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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n379996 

Artigos

A mãe preta e o Nome-do-pai: questões com Lélia Gonzalez

The Black Mother and the Name-of-the-Father: Questions with Lélia Gonzalez

La madre negra y el Nombre-del-padre: preguntas con Lélia Gonzalez

1Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil. 37200-384


Resumo:

No ensaio Racismo e sexismo na cultura brasileira, Lélia Gonzalez trabalha a tese de que o racismo é a sintomática da neurose cultural brasileira, ideia que remete à teoria psicanalítica, trazendo a necessidade de explicitar suas concepções de sintoma e de neurose. Neste artigo, contextualizo o argumento do ensaio de Gonzalez com relação à psicanálise e a outros aspectos de seu pensamento (especialmente o conceito de amefricanidade) e enfatizo o tema da mãe preta que, por ser inserido no ambiente teórico da psicanálise lacaniana, é aí tratado à luz do modo como esta trabalhou o complexo de Édipo, situando o Nome-do-pai como seu operador central.

Palavras-chave: feminismo; psicanálise; Lélia Gonzalez; Freud; Lacan

Abstract:

In the essay Racism and sexism in Brazilian culture, Lélia Gonzalez works on the thesis that racism is the symptom of Brazilian cultural neurosis. This idea refers to psychoanalytic theory, bringing the need to explain its conceptions of symptom and neurosis. This article contextualizes the argument of Gonzalez's essay in relation to psychoanalysis and other aspects of her thinking (specially the concept of amefricanity) and emphasizes the theme of the black mother, which, being inserted in the theoretical environment of Lacanian psychoanalysis, implies the way it deals with the Oedipus complex, placing the Name-of-the-father as its central operator.

Keywords: Feminism; Psychoanalysis; Lélia Gonzalez; Freud; Lacan

Resumen:

En el ensayo Racismo y sexismo en la cultura brasileña, Lélia Gonzalez trabaja sobre la tesis de que el racismo es el síntoma de la neurosis cultural brasileña, idea que remite a la teoría psicoanalítica, planteando la necesidad de explicar sus concepciones de síntoma y neurosis. Este artículo contextualiza el argumento del ensayo de Gonzalez en relación al psicoanálisis y otros aspectos de su pensamiento (especialmente el concepto de amefricanidad) y enfatiza el tema de la madre negra, que, inserto en el ámbito teórico del psicoanálisis lacaniano, es tratado allí a la luz de una concepción específica del complejo de Edipo, la que sitúa al Nombre-del-padre como su operador central.

Palabras clave: feminismo; psicoanálisis; Lélia Gonzalez; Freud; Lacan

Lélia Gonzalez (1935-1994) desempenhou, na história brasileira recente, dois papéis entrelaçados e extremamente significativos: foi uma militante de ampla atuação nos movimentos negro e feminista, tendo participado da fundação do Movimento Negro Unificado, em 1978, e atuado em sua direção por alguns anos, entre 1978 e 1982 (Raquel BARRETO, 2019); foi uma intelectual preocupada com a formação da cultura brasileira e nos deixou um legado de livros, ensaios e entrevistas que contêm análises, hipóteses e argumentos ricos e originais a respeito de quem somos como brasileiras e brasileiros. À luz dessa preocupação com a formação de nossa cultura, Gonzalez criticou o mito da democracia racial e produziu análises importantes em que conjuga problemas relacionados a raça, gênero e classe. Para levar a cabo algumas dessas análises, a autora mobilizou conceitos psicanalíticos em alguns de seus trabalhos e isso se voltou, sobretudo, para a tese, apresentada em Racismo e sexismo na cultura brasileira (Lélia GONZALEZ, 1984) de que o racismo no Brasil é a “sintomática” de nossa cultura, tese que se articula à ideia, elaborada pela autora em A categoria político-cultural de amefricanidade (GONZALEZ, 1988), de que o racismo assume, entre nós, a forma da denegação, ou seja, a ideia de que a cultura brasileira é negra ao mesmo tempo que se esforça para negar essa sua característica. Neste artigo, pretendo contextualizar o argumento desse ensaio de Gonzalez com relação à psicanálise e a outros aspectos de seu pensamento (especialmente o conceito de amefricanidade) e enfatizar o tema da mãe preta que, por ser inserido no ambiente teórico da psicanálise lacaniana, é aí tratado à luz do modo como esta trabalhou o complexo de Édipo, situando o Nome-do-pai como seu operador central.

Racismo como sintoma

Em Racismo e sexismo na cultura brasileira, ensaio apresentado por Gonzalez em 1980 na reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e publicado na Revista Ciências Sociais Hoje em 1984, a autora deixa claro que é a partir da psicanálise que tece sua argumentação ao escrever, por exemplo: “Nosso suporte epistemológico se dá a partir de Freud e Lacan, ou seja, da Psicanálise” (GONZALEZ, 1984, p. 225). Assim, quando Gonzalez diz que o racismo é “a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira” (p. 224), ela está mobilizando a noção de sintoma em um sentido propriamente psicanalítico, referido especificamente ao autor que o inaugurou e a seu mais conhecido discípulo francófono. Temos a adoção bem marcada de uma vertente específica da psicanálise, portanto. Essa especificidade aparecerá sobretudo - e naturalmente - na abordagem que Lélia dedica à questão da linguagem. Vou me referir a esse ponto a partir de diversos ângulos. Antes de fazer isso, porém, retomemos brevemente o que significa, para a psicanálise freudiana, alguma coisa ser sintoma.

Grosso modo, devido a um processo de defesa, que implica uma existência dividida e em conflito, algo que busca exprimir-se em virtude de sua intensidade encontra-se impedido de fazê-lo. Por ser o locus de convergência dessas duas forças - uma que busca manifestar o desejo e outra que impede essa expressão -, o sintoma necessariamente revela ocultando, oculta revelando. Essa lógica, que não é de esconder, mas de dissimular, é a que fornece as condições de possibilidade da interpretação, pois, se um sintoma (como qualquer outra formação do inconsciente) pode ser interpretado é porque a verdade se expressa “com seu disfarce”. Para Freud, tal lógica ultrapassa o âmbito do sintoma, alcançando, por exemplo, o uso linguístico que fazemos da negação. Usar o “não” corresponde a um caminho possível para o reconhecimento do recalcado, o que significa que ele é assumido nesse uso sob a condição de ser repudiado. Em A categoria político-cultural de amefricanidade, Gonzalez fornece a definição de Laplanche e Pontalis para a Verneinung freudiana; trata-se do “processo pelo qual o indivíduo, embora formulando um de seus desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcado, continua a defender-se dele, negando que lhe pertença” (apud GONZALEZ, 1988, p. 69).

