SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número3Ideologia de gênero e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos HumanosFemicídio e Feminicídio: discutindo e ampliando os conceitos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n378510 

Artigos

“Ideologia de gênero” como instrumento político nos jornais do Brasil e de Portugal

“Gender ideology” as a political instrument in newspapers in Brazil and Portugal

“La “ideología de género” como instrumento político en los periódicos de Brasil y Portugal

Juliana Inez Luiz de Souza1 
http://orcid.org/0000-0003-1361-3159

Carla Preciosa Braga Cerqueira2 
http://orcid.org/0000-0001-6767-3793

Nelson Rosário de Souza1 
http://orcid.org/0000-0003-1389-3998

Maria Cecília Eduardo1 
http://orcid.org/0000-0001-8115-9993

1Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. 80060-150 - ppgcpufpr@gmail.com

2Universidade Lusófona do Porto, Porto, Portugal. 4000-098 - cicant@ulusofona.pt


Resumo:

O conceito sociológico ‘ideologia de gênero’ foi ressignificado a partir dos anos 1990 e virou instrumento político contra as narrativas feministas e LGBT+. A politização da expressão é um desafio para os estudos de gênero e diversidade sexual, pois gera barreiras em políticas, na agenda de investigação e na ação transnacional junto aos governos, à mídia e a outros agentes sociais. Nessa análise de conteúdo, comparamos o uso da expressão na cobertura dos jornais de maior circulação digital do Brasil (Folha de S. Paulo) e de Portugal (Expresso) entre 2000 e 2019. O que essas coberturas informam sobre o atual estágio da disputa discursiva em torno dessa expressão? Os resultados indicam a consolidação do termo no viés conservador, padrões semelhantes nos discursos e perfis de quem o utiliza, e apontam que as maiores reações políticas acontecem quando o termo está associado aos temas ‘eleições’ e ‘educação’.

Palavras-chave: ideologia de gênero; democracia; jornalismo; Portugal; Brasil

Abstract:

The sociological concept of ‘gender ideology’ was redefined from the 1990s and became a political instrument against feminist and LGBT+ narratives. The politicization of this expression is a challenge for gender and sexual diversity studies, as it generates barriers in policies, in the research agenda, and transnational action with governments, media, and other social agents. In this Content Analysis, we compare the use of the expression in the coverage of newspapers with the greatest digital circulation in Brazil (Folha de S. Paulo) and Portugal (Expresso) between 2000 and 2019. What does it inform about the current stage of the discursive dispute around that expression? The results indicate the consolidation of the term in a conservative bias, similar patterns in the speeches and profiles of those who use it, and points out that the greatest political reactions occur when it is associated with the themes ‘elections’ and ‘education’.

Keywords: Gender ideology; Democracy; Journalism; Portugal; Brazil

Resumen:

El concepto sociológico 'ideología de género' fue resignificado a partir de la década de 1990 y se convirtió en un instrumento político contra las narrativas feministas y LGBT+. La politización de la expresión es un desafío para los estudios de género y diversidad sexual, ya que crea barreras en las políticas, en la agenda de investigación y en la acción transnacional con gobiernos, medios de comunicación y otros agentes sociales. En este análisis de contenido, comparamos el uso de la expresión en la cobertura de los periódicos de mayor circulación digital en Brasil (Folha de S. Paulo) y en Portugal (Expresso) entre 2000 y 2019. ¿Qué dicen estas coberturas sobre la etapa actual de la disputa discursiva en torno a esa expresión? Los resultados indican la consolidación del término en el sesgo conservador, patrones similares en los discursos y perfiles de quienes lo utilizan, y señalan que las mayores reacciones políticas ocurren cuando el término es asociado a los temas 'elecciones' y 'educación'.

Palabras clave: ideología de género; democracia; periodismo; Portugal; Brasil

Introdução

A IV Conferência Mundial sobre as Mulheres de 1995 marcou a aprovação da “Declaração e Plataforma de Ação de Pequim”, que gerou diversos avanços em políticas para as mulheres. Mas o evento também é um dos marcos da ressignificação do conceito sociológico ‘ideologia de gênero’ que, a partir da década de 1990, passa a ser utilizado pelos movimentos antigênero como instrumento político contra as narrativas feministas e LGBT+ (Marija ANTIĆ; Ivana RADAČIĆ, 2020).

O conceito sociológico original foi elaborado para compreender e criticar a assimetria de poder entre os gêneros fruto da construção da sociedade heteronormativa, suas estruturas econômicas e sociais (Joan SCOTT, 1995), bem como para questionar os padrões e papéis de gênero estabelecidos e suas representações (Rogério JUNQUEIRA, 2016). No entanto, em sua estratégica retórica, instituições conservadoras e cristãs passaram a deslegitimar as teorias feministas, refutar o conceito de gênero e heteronormatividade e se contrapor às políticas progressistas nesse campo. Esse retrocesso reafirmou as concepções heteropatriarcais de sexo, gênero e sexualidade (Elizabeth CORREDOR, 2019). Os discursos antigênero ganharam força e, na última década, as polêmicas no mundo sobre Gênero e Diversidade Sexual (GDS), sintetizadas como “ideologia de gênero”, têm sido notícia recorrente nos meios de comunicação e em estudos que destacam a mudança de enquadramento da expressão (Júlia GARRAIO; Teresa TOLDY, 2020; Juliana SOUZA; Maria EDUARDO, 2020; JUNQUEIRA, 2016).

Na Conferência de Pequim, ficou explícito o poder do discurso heteronormativo. Tal performance gerou efeitos sobre políticas internacionais para mulheres e LGBT+, assim como impactou a organização de um movimento antigênero transnacional (CORREDOR, 2019). O evento expôs objetivos políticos antagônicos de dois grupos e a estratégia dos movimentos conservadores, cristãos e muçulmanos. Esses agentes excluíram as expressões de diversidade dos documentos e estabeleceram que a palavra ‘gênero’ se referia apenas a mulheres ou ao sexo biológico dicotômico. A apropriação e ressignificação sofrida pela expressão na Conferência enfraqueceu seu teor de resistência em favor de uma narrativa reacionária antigênero. Isto mostra que o poder discursivo da heteronormatividade não está circunscrito a tomadas de decisões, mas se manifesta também no processo de retirada de temas estratégicos da agenda pública, num procedimento de não decisão (Peter BACHRACH; Morton BARATZ, 2011, p. 153).

Com este panorama, compreendemos que a expressão “ideologia de gênero” tem efeitos estratégicos e merece ser estudada com rigor, pois, “denunciar a teoria de gênero e os estudos de gênero como ideologia não só justificou o corte de verbas para pesquisas de gênero e estudos de gênero, mas também levou à deslegitimação do conhecimento científico sobre gênero e normalização de posições morais nos debates científicos” (ANTIĆ; RADAČIĆ, 2020, p. 5).1

Portanto, neste artigo, analisamos a expressão presente na cobertura dos jornais de maior circulação digital no Brasil e em Portugal, questionando: Como os jornais Folha de S. Paulo e Expresso apresentam a disputa discursiva em torno da “ideologia de gênero”? Que indicações fazem sobre a influência da expressão na política de ambos os países? O recorte temporal compreende a primeira aparição da expressão, em 2000, até 2019. O objetivo geral é analisar as disputas políticas discursivas que envolvem a expressão “ideologia de gênero”, comparando as coberturas jornalísticas do Brasil e de Portugal. Como objetivos específicos, pretendemos identificar, nas produções dos jornais, as características da apresentação e uso da expressão; também evidenciaremos quais temas sobre GDS estavam em pauta nas sociedades e nos parlamentos dos países, pois essa pauta pode ter influenciado a agenda dos jornais. Interessa também observar o enquadramento e o viés político discursivo que a expressão gerou. Por fim, a comparação do cenário político, dos projetos e políticas públicas citadas nas produções permitirá identificar semelhanças e diferenças no debate sobre GDS na sociedade e no parlamento de cada país. Para cumprir nossos objetivos, faremos uma observação longitudinal e comparativa das produções jornalísticas online por meio da análise de conteúdo quantitativa e qualitativa, com base no Livro de Códigos2 construído.

