contra mim (o segundo chegou no final daquele ano). Ele estava ansioso para que eu comparecesse à audiência em Curitiba e escreveu diversos posts no Dogolachan, como este: “É amanhã que é minha audiência com a Dolores. Terei que me segurar para não voar no pescoço dela. Aquela mulher me fez apodrecer 1 ano na cadeia. A vontade que tenho é de furar a merda do pescoço dela”. Outros membros sugeriram que ele me matasse de vez, ou que alguém me seguisse até o hotel onde eu estaria hospedada, para “estuprá-la e cortá-la em pedacinhos”. Houve também uma breve discussão sobre se eu deveria ser estuprada antes de me matarem, depois, ou ambos. É óbvio que eu não fui. No mesmo dia em que faltei à audiência, Marcelo ordenou aos outros membros que encontrassem todos os dados das minhas duas advogadas e suas famílias e passassem a ameaçá-las e espalhar fake news sobre elas na internet. Apavoradas, elas renunciaram. Marcelo também passou a atacar meu advogado seguinte, mas acabou abandonando as ações. Ele dizia, no chan, que estava cursando Direito para poder processar todos que falassem mal dele e que tinha entrado em contato com vários acusados de crimes sexuais que eu citei no meu blog para que eles pudessem me processar também.

Em 10 de maio de 2018, após cinco anos ininterruptos de impunidade, Marcelo foi preso pela Operação Bravata, para alívio e felicidade de suas muitas vítimas. Em dezembro de 2018, foi condenado a 41 anos de prisão por associação criminosa, divulgação de pedofilia, racismo, apologia ao crime, coação e terrorismo. Foi transferido da prisão em São José dos Pinhais, Paraná, para a Penitenciária Federal em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, por usar celular na cadeia. Entrou com vários habeas corpus, alegando insanidade. Em 2021, seu advogado conseguiu derrubar a condenação por coação e terrorismo, e sua pena caiu para 11 anos. Os demais membros do Dogolachan estão ansiosos pela sua soltura, a ponto de me enviarem e-mails com alvarás de soltura falsos e tentarem se passar por delegados.

A prisão de Marcelo infelizmente não representou o fim do Dogolachan. Em junho de 2018, um mês após a prisão do líder, um dos moderadores do chan, André Luiz Gil Garcia, 29 anos, mais conhecido como ‘Kyo’, que fazia parte da quadrilha desde 2011 (foi ele que ofereceu 5 mil reais para quem fizesse um rodeio das gordas comigo), deixou uma mensagem no chan, dizendo que sua vida era miserável e que iria se matar. Ouviu como resposta o tradicional “leve a escória junto”. Alguns membros se ofereceram para fazer uma vaquinha e arrecadar dinheiro suficiente para que ele pudesse viajar de Penápolis, interior de São Paulo, até Fortaleza, para me matar. Na mesma noite, André saiu da casa onde vivia com os pais, abordou duas jovens que ele nunca tinha visto antes numa praça em Penápolis, covardemente atirou na nuca de uma delas enquanto ela tentava fugir, e se matou. Sua vítima, Luciana de Jesus do Nascimento, 27 anos, morreu no dia 5 de julho, após vinte dias na UTI. Um pouco depois, o Dogolachan migrou para a Deep Web, e eu parei de acompanhá-lo.

Mas, em 26 de fevereiro de 2019, recebi e-mail de um dos moderadores do Dogolachan, Breno, se vangloriando que o chan tinha muito mais membros e acessos na Deep Web do que na superfície e que, com as doações que estavam recebendo, em breve iriam contratar um pistoleiro para me matar: “Sim, você irá morrer ainda esse ano, em uma simulação de latrocínio, eu juro em nome de Deus e com a mão no túmulo do meu pai. Você perdeu. Nós ganhamos”.

Duas semanas depois, no dia 13 de março de 2019, ocorreu o Massacre de Suzano. Dois rapazes, um de 17 e outro de 25 anos, invadiram a Escola Estadual Raul Brasil, mataram cinco estudantes entre 15 e 17 anos, a inspetora e a diretora da escola, e se mataram em seguida. O massacre foi parcialmente planejado no Dogolachan. Ao contrário do massacre do Realengo, desta vez não houve dúvida entre os jornalistas que foi um crime de ódio. Uma repórter me contou que uma das frases mais ouvidas nas redações foi “A Lola avisou” e “A Lola vivia falando que isso iria acontecer”.