Gonzalez mostra que o racismo como sintoma na cultura brasileira articula-se com o sexismo, produzindo violência especialmente sobre a mulher negra. Explica que aquilo que a conduz à psicanálise, no que diz respeito a essa questão, é o fato de perceber um certo limite nas abordagens sociológicas e econômicas fornecidas para o tema. Para que o racismo seja tomado em seu funcionamento de sintoma, é preciso, sustenta a autora, remetê-lo ao conceito de inconsciente. Lélia escreve: “Os textos só nos falavam da mulher negra numa perspectiva sócio-econômica que elucidava uma série de problemas propostos pelas relações raciais. Mas ficava (e ficará) sempre um resto que desafiava as explicações” (GONZALEZ, 1984, p. 225). Então, esse resto é o que a autora problematiza “com” a psicanálise. Tomando como referência uma observação em que Jacques-Alain Miller1 opõe psicanálise e lógica - no sentido de que a matéria do inconsciente impõe-se num campo que resiste a esta -, Gonzalez pode manejar uma articulação entre negro, lixo e inconsciente. Miller dizia, no trecho citado por Lélia: “A análise encontra seus bens nas latas de lixo da lógica” (apud GONZALEZ, 1984, p. 225). Ela então se apropria da palavra “lixo” para formular a pertinência de seu recurso à psicanálise: “Ora, na medida em que nós negros estamos na lata de lixo da sociedade brasileira, pois assim o determina a lógica da dominação, caberia uma indagação via psicanálise” (GONZALEZ, 1984, p. 225). A autora confere ao termo “lógica” uma especificação, uma visada mais política: a lógica da dominação produz um resto e a razão para isso é que, ao desejo, sobrepõe-se uma rejeição, de modo que nenhum dos dois - nem desejo nem rejeição - manifesta-se enquanto tal no nível do fenômeno, motivo pelo qual se torna necessária uma outra racionalidade, que não é nem a da sociologia nem a da economia, e que seja capaz de proceder à interpretação daquilo que se trata de perceber e analisar mais amplamente.

Penso que o argumento de Lélia nesse ponto pode ser reconstruído do seguinte modo:

1º passo. Freud e Lacan fornecem uma nova abordagem da linguagem, que alcança características que não interessam à lógica, mas que constituem a fenomenologia dos nossos atos de fala. A psicanálise não está interessada em depurar a linguagem de suas polissemias, de seus excessos, de seu não saber, de suas dimensões de contradição, mas em pensar como um sujeito se implica nisso. Assim, tudo se passa como se a psicanálise acolhesse aquilo que é descartado pela lógica na “lata de lixo”. Gonzalez toma essa ideia do psicanalista lacaniano Jacques-Alain Miller.

2º passo. A autora faz uma passagem da lógica para a “lógica da dominação”. Isso parece ocorrer do seguinte modo: na medida em que essa oposição “características lógicas da linguagem x características que não interessam à lógica” é sobreposta pela oposição entre consciência e inconsciente; na medida em que essa oposição entre consciência e inconsciente envolve uma dinâmica entre ocultar e revelar que é marcada pela defesa e pelo sintoma enquanto processos inseridos na cultura, então nós teríamos um atravessamento das questões relacionadas à dominação e ao poder (do colonizador) com aquelas que são conduzidas pela lógica para a lata de lixo, questões que, necessariamente, vão aparecer nos restos, nos ‘não ditos’, nos fragmentos insistentes no discurso. O racismo envolve algo de um não querer saber e isso implica assumir a incidência de relações de poder em processos inconscientes, isto é, em cadeias de pensamentos que não obedecem às regras da lógica.

Conclusão: cabe abordar, indagar a questão do racismo a partir da psicanálise.

Gonzalez assume, assim, que é com a psicanálise que se abre a possibilidade de pensar que “isso fala” e que, como ela escolhe expressar-se reportando-se ao tema da dominação, o “lixo” fala. Para a psicanálise, quando um sujeito pensa no sentido convencional - num sentido que envolve o uso ordinário da linguagem -, ele o faz em um movimento que implica esconder de si mesmo outra coisa. E isso pode ser indicado como o cerne do conceito de inconsciente. Pois, se uma defesa se instaura nas próprias condições de possibilidade do pensamento, a consequência inescapável é a de um novo tipo de cisão entre ser e aparecer. Aquilo que aparece, aquilo que é percebido por uma consciência, já responderá a uma dinâmica pulsional de dissimulação. O conteúdo representacional do inconsciente insiste em se exprimir, mas encontrará a resistência da consciência. Deverá, então, aceitar uma “formação de compromisso”: o fenômeno veiculará simultaneamente o desejo e sua rejeição. É isso o que está na base da expressão “afirmar esquecidamente”, usada por Lélia (GONZALEZ, 1984, p. 235), e também no motivo pelo qual Lacan afirma que a verdade tem estrutura de ficção (Jacques LACAN, 1998, p. 752): ela só se manifesta em seu ocultamento. Essa é ainda a razão pela qual a autora opõe, seguindo Freud e Lacan, consciência e saber a memória, não saber, conhecimento e verdade. Para ela, a consciência é o lugar da alienação e da atualização do “discurso ideológico”, ao passo que a memória, ela diz, “(…) a gente considera como o não-saber que conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção” (GONZALEZ, 1984, p. 226).

Outro desdobramento desse mesmo ponto é a ideia de que a “raça negra” é objeto a2 (GONZALEZ, 1984, p. 240), o que quer dizer que ela ocupa esse lugar central de constituição do desejo como seu resto. Lacan pensa o objeto a como causa do desejo, causa que opera de um modo específico: ocupando o lugar de algo que não pode ser reconhecido: “o funcionamento do desejo”, diz Lacan, “- isto é, da fantasia, da vacilação que une estreitamente o sujeito ao a, daquilo pelo qual o sujeito se descobre suspenso, identificado com esse resto a - está sempre elidido, oculto, subjacente a qualquer relação do sujeito com tal ou qual objeto” (LACAN, 2005, p. 260). Gonzalez assume, também de uma maneira lacaniana, que esse processo é um processo da linguagem; a língua portuguesa no Brasil - que, como ela lembra, carrega forte presença do tronco linguístico banto - destaca o lugar ocupado pela mulata nas ambiguidades e inversões com o lugar da doméstica. Ela escreve, nesse sentido: “Quando se diz que o português inventou a mulata, isso nos remete exatamente ao fato de ele ter instituído a raça negra como objeto a; e mulata é crioula, ou seja, negra nascida no Brasil, não importando as construções baseadas nos diferentes tons de pele” (GONZALEZ, 1984, p. 240).

Assim, quando Lélia afirma que “O lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo” (GONZALEZ, 1984, p. 224), ‘esse lugar é o do ponto de vista psicanalítico’, como a autora explicita com os termos “neurose” e “sintomática” na frase imediatamente seguinte: “para nós o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira” (GONZALEZ, 1984, p. 224). Por isso, é importante notar que o argumento de Racismo e sexismo... passa o tempo todo pelas tensões e deslocamentos entre o desejo e a rejeição do desejo.

É importante lembrar ainda que a tese de que o racismo é o sintoma da neurose cultural brasileira assume, de modo central, duas outras ideias freudianas: a de que a psicologia individual é também psicologia social (Sigmund FREUD, 2011, p. 14) e a de que culturas podem ser neuróticas.