O presente artigo contém quatro seções. Na primeira, mapeamos o uso do conceito de gênero nas Conferências da ONU e o processo de ressignificação da ‘ideologia de gênero’ a partir da década de 1990, com incidência na Conferência de Pequim. Na segunda parte, discorremos sobre a importância da mídia no debate de gênero e o porquê da sua escolha para analisarmos o poder discursivo da heteronormatividade representado pela expressão “ideologia de gênero”. Na terceira seção, expomos os resultados e discutimos os achados quantitativos e qualitativos da análise de conteúdo referente às disputas discursivas de GDS na cobertura jornalística do Expresso e da Folha. Por fim, apresentamos as considerações finais da pesquisa.

O processo de ressignificação do conceito de ideologia de gênero e a Conferência de Pequim

Em meados da década de 1970, ampliou-se o debate sobre a criação de estratégias para o avanço na igualdade entre os gêneros, as quais foram nomeadas pela ONU de gender mainstreaming. Esse conceito foi apresentado pela primeira vez na III Conferência Mundial sobre a Mulher, que ocorreu em Nairóbi, no ano de 1985. Somente dez anos depois o conceito foi mencionado de maneira formal na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim. A proposta central era oferecer uma análise de mensuração dos diferentes resultados de ações políticas planejadas que tivessem como base o gênero (José ALVES; Sônia CORRÊA, 2009). No decorrer das quatro Conferências sobre a Mulher (1975, 1980, 1985 e 1995), ocorreu um aprofundamento da discussão sobre igualdade, o que possibilitou a expansão das questões de gênero para além do ambiente interno dos Estados, rumo à arena pública de debate internacional, aparecendo como uma demanda global.

Esse período também ilustra a demarcação de objetivos políticos antagônicos de dois grupos. De um lado, os movimentos progressistas, feministas e de diversidade sexual, organizados para debater direitos reprodutivos, sexualidade e a integração do conceito de gênero na política internacional “para explicar e intervir na reprodução social da violência e nas relações hierárquicas entre homens e mulheres” (Mara VIGOYA; Manuel RONDÓN, 2017, p. 119).3 Tratava-se de evidenciar que as violências e hierarquias estão ancoradas no determinismo biológico que naturaliza as desigualdades de gênero como consequências inescapáveis das diferenças corporais entre homens e mulheres. Noutro extremo estavam os movimentos conservadores, cristãos e muçulmanos, afirmando que essas propostas visavam apagar as diferenças naturais entre homens e mulheres, promover a homossexualidade e incitar a confusão de gênero entre as crianças. A inclusão da palavra gênero, mesmo enquanto conceito sociológico, nos documentos finais das Conferências da ONU, gerou resistência desses grupos.

Apesar das conquistas progressistas nas conferências, o conceito sociológico ‘ideologia de gênero’ foi ressignificado pela retórica conservadora (CORREDOR, 2019). Tal ressignificação e a paralela organização do movimento antigênero é fruto das produções e mobilizações da Igreja Católica na década de 1990, inclusive durante as Conferências da ONU (GARRAIO; TOLDY, 2020; ANTIĆ; RADAČIĆ, 2020; CORREDOR, 2019; JUNQUEIRA, 2016). A ofensiva reacionária da Igreja descobre no conceito de gênero “um inimigo imaginário comum contra o qual organizar movimentos políticos voltados a reafirmar valores tradicionais e pontos doutrinais cristãos, a partir de discursos, não raro, aparentemente técnicos, científicos, laicos” (JUNQUEIRA, 2016, p. 229).

O antagonismo entre os grupos recrudesceu e chegou ao clímax na IV Conferência de Pequim, onde se ampliou o debate sobre a igualdade de gênero. Essa conferência é considerada um marco no incentivo à participação política feminina, pois fez recomendações explícitas aos governos, partidos políticos e organizações multilaterais para que tomassem medidas afirmativas no sentido de garantir um equilíbrio justo entre os gêneros e dar uma forte voz às mulheres na política (Teresa SACCHET, 2018).

A “Plataforma de Pequim” foi estratégica para a “agenda de gênero” em nível mundial ao oferecer uma nova forma de elaboração de políticas públicas com a incorporação da análise de gênero. Suas 12 áreas críticas (pobreza, tomada de decisão, educação, direitos humanos, saúde, mídia, violência, meio ambiente, conflitos armados, crianças do sexo feminino, a igualdade econômica e máquinas estatais para a promoção das mulheres) apontam os principais problemas que exigem ações concretas tanto dos governos, quanto da sociedade civil (Cynthia MIRANDA; Temes PARENTE, 2014).

Vemos, assim, o reconhecimento da necessidade de mudança de foco que sai do tema mulheres para abraçar o conceito de gênero. Ocorre uma reavaliação da estrutura social e suas relações de poder. Essa mudança equiparou os direitos das mulheres como direitos humanos e elegeu a igualdade de gênero como ponto vital para o pleno desenvolvimento democrático dos países. Com a utilização do conceito de gênero, as relações entre mulheres e homens “passam a ser vistas de uma perspectiva social, cultural e histórica, levando em conta os papéis socialmente atribuídos a cada um dos gêneros na sociedade, no trabalho, na política, na família, nas instituições e em todos os aspectos das relações humanas” (MIRANDA; PARENTE, 2014, p. 421).

Mas a Conferência de Pequim também marca a vitória dos movimentos conservadores com a exclusão, no documento final, das expressões de diversidade e a definição de que a citação de ‘gênero’, assim como nos documentos anteriores, se refere apenas às mulheres ou ao sexo biológico dicotômico. O poder discursivo da heteronormatividade, operando na chave simbólica, buscou controlar a agenda pública redesenhando temas estratégicos do campo progressista. Esse processo se faz pela mobilização de viés, pela promoção de valores, mitos e rituais que favorecem os interesses de determinados grupos organizados (BACHRACH; BARATZ, 2011, p. 153). Enfim, a narrativa heteronormativa não apenas gerou efeitos negativos sobre políticas internacionais para mulheres e pessoas LGBT+, como foi estratégica para a organização do movimento antigênero transnacional.

A mídia como espaço de análise do poder discursivo da heteronormatividade

A mídia é uma das 12 áreas críticas da “Plataforma de Ação de Pequim”, tendo a seção ‘J’, intitulada ‘A mulher e os meios de comunicação’, reconhecido “que estes são fulcrais para o progresso das mulheres (...) [sendo] premente perscrutar as estruturas bem enraizadas que (re)produzem as assimetrias de género na sociedade, também presentes quando analisamos o campo mediático” (Carla CERQUEIRA; Rosa CABECINHAS, 2012, p. 108). Nas revisões e análises que acontecem a cada cinco anos sobre a implantação e concretização da “Plataforma de Ação de Pequim”, são elaboradas Declarações com medidas para reforçar as ações e acelerar a concretização dos objetivos referentes à igualdade de gênero, enfatizando a necessidade de investimento. Infelizmente, os resultados dos encontros quinquenais mostram que, apesar de ter havido um aumento na diversidade de papéis e imagens das mulheres, buscando diminuir a invisibilidade e as representações subalternizadas, muitas outras lacunas permanecem vigentes a nível mundial (CERQUEIRA; CABECINHAS, 2012; Maria João SILVEIRINHA, 2012).

Nesse sentido, uma das áreas dos estudos feministas da mídia está voltada para o discurso jornalístico e para a forma estereotipada que representa as mulheres, seja ela flagrante ou sutil. O jornalismo

(in)visibiliza temas e atoras/es sociais nas suas práticas quotidianas, criando uma consciência generalizada do que deve ser debatido socialmente e quais os pontos de vista a considerar (...) [mas também] é reconhecido o seu papel enquanto campo de denúncia das desigualdades e questionador de mitos e injustiças sobre as assimetrias historicamente sedimentadas que colocavam, e em muitos casos ainda colocam, as mulheres em posições desiguais (CERQUEIRA; CABECINHAS, 2012, p. 106).

Com este papel dual de (re)produtora de desigualdades, mas também emancipadora, a mídia é palco da representação de disputas de poder por meio da linguagem se mostrando um espaço rico de análise. Compreendemos a mídia não como campo único e independente da sociedade, mas uma área-chave, interdependente e, ao menos parcialmente, estruturada pelas lógicas políticas e econômicas que a movem, pois ela é perpassada por diversas instituições “como as empresas comerciais, as instâncias de política formal, os reguladores, as instituições políticas, as instituições de ensino e a sociedade civil” (SILVEIRINHA, 2012, p. 101). Nesse sentido, ao ampliarmos a questão da representação das mulheres, abarcando também as pessoas LGBT+, temos na mídia um espaço de análise das disputas discursivas sobre temas de GDS.

