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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n379608 

Artigos

De Abjeta à Anômala: Masculinidade Feminina e Devir-Sapatão em Godless

From Abjection to Anomaly: Feminine Masculinity and Becoming-Dyke in Godless

De abyecta a anómala: Masculinidad Femenina Y Devenir-Sapatão En Godless

Daniela Conegatti Batista1 
http://orcid.org/0000-0002-1143-2277

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. 90040-060 - ppgedu@ufrgs.br


Resumo:

Neste artigo, discuto masculinidade em mulheres por meio da análise de uma personagem oriunda de uma série de Video On Demand. Com base no conceito de anômalo de Deleuze e Guattari e na teoria performativa de Butler, a personagem Maggie, da série Godless, foi aqui investigada. A partir do exercício analítico operado, dois eixos teórico-analíticos foram concebidos. O primeiro, voltado para a relação entre abjeção e anômalo, o segundo, a partir da desterritorialização de Maggie, que a constituiu enquanto fenômeno de borda. Como efeito, Maggie colocou em questão a própria abjeção enquanto efeito inevitável no processo de constituição do corpo ambíguo, de modo a compor o que nomeei, com base na teoria deleuzo-guattariana, devir-sapatão.

Palavras-chave: masculinidade feminina; lesbianidade; séries; anômalo; devir

Abstract:

This paper discusses masculinity in women through the analysis of a character from a Video On Demand series. Based on the anomalous concept of Deleuze and Guattari and Butler’s concept of gender performativity, Maggie, a character from Godless, is here investigated. Two theoretical-analytical categories were conceived. The first was focused on the relationship between abjection and anomalous, the second, based on the deterritorialization of Maggie that constituted her as a border phenomenon. As an effect, Maggie did put in question the process of abjection itself as an inevitable effect of the constitution of an ambiguous body, which led her to compose what I have named, based on the Deleuzo-Guattarian theory, becoming-dyke.

Keywords: Female masculinity; Lesbianity; Series; Anomalous; Becoming

Resumen:

Este artículo trata sobre la masculinidad en mujeres a través del análisis de un personaje de una serie de Video On Demand. Partiendo del concepto anómalo de Deleuze y Guattari y la teoría performativa de Butler, aquí se investiga el personaje Maggie, de la serie Godless. A partir del ejercicio analítico operado se concibieron dos ejes teórico-analíticos. El primero, centrado en la relación entre abyección y anómalo, el segundo, basado en la desterritorialización de Maggie que la constituía como un fenómeno de borde. Como efecto, Maggie cuestionó la abyección en sí misma como un efecto inevitable en el proceso de constitución del cuerpo ambiguo, para componer lo que he denominado, con base en la teoría deleuzo-guattariana, devenir-sapatão.

Palabras-clave: masculinidad femenina; lesbianidad; serie; anómalo; devenir

Sua lei me tornou ilegal,

Me chamaram de suja,

louca e sem moral.

(Urias, Diaba, 2019)

Em 2019, Urias lançava a música Diaba, denunciando as violências sociais que infligiram a trajetória de seu corpo e de sua existência de mulher negra transexual. Em 2017, Godless, uma minissérie de gênero faroeste, ambientada nos anos 1884 e produzida pela Netflix, era lançada, com um argumento, no mínimo, instigante.

Como se relacionam dois produtos midiáticos de natureza e tempos distintos? Para além da proximidade semântica que carregam em seus nomes (Diaba, na música de Urias, aproxima-se muito de algumas traduções para o termo Godless, como ‘profano’, ‘ateu’ e até mesmo ‘satânico’, dependendo do sentido da frase que o acompanha), relacionam-se por meio do corpo generificado que referenciam a cada estrofe e, no caso da minissérie, a cada take de uma personagem específica. Urias, diaba, louca e sem moral, aqui se une a Maggie, personagem de Godless, em sua jornada de tensão com a “lei” e a moralidade. Com um argumento provocativo do ponto de vista das relações de gênero, como será demonstrado, Godless, mais precisamente Maggie, torna-se, aqui, foco de interesse. Enquanto personagem mulher e masculina, Maggie possibilita importantes discussões para o campo dos estudos de gênero e sexualidade, principalmente aquele que se dedica a contemplar masculinidades para além do corpo nomeado e constituído homem. Assim, por meio das possibilidades acionadas pela personagem, e movimentada pelas ‘palavras-navalha’ cortantes de Urias, busco delinear uma das formas daquilo que nomeei, em uma pesquisa sobre serialidades televisivas e de Video on Demand (Daniela CONEGATTI, 2020), devir-sapatão,1 com base na constelação teórica do devir (Gilles DELEUZE; Félix GUATTARI, 1997).

Aqui, devir-sapatão compõe uma espécie de fenômeno teórico-analítico que não se resume ao gênero ou à sexualidade, mas sim convoca a um olhar analítico interseccional para estas duas dimensões em relação. A partir da análise de uma personagem e seu universo narrativo, pretendo demonstrar que a ambiguidade de gênero que desponta para a masculinidade situa Maggie diante da anômala2 de si mesma, possibilitando, assim, uma forma de resistência não apenas às matrizes de gênero e sexualidade, mas também à própria abjetificação de seu corpo. Como efeito, enquanto anômala de si, Maggie entra em devir-sapatão.

Assim, no sentido de dar forma empírica a tais elaborações, o presente artigo está organizado da seguinte forma: primeiramente, a discussão volta-se para a masculinidade em mulheres, de modo a fundamentar não apenas a importância do trabalho com Maggie enquanto mulher masculina, mas de desnaturalizar a relação entre ‘homidade’3 e masculinidade. Na mesma seção, a série é apresentada, incluindo alguns aspectos específicos da trama, de modo a situar a importância de se investigar este produto midiático. Em seguida, a personagem e seu universo narrativo tornam-se o foco, incluindo as elaborações teórico-empíricas possibilitadas a partir delas, por meio de dois eixos: o primeiro, voltado para a relação entre abjeto e anômalo e a consequente qualificação da anômala; o segundo, para a condição de borda a que Maggie é constantemente convocada, e que se torna imprescindível para que ela produza a anômala de si mesma, entrando, assim, em devir-sapatão. Por fim, as considerações finais recuperam os principais aspectos do trabalho.