Na obra O mal-estar na civilização, Freud (2010), a partir do que assume como semelhança entre evolução cultural e evolução individual, admite a possibilidade de diagnosticar culturas como neuróticas. Para ele, isso significa que cada comunidade, cada cultura possui um Supereu próprio, relacionado com os ideais transmitidos entre gerações e, portanto, também, com a dose de culpa que acompanha o seu não cumprimento. Não se trata apenas, para Freud, de admitir que o Supereu individual é também, em muitos sentidos, o Supereu cultural, mas, além disso, de atentar para o fato de que é mais fácil enxergar quais exigências superegoicas são mobilizadas em determinados contextos quando elas são pensadas sob uma perspectiva cultural - em vez de individual. No indivíduo, diz Freud, a agressividade do Supereu manifesta-se sob a forma de recriminações que recaem sobre o Eu, mas as exigências que subjazem a essas recriminações, e que correspondem ao “Supereu cultural”, permanecem inconscientes. Por esse motivo, ele escreve, “(...) não poucas manifestações e características do Supereu podem ser mais facilmente notadas em seu comportamento na comunidade cultural do que no indivíduo” (FREUD, 2010, p. 117).

Se toda cultura exige renúncia pulsional e se tal renúncia se aglutina nas exigências superegoicas, disso se segue que toda cultura é neurótica, ficando as possibilidades de variação, nesse caso, restritas aos graus de adoecimento produzidos e à especificidade dos sintomas que prevalecem. Apesar de Freud elaborar esse argumento, ele faz as seguintes ressalvas: 1) o raciocínio que nos permite admitir essa possibilidade é apenas um raciocínio por analogia, 2) é perigoso afastar os conceitos dos contextos em que foram gestados, 3) se o adoecimento neurótico se distingue por referência a um padrão adotado como normalidade psíquica, onde esse critério poderia ser encontrado no caso de se caracterizar uma cultura como neurótica? Quer dizer: com o que ela seria comparada? No entanto, a despeito dessas ressalvas, é verdade que, para Freud, a neurose não pode ser senão um processo cultural em virtude de implicar o tema da moralidade e, com ele, o da renúncia pulsional, de modo que é por um mesmo processo que nascem a cultura e a neurose. Lacan fornecerá para essa ideia o nome “laço social”, que, para ele, é constituído em estruturas de discursos.

Ladinoamefricanidade

A referência à psicanálise, no ensaio que nos interessa aqui, atravessa também o fato de Gonzalez subscrever - juntamente com a intelectualidade negra da época (Flavia RIOS; Alex RATTS, 2016) - a crítica às ideias de democracia racial, aculturação e miscigenação. O mito da democracia racial é, para a autora, uma forma de vestir, ou de encobrir, o corpo preto do rei (GONZALEZ, 1984, p. 239). Para entendermos melhor esse ponto, podemos recorrer um pouco a esse outro texto de Gonzalez que mencionei de passagem: A categoria político-cultural de amefricanidade, categoria esta convocada na direção de promover a construção de uma identidade étnica transnacional e que, segundo expressão de Rios e Ratts, é “capaz de abarcar a diáspora negra nas Américas” (RIOS; RATTS, 2016, p. 389). Gonzalez (1988, p. 69) remete o termo a uma ideia da psicanalista Betty Milan desenvolvida por MD Magno, também psicanalista, em torno da expressão “Améfrica Ladina”.

A amefricanidade está, para Lélia, intimamente articulada com aquela noção psicanalítica de negação. Nesse texto, A categoria..., ela usa o termo “denegação” e o refere em alemão: Verneinung.3

A palavra “ladino” possui diversos sentidos. Pode se referir a duas línguas do ramo itálico da família indo-europeia ou à qualidade de astúcia ou de esperteza; pode, ainda, caracterizar uma linguagem como castiça, isto é, desprovida de estrangeirismos. Mas o sentido que acredito estar em jogo aqui de forma proeminente é colocado assim no dicionário Houaiss: “dizia-se do índio ou do escravo negro que já apresentava certo grau de aculturação”. No dicionário Michaelis, o horizonte da aculturação é colocado de maneira clara: “Dizia-se do escravo ou índio que apresentava certa adaptação à cultura portuguesa”. É interessante observar que o significante aqui proposto por Gonzalez a partir de Milan e Magno não pretende camuflar a lógica da dominação, que marca sua presença aí não apenas com o termo “ladina”, mas também pela própria preservação desconstruída do termo “América”. Não se trata de buscar um vocabulário externo à dominação, mas de torcer a linguagem a partir dela mesma; quero dizer: não se trata de buscar uma alienação relativamente ao processo histórico, mas de reconhecê-lo ao mesmo tempo que se assinalam suas possibilidades transformativas.

A ladinoamefricanidade caracteriza, para Gonzalez, todos os países do continente (GONZALEZ, 1988, p. 76). No entanto, ela usa a oposição entre “racismo aberto” e “racismo disfarçado”, ou “por denegação”, para situar uma diferença crucial entre o modo como a questão se estruturou nos Estados Unidos e nos países colonizados a partir da Península Ibérica. A articulação dessa diferença converge para a defesa de que o racismo por denegação corresponde a uma “forma mais eficaz de alienação” (GONZALEZ, 1988, p. 72), uma vez que, argumenta a autora, o racismo aberto e a segregação favoreceriam a resistência cultural ao fortalecerem a identidade racial.

Apesar dessa diferença, a categoria amefricanidade permitiria indicar a forte presença de elementos africanos e ameríndios na América Latina e isso, para Gonzalez, significa, antes de mais nada, que aqui as “formações do inconsciente não são exclusivamente europeias e brancas” (GONZALEZ, 1988, p. 69). Há, assim, a aposta de que o reconhecimento do compartilhamento da presença africana permitiria acenar para uma unidade histórico-geográfica, para uma identidade étnica, que não se subordinasse - no sentido das leituras políticas que podem ser feitas - nem ao paradigma cultural europeu nem ao estadunidense, que, neste caso, se articula com uma tendência imperialista, visível, para Gonzalez, no uso dos termos “Afro-American” e “African-American”, ou seja, à autoafirmação como “a América”, em detrimento da amplitude do continente. Em contrapartida, a autora reivindica para o termo “amefricanidade” uma caracterização democrática. Ela escreve:

As implicações políticas e culturais da categoria de Amefricanidade (‘Amefricanity’) são, de fato, democráticas; exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial, linguístico e ideológico, abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta: A AMÉRICA e como um todo (Sul, Central, Norte e Insular). Para além do seu caráter puramente geográfico, a categoria de Amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) que é afrocentrada (...). Em consequência, ela nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica (GONZALEZ, 1988, p. 76).