Neste artigo, utilizamos a concepção de poder discursivo enquanto produtor de subjetividades subalternas, mas, também, como recurso que habilita à resistência (Michel FOUCAULT, 1979). As práticas discursivas se articulam às práticas de poder. Isto significa que o discurso não é mero efeito, ele atua construindo a sociedade em várias dimensões que moldam e restringem a estrutura social através da linguagem (Judith BUTLER, 2003).

Em específico, a construção do discurso sobre o sexo e a sexualidade como ferramenta de dominação, legitimação e perpetuação da heteronormatividade envolve a formação de sistemas de valores com a capacidade de nomear posições de sujeição e induzir comportamentos. Nesse sentido, o poder discursivo da heteronormatividade opera a construção de narrativas sobre identidades e a normalização de condutas. A linguagem é utilizada como regime de controle, vigilância e modulação das ações. Em relação às mulheres, ela subordina e exclui, ao criar forças que policiam a aparência social e os papéis do gênero, tendo como exemplos mais perversos dos discursos sexistas a reprodução e perpetuação da cultura do estupro (Mariana ROST; Miriam VIEIRA, 2015) e do estupro corretivo (Eduardo GOMES; Jamily FEHLBERG, 2014).

Os discursos sobre a sexualidade se constituem ao longo da história articulados a diferentes estratégias de poder, sendo mobilizados por diversos atores e assumindo vários contornos: moral, racional, policial, educacional, médico, psicológico, entre outros. O discurso é o fundamento do poder e, no caso da heteronormatividade, instaura dominação com legitimidade nas relações sociais ao estabelecer padrões de sexo, gênero e sexualidade em uma estrutura hierárquica, binária e oposicional como princípio causal, universal e de normalidade (FOUCAULT, 1988; BUTLER, 2003). Esta estrutura cria ‘consensos’ sobre os papéis de gênero e como os corpos físicos são percebidos, gerando, até certo ponto, a adesão a estes valores dominantes como ‘naturais’, médicos, biológicos e jurídicos. A internalização dos padrões pode ser vista como a incorporação e reprodução da estrutura histórica de dominação presente na ‘regularidade de condutas’ sobre gênero, mas com brechas para a resistência.

O objetivo destes discursos é a promoção da heterossexualidade compulsória, restringindo a produção de identidades ao eixo do desejo heterossexual, por meio da imposição e do convencimento gerados por narrativas e ameaças. Nessa lógica, o reconhecimento social é privilégio daqueles que cumprem o padrão heterossexual; os demais sofrem a marginalização e a exclusão, efetiva ou simbólica, da sociedade por punições e perda de privilégios culturais (Guacira LOURO, 2009). Mas, assim como este poder está presente na perspectiva de dominação, ele também tem representações de resistência com possibilidades de “transformação social”. Nessa perspectiva, as representações do machismo, do sexismo, da misoginia, da homofobia, entre outras, foram conceituadas como ideologias de gênero no intuito de questioná-las criticamente (JUNQUEIRA, 2016). A ampliação do debate do conceito de gênero e das ideologias de gênero na academia e nos movimentos sociais impulsionou a crítica às diferenças de poder entre os gêneros.

Com estas questões em mente e com a necessidade de estabelecer um recorte, optamos por analisar as produções jornalísticas que mobilizam a expressão “ideologia de gênero”, uma vez que a expressão é um dos enquadramentos principais utilizado para propagar o discurso antigênero na mídia tradicional e nas redes sociais, seja por agentes governamentais, religiosos e/ou da sociedade civil (ANTIĆ; RADAČIĆ, 2020). Acreditamos que as produções dos jornais possibilitam a observação das disputas discursivas entre os diferentes agentes sociais. Os sentidos conferidos à expressão indicam operações do poder discursivo da heteronormatividade que buscam combater políticas de igualdade de GDS gerando ‘pânico moral’ na sociedade (CORREDOR, 2019; Richard MISKOLCI; Maximiliano CAMPANA, 2017; JUNQUEIRA, 2016; Sandra SOUZA, 2014).

As disputas discursivas da ‘ideologia de gênero’ no Brasil e em Portugal

A análise das disputas discursivas sobre GDS nas produções jornalísticas, sintetizadas na expressão “ideologia de gênero”, nos permite visualizar variações recentes nessas relações de ‘poder’. Para cumprir este objetivo, buscamos as produções online dos jornais com maior circulação digital no Brasil e em Portugal. Escolhemos observar dois países, pois os estudos comparativos sobre a expressão são raros. Esperamos contribuir para preencher essa lacuna, já que ela tem diversas representações na geopolítica internacional (GARRAIO; TOLDY, 2020). Em específico, selecionamos estes países porque ambos são lusófonos e restabeleceram a democracia recentemente após um longo período de ditadura. Estas semelhanças entre os países tornam interessante investigar as variações no uso da expressão e se elas correspondem a configurações específicas quanto às disputas discursivas presentes na sociedade. Ademais, existe estudo recente que compara o tratamento dado pelo jornalismo brasileiro e português às temáticas de gênero (Daniela DRUMMOND; SOUZA; Tatiane ALMEIDA, 2019). A ideia é investir nesses estudos comparativos, fruto de esforços coletivos de pesquisadores de ambos os países, com vistas a fortalecer essa linha de pesquisa. Os jornais foram escolhidos tendo em vista seus respectivos alcances nacionais (MÍDIA DADOS, 2019; APCT, 2019), entendendo que “as histórias tendem a se espalhar verticalmente, em uma hierarquia de notícias, com editores em nível regional frequentemente se submetendo a esses jornais de ‘elite’ e aos canais de notícias, que estabelecem a agenda midiática” (Ana VIMIEIRO, 2010, p. 89).

O resultado da busca por produções nos sites dos jornais com a expressão “ideologia de gênero” foi refinado com a aplicação das etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados da análise de conteúdo (Laurence BARDIN, 1995). Escolhemos esta metodologia considerando sua eficácia para gerar inferências sobre o contexto social das produções em estudos das comunicações. Nestas etapas, excluímos as produções que não apresentaram a expressão ou suas variações, as matérias iguais e/ou relativas ao “Painel do Leitor” e do jornal Agora São Paulo (pertencente ao Grupo Folha).

O corpus contém 328 resultados da Folha de S. Paulo e 49 do Expresso, que compreendem produções informativas (matérias e entrevistas), de opinião de jornalistas e/ou pessoas convidadas (artigos de opinião, blogs, colunas, podcasts, resenha e vídeo-debate) e editoriais. Aqui é importante destacar que a busca nos sites dos jornais acessou todos os resultados com a expressão, desde a primeira aparição até o ano de 2019. Porém, mesmo sem um recorte temporal prévio, todos os resultados correspondem ao período entre 2000 e 2019.4 Os dados foram analisados com base em um Livro de Códigos, construído com categorias para identificar características das disputas discursivas relativas à expressão “ideologia de gênero”. Ele permitiu, por meio de uma perspectiva cultural, identificar, nos discursos, de forma ampla, as compreensões gerais sobre as temáticas (VIMIEIRO, 2010).5

Através da análise quantitativa e qualitativa dos resultados, construímos um panorama do debate sobre as disputas discursivas envolvendo as temáticas de GDS no Brasil e em Portugal. Também foi possível apreender as semelhanças e diferenças referentes aos projetos e políticas públicas em pauta na sociedade e no parlamento de cada país e que suscitaram as produções dos jornais.

O primeiro dado a ser ressaltado é a diferença quantitativa entre os países, tendo a Folha apresentado mais resultados que o Expresso. O jornal brasileiro produziu apenas um evento nos anos de 2000, 2004, 2009, 2010 e 2014 (0,3%); 12 em 2015 (3,7%); 28 em 2016 (8,5%); 25 em 2017 (7,6%); 90 em 2018 (27,4%); e 168 em 2019 (51,2%). O jornal português apresentou um registro nos anos de 2013 e 2016 (2%); quatro nos anos de 2017 e 2018 (8,2%); e 39 em 2019 (79,6%). Por mais que a diferença populacional dos países possa ser apontada como um dos motivos deste resultado, nossa análise qualitativa mostrou outras evidências.