Os ‘mascus’ esperavam que o Massacre de Suzano, junto com a eleição de seu ídolo, Jair Bolsonaro, e sua promessa de liberar a venda de armas de fogo, seria o pontapé para uma série de outros atentados. Felizmente, essa expectativa não se concretizou. Durante todo o ano de 2019, houve uma série de trotes, em todos os cantos do Brasil, prometendo novos massacres em escolas e universidades, mas Suzano foi o único. Em 2020, com a pandemia e as aulas remotas, os ‘mascus’ desviaram seu foco para o zoombombing (invasões em videoconferências e lives) que, convenhamos, apesar de ser incômodo e até traumático, é inofensivo. Mas 2021 foi um ano terrível no quesito dos atentados. No dia 4 de maio, um rapaz de 18 anos entrou na creche Aquarela, em Saudades, oeste de Santa Catarina, e matou três crianças com menos de 2 anos, uma professora e uma agente educacional. No mesmo mês, cinco outros atentados foram impedidos pela polícia: um em Cabo Frio, RJ, outro em São Paulo (para marcar o ‘aniversário’ de Suzano), um terceiro em Brasília, um quarto em Goiânia, e um quinto em Belo Horizonte. Até meados de agosto de 2021, a polícia divulgou ter evitado dez massacres em escolas brasileiras naquele ano (Arthur LEAL, 2021). Sinal de que a Polícia Federal estava fazendo o que nós cobramos, e o que eu fiz durante muitos anos: monitorar os chans.

Para não terminar este artigo falando de assuntos tão hediondos como massacres e ‘mascus’, vou narrar uma história real que, na minha visão, marcou a trajetória do “Escreva Lola Escreva”. Trata-se de uma síntese do patriarcado em ação. Em maio de 2015, em Encantado, um grupo de homens se reuniu no WhatsApp para formar o grupo “Ousadia e Putaria”. Lá, eles compartilhavam fotos íntimas e vídeos de mulheres e adolescentes menores de idade da pequena cidade gaúcha de 20 mil habitantes. Na publicação da página, constava o objetivo do grupo: “compartilhar fotos de meninas de Encantado e adjacências, preferencialmente menores e nuas”. Uma menina de 13 anos que teve fotos suas de lingerie expostas no grupo cortou os pulsos e foi internada num hospital. Uma outra jovem precisou sair da internet e mudar de cidade depois que seu ex-namorado compartilhou as fotos no grupo, um exemplo de pornografia da vingança. Uma outra garota menor de idade que também foi vítima da pornografia da vingança reuniu provas e procurou a delegacia local para fazer um boletim de ocorrência. Pouco depois, as imagens que ela entregou já estavam no “Ousadia e Putaria”, pois um estagiário da delegacia era membro do grupo. O administrador do grupo não viu nada de errado na sua ação. Muito pelo contrário: “Todos em sã consciência sabem que ‘menina’ que faz isso [tira foto nua] é puta. Falo mesmo, PUTA!”, escreveu o rapaz.

Algumas fotos do grupo apareceram no maior jornal (impresso) da cidade. A coluna social dizia que as jovens decidiram “se soltar para as câmeras”. Mas alguns se revoltaram. O fotógrafo e sócio-diretor do jornal escreveu no seu Facebook:

Estão aparecendo quase que diariamente fotos e vídeos de jovens nuas de nossa região na internet. Se essas jovens não se valorizam, então elas que tenham dó dos seus familiares. Alguém me disse que elas precisariam de um acompanhamento psicológico. Tem remédio sim, uma boa cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido, isso sim ajudaria e muito no psicológico delas (Juremir VERSETTI, 2015).

Uma leitora perguntou para ele: “E se fosse com a sua filha?”. Ele respondeu: “Eu dou uma surra bem dada, que toda vez que ela ver alguém sem roupa irá se lembrar de mim. Aí depois manda os direitos humanos falar comigo...” (VERSETTI, 2015).

