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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n381952 

Artigos

Masculinidades indígenas nas Missões do Paraguai colonial (sécs. XVII-XVIII)

Masculinities in Paraguay’s Indigenous Jesuit Missions in the 17th and 18th centuries

Masculinidades indígenas en las Misiones de Paraguay (siglos XVII-XVIII)

Jean Tiago Baptista1 
http://orcid.org/0000-0002-6013-4073

Tony Willian Boita2 
http://orcid.org/0000-0003-3780-2157

Camila Azevedo de Moraes Wichers3 
http://orcid.org/0000-0002-8996-7183

1Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil. 49100-000

2Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Goiânia, GO, Brasil. 74690-900

3Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Goiânia, GO, Brasil. 74690-900


Resumo:

Aborda-se aqui o passado das Missões Indígeno-Jesuíticas do Paraguai colonial a partir dos estudos sobre gênero e masculinidades. Em especial, concentra-se nas tensões entre categorias indígenas, como a maestria, e noções de masculinidades, durante a estruturação do projeto missional. Em um primeiro momento, acompanha-se o arco narrativo do cacique Guiraverá, um chefe-mestre a se redimensionar durante a fundação da missão de Jesus Maria, para em seguida, problematizar os limites da materialidade da masculinidade missional perante outros corpos ali também produzidos. Reserva-se à introdução a apresentação dos problemas e bases teóricas do projeto Entre o Arco e o Cesto, bem como às considerações finais, possíveis interpretações e limites surgidos ao longo da pesquisa.

Palavras-chave: indígenas; gênero; masculinidades; Missões; Paraguai

Abstract:

In this paper we address the past of colonial Paraguay’s Indigenous Jesuit Missions from a gender and masculinities. We focus particularly on the tensions between modern Western conceptions of masculinity and Indigenous mastery. The paper follows the case of cacique Guiraverá, a chief-master rescaling himself during the foundation of the Jesus Maria mission. We problematize the limits of missional masculinity before other bodies produced in that same context. In the Introduction we present the research problems and the work’s theoretical bases. Possible interpretations and limitations that arose during research are dealt with in the concluding remarks.

Keywords: Indigenous Peoples; Gender; Masculinities; Missions; Paraguay

Resumen:

Aquí se analiza el pasado de las Misiones Indígeno Jesuíticas del Paraguay colonial desde una perspectiva de género y masculinidades. En particular, se centra en las tensiones entre las concepciones de las masculinidades occidentales modernas y la maestría indígena. El artículo sigue el caso de Guiraberá, un jefe maestro que se redimensiona durante la fundación de la misión de Jesús María, para luego cuestionar los límites de la materialidad de la masculinidad misional ante otros cuerpos también producidos allí. La presentación de los problemas y las bases teóricas de la investigación se reservan para la introducción, así como posibles interpretaciones y límites que surgen en la investigación se encuentran en las consideraciones finales.

Palabras clave: indígenas; género; masculinidades; Misiones; Paraguay

Logo após a meia-noite, o cacique Guiraverá, convicto opositor da proposta de catequização jesuítica, entra em transe perante sua família extensa na missão de Jesus Maria, em 1629, no Guairá (atual estado brasileiro do Paraná). Ali, conforme registra em espanhol arcaico o jesuíta Simão Masseta, o cacique começa a “dar voces” tal qual “una gallina” dizendo ser “el mburubichabete y español, Portugues y tupi”, possuidor de roupas, espadas e facas, não sem fazer “poco caso” dos caciques presentes e assegurar que “tenía a quien comer” (Simão MASSETA, 1951, 303).

Ao tomar a perspectiva de homens inimigos, devorando-os em uma zona onde dois mundos se colapsam a partir do jogo entre estrutura e conjuntura, Guiraverá, sua família e o padre autor do registro representam o conflito entre categorias indígenas, como a maestria, e ocidentais, como a masculinidade.

O estudo desta novidade dialoga com a construção da representação da masculinidade indígena eventualmente considerada em diversos estudos como algo historicamente linear e hegemônico enquanto domínio social e, portanto, isonômica aos modelos ocidentais. O resultado de tal construção acaba por promover um anti-objeto de pesquisa, o dos “indígenas heterocentrados” (BAPTISA, 2021a e 2021b), réplicas da matriz heterossexual cristã-ocidental, fenômeno a sombrear a particular história colonial das categorias indígenas.

Este artigo, integrante do projeto Entre o Arco e o Cesto, partiu da hipótese de que a colonização europeia também se interessava em expandir categorias de gênero ocidentais. Ou seja, pautado em uma instituição política hoje reconhecida como “heterossexualidade compulsória” (Adrienne RICH, 2012 p. 38), a colonização produzia uma assimetria e dicotomia entre corpos normatizados e abjetos - os corpos que importam e os que não importam (Judith BUTLER, 1993, p. 9-10). Certamente, estes corpos seriam orientados pela tentativa de implantação de uma masculinidade hegemônica e suas versões subordinadas (ver CONNELL, 1995; CONNELL; James MESSERSCHMIDT, 2013). Um dos meios da expansão das categorias de gênero ocidentais se deu pela performatividade de gênero, ou seja, um conjunto de noções que orientam previamente os sujeitos a performar dentro do permitido ao masculino e feminino (2003, p. 25-27 e 195-201; Sarah SALIH, 2015).

Se encerrássemos neste ponto, seria fácil encontrar a tese de ‘subordinação universal’ do feminino ao masculino (Graziele DAINESE; Lauriene SERAGUZA; Luisa Elvira BELAUNDE, 2016) ou, ainda, a globalização de uma única masculinidade em todas as culturas a partir da colonização. Contudo, a masculinidade cristã-ocidental colonizadora ganharia distintas trajetórias não apenas em cada cultura onde foi introduzida mas, também, dentro de cada uma delas segundo diferentes períodos de sua história (Maria Luiza HEILBORN; Sérgio CARRARA, 1998). Deste e outros fatores da instabilidade, a noção de hegemonia pode ser entendida mais como uma proposta do que algo propriamente essencialista (Ernesto LACLAU; Chantall MOUFFE, 2015; Leandro BRITO, 2021).

De fato, ontologias ameríndias marcadas por diferentes noções de pessoa, frequentemente construídas a partir das relações entre humanos e não humanos, reservariam diferentes formas de operar categorias tais quais homem, mulher, gênero, masculinidade e feminilidade (ver Marilyn STRATHERN, 1988; 1999; Bruna FRANCHETTO, 1999; Vanessa LEA, 2000; Cristiane LASMAR, 2005; Rafael FERNANDES, 2015; Benjamin ALBERTI, 2006; BELAUNDE, 2016; Oyèrónkẹ́ OYĚWÙMÍ, 2017; Jean BAPTISTA, 2021a e b). Aqui entendemos que pela América existiam culturas organizadas a partir de um “patriarcado de baixa intensidade” (Rita SEGATO, 2012), impactadas na colonização por uma sociabilidade “que parece ser só de homens” (Sandra BENITES, 2018, p. 07). Uma vez que as culturas indígenas são históricas e se mantêm dispostas a “novas realidades” por meio da “negociação de valores, tradução cultural e da reelaboração” (Daiara SAMPAIO TUKANO, 2018, p. 49) ou, ainda, que são orientadas por uma “abertura ao outro” (Claude LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 14), não demorou para que essas canibalizassem tais categorias de gênero, ao invés de simplesmente a adotarem.