A primeira saliência importante é a diferença temporal da presença da expressão nas produções jornalísticas dos países, principalmente quando utilizada em seu viés conservador, relacionado ao debate de políticas de Estado. No Brasil, a primeira aparição da expressão no viés conservador acontece em 2004, na matéria “Documento do Vaticano condena o feminismo”. Neste documento, o Vaticano

pede aos governos que “harmonizem a legislação e a organização do trabalho com as exigências da missão da mulher dentro do núcleo familiar” (...) o texto revisa os ensinamentos sobre a mulher ativa na vida pública e sua “vocação” maternal, a vida familiar e a necessidade de que ela seja fundamentada no casamento entre um homem e uma mulher (...). Rechaça ainda “o questionamento da família, a equiparação da homossexualidade à heterossexualidade e um modelo novo de sexualidade polimorfa” e a “ideologia de gênero” (FOLHA DE S. PAULO, 2004).

É a partir de 2015 que o Brasil passa a implementar mais incisivamente o pedido do Vaticano e a expressão passa a ser amplamente usada nas Conferências de Educação (CONAEs) e nos debates dos Planos de Educação do país para se contrapor às questões de GDS (Nelson SOUZA; SOUZA; DRUMMOND, 2018), como exemplificado na matéria “‘Ideologia de gênero’ será desastrosa para crianças, afirma a CNBB” (FOLHA DE S. PAULO, 2015).

Já em Portugal a expressão surge em 2013, também em uma publicação sobre a Igreja Católica, referente à Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa em que seria discutido, entre outros temas, “a carta pastoral intitulada ‘Visão cristã da sexualidade. A propósito da ideologia de género’” (Mafalda GANHÃO, 2013). Mas é apenas em 2018 que a expressão passa a ganhar destaque no país. Primeiro, com o pedido da Associação dos Médicos Católicos Portugueses ao Presidente

para vetar a lei que permite a mudança de género no registro civil a partir dos 16 anos sem necessidade de relatório médico (...) [para eles a lei é] suportada por uma “ideologia de género”, que é “uma construção cultural, um produto da cultura e do pensamento humano, sendo totalmente desvinculada da biologia”. (...) [e] afirmam, “a ciência, e a medicina em particular, não aceita a supremacia absoluta da dimensão psicológica/sociocultural sobre a identidade sexual” (LUSA, 2018).

Estas produções reafirmam o apontamento de que, após a ressignificação do conceito pela Igreja Católica, ele

espraiou-se na forma de um poderoso slogan, incendiando a arena política de dezenas de países, ao catalisar manifestações virulentas contra políticas sociais, reformas jurídicas e ações pedagógicas voltadas a promover os direitos sexuais e punir suas violações, enfrentar preconceitos, prevenir violências e combater discriminações (hetero)sexistas (JUNQUEIRA, 2016, p. 230).

Isto se faz presente também no enquadramento dado às produções pelos jornais, identificadas como ‘Tipo de produção’, ‘Rubricas’ e ‘Viés da expressão’. Estas categorias são importantes, pois indicam os valores compartilhados culturalmente (VIMIEIRO, 2010) nas abordagens definidas para a questão pelos jornais, bem como o viés empregado na expressão. Como aponta o Global Media Monitoring Project, os jornais usam uma hierarquia de temas; no ápice, estão os assuntos da política nacional ou internacional. As seções especiais como opinião, esporte ou cultura recebem menor destaque (GMMP, 2020).

Fonte: Elaboração das autoras e autor

#PraTodoMundoVer Gráfico com duas categorias analisadas nos resultados dos jornais Expresso e Folha de S. Paulo entre os anos de 2000 e 2019. A primeira é o Tipo de produção dividida em Informativa (65,3% do Expresso e 60,1% da Folha), Opinativa Pessoal (34,7% do Expresso e 37,5% da Folha) e Opinativa do jornal (2,4% da Folha). A segunda categoria é a Rubrica, dividida em Política (51% do Expresso e 49,4% da Folha), Mundo (14,3% do Expresso e 7,3% da Folha), Seção Opinião (32,7% do Expresso e 35,4% da Folha) e Outras rubricas (2% do Expresso e 7,9% da Folha)

Gráfico 1 Tipo e rubrica das produções dos jornais com a expressão “ideologia de gênero” entre os anos de 2000 e 2019 

O tipo das produções nos mostra que, nos dois jornais, a expressão foi tratada majoritariamente em matérias e entrevistas, classificadas como ‘Informativas’, sendo 32 no Expresso e 197 na Folha. Entendemos estas produções como construções sociais (Nelson TRAQUINA, 2005) que contribuem com a construção da própria realidade social, pois as pessoas que produzem o “conteúdo midiático estão imersos(as) nesse pano de fundo cultural que os transpassam e que eles também ajudam a construir” (VIMIEIRO, 2010, p. 66). Em segundo lugar, estão as produções classificadas como ‘Opinativa Pessoal’, relativas a artigos de opinião, blogs, colunas, podcasts, resenha e vídeo-debate de jornalistas ou pessoas convidadas, com 17 resultados no Expresso e 123 na Folha. A grande diferença entre os países é a presença, na Folha, de oito editoriais, espaço considerado a voz da instituição jornalística e uma das formas do periódico agendar temas e prioridades (Camila MONT’ALVERNE, 2016). Todos os editoriais argumentam sobre a falácia da expressão e seu uso nas políticas brasileiras, o que demonstra que as polêmicas tiveram grande visibilidade no país, tendo o jornal manifestado sua opinião sobre elas. Os títulos dos editoriais são: “Equívoco sem partido”, “Escola sem sentido”, “As cores de Damares”, “Fantasmas do ensino”, “Agenda de conflitos”, “O disparate do MEC”, “MEC a perigo” e “Marcha às trevas”. A maioria deles se refere ao Ministério da Educação do governo Jair Bolsonaro6 e a ligação entre a expressão “ideologia de gênero” e o projeto Escola Sem Partido. Este projeto foi criado em 2004 e rotula as questões de GDS como ‘ideologia’, enquanto tal deveria ser banida do âmbito escolar. Eles defendem uma escola ‘sem interferências políticas’ e sem ‘doutrinações partidárias e ideológicas’. Para isso, atacam “o livre pensamento, a liberdade de pensamento e do exercício da profissão, o pensamento crítico e a pluralidade como princípios democráticos” (Ivan AMARO, 2016, p. 1). Essa estratégia também traz consigo o menosprezo à capacidade reflexiva e à autonomia de estudantes.

Ao classificar as seções nas quais as produções foram veiculadas - as ‘Rubricas’ -, identificamos mais semelhanças entre os países. A rubrica ‘Política’ teve a maior ocorrência nos dois jornais e corresponde às produções com referência às eleições, aos parlamentares, seus espaços e ações dentro do país e reações às propostas e aos debates políticos. Isto se deve ao fato de que, no período analisado, os países passaram por processos eleitorais, mas, principalmente, porque a expressão foi utilizada como pauta de campanha. No Brasil, nas eleições de 2016 e 2018, a expressão foi usada como uma das ‘bandeiras de campanha’ de Bolsonaro e de outras candidaturas de direita. Em Portugal, no ano de 2019, nove matérias utilizam a expressão referente às eleições europeias. Nelas, aparece o compartilhamento feito no Facebook, pelo Patriarcado de Lisboa, de um gráfico da Federação Portuguesa pela Vida que definia “as posições ‘defesa da vida’ dos partidos políticos nacionais com base em seis critérios: ‘Vida por nascer’; ‘rejeição eutanásia’; ‘liberdade de educação’; ‘oposição ideologia de género’; ‘proibição barrigas de aluguer’; e ‘combate à prostituição’” (EXPRESSO, 2019a). O gráfico fazia apelo ao voto nas coligações dos partidos Basta, o Nós Cidadãos e o CDS como sendo “as únicas forças políticas que defendem ‘a vida’” (EXPRESSO, 2019a).