Gonzalez apresenta a hipótese de que, no centro de nossa ladinoamefricanidade, está uma negação (ou denegação) do racismo. Não podemos, no entanto, ler nessa tese o risco de insinuar, de algum modo, a existência prévia de um desejo, qualquer que seja sua conformação, pois é um processo cultural que o constrói enquanto tal. O que quero dizer com isso é que precisamos nos perguntar por aquilo que é anterior à dinâmica entre desejar e rejeitar o desejo quando ela incide sobre a pessoa negra. Porque, evidentemente, esse estado de coisas não é inerente ao inconsciente. Algo relativo a uma “pequena diferença”, como diria Freud, foi usado de modo infame, ao longo de séculos de escravização e colonização, para a construção desse lugar. Esse processo é anterior àquilo que é analisado por Gonzalez em Racismo e sexismo... e, apesar de sua inteligibilidade não dispensar uma racionalidade psicanalítica, certamente a ultrapassa. Dizendo isso de outra forma: se a psicanálise permite dar conta de um resto, isso, evidentemente, não quer dizer que sociologia e economia não façam parte de modo decisivo da lida com o problema, aspectos que, aliás, Gonzalez desenvolveu em diversos outros textos.4 A meu ver, é nessa direção que, em A categoria... (GONZALEZ, 1988), a autora situa o racismo como estratégia para a “internalização da ‘superioridade’ do colonizador pelos colonizados” (p. 72) e procura encontrar a raiz do racismo por denegação no fato de a Ibéria ter sido conquistada pelos mouros. A presença moura, pensa Lélia, marcou profundamente as sociedades ibéricas, o que permitiria entender “(…) por que o racismo por denegação tem, na América Latina, um lugar privilegiado de expressão, na medida em que Espanha e Portugal adquiriram uma sólida experiência quanto aos processos mais eficazes de articulação das relações raciais” (p. 73).

Com isso, Gonzalez (1988, p. 73) refere-se ao fato de que, na Reconquista, mouros, e também judeus, foram alvo de um controle social violento. Então, parece importante não isolar o argumento de Racismo e sexismo... desses outros pontos, que são trabalhados com essas outras hipóteses em A categoria.... Pode ser interessante também lê-lo a partir de algo observado por Achille Mbembe (2017) quando ele escreve que “a transnacionalização da condição negra é (...) um momento constitutivo da modernidade, sendo o Atlântico o seu lugar de incubação” (p. 34). Ou seja, o lugar do negro foi construído historicamente de um modo tal que implicou o processo de colonização e a própria modernidade; ideia que permite a Mbembe sustentar que o negro não existe, que é produto do colonialismo. “O Negro”, ele escreve, “(...) não existe enquanto tal. É constantemente produzido. Produzir o Negro é produzir um vínculo social de submissão e um corpo de exploração, isto é um corpo inteiramente exposto à vontade de um senhor, e do qual nos esforçamos para obter o máximo de rendimento” (p. 40). Assim, as fantasias inconscientes que incidem na construção do lugar da pessoa negra no Brasil possuem origem na violência extrema e num exercício de poder que tenta conduzir aqueles considerados outros não apenas ao lugar de subalternidade, mas ao lugar de desumanidade. Cabe destacar, então, que o recurso à psicanálise não corresponde a uma diminuição dos aportes histórico, sociológico e econômico.

Mãe preta/pretuguês

Em Racismo e sexismo..., a tese do racismo como sintoma da neurose cultural brasileira - e, portanto, a forma da amefricanidade no Brasil e o vínculo entre racismo e desejo - é explorada a partir de três figuras: a mulata, a doméstica e a mãe preta. Quero propor aqui uma discussão específica sobre a mãe preta à luz do destaque que Gonzalez lhe confere em virtude de sustentar que é ela “quem vai dar uma rasteira na raça dominante” (GONZALEZ, 1984, p. 235), notadamente porque ela transmite o ‘pretuguês’, que é o termo com o qual a autora nomeia o português africanizado. Em outro texto, chamado A mulher negra na sociedade brasileira, Lélia escreve que a Mãe Preta e o Pai João, ao transmitirem “para o brasileiro ‘branco’ as categorias das culturas africanas de que eram representantes” (GONZALEZ apudRIOS; RATTS, 2016, p. 391), fazem parte de um “romance familiar”5 constitutivo dos valores e crenças do povo brasileiro, destacando que “(...) coube à mãe preta (...) a africanização do português falado no Brasil (o pretuguês como dizem os africanos lusófonos) e, consequentemente, a própria africanização da cultura brasileira” (GONZALEZ apud RIOS; RATTS, 2016, p. 391).

Operam aqui, como vemos, duas ideias: 1) a de que a língua é um veículo privilegiado da transformação cultural, 2) a de que a mãe preta executa essa transformação de um modo que pode ser não reconhecido.

Esse não reconhecimento remete diretamente ao tema do ocultamento da figura da babá na constituição subjetiva da criança, tema que, como mostra Mariza Corrêa (2007), transcende, na teoria psicanalítica, a situação brasileira e recebe a seguinte formulação de Jim Swan: “O que precisa ser explicado é como a teoria do complexo de Édipo dá conta dos impulsos culpados em relação à mãe, mas ignora o despertar erótico do menino pelas mãos de sua babá, particularmente levando-se em conta que sua babá obtém de Freud uma atenção muito maior do que sua mãe” (apud CORRÊA, p. 70). Para Swan, segundo Corrêa, Freud teria tido, de fato, duas mães.

É, então, intrigante o fato de que a babá, tão presente na autoanálise de Freud, simplesmente desapareça na teorização do complexo de Édipo. Anne McClintock (2010), em Couro imperial: Raça, gênero e sexualidade no embate colonial, explora essa questão que comparece no livro nos seguintes termos:

Entre a memória de Freud e sua teoria (...) acontece uma conversão. Ao registrar suas memórias de infância, Freud atribui à babá um papel poderoso como agente sexual, mas quando elabora sua teoria do Édipo alguns dias depois, ele não só bane de cena a ‘primeira originadora’ [expressão empregada por Freud em carta a Fliess], mas substitui sua memória da impotência sexual (falta de capacidade sexual com a babá) pela teoria da agressão sexual (excesso de capacidade sexual com a mãe) (McCLINTOCK, 2010, p. 142).

McClintock defende que o apagamento da figura da babá vitoriana - que ocupava o limiar entre o privado e o público - pode ser tomado como um ponto de convergência de relações recônditas entre psicanálise e história social (McCLINTOCK, 2010, p. 124), sendo capaz de revelar o quanto o desdobramento da mulher, sob o critério da sexualidade, em putas e madonas, tem raízes “na estrutura de classes do lar” (McCLINTOCK, 2010, p. 140). A autora mostra como, para o próprio Freud - entre seus sonhos e suas construções teóricas -, a ambiguidade mãe/babá era insolúvel, respondendo à divisão doméstica entre a mãe de classe média e a mãe assalariada (McCLINTOCK, 2010, p. 145). Reconhecer o poder da babá como agente social - e não mais apenas como substituta da mãe no romance familiar - teria exigido de Freud uma elaboração distinta do complexo de Édipo que alcançaria uma outra disposição dos elementos masculino e feminino, pois o ocultamento da babá se desdobra na atribuição, em separado, do poder da punição social ao pai e do poder de suscitar o desejo sexual à mãe. “O duplo vínculo histórico da classe”, escreve McClintock, “é assim dividido e deslocado para o pai e para a mãe como função universal do gênero” (2010, p. 145).

A questão reverberaria significativamente na articulação da autoridade paterna, pois admitir o papel desempenhado pela babá permitiria situar a relação da criança com a sexualidade em um contexto de variabilidade histórica e econômica, o que, por si só, descortinaria o caráter construído do poder do pai e impediria que o Édipo burguês fosse alçado, como o foi por Freud, à condição de algo herdado. Assim, com a teoria do complexo de Édipo, argumenta McClintock, “(…) a multiplicidade das economias familiares é reduzida a uma economia única, naturalizada e privatizada como a unidade universal da família monogâmica do homem, um ‘esquema hereditário’ que transcende a história e a cultura” (McCLINTOCK, 2010, p. 150).

Essas observações nos permitem sinalizar que essa questão articulada por Gonzalez em torno da mãe preta já estava “presente como ausência” no pensamento de Freud com uma série de implicações interseccionais - isto é, em torno de classe, gênero e raça, como o mostra McClintock.

Percebemos, então, uma repetição do tema, um retorno do recalcado, que no Brasil se cristaliza em torno de mulheres negras. Rafael Alves Lima (2019), no artigo Édipo negro, põe a seguinte versão para o problema:

Como pôde o campo psicanalítico no Brasil desenvolver um discurso tão abundante e rigoroso sobre a maternidade, pautado nas teorizações anglo-saxônicas, a despeito da percepção de que o exercício real e concreto da maternidade é objetivamente desempenhado por babás geralmente negras nos lares das classes médias e altas, ou entre famílias de camadas sociais minimamente distintas? (p. 29).

Ora, como alega McClintock, o espanto deve ser retroagido para o próprio Freud e o problema parece exigir alguma reelaboração do próprio conceito de complexo de Édipo.

Rita Segato (2006), em O Édipo brasileiro, preocupada com o não reconhecimento, no campo da antropologia, da duplicação da maternidade no Brasil entre mãe e babá e movimentando-se no contexto de concepções lacanianas, salienta o vínculo entre racismo e misoginia em um sentido que necessariamente se contrapõe à ideia de democracia racial. Ela escreve, referindo-se aqui aos laços de leite em contraposição aos laços de sangue: “a perda do corpo materno, ou castração simbólica no sentido lacaniano, vincula definitivamente a relação materna com a relação racial, a negação da mãe com a negação da raça e as dificuldades de sua inscrição simbólica” (SEGATO, 2006, p. 16). Para Segato, isso significa que maternidade e racialidade tornam-se reciprocamente comprometidas, de modo que racismo e misoginia encontram-se, então, “entrelaçados”, o que denuncia a ideia da “plurirracialidade harmônica” como uma ilusão romantizada.

Segato, que, tal como McClintock, sublinha o vínculo entre racismo e discurso modernizador (SEGATO, 2006, p. 15), serve-se da expressão “maternidade transferida”, de Suely Gomes Costa, para pontuar o trajeto histórico amas de leite/amas secas/babás. A autora mostra como o deslocamento ama de leite/ama seca resultou, no século XIX, de concepções higienistas que questionavam a origem das mulheres levadas para o espaço doméstico alheio, concepções veiculadas sobretudo na imprensa e pelas práticas médicas. A prevalência do higienismo fornece, segundo Segato, uma ocasião de intensa expressão de ódio contra mulheres negras (SEGATO, 2006, p. 5). Porém, diante da inexistência de políticas públicas para o cuidado das crianças, a propaganda não produz como resultado a eliminação das amas de leite das famílias com acesso a algum recurso financeiro, mas a sua substituição por amas secas.

O lugar da mãe preta é preservado e, com ele, diz Segato numa argumentação próxima à de Gonzalez, é também preservada a transmissão da negritude para crianças brancas que, tendo recebido cuidados maternos de uma mulher negra, irão se apropriar constitutivamente de sua imagem: “Uma criança branca, portanto”, escreve a autora, “será também negra, por impregnação da origem fusional com um corpo materno percebido como parte do território próprio (...)” (SEGATO, 2006, p. 15). Essa transmissão é, no entanto, para Segato, diferentemente de Gonzalez, o lugar de algo mais fundamental do que a negação. A autora busca no termo lacaniano “foraclusão” a forma de nomear isso. A foraclusão, mecanismo que Lacan atribui à gênese da psicose, é mais radical do que o recalque porque equivale a uma não inscrição simbólica que o recalque teria como condição prévia; nos termos de Segato, ela é “uma ausência que, contudo, determina uma entrada defeituosa no simbólico ou, dito em outras palavras, a lealdade a um simbólico inadequado que virá certamente à falência com a irrupção do real, quer dizer, de tudo aquilo que não é capaz de conter e organizar” (SEGATO, 2006, p. 18). Teríamos, com relação à mãe preta, uma foraclusão que alcança a historiografia e estudos congêneres, de modo que nada se quer saber a respeito disso; foraclusão que a autora contrapõe expressamente aos conceitos psicanalíticos de negação e de recalque. Por esse motivo, ela escreve:

O fato de que a mãe se encontra impregnada por esta genealogia que vai do seio escravo do passado ao colo alugado de hoje, faz com que essa perda não possa ser somente rasurada no discurso como recalque. A supressão deve ser nada mais e nada menos que desconhecimento (SEGATO, 2006, p. 17).

O que Segato quer dizer, afinal, com isso, é que a resistência à inserção social de pessoas negras estaria relacionada à “impossibilidade fundante de instalar a negritude da mãe no discurso” (SEGATO, 2006, p. 18) e que a violência racista está inscrita na própria constituição da subjetividade de diversos brasileiros (SEGATO, 2006, p. 18), de modo que a necessidade de afastamento da mãe ganha modulações incisivas no repúdio da mulher negra. Assim, pensa Segato, apesar de o racista poder admitir seu amor pela mãe preta, não admite sua condição subjetiva de negra, pois isso estaria aquém da possibilidade de simbolização: “O racista certamente amou e - por que não? - ainda ama a sua babá escura. Somente não pode reconhecê-la na sua racialidade, e nas consequências que essa racialidade lhe impõe enquanto sujeito. (...) Estamos falando do que não se pode nomear, nem como próprio nem como alheio” (SEGATO, 2006, p. 18). Outra consequência que a autora retira disso é a ideia de que a “mãe cívica”6 terá que desempenhar a função paterna, sendo esta pensada na teoria lacaniana do Édipo, a partir da expressão “Nome-do-pai”, como o exercício da separação da criança em relação à mãe e como o operador de sua entrada na cultura. A mãe legítima, conclui Segato, “(...) ao negar o investimento materno por parte da babá substituindo a clave do afeto pela clave do contrato”, “fica igualmente aprisionada numa lógica masculina e misógina, que retira da mãe-babá sua condição humana e a transforma em objeto de compra e venda” (SEGATO, 2006, p. 18).

Do lado da mãe preta, Segato também enxerga a divisão, pois o amor que ela dirige à criança não poderá não ser marcado pelo fato de que essa situação lhe foi imposta a um custo vital, seja por referência à escravidão, seja por referência à pobreza. Como diz Luiz Felipe D’Alencastro, citado por Rita Segato, trata-se de “uma união fundada no amor presente e na violência pregressa. Na violência que fendeu a alma da escrava, abrindo o espaço afetivo que está sendo invadido pelo filho de seu senhor” (D’ALENCASTRO apudSEGATO, 2006, p. 14).

Segato destaca a carência, em virtude do racismo acadêmico, de estudos sobre a figura da “criadeira”, pontuando a direção psíquica em que situa seu interesse: “A baixíssima atenção a ela dispensada na literatura especializada produzida no Brasil destoa com a enorme abrangência e profundidade histórica desta prática e o seu forçoso impacto na psique nacional” (SEGATO, 2006, p. 5). Como observa Lima (2019), embora Segato não cite Gonzalez, esta já havia antecipado a reflexão sobre o Édipo negro. De todo modo, com relação a isso, temos duas hipóteses distintas, uma elaborada com o conceito de negação e outra com o conceito de foraclusão, e talvez tenhamos mais elementos em favor da primeira porque, de fato, a negritude da cultura brasileira é constantemente afirmada sob a condição de ser negada e porque não vemos aquilo que supostamente foi foracluído retornar no real como alucinação, o que seria, para Lacan, resultado necessário do processo de foraclusão.

No argumento de Segato, tudo se passa como se, em torno da babá, se produzisse um repúdio ainda mais profundo do que aquele que se organiza em torno da mãe. Mas não é exatamente nessa direção que Gonzalez encaminha seu raciocínio porque, para ela, a mãe preta “é a mãe”; enquanto que, para Segato,7 a mãe se desdobra em uma mãe cívica e uma mãe de criação, embora ela caracterize a mãe cívica como “mãe outra” (SEGATO, 2006, p. 18). Lima (2019) evidencia esse ponto: “A diferença entre as duas reside no fato de que para Gonzalez não há disjunção da maternidade (...), enquanto que para Segato a desagregação entre mãe legítima e mãe de criação é fundamental para a formulação do Édipo Negro” (p. 34).

A proposta de Gonzalez com relação a isso é, portanto, como anota Lima, mais radical. E essa radicalidade é situada em Racismo e sexismo... à luz do problema dos motivos da identificação do dominado com o dominador, que se expressa no Brasil no mito da democracia racial.

Como vimos, Gonzalez apresenta a ideia de que a mãe preta formou filhos que a negam, mas que, apesar disso, carregam consigo as marcas da língua originariamente materna, o ‘pretuguês’. Em artigo publicado na Folha de São Paulo, citado por Rios e Ratts, Gonzalez afirma que “a mãe preta desenvolveu suas formas de resistência” (GONZALEZ apudRIOS; RATTS, 2016, p. 392) e, em Racismo e sexismo..., vemos que essa resistência é reconhecida na transmissão do ‘pretuguês’, do português africanizado. Lélia afirma, no final de seu ensaio, que o negro venceu “a batalha discursiva” (GONZALEZ, 1984, p. 241), uma vez que, não apenas com a língua, não permite o apagamento das raízes africanas de nossa cultura. Trata-se, portanto, de uma resistência cultural. Segundo Rios e Ratts, a localização das estórias da mãe preta no contexto de um pensamento preocupado simultaneamente com compreensão e transformação, poderia “(...) sugerir uma verdadeira revolução silenciosa metaforicamente apresentada por Gonzalez: o subalterno como sujeito que promovia alterações na linguagem e na cultura daquilo que veio a se chamar Brasil” (RIOS; RATTS, 2016, p. 391). Para Rios e Ratts, isso significa tanto que Gonzalez se distancia de uma ideia de vitimização quanto que “(…) a grande transformação poderia ser feita no âmbito cultural” (p. 391).

A neurose cultural brasileira, como qualquer neurose, carrega um caráter paradoxal e o ensaio de Lélia suscita diretamente, especialmente pela via da temática do pretuguês, a questão a respeito de que ações se tornam possíveis a partir do gesto de perceber o racismo como implicado em processos de neurose e fantasia.

É claro que se impõe aqui o valor da tarefa crítica. Porém, a crítica - assim como a teoria psicanalítica - é feita com a linguagem de vigília, isto é, com argumentos e justificativas que obedecem a critérios lógicos. Numa elaboração direcionada à categoria de amefricanidade - e não, nesse momento, ao ‘pretuguês’ -, Ambra (2020) toca em algo relacionado a esse ponto; o autor afirma que “a vantagem de insistir, como Gonzalez, numa universalização da amefricanidade é poder fazer a verdade denegada falar por todos os poros sociais, internalizando a contradição ao invés de projetá-la no outro” (Pedro AMBRA, 2020, p. 99). Ambra está preocupado, aqui, com certos impasses possíveis em políticas identitárias, que, a seu ver, ao fortalecerem a própria noção de identidade, precisariam ficar advertidas contra o risco de antagonizar exageradamente com o outro; e não deixa de evidenciar sua concordância com o fato de a questão precisa ser pensada, antes, como esclarece Djamila Ribeiro (2019), à luz da necessidade de “desvelar o uso que as instituições fazem das identidades para oprimir ou privilegiar” (Djamila RIBEIRO, 2019). Mas um dos problemas que aparecem aqui é que internalizar contradições não parece consistir num gesto suficiente para dar conta da ação política que precisa levá-las em consideração.

Isso reverbera em outro ponto, que também está relacionado ao texto de Pedro Ambra e que é a concepção de fala. O autor discorda da leitura que Djamila Ribeiro faz de Gonzalez na medida em que seu pensamento é inserido, de uma certa maneira, na gênese da noção contemporânea de lugar de fala. Pois esta noção acentuaria a articulação da fala ao eu e à consciência, enquanto que, em Racismo e sexismo..., a fala seria pensada, psicanaliticamente, como algo marcado por deslizes e emergências inconscientes que fazem parte da construção constante e retroativa do lugar de enunciação. Assim, diferentemente do que sustenta Ribeiro, as impossibilidades teóricas com que Gonzalez se defronta seriam, segundo Ambra, aquelas que circunscrevem um resto próprio a ser abordado pela psicanálise, e não diriam respeito a limitações que seriam inerentes a modelos europeus em função de injunções etnocêntricas ou patriarcais:

Ao contrário do que Ribeiro dá a entender, escreve o autor, o impasse não é construído pelos limites que uma teoria europeia impõe a análises e problemas interseccionais, que precisariam de um novo standpoint para serem analisados e criticados. Observa-se, antes, o contrário: são as contradições e inquietudes presentes nas figuras da mulata, da doméstica e da mãe preta que conduziram aquela mulher negra à psicanálise enquanto suporte epistemológico (AMBRA, 2020, p. 95).

Essa leitura parece conter uma dimensão de sentido com relação ao argumento de Racismo e sexismo... e retira consequências importantes da presença da psicanálise nele. Mas ela parece também encontrar limites se não nos restringimos a esse texto e atentamos para outros ensaios de Gonzalez. Em A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social (GONZALEZ, 2018), fica claro que a autora de fato se contrapõe a certos feminismos pelo fato de serem ocidentais e brancos e por não mobilizarem reflexões a respeito da questão racial. Poderíamos dizer que se trata aí de outro tipo de resto - embora não desvinculado daquele abordável com a psicanálise -, ao qual Gonzalez esteve também muito atenta.

Em Racismo e sexismo..., no que concerne às concepções de linguagem, língua e fala, elas são diretamente reportadas a observações de Jacques-Alain Miller. Aqui, precisamos retomar as seguintes palavras de Miller citadas por Gonzalez: “Dizer mais do que sabe, não saber o que diz, dizer outra coisa que não o que se diz, falar para não dizer nada, não são mais, no campo freudiano, os defeitos da língua que justificam a criação das línguas formais” (MILLER apudGONZALEZ, 1984, p. 225). Para Ambra (2020), essas caracterizações constituem a “única positividade possível da fala” (p. 97). Eu pensaria, noutra direção, que, quando Miller, ainda citado por Lélia, diz que “estas são propriedades inelimináveis e positivas do ato de falar” (p. 225), ele não está dizendo - pelo menos não apenas a partir daí - que elas são as ‘únicas’ propriedades. Se Gonzalez estivesse assumindo, ao acompanhar Miller, que a única positividade da fala seria falar para não dizer nada, seu texto possivelmente estaria condenado a sucumbir aos limites de um gesto autodestrutivo, o que nos impediria, afinal, de sequer formular a questão a respeito da agência política. Mas não é isso o que acontece. A fala de Gonzalez propõe argumentos e teses cujas justificativas são fornecidas por ela. Isso quer dizer que seu texto não é construído, por exemplo, como um processo onírico ou como qualquer outra formação do inconsciente e que os termos nos quais tanto ela quanto a letra de Freud e a de Lacan amarram consciência de maneira muito restrita à ilusão, tais termos precisariam talvez receber novos desdobramentos. Pois a admissão de que a ilusão incide na consciência não elimina a necessidade política e também epistemológica do uso público da argumentação. Se, por um lado, o lugar epistemológico do qual parte Gonzalez em Racismo e sexismo... implica, efetivamente, como defende Ambra, a incidência da ilusão e da divisão subjetiva na fala, de modo que, do “lugar de fala”, não decorre a consciência do sujeito a respeito desse lugar;8 por outro lado, a autora não elimina a questão da identidade porque marca o fato de que fala “enquanto mulher negra” (GONZALEZ, 1984, p. 225). Como argumenta Barreto, Lélia “(...) e outros intelectuais negros da mesma geração estavam comprometidos na formulação de um projeto epistêmico em que o negro brasileiro fosse o sujeito do conhecimento, referenciado em sua própria singularidade, história e cultura” (BARRETO, 2019). É por isso que lemos estas frases fundamentais no texto de 1984:9 “E o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que neste trabalho assumimos nossa própria fala” (GONZALEZ, 1984, p. 225). Essa identidade refere-se a um processo que, além de ser linguístico, é histórico e político, características que não parecem exigir nenhum tipo de referência a essências subjetivas.

O tema da mãe preta vincula-se ainda àquilo que chamamos hoje de interseccionalidade, que, de um ponto de vista conceitual - e não terminológico -, era já central no pensamento de Gonzalez. Rios e Ratts, com efeito, observam que Lélia “(…) antecipou algumas abordagens que posteriormente se denominaram de interseccionais. Observamos isso quando ela associa o racismo, o sexismo e a exploração capitalista e quando articula as identidades de raça, gênero (este tratado à época como sexo) e classe” (2016, p. 389).

Há, aqui, a constatação de cruzamentos significativos entre opressão racista e opressão sexista que talvez pudesse retroagir sobre o modo como Gonzalez mobiliza a teoria psicanalítica. Porque o uso que ela faz de noções como Nome-do-pai pode ser localizado como algo vinculado a alguns compromissos da psicanálise com o patriarcado, na medida em que reproduzem a equivalência entre cultura e masculinidade.

Como vimos, Gonzalez justifica cautelosamente o fato de buscar na psicanálise um suporte epistemológico para abordar certos aspectos do racismo na cultura brasileira. No entanto, apesar desse potencial da teoria psicanalítica, é crucial reconhecer que há toda uma carga de sexismo nos modelos psicanalíticos decorrentes do complexo de Édipo.

Lacan estruturalizou o Édipo substituindo pai e mãe biológicos por função paterna e função materna, mas manteve nisso a premissa de que cabe à função paterna promover a entrada da criança na cultura porque apenas algo relacionado ao masculino e à ideia de pai possuiria a capacidade de operar a separação afetiva da mãe em relação a seu bebê. É isso o que Lacan articula em torno da noção de Nome-do-pai. Ele consiste num significante que responde pela inscrição da lei simbólica e sua ausência10 é pensada, pelo psicanalista, como algo decisivo na causação da psicose. É nessa direção que Lacan afirma, por exemplo: “Vocês precisam compreender a importância da falta desse significante especial (...), o Nome-do-Pai, no que ele funda como tal o fato de existir a lei, ou seja, a articulação numa certa ordem do significante - complexo de Édipo, ou lei do Édipo, ou lei de proibição da mãe” (LACAN, 1998; 1999, p. 153).

Ora, esse viés de raciocínio acarreta, como observa McClintock (2010), que “às mulheres é negada a atuação social: somos vistas como desprovidas de motivação para desmamar ou impedir o incesto, sem interesse social em levar as crianças à separação, sem papel na ajuda a eles para negociarem a intricada dinâmica da interdependência (…)” (p. 295). Como vimos, ainda que de passagem, com esta autora, a teoria freudiana do complexo de Édipo - em aspectos que são preservados por Lacan - possui uma dívida com o apagamento do papel desempenhado pela babá na origem do desenvolvimento psicossexual da criança de classe média; no lugar da babá, “(...) Freud recoloca a mãe como objeto do desejo e o pai como sujeito do poder social e econômico e, assim, violentamente fecha a porta do romance familiar para esse intrusivo e inadmissivelmente poderoso membro da classe trabalhadora feminina” (McCLINTOCK, 2010, p. 152).

Gonzalez afirma que é graças à mãe que entramos na ordem da cultura (no caso do fenômeno que ela está analisando, graças à mãe preta) “exatamente porque é ela quem nomeia o pai” (GONZALEZ, 1984, p. 236). Diz ainda que a função paterna “é muito mais questão de assumir do que de ter certeza” (p. 236).

Quando Freud discorre sobre o necessário processo de afastamento da criança com relação aos pais, ele atribui a isso dois estágios: um estágio inicial, em que a crítica a ambos os genitores, articulada com a sensação de ser preterida, aparece sob a forma da ideia de que outros genitores seriam preferíveis; e um segundo estágio, que Freud nomeia “romance familiar dos neuróticos”, equivalente ao exercício de uma atividade imaginativa que se expressa nas brincadeiras e nos devaneios. Esse segundo estágio também possui, para Freud, um desdobramento, pois, inicialmente, as fantasias substituem ambos os pais “(...) por outros, normalmente de posição social mais elevada” (FREUD, 2015, p. 422), enquanto que, num segundo momento, a criança, “compreendendo” o “fato sexual” de que a ocorrência de aquela mulher ser sua mãe não pode ser posta em dúvida, restringe suas fantasias de substituição ao pai. Freud escreve, então, que, a partir do momento em que a criança passa a conseguir perceber que pai e mãe desempenham funções sexuais distintas, ela “compreende que pater semper incertus est, enquanto a mãe é certissima, o romance familiar experimenta uma restrição peculiar: contenta-se em elevar o pai, já não põe em dúvida a origem pelo lado da mãe, que não pode ser alterada” (p. 422).

É a isso, tudo indica, que Gonzalez (1984) está se referindo quando diz que a função paterna “é muito mais questão de assumir do que de ter certeza” (p. 236). Mas há muitas coisas implicadas nessa premissa e uma delas é que ser mãe equivale a dar à luz uma criança. E, se a psicanálise lacaniana reivindica, mais ainda do que a freudiana, ter se afastado de determinações biológicas, com esse tipo de ideia parece assumir-se totalmente que o sentido de ser mãe equivale ao fato de se gerar e parir um bebê, enquanto que, de outro lado, temos na psicanálise a forte presença da ideia de que o lugar materno exige o desenvolvimento do desejo pelo filho, que pode partir de processos naturais, mas que não parecem se reduzir a eles (Alessandra MARTINS, 2020).

A teoria psicanalítica possui toda uma potência de desnaturalização da subjetividade da qual a argumentação talvez regrida ao assumir algumas formulações articuladas ao pensamento sobre o complexo de Édipo. A teoria do Édipo com a qual Gonzalez opera - como quase sempre na teoria psicanalítica - adota uma equivalência entre simbólico e masculinidade, equivalência que parece ser central em sistemas sociais patriarcais, alimentando um longevo desalojamento das mulheres com relação ao espaço público. E isso parece gerar uma tensão significativa com o movimento de seu ensaio. De uma maneira interna à própria argumentação de Racismo e sexismo..., isso significa perguntar também: que certeza estaria envolvida na maternidade da mãe preta? Pois, como vimos, para Gonzalez, a mãe preta é que é a mãe. Mas isso, é claro, de um modo que foi “assumido”, e não dado de saída pelo processo natural do nascimento do bebê. Não é, afinal, a referência à função de prestar os cuidados maternos o que permite à autora supor a maternidade na mãe preta? A pergunta fundamental aqui se coloca, no entanto, aquém dessas observações e poderia, talvez, ser formulada assim: em que sentido o ato de assumir algo se distingue da certeza quando estamos nos referindo ao cenário do desejo e da fantasia?

Questões com Lélia Gonzalez

Esses desdobramentos são apenas alguns entre tantos outros que podem ser conduzidos a partir da leitura de Racismo e sexismo..., este ensaio inesgotável de Gonzalez. Sua riqueza e sua tese central favorecem não apenas a compreensão de processos constitutivos de nossa forma de vida social, mas também a abertura sempre renovada de debates importantes que atravessam a interlocução da psicanálise com a história, com a política de modo geral e, especificamente, com o feminismo. O objetivo deste artigo foi contextualizar essa tese com relação aos elementos da teoria psicanalítica que a autora mobiliza e ao conceito de ladinoamefricanidade, destacando, a partir daí, a reflexão de Gonzalez a respeito da mãe preta, os laços desse tópico com o apagamento da figura da babá no pensamento de Freud e algumas das questões fundamentais que esse tema enseja. Procurei mostrar, assim, o modo como este ensaio de Gonzalez nos permite, nesse contexto e com os elementos trazidos aqui, avançar as seguintes perguntas: Qual a importância de reconhecer a ausência da figura da babá na formulação freudiana do complexo de Édipo? Como essa ausência se conecta com a reflexão gonzaleana sobre a mãe preta? Seria necessário, tendo em vista a realização da tarefa da crítica, estipular um limite para a sobreposição entre consciência e ilusão tal como subscrita pela teoria psicanalítica? A possibilidade de certa crítica ao modelo freudo-lacaniano do Édipo possuiria a capacidade de retroagir sobre os argumentos de Gonzalez relacionados ao vínculo entre maternidade e certeza, de um lado, e, de outro, ao vínculo entre paternidade e a função de possibilitar à criança sua entrada na cultura?

Agradecimento

Agradeço à Yara Frateschi pela oportunidade de apresentar esta pesquisa no Workshop “Mulheres na Filosofia” (Unicamp, setembro 2019); à Ana Cláudia Lopes Silveira e à Monique Hulshof, pelas primeiras indicações de leitura do ensaio de Lélia Gonzalez; ao Pedro Ambra e ao Rafael Lima, por terem compartilhado comigo seus textos enquanto ainda estavam no prelo

Referências

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1Psicanalista francês, fundador da École de la Cause Freudienne, responsável pela edição do Seminário, de Jacques Lacan, para a editora Éditions du Seuil.

2A versão revisada deste ensaio, publicada na coletânea Pensamento feminista brasileiro: Formação e contexto, suprime o “a” da expressão “objeto a”, o que altera completamente o sentido da frase, comprometendo sua compreensão.

3E não Verleugnung, termo este que Freud usa, por sua vez, para se referir à recusa de uma percepção intolerável e traumática, especialmente ao que considera ser a percepção da castração na mulher, e que ele vincula aos processos de formação do fetichismo e da psicose, mas que também caracteriza como um mecanismo comum e frequente nos indivíduos de forma geral.

4Alguns dos quais mencionados aqui.

5Expressão oriunda da teoria psicanalítica, à qual retornaremos adiante.

6Expressão de Margareth Rago.

7E também para Corrêa (2007).

8Ponto observado por Ribeiro, por exemplo, quando ela escreve que “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar” (2017/2019, p. 69).

9Que Ribeiro reproduz na epígrafe de Lugar de fala.

10Trata-se da foraclusão, mencionada acima.

11Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: SILVEIRA, Léa. “A mãe preta e o Nome-do-pai: Questões com Lélia Gonzalez”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e79996, 2022

12Financiamento: Não se aplica

13Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

14Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 13 de Março de 2021; Revisado: 15 de Dezembro de 2021; Aceito: 10 de Fevereiro de 2022

leasilveiralea@gmail.com

Léa Silveira (leasilveiralea@gmail.com) é professora de Filosofia da Universidade Federal de Lavras - UFLA, membra do GT de Filosofia e Psicanálise da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia - ANPOF, da International Society of Psychoanalysis and Philosophy - SIPP-ISPP e do Grupo de Estudos, Pesquisas e Escritas Feministas - GEPEF

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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