Nos concentramos, portanto, naqueles contextos em que se percebe a produção de um lócus fraturado, próximo ao que propõe Maria LUGONES (2008; 2014). De fato, o processo de colonização inventou os colonizados, reduzindo-os a “seres primitivos, menos que humanos, possuídos satanicamente, infantis, agressivamente sexuais” (LUGONES, 2014, p. 941). Não obstante, a autora persegue as resistências que se dão no lócus fraturado da diferença colonial. Lugones aponta, assim, para sujeitos “plenamente informados” do contexto que estão a vivenciar, aonde irão não apenas responder e resistir, mas, também, assumir e acomodar os invasores hostis (LUGONES, 2014, p. 942). Esta proposta é inspiradora para compreendermos Guiraverá e os regimes de sociabilidades indígenas, de forma ampla, frente à expansão da masculinidade ocidental em conflito com categorias indígenas.

Esta fratura reside em duas categorias conceituais: a primeira, o corpo entendido enquanto expressão ontológica uma vez que “os regimes de socialidade indígena se assentam sobre os corpos e os processos corporais” (Cecilia MCCALLUM, 2013) e “imaginado, em todos os sentidos possíveis da palavra, pela sociedade” (Eduardo VIVEIROS DE CASTRO, 2011, p. 72). Entende-se, portanto, que os corpos fraturados aqui estudados foram o meio pelo qual se tornou possível a diversos indivíduos e coletivos indígenas ingressarem no mundo colonial a partir de seu redimensionamento - de fato, apesar da impressão causada inicialmente, noções de gênero coloniais não parecem ter se desenvolvido somente a partir de imposição colonizadora aos corpos ameríndios, mas, como sugere o transe de Guiraverá, também dos interesses dos próprios; a segunda, a categoria indígena de ‘maestria’ proposta por Carlos FAUSTO (2008), uma vez que os jesuítas localizaram as questões de gênero que lhes eram caras justamente nos chefes-mestres, esses sujeitos magnificados, ‘donos de tudo’ e cercados por uma família extensa onde uma grande quantidade de homens e mulheres estão reunidos.

Para discorrer sobre a tentativa de expansão da masculinidade ocidental por parte dos jesuítas e o modo como sujeitos e grupos indígenas pensaram tais categoriais para assegurar seu ingresso na colônia, geramos duas zonas de análise: a primeira, partindo do caso do cacique Guiraverá, a discorrer sobre a produção instável do corpo e da masculinidade indígena missional; em seguida, problematizam-se os limites materiais do corpo orientado por essa masculinidade colonial, verificando, assim, fluxos e contra-fluxos que não permitiram sua caracterização, se não dentro de seu próprio contexto. Em conjunto, estas zonas interpretativas procuram pensar sobre o empenho dos missionais (jesuítas e indígenas das missões) em redimensionar corpos indígenas a partir de noções de masculinidades colonizadoras em pleno diálogo com categorias indígenas.

Maestria e Masculinidades em conflito

Voltemos ao caso introdutório: o cacique Guiraverá em transe perante sua família, denominando-se mburubichabete, tomando a perspectiva de inimigos e, como tal, menosprezando os demais homens indígenas ao assegurar possuir roupas, espadas, facas e um alvo apto para um ritual antropofágico.

Aqui se entende esta citação como um exemplo da documentação deixada por jesuítas, hoje reunidos nos Manuscritos da Coleção De Angelis (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro), sobre o redimensionamento dos corpos indígenas no interior do processo missional. De fato, o arco narrativo possível de se construir sobre Guiraverá ilustra, em muito, os esforços de um líder e sua família em se produzir dentro do dramático contexto que experimentavam: de um lado, o apressamento promovido pelas frentes portuguesas, os chamados bandeirantes; de outro, a proposta de redução jesuítica. Como bem dizia o padre Simão Masseta durante a fundação da missão de Jesus Maria, os jesuítas ali estavam para “defenderles del Demonio y portugueses” (MASSETA, 1951, p. 303).

Na recém fundada missão de Jesus Maria, é possível entender a ‘possessão’ de Guiraverá como crise nascida do conflito entre a categoria de maestria e a introdução das categorias de gênero modernas entre os indígenas do Guairá (atual oeste do estado brasileiro do Paraná). Uma vez que “toda documentação é uma seleção” (Bartomeu MELIÀ, 2013), vale apontar que esta seção se utiliza de três cartas jesuíticas sobre Guiraverá, uma de autoria de célebre missionário peruano de 1630 (Antonio RUIZ DE MONTOYA 1951a), outra de Simão Masseta, de 1621 (MASSETA, 1951), e a última de um missionário não identificado em 1631 (ANÔNIMO, 1951), nesta incluída uma anotação de autoria de Ruiz de Montoya. Além dessas, há ainda um trecho dedicado a esse cacique no livro “Conquista Espiritual” (RUIZ DE MONTOYA, 1639). Considera-se, ainda, que Guiraverá tem sido objeto de estudo em distintas escolas interessadas no passado missional, sendo que seu período de maior popularidade ocorreu quando passou a fazer parte da construção do objeto antropológico da “Terra Sem Mal” e seus conceitos derivados, como demonstra Cristina POMPA (2004), ocasião em que distintos estudos o caracterizam como exemplo típico da já superada representação do “profetismo tupi-guarani”. Guiraverá, como se vê, é polifônico, e aqui está sendo pensado apenas no campo dos estudos de gênero.

Nesse sentido, ao considerar os discursos jesuíticos sobre Guiraverá e sua família, percebe-se a descrição de um chefe-mestre (FAUSTO, 2008). Assim se nota quando os padres criticam suas performances e autodenominações: “Nunca (he) visto hombre más arrogante ni grave, ni más puntoso”, assegura Ruiz de Montoya, “que nos es posible por si (h)aya alcanzado sino que el demônio se las (h)a dicho porq (h)ay fama que habla con los demonios” (ANÔNIMO, 1951, p. 378); já para o padre Simão Masseta, Guiraverá proclama-se “Creador del Ciclo y de la tierra” e fala com todos a sua volta com “soberb(i)a y arrogancia, teniendo a todos por sus vasalos”, não poucas vezes assegurando ser “el Rey de todos y gobernador como algunos le llaman” (MASSETA, 1951, p. 301 e 303); não raro, assegura o jesuíta anônimo, Guiraberá proclama-se “Dios, sacerdote grande y capitán general”, conforme outro missionário (ANÔNIMO, 1951, p. 378). Em todos os relatos, está explícito que Guiraverá é tratado pela coletividade como um sujeito magnificado.