A rubrica ‘Mundo’ abriga produções referentes aos eventos e debates internacionais ou de instituições com representação global. Nesse caso, as ocorrências apresentam diferenças visíveis. Com sete resultados, o jornal Expresso tem o dobro de porcentagem em relação à Folha, que apresenta 24. É interessante destacar aqui que a maioria dos resultados dos jornais se referem ao governo Bolsonaro e seus ministros. No Expresso, cinco matérias são sobre o governo Bolsonaro e a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.7 Dois títulos aparecem como bons exemplos das matérias: “Bolsonaro promete acabar com a ‘porcaria marxista’ nas escolas” e “Azul para os meninos e cor-de-rosa para as meninas: o Brasil entrou numa nova era, diz ministra de Bolsonaro”. As outras duas matérias são sobre as eleições na Espanha: uma sobre a participação decisiva das mulheres no resultado e outra sobre o jornal El País ter sido banido da campanha do Vox. Na Folha, metade das produções se refere ao governo Bolsonaro, mais especificamente sobre a diplomacia brasileira, seu discurso na ONU, sua aproximação com o governo Trump e sua linha política. Outras matérias se destacam, quatro delas abordam documentos e ações da Igreja Católica, outras quatro tematizam as eleições na Colômbia, Bolívia, Uruguai e Argentina; sendo um dos títulos “‘Bolsonara’ argentina defende frente anti-aborto nas eleições deste ano”.

As produções classificadas como ‘Outras rubricas’ são as relacionadas a cultura, artes, música, publicidade, seminários, celebridades, mídia etc. O Expresso tem apenas um resultado nessa classificação, uma postagem no blog do jornal sobre o lançamento de um disco cujo tema é o espaço privado e o feminismo pós-movimento #MeToo. A Folha registra 26 resultados e eles abordam diversos temas, desde produções televisivas e teatrais até conflitos escolares, como neste título: “Briga judicial entre professora e aluna ilustra racha político no país”.

Quanto ao ‘Viés’, ou seja, a forma e o significado dados à expressão “ideologia de gênero”, os resultados mostram que, quase em sua totalidade, nos dois países, ele é conservador. O Expresso apresentou 46 resultados com este viés (93,9%) e a Folha teve 319 (97,3%). O viés sociológico e a apresentação de ambos os vieses nas produções estiveram presentes em apenas três produções do Expresso (6,1%) e em nove da Folha (2,7%). No jornal português, a matéria “O dilema da maternidade” e o texto de opinião “Os ‘Netos de Moura’ e a inteligência artificial” são os itens que a utilizam como conceito sociológico. Já o texto “Um género de direita” apresenta ambos os vieses ao debater a ação dos deputados contra a lei de identidade de gênero aprovada no país. No jornal brasileiro, são três produções opinativas e uma matéria que apresentam o conceito sociológico e cinco produções opinativas pessoais com ambos os vieses debatendo sua origem, ressignificação e uso político. São elas: “O fascismo também tem ideologia de gênero”, “Gênero: ideologia ou teoria? Quem se opõe ao debate sobre gênero é quem se beneficia das coisas como elas são...”, “Qual ideologia de gênero?”, “Os fantasistas de gênero” e “Para acabar com as ideologias de gênero”.

É interessante associar esse desenho da distribuição da expressão “ideologia de gênero” nas produções dos jornais à agenda social e política em ambos os países. Os temas em pauta na sociedade e no parlamento de cada país no período analisado podem ter suscitado as produções dos jornais, uma vez que funcionam como alavancas que podem potenciar a noticiabilidade. A pesquisa de Antić e Radačić (2020) indica que, nas esferas de interesse do movimento antigênero, estão alguns alvos específicos, como os direitos reprodutivos e LGBT+, a educação sexual e de gênero nas escolas e o próprio conceito de gênero. Nesse sentido, é essencial frisar que as reações mais enfáticas do nosso corpus estão relacionadas à política, principalmente ao debate das temáticas sobre políticas públicas educacionais. Significa que, apesar de uma maior permeabilidade, em ambas as sociedades, para políticas específicas para as mulheres e pessoas LGBT+, quando as temáticas são associadas à educação, grupos religiosos e conservadores as veem como ameaças ao status quo e promovem reações mais contundentes.

A grande diferença entre os países está no fato de que, em Portugal, as reações são relativas à implementação de uma lei já aprovada, enquanto, no Brasil, se referem à exclusão das temáticas das leis por parlamentares durante sua elaboração. Como exemplo expresso nas matérias, temos a reação portuguesa, em 2019, de 85 deputados do PSD e CDS, contra a lei que definia a obrigação do Estado em promover medidas na educação relativas ao “exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas”. Ao passo que, no Brasil, os exemplos são da exclusão das palavras e temáticas relacionadas a GDS dos Planos de Educação e da Base Nacional Comum Curricular. Junta-se a essa iniciativa as ações do movimento ‘Escola Sem Partido’, por meio de seus atores ou de seus representantes parlamentares.

Essas reações impedem o debate para solucionar problemas educacionais como taxas de distorção série-idade, abandono e repetência (BRASIL, 2009). Problemas que estão principalmente relacionados a homofobia, sexismo e outras formas de violência, discriminação e preconceito, como a pedagogia da sexualidade (LOURO, 2000) e a pedagogia do armário (JUNQUEIRA, 2010). Situação essa agravada no caso das pessoas trans. Os constrangimentos que elas sofrem nas esferas familiar e comunitária se perpetuam nas escolas, ao enfrentarem obstáculos para se matricular, ao não terem suas identidades respeitadas (nome social), no uso das estruturas escolares (como os banheiros) e na dificuldade em preservarem suas integridades físicas (William PERES, 2009). Como aponta uma entrevistada de Paulo Saldaña (2019), “[d]iscutir gênero é discutir questões muito centrais da democracia, que afetam a vida cotidiana das mulher (sic), da população LGBT+ e também dos homens. Quando a gente silencia vai deixando o problema da violência só crescer”.

As produções também tornam inequívoco que, apesar de a expressão ter demorado a adentrar na política portuguesa (EXPRESSO, 2019b), o sentido compartilhado culturalmente entre os países foi aquele estrategicamente construído pelos agentes do discurso antigênero. Mesmo quando utilizado por pessoas que descredibilizam este viés conservador, ele é reproduzido como o sintetizador do debate. Essa é uma das características de destaque da utilização da expressão. Na grande maioria das produções não existe uma explicação, exemplificação ou argumentação sobre a mesma. Como apontam outros estudos (GARRAIO; TOLDY, 2020; CORREDOR, 2019; SOUZA, 2014), esta é uma expressão linguística ancorada na construção de um suposto monstro a ser combatido, assim como outros a que está associada, tais como: marxismo cultural, comunismo, socialismo, globalismo, feminismo etc.

(...) a ideologia de gênero se tornou um grande espantalho que enfeixa com sua envergadura frágil na estrutura, mas potente simbolicamente, sentidos que passaram a identificar por derivação a esquerda política com corrupção moral e favorecimento a segmentos populacionais que não mereceriam habitar a nação. (...) Adjetivações que se desdobram em teias aparentemente desconexas, mas que compõem, de fato, uma trama social costurada pelas linhas do temor da violação de valores tidos como intocáveis (heterossexualidade, sexualidade das crianças, família em modelo canônico, papéis de gênero, questões raciais) (...). Nesse cenário, ser a favor de se discutir esses temas e/ou ampliar o campo dos direitos para segmentos historicamente subalternizados em nossa sociedade, é colocá-los em risco (Luiz VIEIRA JUNIOR; Larissa PELÚCIO, 2020, p. 99).

O perfil das pessoas que utilizam a retórica da “ideologia de gênero” também é definido nos dois jornais como conservadores e cristãos. Ou seja, os periódicos relacionam os discursos heteronormativos sobre a sexualidade e o gênero com os agentes das igrejas evangélicas no Brasil e católica em Portugal. É recorrente, na história da sexualidade, a participação das instituições religiosas e seus agentes na delimitação de ‘padrões sexuais’ aceitáveis (FOUCAULT, 1988). Quanto aos atores parlamentares que mobilizam o viés político discursivo contrário às temáticas de gênero, eles não se fazem presentes exclusivamente nos dois países analisados. O movimento antigênero é formado por alianças nacionais e transnacionais que compartilham discursos, estratégias e objetivos e, “no caso de atores estatais, mecanismos governamentais específicos para influenciar ou mudar o sistema educacional, a legislação e a opinião pública para refletir os ‘valores cristãos tradicionais’, como objetivos principais das campanhas antigênero” (ANTIĆ; RADAČIĆ, 2020, p. 5).8 “Os ataques à ‘ideologia de género’ têm vindo a marcar os debates políticos em várias zonas do globo das últimas duas décadas, tendo contribuído decisivamente para determinados resultados eleitorais” (GARRAIO; TOLDY, 2020, p. 130). Isso evidencia a “ascensão de uma extrema direita autoritária, nacionalista e ultraconservadora” (Antonia PELLEGRINO; Manoela MIKLOS, 2019). O mundo político oferece vários exemplos com esse perfil, entre eles Trump, nos EUA; Rodrigo Duterte, nas Filipinas; Erdoğan, na Turquia; Viktor Orbán, na Hungria; Matteo Salvini, na Itália, entre outros. Como aponta Valdinei Ferreira (2019): “Que governos elejam inimigos da pátria e criem narrativas de conspirações não é nenhuma novidade. O que há de novo é a entrada da retórica cristã na engrenagem”.