Recapitulando: praticamente todas as instituições do patriarcado atuaram em conjunto no ataque a essas jovens. Muitos dos familiares das vítimas as culparam. A polícia, que deveria protegê-las, vazou um BO para um grupo criminoso, que divulgava o que pode ser visto como pornografia infantil (e se orgulhava disso). A mídia local se uniu para zombar das meninas e incentivar a violência contra elas. A escola não só não discutiu o assunto, como deixou correr solto todo tipo de fofoca e compartilhamento de imagens (muitas das vítimas eram alunas da escola). Não tenho conhecimento do que a igreja fez.

As mulheres decidiram reagir: muitas jovens indignadas criaram um grupo feminista, o “Coletivo de Mulheres de Encantado e Vale do Taquari”. Escreveram uma carta de repúdio, exigindo reparação, e, em vez de se calarem, enviaram notícias para jornais estaduais, como o Zero Hora e o Sul21, e também para o meu blog (três dias depois de eu publicar o post sobre “as guerreiras de Encantado”, a Folha de SP fez uma matéria). O coletivo organizou uma roda de conversa seguida de um protesto na Praça da Bandeira, centro da cidade, com muitas mulheres e alguns homens. Os avós de uma das vítimas compareceram, levando uma faixa escrito “Meu corpo, minhas regras”.

A então deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB) apoiou as meninas de Encantado, tanto nas redes sociais quanto levando o problema para a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos na Assembleia Legislativa e acionando o Ministério Público. Ainda assim, a mídia da cidade continuou ridicularizando as jovens e defendendo os colegas jornalistas que davam declarações bárbaras. As feministas foram ameaçadas com processos.

No entanto, a força do Coletivo, a repercussão na mídia estadual e nacional, e uma audiência pública (assistida por 50 alunos do terceiro ano da escola) fizeram a maré virar. A polícia civil lançou a Operação Ousadia e Companhia, cumprindo nove mandados de busca e apreensão. Cerca de quarenta suspeitos foram indiciados. Os jornalistas locais tiveram de pedir desculpas. Um final feliz para uma história tão infeliz, certo?

Em parte, sim. Só que, três anos e meio depois, em outubro de 2018, recebi e-mail de um advogado de um fotógrafo de Encantado, já com uma notificação de processo contra mim por danos morais e direito de imagem (naquele post que publiquei sobre Encantado, em maio de 2015, usei uma foto que encontrei no Google Images, uma das poucas de uma cidade tão pequena). O advogado exigia que eu depositasse R$ 2.500 em até cinco dias úteis, ou ele me processaria pedindo muito mais dinheiro. Vi que ele e o fotógrafo ganhavam bastante dinheiro processando um bocado de gente, mas aquele e-mail parecia extorsão. Minha advogada disse que o e-mail não valia como notificação e que eu poderia ignorá-lo; no entanto, como ele já tinha até feito a peça, provavelmente iria me processar. Dito e feito. Em fevereiro de 2019, uma carta chegou à minha universidade dizendo que, se eu não pagasse R$ 6.500 em cinco dias úteis, ele entraria com as medidas judiciais cabíveis. Eu estava afastada da UFC, fazendo pós-doutorado na UFAL. Um mês depois, chegou a citação e intimação de audiência do processo. Dessa vez, o advogado pedia R$ 10 mil de indenização. A audiência já estava marcada para junho de 2019. Minha advogada entrou em contato com ele, tentando negociar um acordo. Oferecemos R$ 2.500, já que só o meu deslocamento de Fortaleza até o Rio Grande do Sul custaria isso. Acabamos fechando em R$ 4 mil, e o processo foi encerrado. Pedi doações às minhas leitoras e leitores, que atenderam ao meu pedido.

Só em junho de 2020, um ano e meio depois de pagar o acordo, ao reler o post de 2015 sobre Encantado (ARONOVICH, 2015), é que me dei conta de por que o nome do fotógrafo que me processou soava tão familiar. Era ele, o dono do jornal que recomendava “surra de cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido” nas meninas que tivessem fotos íntimas como remédio para a pouca-vergonha delas.