De fato, Guiraverá assegura por diversas vezes ser um deus encarnado ou um chefe supremo. Quando em transe, não apenas se proclama “espanhol, português e Tupi”, tomando, assim, a perspectiva de seus inimigos (VIVEIROS DE CASTRO, 1998), como também se autointitula mburubichabete, verbete traduzido pelos padres como sinônimo de Rei (RUIZ DE MONTOYA, 1640, p. 172), clara evidência da “aventura semântica” que os verbetes sofriam no processo de tradução do Guarani para o espanhol (MELIÀ, 1988, p. 17-29).

Dessa forma de se reconhecer, Guiraverá apresenta-se de modo magnificado, tal qual é visto no primeiro encontro físico entre ele e os padres: acompanhado de uma comitiva “de mancebas suyas muy bien aderezadas”, “iba su gente arrojando por tierra muchos panos” de modo que seus pés não encostassem no chão (RUIZ DE MONTOYA, 1639, p. 45).

Guiraverá não estava só: diversas outras lideranças espirituais que se diziam deuses e donas de doenças, animais, espíritos e fenômenos climáticos, opuseram-se aos jesuítas nas primeiras décadas do XVII no antigo Paraguai, como certa junta que passaria de aldeia em aldeia “cantando, bailando y proclamando la ruina de los cristianos” (Diego de BOROA, 1929, p. 574-575). Aos padres, as falas dos chefes-mestres soavam como heréticas ao papado e atentavam ao trono espanhol, pois na medida em que um homem indígena, para eles racialmente subalterno, reivindicava posições de homens brancos dizendo-se Rei ou Deus, ameaçavam-se as relações de gênero intencionadas pela colonização.

Quando, enfim, celebra-se um acordo para fundar a missão de Jesus Maria, ali se instala uma cruz e seus moradores passam a fabricar cruzes como pingentes para levarem ao pescoço, declarando-se, assim, cristãos (RUIZ DE MONTOYA, 1639, p. 46). Ao mesmo tempo, o padre Simão Masseta é nomeado como jesuíta responsável, bem como outras aldeias ali também ingressam em busca de proteção. No ato, Guiraverá é elevado à função de Capitão, mantendo, assim, sua liderança.

Há, contudo, uma frustração jesuítica subsequente à fundação. Apesar do crucifixo carregado no pescoço e do título de liderança mantido, Guiraverá não deixa de se apresentar com ações chocantes aos olhos do padre Simão Masseta. Mediante os constantes “ruidos de portugueses”, Guiraverá vai à praça central uma ou duas vezes ao dia “siempre con nuevos trajes” e com “visajes y figuras diversas” (MASSETA, 1951, p. 302). A produção da família, neste cenário de performances múltiplas e diárias, é intensa: Guiraverá, com o rosto e pernas pintados, alterna a cada dia “tres planchas de latón o doradas muy resplandecientes” penduradas no pescoço, flechas, arcos, espadas, roupas e machados (MASSETA, 1951, p. 302). Além disso, ele ininterruptamente ingere mate (“teniendo yerba todo el día está tragando yerba y agua, y no sé cómo no revienta”) e fuma tabaco (“no he visto Yndio tan yerbatero y amigo de pito”, “nunca se lo quita de la boca”) (MASSETA, 1951, p. 302). Neste conjunto descritivo, Masseta apresenta a construção de uma família interessada na performance de uma liderança atenta à situação política ao seu entorno, tensa em relação à proximidade dos portugueses e atualizando o corpo de seu líder na mesma velocidade das transformações do mundo a sua volta.

Dessa demanda de atualização intermitente, a tensão entre o padre Simão Masseta e Guiraverá se acentua mediante a necessidade do cacique obter novos acessórios para seu corpo. Antes de ingressar nos povoados, Guiraverá já havia pedido ao padre Ruiz de Montoya “una ropa buena” (ANÔNIMO, 1951, p. 378), em súplica consonante a diversas lideranças indígenas coloniais em relação ao vestuário colonial (BAPTISTA, 2015a, p. 145-154). Seu interesse por vestimentas levou Simão Masseta a classificá-lo inicialmente como “codicioso de ropa y cosas” (MASSETA, 1951, p. 301), algo até mesmo elogioso por parte do missionário, mas na medida em que a demanda se acentua cresce uma tensão em torno do tema: Guiraverá passa a diariamente procurar o padre armado de uma macana e seguido de alguns caciques para lhe pedir roupas, ao que Masseta, em certo dia fatídico, assegura não possuir. Sem se dar por satisfeito, Guiraverá mira os tecidos do altar: “Dixome con mucho orgulho que la diesse la ropa de una peteca q tengo del ornamento”, ao que o jesuíta responde “que aquella era para honrar a Dios” (MASSETA, 1951, p. 301). Guiraverá não aceita a resposta - bastante provocativa para quem se diz deus - e, elevando a voz, chama os padres de mentirosos e profere “otras palavras muy malas” (MASSETA, 1951, p. 301). Não poucos indígenas se aproximam e imploram ao padre a entrega daquele tecido de modo a acalmar Guiraverá, mas Masseta escolhe o caminho da tensão: “Como vi que las palabras blandas no hacían nada, levanté la voz hablándole alto y con entereza” e ressaltou “que había venido a enseñarles la palavra de Dios y defenderles del Demonio y portugueses y no a traerle ropas” (MASSETA, 1951, p. 302). Em meio à gritaria entre jesuíta e cacique, tudo leva a crer que uma fatalidade está para ocorrer. Contudo, uma mulher mais velha, repreendendo-o, afasta Guiraverá da discussão. Ao mesmo tempo, outros homens se encarregam de acalmar o missionário justificando que o mal de Guiraverá é “ser assi” (MASSETA, 1951, p. 302). Do movimento dessa parentela pode-se depreender o interesse coletivo em apaziguar a cena antes que os esforços em conectar a aldeia com a Companhia de Jesus caíssem por terra.

É após sair de mãos vazias desse conflito com Masseta, que Guiraverá se vê em transe perante sua família, momento narrado na introdução deste artigo. Nesta performance, afirma não apenas possuir tudo que Simão Masseta e outros homens não-indígenas possuíam mas, também, parece bastante provável que a pessoa prometida para um ritual antropofágico fosse o próprio padre Masseta. Aliás, não seria a primeira vez de Guiraverá enunciar esse tipo de desejo, conforme assegura Ruiz de Montoya, para quem Guiraverá sempre foi “el que más ardía en furor y deseo de comerme” (RUIZ DE MONTOYA, 1639, p. 44). Nessa perspectiva, parece mesmo que Guiraverá convoca sua comunidade para sacrificar o padre e, em consequência, a quebrar todos os acordos fundantes da missão de Jesus Maria.