Por fim, é importante frisar que, mesmo nos países onde a expressão ainda não foi estrategicamente fixada na política, é preciso atenção, pois sua manifestação, visibilidade e representações têm aumentado. Francisco Louçã (2019) acredita que a expressão não se enraizou em Portugal porque a direita teve o ‘mal da precipitação’ e não seguiu o modelo de Bolsonaro de deixar o medo amadurecer e o ódio crescer até virar uma voz com sucesso político. Ele argumenta também que o discurso da “‘defesa da família’ para tentar um voto religioso, sugerindo o missal e o confessionário para proteger a família (...) é simplesmente tosco. E inventar o perigo de uma ‘ideologia de género’ para criminalizar o feminismo ou o combate à homofobia (...) não é só tosco, é mesmo pateta” (LOUÇÃ, 2019). Apesar de diagnósticos críticos como esse, o fato é que o discurso da “ideologia de gênero” no país tem aumentado. Um exemplo foi a moção apresentada na convenção do Chega para que os ovários das mulheres que abortem sejam retirados, pois assim retiraria do “Estado o dever de matar recorrentemente portugueses por nascer” (SIC Notícias, 2020). Ou então a proposição de um novo partido com a bandeira contra o aborto, a oposição “ao ‘marxismo cultural’, à ‘ideologia de género’, e aos ‘refugiados’ (...) [apoiando] as manifestações de extrema-direita que se têm visto em Portugal e no resto do mundo contra as medidas anti-covid-19, como o uso de máscaras” (EXPRESSO, 2020). Não chega a ser surpresa que narrativas negacionistas diante da pandemia se articulem ao discurso conservador antigênero.

Considerações finais

Apresentamos a análise de dados sobre como os jornais Folha de S. Paulo e Expresso participam da disputa discursiva em torno da “ideologia de gênero” no Brasil e em Portugal. Esse panorama do estágio das disputas de GDS foi construído com base nas situações episódicas e conflituosas representadas nas produções jornalísticas que utilizaram a expressão “ideologia de gênero”.

Resumidamente, foi observado que o jornal brasileiro apresentou mais textos publicados com a expressão, mas nos dois veículos analisados ela foi tratada majoritariamente em matérias e entrevistas. A grande diferença entre os países é a presença, na Folha, de oito editoriais que contemplam o tema e argumentam sobre a falácia da expressão e seu uso nas políticas brasileiras, o que demonstra que as polêmicas tiveram grande visibilidade no país, tendo o jornal se posicionado criticamente. A análise das seções onde as produções foram veiculadas (‘Rubricas’) mostra mais semelhanças entre os jornais, sendo que ambos apresentam maior ocorrência em ‘Política’ e ‘Mundo’.

Quanto ao ‘Viés’, os resultados mostram que ele é conservador, praticamente, na totalidade dos casos, em ambos os países. A grande diferença está no fato de que, em Portugal, as reações são relativas à implementação de uma lei já aprovada, enquanto, no Brasil, se referem à exclusão das temáticas das leis por parlamentares durante sua elaboração. Lembrando que o uso conservador do termo aparece primeiro no Brasil (2004) e só bem depois em Portugal (2013). O perfil das pessoas que utilizam a retórica da “ideologia de gênero” também é definido nos dois jornais como conservadores e cristãos, sendo os grupos majoritariamente compostos por agentes das igrejas evangélica no Brasil e católica em Portugal. Quanto aos atores parlamentares que mobilizam o viés político discursivo contrário às temáticas de gênero, eles não se fazem presentes exclusivamente nos dois países analisados, sendo encontrados diversos exemplos desse perfil em governos de outros países, por exemplo: Trump, nos Estados Unidos; Rodrigo Duterte, nas Filipinas; Erdoğan, na Turquia; Viktor Orbán, na Hungria, e Matteo Salvini, na Itália.

Sendo assim, os dados confirmam que o uso da expressão vem aumentando e sob o quase monopólio de agentes políticos de direita que a ressignificaram, imprimindo-lhe um viés conservador. Nesse processo, grupos cristãos ocupam posição de destaque na consolidação da expressão como instrumento político para barrar direitos relativos a GDS em ambos os países.

Uma particularidade importante das disputas discursivas que envolvem a expressão “ideologia de gênero” diz respeito ao fato de que, em Portugal, as leis favoráveis às mulheres e grupos LGBT+ foram aprovadas. As resistências dos grupos conservadores apareceram após essa conquista de direitos. O que contrasta com a configuração das disputas no Brasil, onde a organização e estratégia dos grupos de direita bloqueiam, com bastante êxito, a aprovação de leis similares. Esse é um achado significativo desse estudo.

Os resultados sugerem ainda que, mesmo havendo diferenças quantitativas e temporais quanto à presença e à visibilidade da expressão nos dois países, no que diz respeito ao âmbito qualitativo, Brasil e Portugal replicam o padrão mundial no uso da expressão, conforme apontamentos feitos em outras investigações. Cabe ressaltar que as disputas discursivas sobre a “ideologia de gênero”, representada nos jornais dos dois países, estão ligadas, fundamentalmente, às eleições e às políticas educacionais. Deve-se acrescentar que o caso em tela reforça o que já foi evidenciado noutros estudos: quando a expressão é associada às políticas educacionais, grupos religiosos e conservadores as veem como ameaças ao status quo, criando reações negativas mais efetivas. A diferença é que, frente às medidas educacionais que favorecem a identidade de gênero, os conservadores portugueses reagem após a implementação da lei aprovada, enquanto que, no Brasil, a resistência da direita, na maior parte dos casos, mira a exclusão dos conceitos, termos e temáticas referentes a GDS das políticas educacionais a serem implementadas.

A expressão “ideologia de gênero” opera, ao mesmo tempo, como ferramenta e síntese retórica do poder discursivo da heteronormatividade na política, portanto, merece aprofundamento em pesquisas futuras. Esse tipo de investigação pode evidenciar como discursos construídos com a pretensão de representar o real operam a dominação, seja de forma sutil, ou via ameaças e cálculos estratégicos. As disputas discursivas compõem o ‘jogo democrático’ de legitimação de sistemas de valores. Mas, trata-se de uma forma de dominação que, ao mesmo tempo, nos limita e nos habilita. Enquanto disputa, sempre é possível a resistência. Sendo assim, a replicação deste estudo em outros países, ou até mesmo a agregação de outros jornais e meios de comunicação à análise, pode auxiliar na comparação das estratégias e resistências aqui identificadas. Outro desenvolvimento esperado virá com a agregação do conceito de interseccionalidade (Kimberlé CRENSHAW, 1991), que contribuirá para a articulação entre questões raciais, étnicas e de classe, entre outras. Questões essas que atravessam, interferem ou têm consequências diversas no debate sobre GDS.

Por fim, destacamos que o uso da expressão “ideologia de gênero” é relevante e merece maior atenção, pois é ferramenta estratégica nas disputas por identidade e seu uso como instrumento político gerou e tem gerado frutos pelo mundo. Como aponta Butler (2017), “[q]uando violência e ódio se tornam instrumentos da política e da moral religiosa, então a democracia é ameaçada por aqueles que pretendem rasgar o tecido social, punir as diferenças e sabotar os vínculos sociais necessários para sustentar nossa convivência aqui na Terra”. Nesse sentido, evidenciamos que o uso da expressão “ideologia de gênero”, infelizmente, está associado ao desmantelamento de conquistas sociais, políticas e culturais, principalmente de mulheres e pessoas LGBT+, assim como às ameaças à democracia.