Até hoje, foram oito processos que tive de enfrentar. Quatro vieram de ‘mascus’. Dois chegaram não pelo que escrevi no “Escreva Lola Escreva”, mas no meu perfil no Twitter, que conta com mais de 180 mil seguidores. O assédio jurídico tem se tornado um grave obstáculo não só para mim, como para boa parte dos ativistas. Mas, como costumo dizer: se não tenho medo de ameaça de morte, vou ter de processo?

Isto é um pouco da trajetória do meu blog, que se confunde com a minha vida nos últimos quatorze anos. Muita gente me diz que eu não sei qual o impacto do meu blog, e é verdade: não sei mesmo. Mas é sempre gratificante ler e ouvir relatos de gente que conta como, com a leitura do meu blog, reviu seus preconceitos, passou a lutar, salvou-se das garras da direita. Isso faz tudo valer a pena.

Outros me perguntam como é que aguento tantos ataques e ameaças. Eu sempre respondo que foi bom eu ter começado o blog com 40 anos, já com um pouco de maturidade, uma certa casca grossa adquirida, digamos. Meu marido, Silvio, com quem estou desde 1990, também me ajuda muito. Ele nunca me criticou pelo blog, nunca pediu para que eu parasse, ainda que muitas das ameaças sejam estendidas a ele. ‘Mascus’ nutrem uma verdadeira obsessão por Silvio, porque nosso relacionamento vai contra o que eles acreditam (que toda feminista é lésbica e que toda mulher gorda vai morrer sozinha). Eu e ele rimos bastante de algumas das ameaças. O humor é uma estratégia de defesa pra mim. E o lugar onde vivemos é de suma importância. O Nordeste é um país diferente, onde 70% dos eleitores não votaram num fascista para presidente. Aqui eu me sinto segura.

Referências

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1 Termo criado pelo radialista americano de extrema-direita Rush Limbaugh em 1992, para xingar feministas. Segundo a lógica deste termo, feministas não foram perseguidas e mortas pelos nazistas durante a Segunda Guerra, mas são, elas mesmas, as nazistas que perseguem as verdadeiras vítimas da sociedade atual, os homens brancos e héteros.

2Como as redes são dinâmicas, hoje o termo mangina é menos usado que um quase sinônimo, cuckold, que, na realidade, é adotado por homens de direita em todo o mundo para designar homens de esquerda ou outros desafetos.

3É uma referência ao famoso “rodeio de gordas”. Em 2010, na Unesp, campus Araraquara, SP, um grupo de rapazes promoveu o “rodeio das gordas”. Durante o Interunesp, alguns alunos derrubaram alunas gordas e montaram nelas, como se fosse um rodeio, enquanto outros gritavam “Pula, gorda bandida!”. Três dos organizadores foram identificados, e a Unesp os puniu com apenas cinco dias de suspensão. Felizmente, o Ministério Público de SP os processou.

4Não tenho a referência bibliográfica desta e outras ameaças porque boa parte delas são prints (cópias de uma imagem da tela do monitor) que tirei do Dogolachan. Como em todos os chans, as mensagens são excluídas automaticamente em poucos dias, não permitindo outro registro fora os prints.

Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: ARONOVICH, Lola. “A trajetória e resistência do Escreva Lola Escreva”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 2, e86981, 2022.

Financiamento: não se aplica

Consentimento de uso de imagem: não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: não se aplica

Recebido: 12 de Abril de 2022; Revisado: 16 de Maio de 2022; Aceito: 27 de Maio de 2022

lolaescreva@gmail.com

Lola Aronovich (lolaescreva@gmail.com) é professora associada no Departamento de Estudos da Língua Inglesa e suas Literaturas e Tradução da Universidade Federal do Ceará. Fez mestrado e doutorado em Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal de Santa Catarina, e pós-doutorado na Universidade Federal de Alagoas. Desde 2008, é autora do blog “Escreva Lola Escreva”, um dos maiores blogs feministas do Brasil

Contribuição de autoria: não se aplica

Conflito de interesses: não se aplica

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