A ideia, contudo, não parece ser compartilhada pelos demais indígenas. Na manhã seguinte ao transe, tão logo a notícia de que se prometia um ritual antropofágico, Masseta se reúne com outros caciques do povoado e esses asseguram manter o interesse do acordo missional (MASSETA, 1951, 302). Não seria essa a primeira vez que os demais caciques se posicionariam contra Guiraverá. Eles já haviam até mesmo contado a Masseta que o padre Ruiz de Montoya era, por Guiraverá, chamado de “perú” e Masseta de “ese viejo” (MASSETA, 1951, p. 302), sinalizando, com isso, um repasse de informações a beirar a intriga. Ao fim, esses outros homens, junto a Masseta, elegem um novo Capitão, destituindo Guiraverá de tal título.

Em seguida, os homens e o novo Capitão buscam Guiraverá e, horas depois, Guiraverá se apresenta “como una oveja”, “hablando muy bajo” e “excusándose que él había dado voces” (MASSETA, 1951, p. 303). Do deus antropofágico dono de tudo não parece haver mais nenhum sinal. Guiraverá está, enfim, predado e subordinado ao jesuíta.

A subordinação de Guiraverá é comemorada por Ruiz de Montoya em 1630, dois anos após sua transformação em “ovelha”: “él q tenía por dios”, quando “preguntándole quién es dios”, passa a responder “lo q el cathecismo dice, con gran humildad” (RUIZ DE MONTOYA, 1951a: 344). A mudança de comportamento é tão profunda que diariamente Guiraverá “entra en la doctrina con mucha humildad” para se apresentar a Masseta e até mesmo quando se vai a sua chácara “viene avisar y pedir licencia” (RUIZ DE MONTOYA, 1951a, p. 344).

Neste arco narrativo, ao menos em uma perspectiva que interessa aos estudos de gênero, parece possível identificar o surgimento de um novo corpo próprio aos homens indígenas missionais. Recém ingresso em um modelo hierárquico colonial, o corpo desse homem tem sua materialidade delimitada e subordinada perante outros homens, os jesuítas.

Limites da materialidade da masculinidade missional

Após os eventos ocorridos com Guiraverá, os povoados missionais passaram por profundas transformações. As pequenas aldeias Guarani, Jê, Charrua, Minuano e Yaró, entre outros povos do sul das Américas, chegariam ao final do século XVII assumindo grandes proporções. Nestes novos povoados, é possível observar uma nova materialidade corporal. De fato, seguindo a abordagem de estudos de gênero, a planta baixa dos povoados missionais em fins do século XVII pode ser lida a partir de divisões de gênero onde se confluíam concepções válidas para os tempos coloniais: nos hospitais, alas femininas e masculinas; nas oficinas, a produzirem discursos imagéticos (prédios, esculturas, pinturas, sinos etc.) homens artistas dominam técnicas ocidentais; logo ao seu lado, os niños e muchachos estudam nas escolas, a dominarem conteúdos como escrita e a matemática, processo do qual as niñas e muchachas são severamente excluídas; no claustro murado e pátio dos padres, portões guardados por homens responsáveis por impedir o ingresso de qualquer mulher em seu interior; durante os cultos nas igrejas, homens e mulheres ocupam espaços distintos; nos cemitérios, a nova morfologia social impõe-se aos mortos, separando-os por gênero; nas Casas das Recolhidas, ou Cotiguaçu, ingressam somente mulheres “sem homens”; pelas diversas ruas dos povoados, os “cacicados” (conforme termo da fonte), ao modo de bairros, domínios dos capitães de etnias diversas; em frente à praça central, o Cabildo, centro de reunião das lideranças oficiais e eleitas, todas masculinas (BAPTISTA, 2015a, p. 23-140).

Como se percebe, a espacialidade missional, mais do que corresponder a linhas cartesianas, interessava-se por divisões entre homens e mulheres responsáveis por delimitar, de modo pedagógico, as novas materialidades corporais ali produzidas. Assegurava-se, com isso, a viabilidade e o desejo daquelas populações em integrarem o mundo colonial.

Durante a composição deste cenário, parte considerável dos homens indígenas missionais parecem manifestar sua subordinação aos jesuítas, como demonstrado anteriormente, ao mesmo tempo em que performam de modo hegemônico perante outros corpos ali também produzidos, tal qual se pretende demonstrar a partir de agora. Perante esses outros indígenas missionais, a novidade da hierarquia masculina ganharia uma centralidade em um curto espaço de tempo, demonstrando, com isso, o impacto do combate às relações de maestria e a introdução de categorias de gênero modernas naquelas sociedades.

De maior facilidade para ser identificado na documentação, os corpos das mulheres missionais são uma das delimitações determinantes dos corpos masculinos indígenas. Sobre a produção dessas mulheres, existem fartos registros onde não poucas vezes, jesuítas discutiram com homens indígenas o lugar que elas ocupariam na nova sociedade que construíam. Bom exemplo disso são as negociações entre Ruiz de Montoya e homens Gualacho (Jê) em 1628: conhecidos por possuírem relações onde as mulheres podiam se desfazer do companheiro “por cosas muy leves” (RUIZ DE MONTOYA, 1951b, p. 296), os homens Gualacho recebem de bom grado a notícia do matrimônio cristão - “para que no me dexe jamas”, teria dito uma liderança (RUIZ DE MONTOYA, 1951b, p. 296; BAPTISTA, 2015a, p. 82).

Já entre os homens Guarani, a proposta de matrimônio católico não foi inicialmente bem recebida. Na verdade, as grandes revoltas indígenas das primeiras décadas das missões paraguaias nasceram a partir do combate ao que os missionários chamam de poligamia, quando, então, muitas lideranças pregavam que os padres atacavam o ‘antigo modo de ser’ de seus antepassados ao propor o casamento com uma única esposa. Mediante a derrota dessas revoltas, o sistema de parentesco baseado em um grande número de mulheres vinculadas a uma liderança magnificada tornou-se menos recorrente, perseguido e condenado pelo sistema punitivo dos povoados, demonstrando, com isso, a adesão dos próprios homens Guarani à proposta.

O desmantelamento do sistema de parentesco onde as mulheres desfrutavam de ampla centralidade e representatividade resultou em sua individualização enquanto esposas únicas ou dispersão enquanto ‘mulheres sem homens’ em um novo mundo, agora patriarcal. Nesta novidade, uma das fraturas estruturais reside no ingresso de um sistema de controle feminino onde a violência física é notória.

O padre Pedro Romero, por exemplo, assegura que em 1634 os homens Guarani “que antes no tocarian a sus mugeres y parientas por quantos casos avia en el mundo”, passaram a puni-las fisicamente diante dos comportamentos contrários aos princípios de obediência aos seus maridos (ROMERO, 1970, p. 124; BAPTISTA; WICHERS, BOITA, 2019; BAPTISTA 2021b).

A partir dessa estrutural transformação, a documentação está repleta de informações sobre a instalação de um conjunto de ações violentas empreendidas por homens indígenas: um

“moço entre otros solicitado de una muger casada, no pudiendo librarse dela con palavras, vino a las manos y le dio tantos moxicones que en toda su vida no le vrendra mas tentacion con el”; já outro “açoto a su muger porque no avia ido a oir missa”; um terceiro “pego una muy buelta a su hermana atandola a un horcon porque la hallo con outro” (ROMERO, 1970, p. 124).

O Provincial Nicolau Durán em distintos trechos de suas cartas, em particular o caso de 1628 de um “buen índio muy zeloso de la gloria de Dios” e uma mulher casada que “ultimamente se le fue a convidar” para práticas sexuais, ao que o “honesto índio” lhe respondeu com açoites, enviando-a “muy bien castigada a su marido” (DURÁN, 1951, p. 222; BAPTISTA; WICHERS; BOITA, 2019; BAPTISTA 2021b).

Do mesmo modo que para boa parte dos padres, o aparecimento de homens indígenas dispostos a espancar as agora ‘suas mulheres’ representa para Pedro Romero verdadeiros “milagros de la poderosa mano de Dios” dispostos a “acabar y perficionar esta obra suya” (ROMERO, 1970, p. 124).

Como se percebe, na construção discursiva jesuítica, a violência contra a mulher empreendida pelos homens missionais é representada como uma extensão da mão do deus cristão, símbolo máximo do patriarcado de então, enquanto a mulher ocupa o local lascivo, pecaminoso e, por isso mesmo, castigável. Aqui dois aspectos importantes, entre tantos: o primeiro a indicar que não foram todos os homens a aceitar este modelo de masculinidade violenta contra as mulheres, elemento comprovado pelo fato dos padres construírem tal representação para servir de exemplo aos homens dos povoados em uma clara estratégia de difusão e convencimento - indica-se, com isso, o quanto não se pode falar de uma masculinidade estável naquele contexto, mas sim, de distintos fluxos; o segundo, o entendimento de que o corpo do homem indígena missional, subordinado aos jesuítas, ganha novos atributos diante de mulheres. De fato, ao contrário dos mantos emplumados de outrora, dos colares, cocares e pinturas corporais, este corpo vestido ao modo espanhol pronuncia com voz grave sentenças punitivas baseadas em uma moral patriarcal, ao mesmo tempo em que ganha punhos fechados para socar, açoites para desferir golpes e cordas para atar - novos instrumentos associados ao corpo masculino e aos princípios de um viés de masculinidade. Como se percebe, a documentação jesuítica é vasta em apresentar elementos da implantação de “las relaciones de poder binarias hombre-activo/mujer-pasiva” (Paulina MERUANE; Suzana CARVAJAL, 2006; BAPTISTA; WICHERS; BOITA, 2019).

Paralelamente, os jesuítas passam a construir um conjunto de narrativas onde demonstram tanto a adesão quanto a oposição feminina a este modelo de masculinidade. A julgar pela documentação, não poucas mulheres foram adeptas dessas novas performances, algumas até mesmo dispostas a morrer pelo novo sistema, como se percebe nas centenas de casos distribuídos ao longo dos séculos sobre doncelitas atacadas por misteriosos homens e verdugos, ora disformes, ora sedutores, majoritariamente armados com cordas, paus, pedras ou simplesmente socos, todos interessados em suas virgindades, ao que elas resistem (BAPTISTA, 2015b, p. 159-160).

Em outro sentido, ainda conforme indicado anteriormente (BAPTISTA; WICHERS; BOITA, 2019), é possível sinalizar uma série de dados documentais onde mulheres não aceitaram a mão de ferro dos jesuítas e dos homens indígenas missionais com passividade: de fato, não poucas assumiram práticas que associavam simbolicamente os missionários ao conteúdo da poligamia. Ao contrário de serem compreendidas como prisioneiras ou coisas dos homens (como se lê tanto na historiografia centrada nos jesuítas quanto na focada no conceito de resistência), as mulheres nesta perspectiva podem ser entendidas enquanto sujeitos a se empenhar em sua inserção no mundo colonial por meio da filiação e proteção junto aos padres - outras noções de gênero, sexualidade e violência que não as ocidentais certamente perpassam às indígenas missionais. Muitas, aliás, oferecem em troca de proteção sua fidelidade e mão-de-obra, produzindo tecidos, vestimentas e bens agrícolas, além da defesa da moral missional, como se vê naquele e em outros contextos coloniais (Beatriz VITAR 1999, 2005; 2015; Eliane FLECK, 2006; Antonio RAMOS 2016; BAPTISTA, WICHERS, BOITA, 2019). Ao menos dois resultados materiais dessa relação podem ser encontrados nos documentos e nos remanescentes arquitetônicos das missões em questão: o primeiro, a construção do Cotiguaçu, ou Casa das Recolhidas, enorme instituição nascida em fins do século XVII onde se pode perceber a transformação do conteúdo da poligamia ao se inserir na área central dos povoados (BAPTISTA, 2015a, p. 77-87; BAPTISTA; WICHERS; BOITA, 2019); a segunda, as novas performances assumidas pelas mulheres deste mesmo Cotiguaçu, então a vestirem-se com um “saco oblongo” de algodão bruto pelo qual “enfiam a cabeça e estendem os braços por buracos abertos para este fim” (SEPP, 1980, p. 235), indumentária séculos depois tomada por tradicional dos Guarani por Egon SCHADEN (1974, p. 35). Além disso, o Cotiguaçu poderia servir de morada para até quinhentas mulheres reunidas sob proteção direta dos jesuítas, os homens estão proibidos de entrar, uma mulher diretora é responsável por sua administração, criam-se niñas e ñinos e distribuem novas moralidades para o restante do povoado (BAPTISTA, 2015a, p. 85-86). Quantos outros meios as mulheres encontraram para assegurar sua permanência nos povoados apesar dos esforços em se construir uma sociedade de mulheres exclusivamente subordinadas? De uma maneira ou outra, essas mulheres já não eram as mesmas que suas antepassadas; eram, ao fim, um conjunto de novos corpos, os de mulheres indígenas missionais.

Cabe notar a raridade de informações de mulheres exercendo a maestria nas fontes documentais consultadas. Este aparente “monopólio masculino do xamanismo” (Anne-Marie COLPRON, 2005) pode ser fruto do olhar missionário concentrado em reconhecer poderes apenas no universo masculino. Certa feita, por exemplo, no povoado de Loreto de 1695, mulheres que viviam em coletivo alertam um jesuíta sobre contatos sucessivos com espíritos, ao que o padre assegura se tratar apenas de "visiones de yndias viejas de que no se haze caso" (ANÔNIMO, 1695) - citação que serve para exemplificar o quanto as manifestações espirituais femininas eram lidas a partir de certa cegueira ontológica jesuítica orientada pela noção de patriarcado. Dito de outro modo, parece não ser difícil inferir que o xamanismo exercido por mulheres sofreu um duro pesar na centralidade do poder missional, muito embora possa ter seguido de modo clandestino nos povoados, na medida em que os missionários não as reconheciam como ameaça digna de ser registrada ou combatida.

Ao passo que a delimitação da corporalidade masculina missional se torna mais evidente em relação aos corpos femininos ali produzidos, outras linhas podem ser notadas no que diz respeito aos classificados por Ruiz de Montoya como “afeminados”, “amujerados”, “sodomitas” ou “nefandos” (Graciela CHAMORRO, 2009, p. 237-238; BAPTISTA, 2021a e b). Nestes casos, ao traduzir termos como “aba cuña eco”, algo como “modos de homem-mulher”, por “afeminado” (RUIZ DE MONTOYA, 1876, p. 36), gera-se uma classificação dotada de parâmetros corporais da masculinidade espanhola e sua consequente abjeção muito além de parâmetros baseados em divisões de trabalho como, por exemplo, aquelas fundamentadas no uso do arco e do cesto identificadas entre os Guayaqui por Pierre CLASTRES (1995). Neste processo de colonização de determinada corporalidade indígena, o Guarani falado nas missões produzia corpos abjetos relativos a sexualidades tidas por dissidentes da matriz sexual que se impunha. A julgar pelo conjunto documental pesquisado em artigos anteriores (BAPTISTA, 2021a e 2021b), pode-se dizer que esses corpos entre linhas do feminino e do masculino colonial não sofreram perseguições severas por quase cinco décadas do projeto missional, sendo possível indicar que práticas sexuais pelos padres julgadas dissidentes de seus padrões morais, pareciam desfrutar de outro estatuto entre os indígenas. Contudo, a partir de 1660, lideranças indígenas e jesuítas elaboraram um castigo “mas ruydoso do que sangrento” contra três “muchachos” praticantes dos “pecados nefandos y bestiais” - os jovens são punidos por chibatadas em procissão por diversos povoados enquanto um “pregoneiro” anuncia seus pecados, ao fim queimando-se animais vivos em uma grande fogueira de modo a ilustrar as penas infernais (BAPTISTA, 2015a, p. 158; BAPTISTA, 2021b). Este castigo é um episódio onde se torna possível observar a produção de corpos indígenas elevados à categoria de dissidentes e por isso abjetos, de menor importância ao tecido social por possuírem uma masculinidade em extrema subordinação, dignos, portanto, de punições físicas e morais e de um sistema punitivo somente mais severo para homicidas (Tomás DONVIDAS, 1689, p. 597-598; RAMOS, 2016, p. 184-185). Por isso mesmo, alguns desses “nefandos” passariam a se casar com mulheres, afastando, assim, a violência punitiva de suas proximidades, em um claro exemplo de heterossexualização compulsória indígena (BAPTISTA, 2021b).

De todo modo, ao produzir masculinidades dissidentes do modelo de masculinidade que missionários e lideranças indígenas tentavam implantar, como a dos “afeminados”, o corpo masculino missional ganhava linhas bastantes restritas em relação ao que de algum modo se aproximava ao feminino introduzido pela colonização. Neste cenário, um dos papeis dos homens missionais seria o de manter esses corpos subordinados mediante a violência física e a vigilância moral, ao passo que as demais masculinidades pressionariam a tentativa de homogeneizar tais relações.

Como se percebe, ainda que de modo assimétrico quando perante os jesuítas, o empreendimento de se implantar uma masculinidade entre indígenas transforma alguns sujeitos não apenas em juízes, mas também em capatazes, autorizados a afastar de si as forças femininas que os pudessem ameaçar, não sem sentir-se assombrados de modo permanente por forças antagônicas.

Em outra medida, uma vez que a experiência missional foi construída por distintas gerações ao longo de pouco mais de 150 anos, vale mesmo pensar o impacto da introdução das categorias de gênero ocidentais na educação de niñas e niños, bem como em suas versões sequenciais, as muchachas e os muchachos. De fato, a educação missional é um campo onde é possível visualizar a “divisão sexual vigente” (Elisa GARCIA, 2021): elas, exiladas no interior dos povoados, proibidas de acessar as oficinas, escolas, festas, músicas, escrita, matemática, enfim, todos os novos saberes formais produzidos nas missões; já os niños e muchachos, em outro polo, receberam não apenas o ensino dos saberes formais ali difundidos e ampla atenção dos estudos realizados sobre missões, mas, também, conforme os interesses deste artigo, saberes sobre o que era ser homem naqueles povoados. De fato, quando se analisa mais de perto o conjunto geracional de meninos nas escolas, nota-se subordinações aos missionários que asseguravam o acesso ao modelo de conhecimentos e técnicas capazes de ajustá-los aos paradigmas de controle econômico, social e corporal construído. Coragem, força física, destreza, performances musicais, danças, produções nas oficinas, escrita e conhecimentos matemáticos, enfim, campos onde os niños e muchachos eram inseridos de modo privilegiado, geraram parâmetros gradualmente considerados como inerentes ao masculino indígena daqueles tempos. O masculino das missões era, em muito, associado a saberes, como escrever, ler, contar, dançar, cantar e participar de competições esportivas como arco-e-flecha, laço e bola de borracha.

Mas não apenas niños e muchachos participam das novas materialidades. Como demonstrado anteriormente, o padre Simão Masseta fica sabendo que Ruiz de Montoya é chamado de modo jocoso de “peru” e, ele próprio, de “ese viejo” por Guiraverá por meio de outras lideranças masculinas, as mesmas a sugerirem ao padre ‘não ter pena’ na hora de destituir Guiraverá do título de Capitão e alçar algum deles ao cargo, em um claro indício da disputa instalada entre os próprios homens indígenas. Nesse exemplo, percebe-se o corpo masculino delineado também perante outros corpos de homens, em uma tensão constante de se sobreporem uns aos outros, em busca de uma subordinação ilustrada pela disputa no espaço missional por funções e seus adereços tal qual as varas, chaves e bandeirolas. Construindo e desconstruindo hegemonias, subordinações e cumplicidades, os homens missionais remodelam a si mesmos de modo constante em meio a suas disputas contextuais marcadas por instabilidade.

Desse conjunto espacial e social, depreende-se que não se pode atribuir a construção da masculinidade missional apenas à relação entre lideranças indígenas e jesuítas. Mulheres, niños/muchachos, niñas/muchachas, outros homens ou masculinidades, entre outros, também estão contribuem com tais construções.

De uma maneira ou outra, ao fim da experiência missional, as eleições para o Cabildo descritas pelo padre José CARDIEL (1991, p. 154), elucidam o ingresso de um modelo de masculinidade próprio das missões ao poder central administrativo. As lideranças de cada povoado, ao personificarem um novo patriarcado subordinado aos não-índios, mas interessados em exercer hegemonia perante a insubordinada chusma, reúnem-se no Cabildo, prédio inserido na área central destinada à reunião dos líderes exclusivamente masculinos, onde anualmente escrevem em papéis o nome de seus candidatos. Tal qual descrito em estudo anterior (BAPTISTA, 2015a, p. 134-140), tão logo seja apurado o pleito, os eleitos seguem a uma grande mesa montada em frente ao pórtico da igreja, perante a qual se aglomeram os demais moradores dos povoados na qualidade de espectadores das novas lideranças magnificadas. Na mesa encontram-se os objetos símbolos daquelas masculinidades: o bastão do Corregedor, as varas dos guardas, as insígnias dos cabildantes, o compasso do professor de música, as chaves da porta da igreja (pertencentes ao sacristão) e de outros espaços com fins econômicos (armazéns, olarias, oficinas), além dos bastões e estandartes dos oficiais de guerra. Ao longo do ano, essas lideranças seguirão uma série de compromissos: após as missas, beijarão as mãos dos jesuítas para receber sua porção de erva-mate, participarão das reuniões do Cabildo para decidir sobre os mais variados temas - entre eles, as punições -, supervisionarão os trabalhos nas lavouras e espaços de produção e, ainda, cobrarão a presença de seus parentes nas missas.

Em uma dessas cerimônias em 1690, na Missão de La Cruz, conforme um documento não publicado, ao entregar o bastão de Corregedor a um cacique, o jesuíta o incita a castigar os pecadores. Diante de tal solicitação, aos olhos de todos espectadores, o novo Corregedor disse ter notícias de que um de seus filhos, moço casado, havia dado “mal ejemplo en ciertas travessuras”, pedindo autorização ao padre para que pudesse iniciar seu novo ofício de Corregedor punindo-o exemplarmente. O padre autoriza o castigo, ao que o homem segue a açoitar o filho na presença dos demais (ANÔNIMO, 1690).

Assim bem se vê que as lideranças masculinas não usam mais os velhos adereços - as plumas, os cabelos longos, as pinturas corporais, muito embora não se abra mão de um corpo distinto do restante da chusma. Também desfrutam de um novo status disciplinar. Caso não sejam seguidos, terão ao seu dispor os recursos de um elaborado sistema punitivo construído por eles próprios e pelos jesuítas. Corpos a serviço das Missões, a hegemonia por eles exercida se fundamenta no fato de terem suas masculinidades subordinadas aos jesuítas, ao mesmo tempo que tentam ser hegemônicos perante mulheres, demais homens, crianças, jovens e dissidentes das corporalidades que se constroem.

Considerações finais

Até aqui procuramos demonstrar a possiblidade de estudar o passado das Missões Indígeno-Jesuíticas do Paraguai colonial a partir de uma abordagem de gênero, em especial no que diz respeito à forja das masculinidades indígenas coloniais. Neste caso, problematizamos o quanto determinadas percepções indígenas, em especial no que diz respeito aos chefes-mestres, foram foco de campanhas missionais interessadas na construção de uma masculinidade própria daquele contexto, sobretudo a partir da introdução de categorias de gênero modernas. Entre trocas, traduções, conflitos e tensões, este fenômeno, conforme demonstrado, construiu novos corpos responsáveis pelo advento de masculinidades indígenas missionais.

Forjado a partir de esforços indígenas e jesuíticos, os corpos e masculinidades missionais contrastam em muitos aspectos com a corporalidade das lideranças indígenas que interagiram com os jesuítas nas primeiras décadas do projeto, tal qual Guiraverá em seus primeiros tempos. Na forma, a julgar pelos dados documentais, deixou-se para trás as pinturas corporais, os mantos emplumados, os cocares e os arcos-flechas, entre outros adornos, para, então, assumir novos recursos: vestes ao modo espanhol, varas, bandeirolas, chaves, chicotes, cordas, espadas, facas e machados, entre outros apetrechos, então a compor este corpo redimensionado. Mas se ainda se mantinham enquanto adornos atribuindo valores de liderança, esses apetrechos ganham funções até então inexistentes, passando a ser usados no controle violento dos corpos de mulheres e outros homens dissidentes do modelo de masculinidade então construído. No conteúdo, a performance dos chefe-mestres encontrou-se comprometida pelo papel subordinado perante não-indígenas, muito embora a maestria teimou em se redimensionar aqui e ali, como na espetacularização da vida pública a envolver as lideranças no século XVIII. Ainda, parece muito provável que os conteúdos da maestria tenham sido associados a certos jesuítas, ainda que não se possa aplicar este fenômeno a todos os padres - quantas outras possibilidades não encontrou a maestria ao se redimensionar no mundo colonial apesar dos esforços em desterrá-la ou assimilá-la?

Nos limites da materialidade da masculinidade missional, encontram-se outros corpos também nascidos no contexto colonial: os corpos jesuíticos, a cobrarem a subordinação dos homens indígenas; os corpos das mulheres indígenas, ora individualizadas a partir da desestruturação das relações de parentesco tradicionais, eventualmente a constituir estratégias de recomposição coletiva, tal qual se percebe no empenho para a forja do Cotiguaçu; os corpos abjetos de outros homens, localizados nas franjas das categorias de gênero traduzidas pelos missionários, os “afeminados” e “amulherados”; os corpos dos niños e dos muchachos, aprendizes da hierarquização pautada em critérios de gênero, ou seja, a desfrutar do privilégio do acesso aos saberes ocidentais que somente aos homens passaram a ser permitidos, ao mesmo tempo que se subordinando perante os não-indígenas e disputando entre si postos de bravura. Também os corpos dos demais homens dos povoados, onde a disputa pela hegemonia alcança níveis elevados de disputa política pautada na masculinidade; abaixo de todos, os corpos das niñas e muchachas, exiladas dos saberes formais missionais, gerando em seus coletivos futuras progenitoras anônimas não apenas das missões, mas também de um Paraguai então parido enquanto nação órfã de mãe, muda e ilhada. Aos corpos produzidos, os homens missionais procuram exercer seus poderes, administrando-os de modo simbólico ou de modo prático por meio de sistemas morais e punitivos criados ao longo da experiência, sistema este, nascido justamente da instabilidade provocada pela leitura não consensual da masculinidade que se construía.

Tal percepção sobre a constituição dessa masculinidade indígena colonial própria das missões do Paraguai afeta não apenas o mito de bom selvagem iluminista, como bem aponta Olivia Harris (1994) ao estudar a violência de gênero entre os povos originários, mas também, leituras responsáveis por representações dos homens missionais enquanto ‘monges da floresta’ orientados por uma vida comunitária pacífica, a ‘cantar e dançar’ no cotidiano, citando uma das representações mais recorrentes nos estudos sobre aquele período. Pois, se por um lado o estudo da genealogia das masculinidades não se restringe apenas ao estudo da violência de gênero, esse entendimento não pode escamotear outros tantos que tomaram o rumo não apenas da adesão ao caráter punitivo, mas também de sua elaboração, ao que colabora na reflexão sobre um Paraguai contemporâneo onde a violência de gênero é, justamente, um de seus maiores cânceres.

Ainda, as masculinidades indígenas missionais desde sua microconstituição até sua macroconstituição, estão em algum lugar entre a maestria indígena e a hegemonia masculina ocidental, ora a se dispersar, ora a se sobrepor, na maior parte do tempo transitando entre um sistema e outro, como em uma disputa simbólica onde, eventualmente, se tornará mais de um em um mesmo corpo. Afinal, as missões foram muito mais criativas do que ortodoxas em relação aos campos de significados que entraram em crise e criaram a colônia, não raro redimensionando formas próprias para atuarem no mundo que construíam. Por isso mesmo que não se pode falar de apenas uma masculinidade indígena missional, mas sim, de múltiplas, ou seja, as masculinidades indígenas missionais.

Desse modo, demonstrou-se que as masculinidades indígenas não são dadas a priori, nem mesmo são historicamente lineares ou hegemônicas enquanto domínio social - longe estão, portanto, de serem isonômicas aos modelos ocidentais. De fato, como indicava a hipótese inicial, foi a partir da introdução das noções de gênero europeias em confronto com a categoria de maestria, que se produziram corpos masculinos próprios e contextualizados às missões, assim como outros corpos, ordenados espacialmente e hierarquicamente organizados em concepções nem cristãs, nem indígenas, mas sim, missionais e coloniais.

Apesar do aparente estado conclusivo de nosso discurso até este ponto, não se pode esconder um conjunto de questões surgidas ao longo do processo de pesquisa. Em primeiro lugar, é preciso relembrar diversos momentos em que experimentamos um profundo desconforto teórico-metodológico em relação ao uso de conceitos provenientes dos estudos de gênero aplicados ao passado dos povos indígenas. Diante do referido desconforto gerado pelo emprego de categorias da modernidade, procurou-se buscar outras categorias de análise que não as tradicionais do Ocidente, como a maestria, bem como se manteve o foco de análise em um universo de contato e colonização onde as categorias ocidentais já estavam em circulação.

Outra importante questão em que não foi possível se aprofundar se dá em relação aos períodos de crise que os povoados missionais enfrentaram ao longo de seus mais de 150 anos de História. Em particular em contextos de crises, não raro as lideranças indígenas rompiam os processos de subalternizações em relação à Companhia de Jesus, contrariando ordens tal qual se vê durante a fome da década de 1730 e na chamada Guerra Guaranítica (BAPTISTA, 2015b). Mas vale apontar que ainda assim, nestes contextos, não era necessariamente a relação com os padres que costumava ser posta em xeque, mas sim, aquelas que mantinham com a Coroa Espanhola.

Por fim, além das múltiplas questões que se deixam em aberto e outras que podem surgir, há uma que cobra seu lugar na redação final deste artigo, apesar de, em distintos momentos dessa escrita, termos pensado em exclui-la. O fato é que talvez haja alguma relação do que foi aqui redigido com as masculinidades Mbyá-Guarani da aldeia Tekoá Koenju, tal qual percebido no campo desta pesquisa, onde, por exemplo, falar alto e com altivez é considerado coisa de homem branco - de juruá, o sem palavra -, ao passo que a fala baixa e humilde compreenderia uma sabedoria tida como própria dos homens Mbyá - algo a contrastar em muito com as performances dos chefes-mestres dos primeiros tempos aqui estudados. Isto bem poderia reelaborar a interpretação por nós lançada anteriormente: estaria Guiraberá assumindo uma postura sábia perante Masseta ao se posicionar, nos dizeres dos jesuítas, como ‘uma ovelha’? Consideramos ser muito difícil responder estas questões, ou até mesmo impossível, afinal o exercício de localizar heranças missionais nas comunidades indígenas contemporâneas é bastante arriscado e certamente ineficaz.

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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: BAPTISTA, Jean Tiago; BOITA, Tony Willian; WICHERS, Camila Moraes. “Masculinidades indígenas nas Missões do Paraguai colonial (sécs. XVII-XVIII)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e81952, 2022.

Financiamento: Não se aplica.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 28 de Maio de 2021; Revisado: 14 de Dezembro de 2021; Aceito: 16 de Dezembro de 2021

jeantb@academico.ufs.br; jeantb@hotmail.com

tonyboita@hotmail.com; tonyboita@hotmail.com

camilamoraes@ufg.br; camora21@yahoo.com.br

Jean Tiago Baptista (jeantb@academico.ufs.br; jeantb@hotmail.com) é doutor em História Ibero-Americana com estágio pós-doutoral no Institute for Gender, Sexuality and Feminist Studies (IGSF), McGill University, Montreal, Canadá, onde também foi professor visitante. Foi professor na Universidade Federal de Goiás (2013-2022), onde lecionou no Bacharelado em Museologia, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e no Programa de Pós-Graduação em História. É líder do Grupo de Pesquisa Museologia e Sexualidade (MusaSex/CNPq) e consultor do Grupo de Pesquisa CLOSE (UFRGS). Coordena o projeto Entre o Arco e o Cesto, interessado na relação entre a Teoria Queer, em especial a abordagem Queer Indigenous Studies, com a História e Museologia dedicadas aos povos indígenas. Desde 2022 é docente do bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Sergipe

Tony Willian Boita (tonyboita@hotmail.com; tonyboita@hotmail.com) é graduado em Museologia, Mestrado em Antropologia e Doutorando em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Goiás

Camila Azevedo de Moraes Wichers (camilamoraes@ufg.br; camora21@yahoo.com.br) é doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP) e em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT, Lisboa). Atua como docente do Bacharelado em Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás (PPGAS/UFG), onde faz parte do Ser-Tão - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade

Contribuição de autoria: Jean Tiago Baptista: concepção, coleta de dados e análise de dados, elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados. Tony Willian Boita: análise de dados, elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados. Camila Moraes Wichers: análise de dados, elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados

Conflito de interesses: Não se aplica

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