Referências

ALVES, José Eustáquio; CORRÊA, Sônia. “Igualdade e desigualdade de gênero no Brasil: um panorama preliminar, 15 anos depois do Cairo”. In: SEMINÁRIO BRASIL, 15 ANOS APÓS A CONFERÊNCIA DO CAIRO, 2009, Belo Horizonte, Abep. Anais... Belo Horizonte: Abep, ago. 2009. [ Links ]

ANTIĆ, Marija; RADAČIĆ, Ivana. “The evolving understanding of gender in international law and ‘gender ideology’ pushback 25 years since the Beijing conference on women”. Women’s Studies International Forum [online], v. 83, 2020, 102421. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1016/j.wsif.2020.102421 . ISSN: 0277-5395. Acesso em 14/12/2020. [ Links ]

AMARO, Ivan. “A escola no armário: o apagamento das relações de gênero e das sexualidades no PNE e nos Planos Municipais de Educação”. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE, 4, e ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNERO, 2, 2016, Vitória, UFES. Anais eletrônicos... Vitória: UFES, 2016. [ Links ]

APCT. Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação. “Análise simples 2019 - Todos os segmentos”. APCT [online], Lisboa. Disponível em Disponível em http://bit.ly/2pIewDa . Acesso em 15/12/2019. [ Links ]

BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S. “Duas faces do poder”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 19, n. 40, p. 149-157, 2011. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2LyBxDh . Acesso em 20/04/2016. [ Links ]

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Avaliação do Plano Nacional de Educação, 2001-2008. Brasília: INEP, 2009. Disponível em Disponível em https://goo.gl/IfCOiq . Acesso em 13/02/2020. [ Links ]

BUTLER, Judith. “Judith Butler escreve sobre sua teoria de gênero e o ataque sofrido no Brasil”. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 19/11/2017. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3j5NgEU . Acesso em 05/05/2020. [ Links ]

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. [ Links ]

CERQUEIRA, Carla; CABECINHAS, Rosa. “Políticas para a igualdade entre homens e mulheres nos media: da (inov)ação legislativa à mudança social”. Ex aequo, Vila Franca de Xira, n. 25, p. 105-118, 2012. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3njYloj . Acesso em 14/12/2019. [ Links ]

CORREDOR, Elizabeth S. “Unpacking ‘Gender Ideology’ and the Global Right’s Antigender Countermovement”. Signs, Boston, v. 44, n. 3, p. 613-638, 2019. Disponível em Disponível em https://bit.ly/38KDgPH . Acesso em 19/02/2019. [ Links ]

CRENSHAW, Kimberlé. “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color”. Stanford Law Review, Stanford, v. 43, n. 6, p. 1241-1299, 1991. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/1229039?seq=1 . Acesso em 08/06/2020. [ Links ]

DRUMMOND, Daniela; SOUZA, Juliana I. L.; ALMEIDA, Tatiane S. “As imagens do movimento feminista nos jornais do Brasil e de Portugal (2013-2015)”. Agenda Política, São Carlos, v. 7, n. 3, 2019. Disponível em Disponível em https://bit.ly/36N1eau . Acesso em 20/02/2020. [ Links ]

EXPRESSO. “Os ‘estilhaços’ do Chega estão a formar um novo partido: eis a Liga Nacional”. Expresso [online], Paço dos Arcos, 13/10/2020. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2J6jTFR . Acesso em 24/11/2020. [ Links ]

EXPRESSO. “Patriarcado de Lisboa diz que foi imprudente ter apelado ao voto no Basta”. Expresso [online], Paço dos Arcos, 16/05/2019a. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2JbGml6 . Acesso em 06/05/2020. [ Links ]

EXPRESSO. “Podcast Eixo do Mal: ‘A maneira como este ministro se portou com o autarca de Mação é... desagradável’”. Expresso [online], Paço dos Arcos, 26/07/2019b. Disponível em Disponível em https://bit.ly/32dsg8D . Acesso em 06/05/2020. [ Links ]

FERREIRA, Valdinei. “Ernesto, Damares e os dragões”. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 17/02/2019. Disponível em Disponível em https://bit.ly/32kgRE5 . Acesso em 05/05/2020. [ Links ]

FOLHA DE S. PAULO. “Documento do Vaticano condena o feminismo”. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 31/07/2004. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3nQMcHj . Acesso em 05/05/2020. [ Links ]

FOLHA DE S. PAULO. “‘Ideologia de gênero’ será desastrosa para crianças, afirma a CNBB”. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 18/06/2015. Disponível em Disponível em https://bit.ly/36ZzejQ . Acesso em 05/05/2020. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. [ Links ]

GANHÃO, Mafalda. “Patriarca alerta para ‘imerecida penúria’ de muitas pessoas”. Expresso [online], Paço dos Arcos, 11/11/2013. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3fui4P1 . Acesso em 06/05/2020. [ Links ]

GARRAIO, Júlia; TOLDY, Teresa. “‘Ideologia de género’: origem e disseminação de um discurso antifeminista”. Mandrágora, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 129-155, 2020. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3pw5kw2 . Acesso em 10/08/2020. [ Links ]

GOMES, Eduardo R. A.; FEHLBERG, Jamily. “Lesbofobia: a construção de um novo conceito”. Psicologia em Foco, Aracaju, v. 4, n. 1, jul./dez. 2014. Disponível em Disponível em https://bit.ly/372mxow . Acesso em 15/03/2017. [ Links ]

GMMP. Global Media Monitoring Project. “Guia de Monitoramento para todos os meios”. GMMP, 2020. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2YfSDcy . Acesso em 13/07/2020. [ Links ]

JUNQUEIRA, Rogério D. “Currículo heteronormativo e cotidiano escolar homofóbico”. Espaço do Currículo, João Pessoa, v. 2, n. 2, p. 208-230, set. 2009-mar. 2010. [ Links ]

JUNQUEIRA, Rogério D. “‘Ideologia de gênero’: uma categoria de mobilização política”. In: SILVA, Márcia A. (Org.). Gênero e diversidade: debatendo identidades. São Paulo: Perse, 2016. p. 229-246. [ Links ]

LOUÇÃ, Francisco. “Como treinar um Bolsominion”. Expresso [online], Paço dos Arcos, 19/03/2019. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3ggnvQt . Acesso em 06/05/2020. [ Links ]

LOURO, Guacira L. “Heteronormatividade e homofobia”. In: JUNQUEIRA, Rogério D. (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: MEC; UNESCO, 2009. p. 85-94. [ Links ]

LOURO, Guacira L. (Org.). O corpo educado: Pedagogia da sexualidade. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. [ Links ]

LUSA. “Médicos católicos pedem a Marcelo para vetar a lei de mudança de género”. Expresso [online], Paço dos Arcos, 16/04/2018. Disponível em Disponível em https://bit.ly/39aPNfn . Acesso em 06/05/2020. [ Links ]

MÍDIA DADOS Grupo de Mídia. “Mídia Dados Brasil 2018”. Mídia Dados. São Paulo, 2019. Disponível em Disponível em http://bit.ly/2JUQ5IU . Acesso em 21/09/2019. [ Links ]

MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “‘Ideologia de Gênero’: notas para uma genealogia de um pânico moral contemporâneo”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 12, n. 3, 2017. [ Links ]

MIRANDA, Cynthia M.; PARENTE, Temes G. “Plataforma de Ação de Pequim, avanços e entraves ao gender mainstreaming”. OPSIS, Catalão, v. 14, n. 1, p. 415-430, 2014. [ Links ]

MONT’ALVERNE, Camila B. P. “Pródigo em decisões contra o interesse público”: Imagem pública, agendamento e enquadramento do congresso nacional nos editoriais dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. 2016. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Comunicação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. [ Links ]

PELLEGRINO, Antonia; MIKLOS, Manoela. “Seguindo a cartilha”. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 04/03/2019. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3aPbiBq . Acesso em 05/05/2020. [ Links ]

PERES, William S. “Cenas de exclusões anunciadas: travestis, transexuais, transgêneros e a escola brasileira”. In: JUNQUEIRA, Rogério D. (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: MEC; UNESCO, 2009. p. 235-264. [ Links ]

ROST, Mariana; VIEIRA, Miriam Steffen. “Convenções de gênero e violência sexual: A cultura do estupro no ciberespaço”. Contemporanea, Salvador, v. 13, n. 2, p. 261-276, 2015. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2J0Vfq8 . Acesso em 15/03/2017. [ Links ]

SACCHET, Teresa. “Why gender quotas don’t work in Brazil? The role of the electoral system and political finance”. Colombia Internacional, Bogotá, v. 95, p. 25-54, jul./set. 2018. Disponível em Disponível em https://bit.ly/39nNZQi . Acesso em 10/05/2020. [ Links ]