Da masculinidade ao anômalo: Godless em acontecimentos

Em termos de estudos acadêmicos no Brasil, o trabalho com masculinidade em mulheres se destaca sobretudo pela falta que compõe. Uma expressão de gênero que pouco tem adentrado os meios tradicionais de divulgação de pesquisa acadêmica, mais especificamente, os periódicos acadêmicos. Em breve busca pela palavra “masculinidade”, realizada no dia 25 de novembro de 2020 em duas tradicionais revistas que publicam exclusivamente pesquisas sobre gênero e sexualidade,4 foi encontrado apenas o artigo de Patrícia Farias, Fátima Cecchetto e Paulo Silva (2014), com enfoque também, mas não exclusivamente, em mulheres, e uma entrevista que perpassa o tema da masculinidade feminina e da lesbianidade em Carlos Henning (2020). Outrossim, em três recentes dossiês sobre masculinidade ou lesbianidade vinculados a diferentes periódicos (Cristina SANTOS; Simone SOUZA; Thaís FARIA, 2017; Djalma THURLER; Benedito MEDRADO, 2020; Mônica GAMA; Naná DELUCCA, 2018) que, em seu conjunto, somam trinta e sete artigos, foi encontrada, igualmente, apenas uma pesquisa: dedicada ao estudo da morte de Luana Barbosa, lésbica masculinizada assassinada em ação policial arbitrária e desmedida (Lilian JESUS; Igor TORRES, 2017). A partir desses dados é possível inferir, ainda que com ressalvas, que uma parte da experiência das mulheres tem sido invisibilizada nos meios tradicionais de divulgação da produção acadêmica. Nesse sentido, o exercício analítico empreendido aqui pretende, também, ir de encontro a esta complicada tradição - que, é preciso considerar, possivelmente diz mais do modo como a sociedade se estrutura do que de uma particularidade acadêmica. E, de fato, um dos motivos de tal apagamento pode residir na concepção social de que a masculinidade é monopólio dos homens (Jack HALBERSTAM, 1998). Justamente por isso ela carrega consigo uma herança que excede a adjetivação de um tipo de vestimenta, gestos corporais ou, mesmo, de um corpo específico. Masculinidade, para o senso comum, é sinônimo de homem em uma sociedade misógina, les/trans/homofóbica e racista.

Em função disso se dá a importância de demarcar a personagem aqui discutida como masculina, isto é, como forma de resistência ao monopólio de um modo de constituição por um gênero e, no limite, sua equivalência à ‘masculinidade tóxica’. Igualmente, porque parece haver um certo pânico moral quando se menciona uma mulher que prefere se constituir a partir de signos de masculinidade. Há formas de contornar, para não nomear: mulher não feminina, andrógina, que não é vaidosa, que não se preocupa com a aparência ou que prioriza o conforto. Falar de uma mulher como feminina, no entanto, não parece ser um grande problema. Todas essas significações que intentam ocupar o lugar do adjetivo ‘masculina’ não produzem apenas resistência ao reconhecimento de tal expressão em uma mulher, mas também forjam a noção de que ser mulher masculina é afastar-se de uma série de qualidades: bela, vaidosa e charmosa, por exemplo, são adjetivos oferecidos apenas àquelas que se produzem por meio da feminilidade normativa (que também é marcada pela branquitude, importante lembrar). Assim, enquanto a mulher não for nomeada ‘masculina’, ela permanece no território da ‘mulheridade’, mas, ao mesmo tempo, em constante tensão com suas fronteiras, posicionando-se sempre às margens de inteligibilidades que elevam um corpo à condição de humano e, também, de dignamente desejável (não apenas no nível do fetiche). Nesse sentido, manter o foco na masculinidade em mulheres é um ato político - e performativo - porque constitui a masculinidade como um território que quaisquer gêneros e corpos podem habitar (HALBERSTAM, 1998). Trata-se, também, de um gesto que reivindica inteligibilidade a outros tipos de masculinidade, com o intuito de exceder categorizações de cunho exclusivamente fetichista, exótico e abjeto e, consequentemente, reivindicar que tais expressões são passíveis de contemplação e admiração.

É neste sentido que Maggie, personagem masculina de Godless, faz-se importante para este artigo. Viúva do prefeito de La Belle, que após sua morte passa a vestir as roupas do ex-marido, assume seu lugar de prefeito e apaixona-se por Callie Dunn - ex-prostituta que, na atual conjuntura, trabalha como professora de educação infantil. O lugar que Maggie ocupa em uma cidade praticamente sem homens5 caracteriza o deslocamento de sua condição de mulher e também de heterossexual, em uma cidade do interior digna do velho oeste. Deslocamento este que efetiva uma desterritorialização, conceito elaborado por Deleuze e Guattari (1997), e que diz respeito aos movimentos entre territórios implicados no processo de devir. Desse modo, situar Maggie enquanto mulher não heterossexual e masculina, em desterritorialização, pressupõe compor um olhar geográfico sobre sua constituição, de forma a evidenciar os tráfegos que implicam as relações de resistência e sujeição, além de sua condição de deslocamento constante.

Entre resistir e ser convocada a assujeitar-se, Maggie é colocada em face da anômala deleuzo-guattariana de si mesma. Neste sentido, uma primeira questão teórica que parece se impor, e que, acredito, precisa ser desenvolvida antes mesmo do trabalho com a personagem, é a antropomorfização de um conceito. De fato, o anômalo de Deleuze e Guattari (1997) toma a forma humana em minhas palavras. No entanto, o humano, aqui, compõe apenas o seu estrato provisório. Anômalo se compõe, mormente, a partir de relações. Relação com a/o outra/o, consigo mesma/o, com alguma coisa, e esta relação está subjugada a um momento, a um instante que não se repete, porque “é a partir do encontro que as forças se manifestam e o acontecimento tem lugar - de modo que aquilo que resulta de um encontro é invariavelmente singular” (Fabiana MARCELLO, 2009, p. 612). Neste sentido, como procurarei demonstrar, a anômala de Maggie insurge a partir das relações que são operadas na série - e aqui, sobretudo, a qualidade do devir enquanto acontecimento e singularidade que, de forma alguma, será posse de alguém. Tais relações, ainda, acabam por ensejar um afastamento do próprio humano, porque a anômala em Maggie toma forma na medida mesma em que ela é destituída de sua condição de humana-sujeita: sujeita do feminino, sujeita da heterossexualidade.

Como a anômala que aqui se faz referente engendra-se a partir da intersecção entre gênero e sexualidade, o conceito de performatividade de gênero (Judith BUTLER, 2013) também compõe a base teórico-metodológica deste exercício analítico, sobretudo na medida em que permite conceber a força interpelativa da linguagem e, consequentemente, a força performativa dos atos e acontecimentos que possibilitam a insurgência da anômala. Ao evidenciar a potência do conceito de performatividade butleriano para análise audiovisual, aproximo-me de Hortensia Esparza e César Cruz (2019). No entanto, minhas considerações extrapolam o produto fílmico, sobre o qual tais autoras discorrem, para adentrar o campo das serialidades audiovisuais. Aqui, partindo de uma perspectiva teórico-metodológica, o conceito de performatividade, aliado à noção de anômalo, permite-me evidenciar excertos audiovisuais que compõem momentos em que Maggie se encontra em face da anômala de si mesma, a partir de acontecimentos em que a expressão de gênero e a sexualidade estiveram em destaque. Nesse sentido, exercício analítico compõe a investigação da atuação de uma personagem específica na narrativa, considerando todas as suas interações à luz do referencial teórico e, a partir delas, selecionando o material mais adequado para as análises. E em se tratando do campo das serialidades audiovisuais, importa, aqui, para além de indicar os percursos teórico-analíticos desenvolvidos, apresentar, ainda que brevemente, o universo narrativo do qual Maggie faz parte.

De gênero faroeste, Godless, minissérie de apenas sete episódios, pode ser dividida em dois principais blocos narrativos. O primeiro é dedicado a narrar a história do rompimento de laços familiares entre Frank Griffin, líder de uma sanguinária gangue, e Roy Goode, filho de Frank que, assolado pelas maldades do pai, decide abandonar seu passado de crimes, tornando-se um ‘bom moço’. O segundo bloco narrativo apresenta a história da cidade de La Belle, cuja população é inteiramente formada por mulheres, pois os homens que a habitavam morreram em um recente acidente na mina de carvão local, em plenos 1884. É neste bloco narrativo que localizamos Maggie.

Enquanto história ambientada no Velho Oeste dos Estados Unidos do final do século XIX, Godless foi promovida como uma minissérie subversiva para o gênero faroeste, ao oferecer, entre outros aspectos, um arsenal diverso de personagens mulheres (Aline DINIZ, 2017; Vinícius NADER, 2018; OBSERVATÓRIO DO CINEMA, 2017). De fato, a série possui um argumento instigante, especialmente no segundo principal bloco narrativo, que envolve a cidade de La Belle e as mulheres que nela residem. A presença feminina se torna evidente já no trailer da trama, assim como em cartazes de divulgação que, de modo algum, exibem Roy ou Frank, homens em torno dos quais boa parte da narrativa se centra. Tais cartazes de divulgação também carregam significativas frases de efeito, como “Welcome to no man’s land”, cuja tradução, “Bem vinda(o) à terra de ninguém/homem nenhum” e significado sustentam astutamente uma ambiguidade da língua inglesa (e seu aspecto masculinista), indicando que o produto midiático que ali se apresenta possui uma intensa presença feminina.

Estes elementos oferecem pistas de que Godless, em um primeiro momento, propõe-se a desafiar diversos aspectos constituintes do gênero faroeste e de sua tradição masculina. No entanto, um olhar mais pormenorizado para o universo narrativo permite questionar o modo como a aparente versatilidade feminina ali se efetiva. Críticas como a de Lucas Siqueira (2017) e Jill Gutowitz (2017) asseveram que a narrativa não cumpre o que promete em suas campanhas promocionais: no primeiro episódio, por exemplo, mais de 70% dos diálogos são realizados por homens, apenas. O protagonismo da série é quase que inteiramente do ‘fora-da-lei’ Roy e de seu pai Frank, diferentemente do que promete o trailer. Somado a isto, Gutowitz (2017) denuncia o uso de cenas numerosas e apelativas de estupro (três no total, em uma minissérie de, apenas, sete episódios), com mínimo ou nenhum ganho para a história da trama e que funcionam, exclusivamente, ou para reforçar o antagonismo dos homens, ou seu heroísmo.

As cenas de estupros são, visivelmente, excessivas. Em uma das cenas mais chocantes, uma personagem forte, admirável e autoconfiante, chamada Alice Fletcher, sofre tentativa de estupro por um grupo de indígenas, apenas para ser salva pelo xerife de meia idade da cidade de La Belle, que é apaixonado pela moça. Uma cena que, pode se dizer, objetifica a personagem em função da humanização e da masculinização/heroificação de seu admirador. Este é apenas um dos exemplos que permitem sustentar que, além de não cumprir com o prometido pelo trailer e por seus cartazes de divulgação - e, portanto, capitalizar as mulheres da narrativa como argumento de venda -, Godless também parece não romper com uma tradição racista dos faroestes cinematográficos: a de bestializar e antagonizar nativo-americanas/os.

Levando em consideração não apenas, mas também estes aspectos da série, é inevitável indagar: será possível localizar e operar sobre cenas e personagens que rompem com um todo que se apresenta de modo misógino, normativo e limitador em relação à diversidade de gênero nesse universo narrativo? Defendo, neste exercício analítico, que a personagem Mary Agness, ou Maggie, como é apelidada por suas vizinhas, compõe uma auspiciosa possibilidade. Enquanto mulher masculina, Maggie dá forma a uma existência que, ainda que não amenize as limitações narrativas de Godless, faz emergir uma espécie de ‘respiro’ criativo.

Na sequência, as operações analíticas que evidenciam a potência desta personagem são apresentadas, organizadas a partir de dois eixos: o primeiro, com enfoque sobre a relação abjeto-anômalo, de modo a qualificar outros pressupostos deste fenômeno; o segundo, voltado para uma condição essencial à produção da anômala: sua posição à borda. Tais elementos, em seu conjunto, darão forma ao devir-sapatão.

“Você está ridícula”: Maggie, de abjeta a anômala

Logo no primeiro episódio, mais precisamente aos dezenove minutos de narrativa, o xerife Bill, irmão de Maggie, retorna à cidade após certo período ausente. Ao se aproximar de sua casa, percebe uma estranha movimentação. Repousa a mão sobre sua pistola, pronto para o combate. Porém, o combate não se daria naquele instante, e também não daquela forma. Ao deparar-se com sua pequena filha que o aguarda à porta, um alívio toma conta de Bill. Alívio este que se dissipa, segundos depois, quando encontra Maggie em sua casa, sentada à mesa, limpando um rifle. Enquanto Maggie trabalha no rifle, é preciso apenas uma olhada de Bill (e de quem especta), para concluir que aquela mulher dissona do ambiente, e, mais severamente, do tempo que a cerca.

Maggie veste calças, suspensório e uma camisa, vestimentas próprias (e exclusivas, até aquele momento) para homens. A tensão que compunha a cena há alguns segundos retorna, somada à preparação para uma espécie de agonística. Bill não acredita no que vê, e então precisa perguntar à sua irmã se ela, realmente, veste as roupas de seu falecido marido. Maggie não apenas confirma, como complementa: “e a arma dele”. O xerife, pasmo, indaga o porquê. Quer entender o motivo daquele incômodo que se materializa em sua frente, o motivo da perturbação da ordem. Porém, mais do que entender, quer também obstar tal materialidade disruptiva porque, para além de compor uma curiosidade, sua pergunta parte de uma certa postura em relação à Maggie. Um “por que” hostil, que, frente à resposta de Maggie, é complementado por uma fala: “você está ridícula”.

E, de fato, parece óbvio que, neste cenário, Maggie é feita anômala. Primeiramente, porque a própria palavra, em seu sentido usual, evoca significados que talvez se aproximem brevemente daqueles de que nos falam Deleuze e Guattari (1997, p. 26). Estranho, diferente, anormal, o anômalo, para estes autores, é um “indivíduo excepcional”, e, complementam, um demônio com o qual é possível estabelecer um pacto, uma relação. Neste sentido, talvez associações com anomalia, anormalidade, abjeção, exceção, façam algum sentido. No entanto, tais associações oferecem limites à função teórica que busco no anômalo destes autores.

Para qualificar o anômalo ao qual os autores se referem, e de forma consonante com a ideia de pacto com um demônio, é preciso recordar a relação de profunda proximidade que este conceito estabelece com o devir-animal (DELEUZE; GUATTARI, 1997). Paola Gomes (2002, p. 60), ao elaborar sobre o devir-animal, relembra que nossa educação escolar e científica (evolucionista e positivista) encontra nos animais o referente não apenas para um princípio humano, mas também para um ‘rebaixamento’ do humano. Aproximar-se do demônio, em toda sua forma animalesca, é condição para afastar-se de Deus - figura antropomorfizada e masculinizada -, adverte a moral cristã. Aproximar-se do animal é, assim, apartar-se do humano. “Controlar os instintos” e evitar “os furores biológicos” (p. 60) são os únicos meios de evitar a animalidade que assola a existência humana, explica Gomes.

Neste sentido, a relação entre anômalo e devir-animal se dá por meio de um movimento paradoxal: o distanciamento e a aproximação do humano. Para devir-animal, há uma condição anômala implicada na transformação do ser: a de colocar em suspenso algum aspecto de sua humanidade, sem, no entanto, perder a relação com o humano. Um humano que aqui não é compreendido em seu sentido ou a partir de suas funções biológicas, ainda que Gomes (2002) também evoque tal significado. Há algo para além disso, uma expectativa que reside, principalmente, na disposição ao controle e vigilância de si mesma/o (e talvez de outras/os) por meio de uma educação do corpo nos mais diversos âmbitos sociais, inclusive aqueles que produzem gênero e sexualidade.

Como efeito, enquanto ser humano, tornar-se anômalo é aproximar-se do devir que possibilita uma ambivalência: entre humano e animal, entre anômalo e sujeito/a. Assim, pode-se dizer que a condição de anômalo implica uma desterritorialização: atravessar fronteiras, desaprender, estranhar e tornar-se estranha/o em seu próprio lar. Fazer-se anômalo é, portanto, des-educar-se, isto é, involuir para uma condição áspera, porque desterritorializada (DELEUZE; GUATTARI, 1997). Isto posto, argumento que é sobretudo por relacionar-se com a desterritorialização do humano que o anômalo pode ser deslocado de uma relação única com o devir-animal (mas partir dela contaminado) para produzir uma possibilidade de devir-sapatão. O anômalo, neste sentido, emerge como elemento, mas também como resultado de uma relação. Relaciona-se com os devires, afetando a condição do ser humano, e a partir disso se contamina (pelo devir e pelo humano), produzindo a si mesmo, isto é, fazendo emergir a figura do anômalo.

Maggie compõe este movimento de desterritorialização e contaminação a partir de sua relação, na cena, com Bill. Ao ser questionada sobre suas roupas, é sua própria ontologia que é colocada em questão. Sua condição de humana é fragilizada porque, inevitavelmente, perpassa sua conformação ao (e a um) gênero. Como já afirmava Butler (2013), somente ganha inteligibilidade o feto cujo gênero se faz presente. No limite, é sua humanidade mesma que é sustentada pelo seu gênero. E, se Maggie põe-se refratária à parte desta inteligibilidade - não à sua condição de mulher, porque continua a reconhecer-se como mulher, mas à sua condição feminina, que sustentaria sua ‘mulheridade’ -, ela, consequentemente, afasta-se do humano. Localizada precisamente no entre, seja entre gêneros, seja entre humana e não humana, está em desterritorialização.

No entanto, resta a dúvida: por que defendo, neste exercício analítico, que é Maggie quem entra em contato com a anômala? Não é seu irmão, o xerife, que está à sua frente, a recusar uma aliança com esta na figura de Maggie? É perceptível que o xerife antagoniza a ‘desordem’ que se instaura em sua casa. Não faz aliança com sua irmã, sua própria família, uma vez que o que se materializa em sua frente parece-lhe nada familiar.

A/o outra/o, como efeito, não é apenas um outro alguém, um outro indivíduo, mas configura-se em outra possibilidade frente ao anômalo. É neste sentido que não há relações familiares - ao menos não em um primeiro momento - com o anômalo, anunciam Deleuze e Guattari (1997), mas sim pactos, alianças. O familiar, neste marco teórico, supõe uma relação de conforto, de reconhecimento de si na/o outra/o. Os autores anunciam:

Não basta parecer um lobo ou viver como um lobo para produzir lobisomens em sua própria família: é preciso que o pacto com o diabo acompanhe de uma aliança com uma outra família, e é o retorno dessa aliança na primeira família, a reação dessa aliança sobre a primeira família, que produz os lobisomens como efeito de feedback (1997, p. 28-29).

Portanto, há um convite frente ao contato com o anômalo: o de desafiliar-se e, consequentemente, voltar ao familiar enquanto outra/o, herege. Formar pactos com o diabo, para além de qualquer esoterismo, configura, sobretudo, a aproximação, ou melhor, a filiação a uma outra possibilidade de existência e de resistência: resistir é aproximar-se do anômalo, tornar-se resistência é tornar-se anômalo.

Como efeito, a cena evoca o familiar em processo, seja pela relação fraterna, seja pela via do familiar de que nos falam Deleuze e Guattari (1997): relações consanguíneas que se ‘rompem’, relações anômalas que nascem. O parentesco, para além de produzir aqui condição para a insurgência da anômala, possibilita pensar o gênero e a sexualidade de uma forma específica. Gilian Rodger (2018, p. 46), por exemplo, ao descrever um número musical realizado por Ella Wesner na década de 1870, refere-se a uma música intitulada The Gymnastic Wife. Tal música conta a história de um homem que se casou com uma mulher de físico superior ao dele. Em certa estrofe, o Drag King confessa e adverte: “Ela me assusta demais, seja lá o que você faça, seja lá o que faça, não tenha uma esposa atlética” (tradução minha).

Ainda que aqui sejam distintas as formas de parentesco - a da referida performance discute a relação matrimonial, a da série, fraternal - as relações de gênero aproximam-se fortemente. A música adverte sobre os perigos que corre um homem ao se relacionar com uma mulher de força física superior. De fato, é curioso que uma música do século XIX admita que o mito da superioridade física masculina pode não se consumar na prática, mas, ainda assim, seu intuito parece ser o de advertir os homens para que, justamente, tal situação não exceda os limites da ficção, os limites de uma paródia. Nesse sentido, uma mulher de força equivalente ou superior - seja física, seja assistida por uma arma - oferece ameaça à matriz de relação entre os gêneros, e isto se estende para quaisquer relações, como é possível evidenciar na cena entre Maggie - armada -, e seu irmão - também armado. Na medida em que se aproxima de uma existência masculina, mas é convocada por um discurso do feminino, Maggie é refutada e, resistente a este ‘chamado’, faz-se anômala de si mesma. Maggie em dobro, a cena produz. Deparando-se com sua anômala, Maggie ‘despactua’ com seu irmão ao pactuar consigo mesma.

Destarte, Bill, de fato, está em face de sua irmã, mas não de sua anômala, pois se concentra, antes de mais nada, na falta que a constitui: faltam-lhe feminilidade, subserviência, limites. Faltam-lhe roupas e atitudes próprias de uma mulher que habita aquela cidade de clima desértico dos anos 1884. Consequentemente, o xerife não experiencia o encontro com a anômala, pois abjetifica Maggie, recusando o convite a um outro olhar, a um olhar instigado, sobretudo, pelas presenças.

E é deste ato que emerge o principal elemento qualificador não apenas da separação entre anômala e abjeto, mas também da relação entre anômala e masculinidade. A abjeção é, de fato, o que permite esta aproximação, em um primeiro momento. Assim como no anômalo, a abjeção implica um distanciamento do que é concebido como humano. Masculinizar um corpo nomeado e constituído pela ciência e pelo senso comum como feminino é aproximá-lo de uma condição abjeta. O abjeto, caracterizado por Julia Kristeva (1982) e retomado por Butler (2013), compõe aquilo que está em excesso nos corpos, que deve ser expelido, descartado, escondido. É, portanto, aquilo que não queremos ver em nós mesmas/os, mas que, em alguma medida, nos constitui. Implica uma batalha constante por esconder uma parte do si, por ocultar uma condição que, ainda que profundamente humana, também profundamente incivilizada (entendendo aqui civilizado como uma designação colonialista, antropocêntrica, europeia e cristã). Butler (2013) recorre ao conceito de abjeto para discutir as violências que sofrem indivíduos cujos corpos não encontram referente na matriz heterossexual (e cisgênero, acrescento). Como efeito, abjetificar implica rechaçar, violentar, negar. É o ato violento de tentar erradicar (linguisticamente e materialmente) uma existência com base em sua condição de não humana (ou melhor, com base naquilo que se quer suprimir da humanidade). É justamente neste ponto que a anômala não pode ser reduzida ao abjeto. A anômala convoca a uma re(l)ação transformadora e criativa. Resistir é, também, criar. Criar um espaço para si, quando o efeito que se coloca é o da abjeção. A anômala, consequentemente, emerge como resistência à abjeção. Precisa dela, em alguma medida, para se efetivar, mas dela ascende, colocando em questão sua própria condição de dependência.

A distância entre anômala e abjeto é, portanto, esta: o potencial para uma inteligibilidade outra, refratária e, ao mesmo tempo, indulgente ao efeito performativo, na medida em que este está, invariavelmente, convocado a produzir singularidades enquanto reforça a ilusão de um núcleo estável. A anômala aproveita-se, assim, dos atos performativos que possibilitam uma leitura abjeta de um corpo em função de sua expressão de gênero.

Bem, mas se Bill refuta o encontro com a anômala, Maggie, por sua vez, é colocada em face de sua própria anômala, quando é nomeada ridícula. Por um momento, Maggie já não está Maggie, Maggie está ridícula. Maggie, em função do efeito performativo do gênero, isto é, de uma convocação a repetir e referenciar o gênero de uma forma em detrimento de outra(s) (BUTLER, 2013), - e, preferencialmente, de modo a estabelecer uma relação dicotômica com ‘o outro’ gênero -, é desapropriada de seu nome próprio, isto é, de sua dignidade, de sua inteligibilidade, para encontrar-se com um outro nome próprio, da ordem daquilo que Deleuze e Guattari (1997 p. 51-52) definem: “O nome próprio não é absolutamente indicador de um sujeito (...) O nome próprio designa antes algo que é da ordem do acontecimento, do devir ou da hecceidade”. “Ridícula”, ouve Maggie, convocada a repulsar sua existência. É nesse sentido que a anômala, aqui, é operada por meio da performatividade butleriana, uma vez que, performativamente, o gênero acaba por provocar as condições, tanto para a efetivação de um marco normativo, quanto para a insurgência da anômala.

E de fato, toda a composição da cena dá a ver esta via de mão dupla do efeito performativo. Ainda que, como enfatiza Butler (2013), o sujeito se efetive muito mais como produto da performatividade do que como produtor dela, a autora jamais argumentou pela sujeição passiva deste. Para Butler (Gary OLSON; Lynn WORSHAM, 2000), as práticas que produzem o gênero - e que compõem a dimensão pragmática do efeito performativo - não podem ser confundidas com o gênero. Em outras palavras, a dimensão prática do gênero é a via pela qual o sujeito pode resistir ao efeito naturalizador da performatividade. Tal dimensão, formativa, mas dependente do indivíduo, pode tanto naturalizar o gênero - enquanto poder - quanto tensionar seus limites. Este jogo de relações se efetiva a cada olhar, gesto e fala de Maggie e Bill. Tudo ali compõe o gênero e se torna sobre ele. Bill rechaça a própria irmã pelo6 gênero, enquanto Maggie resiste e persiste neste lugar de rechaço, neste território que, se não é dela, também dela não conseguirá abdicar.

Tornar-se a anômala de si mesma é, portanto, resultado da relação com a/o outra/o. Uma relação permeada por uma espécie de violência, na medida em que o anômalo convida a uma despossessão - de valores, de crenças, de referentes e, por vezes, de si. Na cena em questão, Maggie se faz anômala na medida em que aproxima seu irmão de uma outra possibilidade de existência para uma mulher, uma existência refratária à própria ‘mulheridade’ matricial. Como efeito, seu irmão evoca a materialização de uma Maggie pretérita, ansiado por dissipar a existência masculina que é forjada em sua frente e, mais do que isso, que se impõe como força - e poder, num sentido mais amplo - equivalente por meio de sua arma. Maggie não é apenas uma mulher a vestir roupas ‘masculinas’, Maggie é uma mulher que ultrapassa os limites do gênero ao habitar um território semelhante ao do seu irmão. Mais do que compor uma espécie de masculinidade, Maggie complementa, com sua arma, uma existência que ousa se equiparar à do xerife, uma existência que se dá a ver. Uma existência que, justamente porque desterritorializada, feita ameaça às margens de um território, é veementemente abjetificada por Bill.

Ridícula, masculina e armada, Maggie resiste à abjetificação de si mesma (ainda que ela aconteça), ao apropriar-se do anômalo. Como? Convocada e provocada em relação à sua própria materialidade, ela sustenta uma aliança com o desfamiliar, reapropriando-se de seu status ontológico, ao responder à pergunta de seu irmão não somente com uma afirmativa, mas oferecendo um complemento: masculina e armada. A anômala insurge frente a uma tentativa de abjetificação, recusando-se a ter sua existência dissipada. Maggie em dobro como resposta à convocação de uma Maggie inexistente. Trata-se, assim, de uma singularização, efeito de um encontro tão lacônico quanto complexo.

“Que independente você!” Maggie à borda

No universo narrativo de Godless, Bill não se faz exceção em seu modo de (des)tratar Maggie. Em toda a trama, diversas personagens interagem com ela como se Maggie fosse uma forasteira em sua própria cidade, como se a ela faltasse certa sensibilidade a respeito daquele lugar, ou melhor, do seu lugar. Maggie é tratada, constantemente, como uma ‘forasteira’ do gênero.

Logo no primeiro minuto do episódio dois, algumas mulheres de La Belle estão esperando a chegada de um homem que pretende comprar a mina localizada na cidade, na qual ocorreu o trágico acidente que praticamente dizimou o contingente de homens de La Belle. Na expectativa de que tudo esteja de acordo para a chegada do negociante, Charlotte, dona do único hotel da cidade, coloca-se ao lado de Maggie e de outras mulheres, enquanto lê, admirada, sobre as qualidades do negociante vindouro, dentre elas a escrita de poesias. Maggie, em resposta irônica, complementa o comentário de Charlotte: “Como Shakespeare”. A dona do hotel, visivelmente incomodada com o comentário, exclama: “Você podia ter, pelo menos, colocado um vestido!”.

Mas qual o sentido de convocar Maggie a portar um vestido? Como indica Halberstam (1998), a masculinidade expõe sua gênese cultural apenas quando é engendrada por outros corpos que não o do homem cisgênero, branco e de classe média. Ainda que, ao tornar-se exposta, ela (a masculinidade) torne ‘usurpador’ o ‘corpo estranho’ que a expressa, - e, no limite, em apropriador de um poder que não é seu - este corpo, ao forjar masculinidade, produz em si mesmo uma espécie de cisão, de mutilação metafórica. De uma expressão naturalizada de ‘homidade’ - isto é, do ser homem, para além do ser masculino -, masculinidade passa a ser traduzida em aspectos, traços e atitudes que não necessariamente forjam um todo masculino, e que podem ser mapeados justamente em função de sua condição ‘apócrifa’. Tal cisão da masculinidade possibilita, consequentemente, uma forma importante de resistência, uma vez que permite também a decomposição da feminilidade. Um corpo ambíguo carrega em si traços de ambos, embaralhando o vínculo da masculinidade com uma essência própria do homem e, do mesmo modo, com uma essência opressiva (porque construída em cima de privilégios, violência e produção de iniquidades).

E, de fato, o clamor de Charlotte por ver Maggie portar um vestido, como permitem elaborar as considerações de Halberstam (1998), significa mais do que simplesmente estar vestida a caráter para o encontro com o negociante: trata-se da revelação de sua condição de usurpadora, ao mesmo tempo que revela, para aquelas mulheres, o que (e como) pode um corpo nomeado feminino, de modo a dar início a uma constante tensão, intensificada pela seguinte cena.

Aos 12 minutos do primeiro episódio, encontram-se à mesa, na casa de Charlotte, algumas mulheres da cidade, além do negociante. Durante o jantar, o homem parece sentir-se à vontade para falar o que pensa, tanto que, ao propor um brinde, promete trazer “felicidade doméstica” à La Belle, “mesmo num lugar selvagem como este”, complementa, nem um pouco constrangido pela ofensa que destila às mulheres que lhe acompanham. Assim, estabelece, desde o início, sua posição de superioridade.

Esta dinâmica perpassa toda a construção da cena. O negociante permanece continuamente a se colocar como o intrépido ‘salvador’ da cidade, ainda que seja constrangido algumas vezes por duas personagens: Maggie e a senhorita Dunne, interesse romântico de Maggie. Dunne é a primeira a embaraçar o homem, quando este elogia sua aparência e pergunta se ela sempre quis ser professora. Recebe como resposta: “Não, senhor, eu sempre fui prostituta, mas depois de fecharem o prostíbulo da cidade e de um raio cair sobre a antiga professora, acabei assumindo a profissão”. Maggie sorri, enquanto o negociante desvia o olhar, desconcertado. Na tentativa de mudar de assunto, o homem volta-se para Maggie: “Então diga-me, senhora Cummings...”, mas é prontamente interrompido por Maggie: “McNue”. Confuso, diz: “Desculpe-me?”, e Maggie explica: “Voltei ao meu sobrenome de solteira”, toma calmamente um gole da bebida e continua: “Albert está morto, não há razão para eu continuar usando o sobrenome dele. Ele tem um irmão em Missouri [cidade] para isso”. O homem, visivelmente estupefato, sorri e exclama: “Que independente você!”, e depois se corrige, colocando ênfase demasiada no sobrenome de Maggie: “Então, senhora McNue, como a linda La Belle tem estado sem nenhum homem?”, e Maggie responde: “Nós estamos indo bem”. Sua resposta, no entanto, é ironizada por Charlotte, que a contrapõe, afirmando que todos que passaram por La Belle desde a morte dos homens tentaram tirar proveito da cidade. Maggie, visivelmente incomodada, olha para Charlotte. É então que o ‘especialista em minas’, que acompanha o negociante, começa a falar sobre o quão improdutiva a mina de La Belle pode ser, tentando justificar a futura ínfima oferta que será feita, mas Maggie o interrompe e explica por que a mina é muito mais produtiva do que eles dizem ser. O negociante, por sua vez, recomeça sua fala referindo-se a Maggie novamente com uma ênfase exagerada em seu sobrenome, e tenta diminuir a importância da cidade por meio de rumores, mas Maggie o interrompe com fatos sobre a mina que ele parece desconhecer. Intrigado, permanece em silêncio, enquanto Maggie, confiante, oferece que as mulheres da cidade entrem no negócio como sócias, e tudo seja dividido.

Visivelmente, Maggie é a única pessoa à mesa a defender de forma assertiva os interesses da cidade. A ausência do vestido, que incomodava Charlotte na cena anterior, agora se efetiva de outra forma. Sem vestido e sem sobrenome de casada, Maggie oferece pistas do quanto se afasta da matriz de ‘mulheridade’ e feminilidade que emerge como referente para as/os outras/os que estão à mesa com ela, e que, naquele contexto, compõe limites muito rígidos à atuação política de uma mulher. Fenômeno de borda, como já nos disseram Deleuze e Guattari (1997) sobre o anômalo, à borda Maggie permanece, travando uma espécie de agonística com o negociante que busca tirar vantagem da cidade por meio daquelas mulheres. Nivela-se, assim, ao homem que busca lográ-la, por meio de sua ousadia, coragem e insubordinação, mas também pela ausência de um vestido e pela audácia em atribuir, para si, um nome de solteira, ignorando o luto contínuo postulado às mulheres naquele tempo.

Como resposta, no entanto, é submetida a determinadas violências (ainda que não fisicamente). Porque Maggie ousa se colocar de forma equivalente, o negociante, visando ao seu benefício, decide, ao invés de refutar os argumentos de Maggie, refutar a ela mesma. A ênfase demasiada em seu sobrenome de solteira compõe uma forma de exposição de sua condição masculina e, consequentemente, uma convocação, um chamado à interpelação pela via da feminilidade. Em outras palavras, é constrangendo-a que o homem busca sua vitória.

Tais investidas, somadas à incerteza e à submissão das outras à mesa, passam a ser o trunfo do negociante: enfatiza o quanto elas poderiam perder sem eles (os homens), e anuncia que em 3 (três) meses destinaria o total de 150 homens para trabalharem e “cuidarem de todas elas”. Termina seu discurso afirmando: “Eu tenho certeza de que vocês devem sentir falta do cheiro de um homem... De um homem de verdade! Mas nós ficaremos com 90% dos lucros e cuidaremos de 100% dos custos!”.

A estratégia do negociante é explícita: desmoralizar a cidade de La Belle. Para tanto, recorre à condição das mulheres que nela são maioria. Evoca a ‘matilha’, nos termos de Deleuze e Guattari (1997). La Belle, pela ausência de homens, é selvagem, precisa de cuidados, está solitária. La Belle (em francês, a bela) também é linda, nas palavras do homem. La Belle é, metaforicamente, uma mulher como Maggie. Selvagem e refratária aos limites da feminilidade e da heterossexualidade, precisa ser colonizada, efeminada e sexualizada pela presença civilizatória dos ‘homens de verdade’ - e, boçalmente, por seu odor. Ao mesmo tempo, o negociante refere, também, a condição de ‘homem de mentira’ de Maggie para desautorizá-la, ao evocar a necessidade de que haja, ali, não apenas homens, mas homens ‘legítimos’. Maggie é, assim, e a um só tempo, rechaçada e reconhecida enquanto homem (de mentira) e mulher (selvagem).

Refratária, no entanto, Maggie resiste por si e pela cidade. Há, sim, uma ‘matilha’. Porém não nos termos do negociante, que, com seus gestos e palavras, destitui as mulheres da cidade da condição de humanas, racionais e capazes. Há uma matilha nos termos do anômalo. Deleuze e Guattari (1997) asseveram que é preciso estar à borda para perpassar toda a matilha e transpassá-la. Condição que possibilita que Maggie, enquanto borda, não seja, ela mesma, trespassada, porque, à e da borda, exclama: “Talvez você não tenha me ouvido antes, nós queremos metade!”. O conflito se intensifica, e é a vez do negociante argumentar: “Eu lhe ouvi, senhorita McNue, mas mesmo você possuindo conhecimento sobre a mina você não sabe como administrá-la, ao menos não sozinha”. A condição de borda é aquela que possibilita, mesmo diante de um constante chamado a calar-se, a resposta assertiva e insubordinada de Maggie: “Eu acho que o senhor é que não sabe tudo o que passamos e como nós mudamos em decorrência disso”. O negociante a interrompe, provocando: “Algumas mais que outras”. Para provocá-la, evoca a distância entre Maggie e as outras mulheres à mesa, sua condição de borda.

Estar à borda compõe, assim, uma condição ambivalente para Maggie, uma vez que é porque está neste lugar que pode resistir e, ao mesmo tempo, por estar nele, precisa, mais do que nunca, resistir. Resistir às investidas violentas do negociante, resistir ao convite à submissão que é feito não apenas por ele, mas pelas mulheres que ali, caladas, se encontram. Uma relação, portanto, de obrigatoriedade e de possibilidade.

É por isso que Maggie faz-se anômala de si mesma: porque é o efeito de sua própria existência que a convoca a uma outra relação com o mundo. Ao passo que é constantemente abjetificada pelo seu entorno, resiste e faz-se anômala ao manter-se à borda, avessa ao território. Um ato de resistência que possibilita conceber uma outra possibilidade, uma alternativa, uma via de escape ao chamado interpelativo que se perpetua constantemente na cena.

“O anômalo não é nem indivíduo nem espécie, ele abriga apenas afectos”, advertem Deleuze e Guattari (1997, p. 26). Afetos, sem dúvida, e em seu sentido mais geral, isto é, enquanto sentimento, ato ou fala que afeta, que atinge, são o motor da cena em questão. Maggie é provocada, insultada e menosprezada por sua postura, que, mais do que simples postura, evoca, por meio do efeito performativo do gênero, uma inteligibilidade confusa e provocativa. É, por isso, convocada. Convocada a portar um vestido e atender pelo seu antigo sobrenome, porque mais do que nomeá-la, ele evoca o vulto de uma Maggie outra, submissa e reverente de seu falecido marido. Uma Maggie efeminada e, consequentemente, subordinada, que precisa compartilhar da ideia de que perder os homens é, consequentemente, perder ‘tudo’, estar sem rumo. A aproximação entre modos de parecer e modos de ser é efetuada a todo o momento pelo efeito performativo do gênero. Um vestido precisa compor um corpo dócil, reverente e resignado, e vice-versa.

Em meio a afetos e convocações, contudo, também, um efeito: uma Maggie anômala insurge na existência e persistência de uma mulher masculina e com poder argumentativo, que enseja nas mulheres e na cidade uma potência que matrizes de (cis)gênero e (heteros)sexualidade talvez pouco permitam às outras, naquele contexto, conceberem. Maggie, tornada abjeta pelos homens à mesa e por suas companheiras, empenhadas/os em deslegitimar cada argumento ou investida sua, faz-se anômala ao resistir aos homens e, também, às mulheres, que se calam diante da injustiça e da sujeição a que são submetidas. Maggie, mais do que resistir, permanece inabalável, pois “tanto as ternuras quanto as classificações humanas” são estrangeiras ao anômalo (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 27) e, por que não, também as ofensas. E o que é um/a estrangeiro/a senão aquele/a que estranha (e que é estranhável), ábdito, clandestino e à borda, e que, por isso, no ato mesmo de não ser interpelado por certas inteligibilidades - porque, justamente, estrangeiras a ele - oferece outras possibilidades?

Maggie em devir-sapatão

Neste artigo, objetivei evidenciar e discutir uma das formas do devir-sapatão, por meio da masculinidade em corpos de mulheres. O conceito de anômalo de Deleuze e Guattari (1997), assim como o de performatividade de Butler (2013), foram escolhidos para tecer a emergência do devir-sapatão, uma vez que, por meio deles, foi possível localizar os efeitos das expressões de gênero e sexualidade em relação com suas respectivas matrizes, operando por meio de gestos e interações localizados em acontecimentos e encontros da ordem do singular.

Em Maggie, o devir-sapatão insurgiu enquanto esta colocou a si mesma em um lugar perigoso, mas equivalente ao do seu irmão e ao do negociante, permitindo-a perpassar as barreiras de gênero e sexualidade que, na narrativa, potencializam uma espécie de cisão entre os homens e as mulheres ali presentes. Por meio de um violento processo de abjeção, mas que o supera, Maggie foi colocada em face da anômala de si mesma, porque, diante do rechaço, Maggie se fez “virtuosidade cortante” (Julio AQUINO, 2011, p. 644), vindicando para si, e para a cidade de La Belle (tornada mulher às avessas, como Maggie), uma outra possibilidade.

A respeito da masculinidade, é importante destacar que a vestimenta nunca foi, por si só, o elemento que produziu o anômalo em Maggie. A masculinidade expressa em seu corpo se produziu em todos os âmbitos da sua existência. Masculinidade na voz, na postura, na inflexibilidade, na combatividade. No entanto, aqui, tais características estão também atreladas a um tempo passado, pois Godless dá vida a um outro século. Transposta para o tempo presente e, mais do que isso, em contraste com as expectativas desse tempo, a série produz uma espécie de anacronismo que complexifica os sentidos, possibilitando conceber resistências à própria compreensão de inflexibilidade e combatividade como características masculinas - ainda que, aqui, importante lembrar também, masculino de modo algum possa ser reduzido ao, ou tornado monopólio do homem. De modo consequente, são as próprias fronteiras entre masculinidade e feminilidade - para além dos gêneros aos quais estão, via de regra, subordinadas - que irrompem em face do anômalo, produzindo devir-sapatão.

Importante ressaltar, também, que o anômalo não se resumiu, aqui, à masculinidade; antes, foi efeito de um acúmulo de forças da ordem do acontecimento, singulares e desterritorializantes. Cada gesto e fala resistentes às matrizes de feminilidade e heterossexualidade possibilitaram a emergência do anômalo, mas somente porque uma aliança foi forjada, porque nessas relações a resistência se fez, também, virtuosa existência.

E é por isso que Maggie entrou em devir-sapatão. Ao colocar em face da anômala de si mesma, submetida a acontecimentos da ordem do singular, produziu entrelugares: entre gêneros, entre sexualidades, entre famílias consanguíneas e pactos familiares, entre expectativas e materialidades inconformadas. Elementos que, em seu conjunto, forjaram territórios e valeram-se da força - (in)subordinante - do efeito performativo, que faz expor a todo o momento seu artifício, sua ilusão nuclear. E é aqui, também, que Urias, mulher trans, negra, cujas palavras compõem o prólogo deste artigo, junta-se novamente à Maggie, masculina e armada, a reivindicar, agora em epílogo: “não sou nova aqui, não te peço licença. Sua permissão, nunca fez diferença. Com toda educação, foda-se sua crença”. Resistentes às crenças, porque estrangeiras a elas e suas raízes: efeito de (r)estar em devir-sapatão

Referências

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1A noção de devir-sapatão é aprofundada na pesquisa da qual este exercício analítico faz parte.

2Ainda que anômalo, aqui, componha um conceito deleuzo-guattariano, e que ambos os autores o tenham concebido no gênero masculino da língua francesa, adoto a flexão de gênero sobre o conceito como forma de resistência à masculinização da língua e à consequente universalização do masculino.

3Utilizo as expressões mulheridade/homidade para dizer do gênero do indivíduo (que não necessariamente corresponde a uma conformação baseada no biológico) e feminilidade/masculinidade ou feminino/masculino para evidenciar um modo de se colocar no mundo que não compõe, necessariamente, o gênero atribuído para si. Como resultado, mulher masculina ou masculinizada adentra as possibilidades de expressão de gênero subsumidas à categoria mulher, tornando-se, pois, uma possibilidade de mulheridade.

4Compreendendo os periódicos: Revista Estudos Feministas (UFSC) e Cadernos Pagu (UNICAMP). A partir dos resultados, foram verificados os títulos de artigos, descartando-se resenhas. Quando esta relação direta não era encontrada no título, os resumos foram lidos.

5Há alguns, como o xerife e seu assistente, que permanecem presentes até o final.

6No sentido tanto de ‘em favor’ quanto de ‘através de’.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: BATISTA, Daniela Conegatti. “De Abjeta à Anômala: Masculinidade Feminina e Devir-Sapatão em Godless”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e79608, 2022

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 21 de Fevereiro de 2021; Revisado: 14 de Dezembro de 2021; Aceito: 24 de Janeiro de 2022

daniconegatti@gmail.com

Daniela Conegatti Batista (daniconegatti@gmail.com) é doutora e mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), licenciada em Letras Inglês e bacharela em Relações Públicas. Integrante do NEMES - Núcleo de Estudos de Mídia, Educação e Subjetividade

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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