SALDAÑA, Paulo. “Governo Bolsonaro vai criar comissão para pente-fino ideológico de questões do Enem”. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 20/02/2019. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2JoWtvz . Acesso em 05/05/2020. [ Links ]

SCOTT, Joan W. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2FC3K9j . Acesso em 29/10/2016. [ Links ]

SIC Notícias. “Moção polémica do Chega!: ‘Devem ser retirados os ovários’ às mulheres que abortem”. SIC Notícias [online]. Lisboa, 21/09/2020. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2Jss67j . Acesso em 21/09/2020. [ Links ]

SILVEIRINHA, Maria João. “Repensar as políticas públicas sobre as mulheres e os media: ou do quão cruciais são os estudos feministas da comunicação”. Ex aequo, Vila Franca de Xira, n. 25, p. 91-104, 2012. Disponível em Disponível em https://bit.ly/2K0wqve . Acesso em 14/12/2019. [ Links ]

SOUZA, Juliana I. L.; EDUARDO, Maria Cecília. “Disputas discursivas na mídia: A cobertura dos jornais Folha de S. Paulo e Gazeta do Povo sobre gênero e diversidade sexual nos planos de educação”. Agenda Política, São Carlos, v. 8, n. 1, p. 222-254, 2020. [ Links ]

SOUZA, Nelson R.; SOUZA, Juliana I. L.; DRUMMOND, Daniela. “A cobertura do jornal Gazeta do Povo nas questões de gênero e diversidade sexual nos planos de educação”. Ação Midiática, Curitiba, n. 15, p. 101-119, 2018. Disponível em Disponível em https://bit.ly/35D4oOk . Acesso em 03/09/2018. [ Links ]

SOUZA, Sandra D. “‘Não à ideologia de gênero!’ A produção religiosa da violência de gênero na política brasileira”. Estudos de Religião, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 188-204, jul./dez. 2014. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3kDdzCW . Acesso em 30/03/2017. [ Links ]

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo, porque as notícias são como são. 2 ed. Florianópolis: Insular, 2005. [ Links ]

VIEIRA JUNIOR, Luiz A. M.; PELÚCIO, Larissa. “Memes, fake news e pós-verdade ou como a teoria de gênero vira uma ‘ideologia perigosa’”. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 25, n. 48, jan./jun. 2020. Disponível em Disponível em https://bit.ly/3fcYjvu . Acesso em 21/08/2020. [ Links ]

VIGOYA, Mara V.; RONDÓN, Manuel A. R. “Hacer y deshacer la ideología de género”. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 27, p. 118-127, set./dez. 2017. [ Links ]

VIMIEIRO, Ana C. S. C. Cultura pública e aprendizado social: a trajetória dos enquadramentos sobre a temática da deficiência na imprensa brasileira (1960-2008). 2010. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. [ Links ]

1“denouncing gender theory and gender studies as an ideology not only justified cutting in funds for gender research and gender studies, but also led to delegitimisation of scientific knowledge on gender and normalisation of moral positions in science debates” (ANTIĆ; RADAČIĆ, 2020).

2O Livro de Códigos é a ferramenta utilizada na Análise de Conteúdo para sistematizar o referencial de codificação do corpus com base nas definições teóricas da pesquisa. É um manual que elenca as categorias e códigos (variáveis) de análise, bem como a definição da unidade de análise e regras para codificar cada categoria. Para este artigo, o Livro de Códigos foi criado pelas autoras e o autor e está disponível em https://bit.ly/3yPAQdq.

3“para explicar e intervenir la reproducción social de violencias y relaciones jerárquicas entre hombres y mujeres” (VIGOYA; RONDÓN, 2017, p. 119).

4Este período corresponde, no Brasil, aos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1998-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2002-2010), Dilma Rousseff (PT, 2010-31/08/2016), Michel Temer (PMDB, 31/08/2016-2018) e o atual governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL e atual PL). Em Portugal, se refere do XIV Governo ao atual XXII, representados pelos presidentes Jorge Fernando Branco de Sampaio (Partido Socialista - PS, 1996-2006), Aníbal António Cavaco Silva (Partido Social Democrata - PSD, 2006-2016) e Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa (PSD, 2016-presente); e pelos primeiros ministros António Guterres (PS, 1999-2002), José Manuel Durão Barroso (PSD, 2002-2004), Pedro Santana Lopes (PSD, 2004-2005), José Sócrates (PS, 2005-2011), Pedro Passos Coelho (PSD, 2011-2015), António Costa (PS, 2015-presente).

5Pela limitação de espaço, o artigo apresenta apenas algumas categorias, mas, para maior transparência e possíveis replicações do estudo, disponibilizamos as tabelas completas dos resultados (https://bit.ly/318JLrh).

6É importante lembrar que o governo Bolsonaro teve, até esta publicação, três ministros da Educação, todos extremamente conservadores, além de outras nomeações que não chegaram a tomar posse (Carlos Alberto Decotelli e Renato Feder). Os dois primeiros ministros (Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub) foram indicados por Olavo de Carvalho e são seus seguidores, já o terceiro (Milton Ribeiro) é pastor e foi indicado pela bancada evangélica. O Ministério da Educação, junto com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o Itamaraty e o Procurador-Geral da República, são considerados a “ala ideológica” do governo.

7A ministra é uma pastora evangélica, representante de forte influência do grupo evangélico do atual governo que, durante a posse de Bolsonaro, disse “que no Brasil o Estado é laico mas ela é ‘terrivelmente cristã’” (https://bit.ly/3e0YkSU). Ela segue uma linha conservadora na contramão dos movimentos feministas e LGBT+, como expresso no seu combate à “ideologia de gênero” e ao aborto.

8“in case of state actors, specific governmental mechanisms to influence or change educational system, legislation and public opinion to reflect ‘traditional Christian values,’ as main objectives of anti-gender campaigns” (ANTIĆ; RADAČIĆ, 2020, p. 5).

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: SOUZA, Juliana Inez Luiz de; CERQUEIRA, Carla Preciosa Braga; SOUZA, Nelson Rosário de; EDUARDO, Maria Cecília. “‘Ideologia de gênero’ como instrumento político nos jornais do Brasil e de Portugal”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e78510, 2022.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Brasil, Código de Financiamento 001

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 07 de Janeiro de 2021; Revisado: 23 de Dezembro de 2021; Aceito: 07 de Fevereiro de 2022

jils@ufpr.br; jilslua@yahoo.com.br

carla.cerqueira@ulp.pt; carlaprec3@gmail.com

nrdesouza@ufpr.br; nrdesouza@uol.com.br

mariaceciliaedu@ufpr.br; mceduardo9@gmail.com

Juliana Inez Luiz de Souza (jils@ufpr.br; jilslua@yahoo.com.br) é cientista política. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharela em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Integrante do grupo de pesquisa “Midiaculturas, poder e sociedade”, da UFPR. Estuda os temas: gênero, diversidade sexual e política

Carla Preciosa Braga Cerqueira (carla.cerqueira@ulp.pt; carlaprec3@gmail.com) é licenciada em Comunicação Social, pós-graduada em Ciências da Comunicação - Informação e Jornalismo e doutora em Ciências da Comunicação, especialidade Psicologia da Comunicação, pela Universidade do Minho. Atualmente, é docente na Universidade Lusófona do Porto e investigadora no Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT). Especialista na área dos estudos de gênero, diversidade e mídia

Nelson Rosário de Souza (nrdesouza@ufpr.br; nrdesouza@uol.com.br) cumpriu período como professor visitante e realizou estágio pós-doutoral com bolsa Capes na Université Sorbonne Nouvelle Paris III. É Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, tendo cumprido estágio de pesquisa na École Des Hautes Études En Sciences Sociales (Paris). Atualmente, é professor Titular da Universidade Federal do Paraná, nos programas de pós-graduação em Sociologia e Ciência Política. Coordena o grupo de pesquisa “Midiaculturas”. Publicou 2 livros, 18 artigos em periódicos especializados, 13 em coletâneas, organizou um dossiê em revista especializada e uma coletânea

Maria Cecília Eduardo (mariaceciliaedu@ufpr.br; mceduardo9@gmail.com) é cientista política. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal

Contribuição de autoria: Juliana Inez Luiz de Souza: Concepção, coleta de dados e análise de dados, elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados. Carla Cerqueira: Elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados. Nelson Rosário de Souza: Elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados. Maria Cecília Eduardo: Elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados

Conflito de interesses: Não se aplica

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons