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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n380256 

Artigos

Maquinações generificadas no currículo das narrativas seriadas

Generified machinations in the curriculum of serial narratives

Maquinaciones generificadas en el currículo de las narrativas en serie

Evanilson Gurgel de Carvalho Filho1 
http://orcid.org/0000-0003-2018-767X

Marlécio Maknamara2 
http://orcid.org/0000-0003-0424-5657

Silvia Nogueira Chaves3 
http://orcid.org/0000-0002-9771-4610

1Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. 40110-100

2Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil. 58051-900

3Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. 66075-900


Resumo:

Filiados a uma perspectiva pós-crítica de pesquisa em Educação, significamos o artefato cultural das narrativas seriadas como um currículo. Investigamos a proveniência de um modo particular de produção de masculinidades a partir da categorização dos ‘homens difíceis’ das narrativas seriadas e perscrutamos o modo como o feminino também é enunciado nesse currículo. A partir das nossas aproximações com a esquizoanálise, argumentamos que esse currículo, ao se constituir como um “currículo-máquina” produtor de fabulações generificadas, tem sido estratificado por linhas duras, por linhas maleáveis e por linhas de fuga. Concluímos que esses discursos generificados têm apontado aquilo que é pensável e dizível acerca dos gêneros e das sexualidades de um determinado tempo.

Palavras-chave: currículo; narrativas seriadas; estudos culturais; gêneros; sexualidades

Abstract:

Affiliated to a post-critical perspective of research in Education, we conceived the cultural artifact of serial narratives as a curriculum. We investigated the provenance of a particular mode of production masculinities based on the categorization "difficult men" in serial narratives and we scrutinize the way the feminine is also enunciated in this curriculum. From our approaches to schizoanalysis, we argue that this curriculum, by constituting itself as a "machine-curriculum" producer of gendered fabulations, has been stratified both by hard lines and by malleable lines with deterritorialization tips. We conclude that these gendered speeches produce strata about the consistency plan of that curriculum, evidencing what is thinkable and sayable about the genders and sexualities of a certain time.

Keywords: Curriculum; Serial Narratives; Cultural Studies; Genders; Sexualities

Resumen:

Afiliados a una perspectiva poscrítica de la investigación en Educación, concebimos el artefacto cultural de las narrativas seriadas como un currículo. Investigamos la procedencia de un modo particular de producción de masculinidades a partir de la categorización de ‘hombres difíciles’ en las narrativas seriadas y escudriñamos la forma en que lo femenino también es enunciado en ese currículo. Desde nuestras aproximaciones al esquizoanálisis, argumentamos que este currículo, al constituirse como un "currículo máquina" productor de fabulaciones generalizadas, ha sido estratificado tanto por líneas duras como por líneas maleables con puntas de desterritorialización. Concluimos que estos discursos generificados producen estratos sobre el plan de consistencia de ese currículo, mostrando lo que es pensable y decible sobre los géneros y las sexualidades de una época determinada.

Palabras-clave: currículo; narrativas en serie; estudios culturales; géneros; sexualidades

Cena de abertura: A fera em mim

Em janeiro de 1999, um homem de meia-idade trajando um pesado roupão sentou-se em seu jardim e observou, atônito, uma família de patos que costumava descansar nas pacatas águas de sua piscina partir em direção ao desconhecido, causando-lhe um repentino ataque de pânico. Tal cena inusitada foi reproduzida inicialmente para uma centena de milhares de antigos televisores de tubo em sinal analógico de residências estadunidenses. Posteriormente, ampliando o seu alcance global, também foi transmitida para vários outros países do mundo, chegando inclusive ao Brasil. Foi logo em seu prólogo, antecipando ao seu público uma parte considerável das modificações culturais que atravessariam a virada do século XX, que a narrativa seriada The Sopranos proporcionou o que para muitas/os pesquisadoras/es da área audiovisual seria uma espécie de ‘revolução’ nos modos de criar e produzir narrativas midiáticas seriadas e protagonistas masculinos anti-heroicos.

Esse fenômeno culminaria na chamada “Terceira Era de Ouro da Televisão”, período caracterizado pela demanda de narrativas que se valiam de uma complexidade narrativa jamais vista até então, como alternativa às formas episódicas clássicas de se contar histórias em um formato televisivo (Brett MARTIN, 2014; Jason MITTELL, 2012; 2015; Christina KALLAS, 2016; Rodrigo SEABRA, 2016). Ao final do episódio piloto de The Sopranos, o cantor Nick Lowe embalou os créditos finais da série com uma canção que parecia evidenciar aquele que talvez tenha sido o legado mais palpável da série. O timbre suave do intérprete, em contraste com a austeridade contida na letra dos versos, tornou-se uma vaga lembrança daquilo que anos mais tarde seria conceituado pelo campo audiovisual por “Homens Difíceis”: aqueles protagonistas masculinos de narrativas midiáticas seriadas considerados “criaturas infelizes, moralmente incorretas, complicadas, profundamente humanas” (MARTIN, 2014, p. 21). Nas palavras de Nick Lowe: “A fera em mim/ Fica em uma gaiola presa por barras frágeis e fracas/ Inquieta de dia, e a noite cria confusão e se enfurece com as estrelas/ Deus ajude a fera em mim”.

Por seis temporadas e ao longo de 86 episódios, The Sopranos narrou as agruras de Tony Soprano, um mafioso ítalo-americano e suas desventuras em meio ao crime organizado em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que fomos apresentados a um impiedoso, frio e calculista assassino, também observamos como este mesmo ‘homem difícil’ pode ser, concomitantemente, um afetuoso pai de família. Habitando a multiplicidade de um sujeito cruel em seu labor e amoroso em suas relações familiares, The Sopranos apresentou-nos a um modo distinto de construção de protagonistas masculinos, cujos atributos pessoais seriam moralmente controversos e estariam em permanente estado de ebulição (MARTIN, 2014). O trabalho de David Chase, criador da série, soprou uma lufada de possibilidades para os seus legatários, ganhando ecos significativos em outras narrativas seriadas posteriores. Logo, se um afável chefe familiar poderia se transformar, de um momento para outro, em um implacável assassino - como o próprio Tony Soprano - um instável traficante pode, anos mais tarde, repetir o feito - a exemplo de Walter White, de Breaking Bad, que em uma cena emblemática, na qual é confrontado por sua esposa, esbraveja: “Eu sou o perigo”. Desse modo, aquilo que aparentemente causaria repulsa na audiência, ou um distanciamento emocional por parte do público, mostrou-se justamente o contrário. Tais protagonistas “passaram a se envolver num jogo sedutor com o espectador, desafiando-o emocionalmente a investir, às vezes a torcer e até amar uma gama de personagens criminosos cujos delitos acabariam incluindo tudo, de adultério e poligamia a vampirismo e assassinatos em série” (MARTIN, 2014, p. 21).

Entretanto, surgia para nós um incômodo nesse aparente fascínio e popularidade em torno dos “Homens Difíceis”. Não haveria espaço, por exemplo, para Sex and the City? Afinal, aquela comédia escrachada acerca dos estereótipos aparentemente mais ordinários da feminilidade1 não aparentava, pelo menos aos olhos do campo audiovisual, qualquer ‘revolução’ para a produção de narrativas midiáticas seriadas contemporâneas. Ainda que fosse predecessora de Tony Soprano, Carrie Bradshaw, protagonista de Sex and the City2, não teve a mesma repercussão que o seu algoz. Mesmo assim, a sua narrativa vanguardista permitiu que personagens femininas falassem abertamente sobre “coisas do corpo, mas também sobre seus desejos e insatisfações fora do quarto” de tal modo “que as mulheres jamais tinham falado na TV até então” (MARTIN, 2014, p. 82). Entretanto, há de se perceber que o tema da chamada “Era de Ouro da Televisão” se voltava particularmente para a luta travada pelos homens com os seus demônios interiores (MARTIN, 2014), o que provocou uma produção robusta de narrativas cujos protagonistas se adequavam a este perfil, desposando de uma ‘masculinidade difícil’ e os seus pretensos atributos - crueldade, frieza, violência, truculência, frustração. Não parecia haver espaço, portanto, para condecorar personagens femininas supostamente fúteis, frívolas, consumistas, que fazem sexo no primeiro encontro e depois comentam detalhadamente com as suas amigas - embora os tais ‘homens difíceis’ realizassem ações que dificilmente não seriam vistas como banais, e eles mesmos comumente regozijassem entre os seus pares acerca das suas conquistas amorosas e aventuras extraconjugais.

Ancorados em uma perspectiva epistemológica pós-crítica3, partimos desse incômodo em torno da consagração dos protagonistas masculinos - em detrimento das personagens femininas - de modo a trazer essa inquietação para uma investigação no campo do currículo. Passamos a tomar tal ‘predileção’ ou ‘reconhecimento’ de protagonistas masculinos como parte de um investimento generificado que se direciona a um determinado público e, por conseguinte, engendra um modo legítimo de ser e de se comportar como homem. Partimos, portanto, da compreensão que tais narrativas têm reiterado, em um contexto histórico e situado de produção e veiculação desse artefato, um modelo de masculinidade que, a partir do sistema de pensamento próprio de sua época, se apresenta como o mais “coerente” ou “verossímil” em relação às demais expressões de masculinidade. Em outras palavras, trata-se de uma certa disposição hierárquica em relação aos vários modos de masculinidade distribuídos em uma espécie de “pirâmide de poder”, conforme nos aponta Raewyn Connell (2013). No topo dessa pirâmide, teríamos uma “masculinidade hegemônica”, de caráter normativo, considerada como aquela que incorporaria a forma mais legítima de ser homem. Abaixo dela, teríamos outros modelos que se posicionam de maneira secundária - as masculinidades “cúmplices”, “subordinadas”, “resistentes” e “abjetas”. Logo, há uma certa ordem “fundada sobre o entendimento que, dada a hierarquia piramidal, um determinado grupo de homens dominaria outros grupos, a partir dos códigos que sustentariam esse modelo hegemônico de masculinidade” (Evanilson CARVALHO FILHO; Marlécio MAKNAMARA, 2019, p. 1513).

Mas se “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (Joan SCOTT, 1995, p. 86), não poderíamos deixar de evidenciar o seu caráter relacional e investigar como o feminino também tem sido enunciado nesse artefato. Em diálogo com o campo dos estudos culturais, que entende que os inúmeros artefatos culturais4 contemporâneos exercem uma pedagogia, passamos a compreender as narrativas midiáticas seriadas como um currículo, posto que “quando informações, aprendizagens, sentimentos e pensamentos são articulados, está-se compondo o texto de um currículo” (MAKNAMARA, 2020, p. 59). Como um artefato cujas imagens materializam e tornam visíveis os discursos que nos dobram como homens e mulheres de determinados tipos, os investimentos generificados do currículo das narrativas seriadas vêm nos interpelando em torno do que deveríamos fazer em relação aos nossos corpos, como devemos nos expressar em relação aos gêneros e quais são aquelas práticas sexuais socialmente aceitáveis.

Nesse sentido, quando nos referimos ao potencial pedagógico das narrativas seriadas, eliminamos qualquer ideia de um “lazer descompromissado” ou de um suposto envolvimento alheio sem quaisquer “riscos” assumidos, posto que “a cultura nunca é apenas consumo passivo” (Tomaz Tadeu da SILVA, 2010, p. 19). Afinal, o que está em jogo nesse artefato são os modos em que nos tornamos nós mesmos/as, desde os estilos e ideais coerentes e estáveis acerca do que é ‘ser homem’ ou ‘ser mulher’ disponibilizados por esse currículo, passando pela sua capacidade de inscrição em nossos corpos como efeito regulatório dos discursos por ele produzidos. Se “a verdade interna do gênero é uma fabricação” (Judith BUTLER, 2016, p. 236), o currículo das narrativas midiáticas seriadas é uma das instâncias possíveis de criações, de ‘fabulações’ - não há nada de originário, de verdadeiro, de dado ou de essência em termos das expressões de gênero; há somente criações, um sem número de possibilidades de ‘ficções generificadas’ que qualificam os sujeitos produzidos por esse currículo.

A partir das nossas conexões com a esquizoanálise proposta por Gilles Deleuze e Félix Guattari (2011a, 2011b), temos investido na imagem de um “currículo-máquina”, apostando que as engrenagens do artefato das narrativas midiáticas seriadas estão “em pleno vapor” na sua produção incessante de subjetividades. Nesse sentido, um “currículo-máquina” não pode ser definido ou determinado por uma essência a priori; ele está sempre se atualizando a partir dos agenciamentos que estabelece, dos fluxos que ele produz ou corta, dos processos de estratificação que o sedimentam. O argumento deste artigo, logo, é o de que o currículo das narrativas seriadas, ao se constituir como um “currículo-máquina” produtor de fabulações generificadas, tem sido estratificado por linhas duras, por linhas maleáveis com pontas de desterritorialização e por linhas de fuga. Focalizamos a constituição desse “currículo-máquina” na primeira parte do artigo. Em seguida, apresentamos a noção de “fabulações generificadas” com o objetivo de evidenciar que os processos pelos quais nos constituímos como homens e mulheres de determinados tipos podem ser compreendidos em um caráter de criação, de composição. Finalizamos, com os nossos “Créditos Finais”, mostrando que os discursos generificados produzidos por esse currículo têm apontado aquilo que é pensável e dizível acerca dos gêneros e das sexualidades de um determinado tempo.

Parte I: Um currículo-máquina

Dobradiças enferrujadas rangem ao menor sinal de funcionamento. A máquina é acionada. Um barulhinho aquiescente faz soar como se ela estivesse defeituosa, gemendo como se lhe faltasse o óleo entre as partes. Pouco tempo após ser ligada, o fluxo produzido transversalmente pela máquina começa a escoar. Conectando-se à outra máquina, o fluxo é interceptado e cortado por esta a qual está associada. “Corte-fluxo”: sistema que faz o desejo brotar em seus interstícios.

E é assim em tudo, pois em tudo há máquinas. Já haviam nos advertido Gilles Deleuze e Félix Guattari (2011a, p. 11): “há somente máquinas em toda parte”, somos capazes de ouvir suas vozes arranhando como engrenagens de uma “máquina-livro” que se conectam ao “currículo-máquina” que evidenciamos neste artigo. Isto põe-se sem qualquer metáfora ou figura de linguagem: tudo é maquínico. Confluência de máquinas, máquinas de máquinas, máquinas acopladas a outras, máquinas que produzem um fluxo, outras que por sua vez interceptam e cortam o fluxo daquelas que lhe antecedem. Acoplamento, produção, corte. É desse modo que “somos todos bricoleurs, cada qual com suas pequenas máquinas” (DELEUZE; GUATTARI, 2011a, p. 11).

Uma “máquina-ecográfica”, por exemplo, se conecta à “máquina-feto” e produz uma “máquina-generificada”. Enquanto o aparelho ecográfico passeia pelo ventre materno, há a produção de um fluxo de expectativas no aguardo daquelas palavras que farão com que tal corpo adquira materialidade: “É uma máquina-menino!”; “É uma máquina-menina!”, irá assegurar o doutor ou a doutora. A partir desse momento, acoplada à “máquina-ecográfica”, a “máquina-feto” corta o fluxo. Torna-se “máquina-generificada”, a qual se acoplará a tantas outras quais sejam possíveis, para que os produtos sejam em partes semelhantes com aqueles que a antecedem. Uma “máquina-brinquedo” dará conta de manter os padrões generificados durante a sua infância; uma “máquina-vestimenta” fará com o que o gênero atribuído desde cedo pela “máquina-ecográfica” esteja em consonância ante as expectativas evocadas a ele e adorne coerentemente a “máquina-menina” ou “máquina-menino”; uma “máquina-cor” será acionada para colorir, em tons azulados ou róseos, o destino da “máquina-generificada”.

O trabalho aqui em tela parte do mesmo estranhamento proposto por Ada Kroef (2001), no sentido de multiplicar os sentidos que atribuímos ao que convencionalmente nomeamos por “currículo”, com o objetivo de abordá-lo como “máquina”. Em outras palavras, o currículo pode ser concebido como um “arranjamento coletivo de enunciação e maquínico do desejo” (KROEF, 2001, p. 3). Ou seja, uma composição que é pura multiplicidade, pois “opõe-se a qualquer organicidade, programação e estratificação” (KROEF, 2001, p. 9). Nesse sentido, um “currículo-máquina” pode ser definido como um “sistema de cortes”; cortes estes que, como são próprios das máquinas, “operam em dimensões variáveis segundo a característica considerada” (DELEUZE; GUATTARI, 2011a, p. 54). Os cortes não se opõem à continuidade, pelo contrário: a lei da “produção de produção” assevera que uma máquina só pode ser máquina de corte de uma primeira máquina porque ela é, ao mesmo tempo, a máquina de fluxo de uma terceira: fluxo contínuo e infinito, estando o produzir sempre inserido ao produto. Logo, os cortes “são produtivos e, são eles próprios, reuniões” (DELEUZE; GUATTARI, 2011a, p. 62); produtivos pois confundem-se aos mesmos fluxos que interceptam, e reuniões pois congregam-se às demais máquinas em pura multiplicidade. Por não estarem fixados em representações que busquem preservar uma certa origem, “os cortes geram criações” (KROEF, 2001, p. 2). Isso significa, portanto, que um currículo-máquina pode abrir-se a outras possibilidades para além daquelas padronizadas, ultrapassar os ditames, os limites e a lógica instituída pelas normas.

Se tudo devém máquina e se toda máquina está acoplada a outra, há um sistema que forma regimes associativos, produção de produção. Mas “produção” não está na ordem da elaboração ordenada; produção é puro movimento, sem definição, sem nexo, beirando ao caos: máquinas de fendas e falhas, de suturas e aberrações, de desordens e expansões, produção de avarias. Para tal regime associativo, há as “máquinas desejantes”, as quais funcionam “ao mesmo tempo, numa soma que nunca reúne suas partes em um todo” (DELEUZE; GUATTARI, 2011a, p. 62). O que define as máquinas desejantes é justamente a sua função conectiva; máquina produtora de gagueira - “e...”, “e...”, “e...”, “e depois...” - em múltiplos sentidos e direções.

Como poderíamos significar um currículo segundo a lógica de uma “máquina desejante”? A perspectiva pós-crítica e as suas conexões com as filosofias da diferença têm concedido outros olhares para o currículo, entendendo tal artefato não apenas no que ele teria de “escolar” ou “institucional”, como também em termos de produção de significados, de movimentos efetuados, de agenciamentos que estabelece com outras maquinarias pedagógicas extraescolares. Nesse sentido, suas peças se conectam a outras, ainda que estas sejam de uma outra ordem ou de uma outra natureza. Logo, tal currículo faria mesclas com os mais diversos artefatos culturais, estabelecendo liames entre a cultura e produção de sujeitos; se abriria aos mais diversos campos teóricos e metodológicos, enxameando o campo pós-crítico com modos distintos de investigação; e se conectaria às diferentes formas de pensamento, proporcionando a multiplicação de significados.

O que definiria um currículo que opera segundo a lógica das máquinas desejantes seria a sua capacidade infinita de agenciamentos heterogêneos, aberturas para conexões com lógicas diferentes, em sentidos e direções variadas. Seu movimento é contínuo, há sempre algo acontecendo, tudo funciona ao mesmo tempo em uma “multiplicidade pura, isto é, afirmação irredutível à unidade” (DELEUZE; GUATTARI, 2011a, p. 62), que não pode ser apreendida por uma ideia de identidade ou de um sujeito transcendental. Nesse sentido, o “currículo-máquina” que aqui compomos, opera por meio de regimes associativos em acoplamentos de fluxos contínuos que são, por definição, incontroláveis. Essa se torna uma das principais características de um “currículo-máquina”: trata-se de um arranjo movediço, instável, flutuante, posto que “em um currículo sempre há espaço para encontros que escapam ao controle, que resistem e extrapolam ao planejado, que se abrem para a novidade” (Marlucy PARAÍSO, 2016, p. 389).

Ao compreender o artefato cultural das narrativas midiáticas seriadas como um “currículo-máquina”, passamos a significá-lo em seu caráter antológico. “Antologia”, premissa própria do campo audiovisual, refere-se à capacidade de um determinado artefato em se apresentar de diferentes maneiras, podendo se modificar ao longo de sua exibição. Logo, a noção de antologia tem nos servido no sentido de evidenciar que as narrativas midiáticas seriadas podem ser conectadas por uma unidade temática em geral: cada episódio pode abarcar novos enredos, ou estes podem ser modificados entre uma temporada e outra; novas personagens podem substituir aquelas cujas histórias tenham sido finalizadas; tramas podem ser concluídas e ceder seu lugar a outras que façam melhor sentido para a temática em geral.

Assumir esse currículo como ‘antológico’ tem nos permitido conceber a diferença, a alegria e as paixões alegres, o devir e o desejo em um artefato que, por outro lado, também parece querer normalizar, segregar, separar e controlar as expressões de gênero e de sexualidade. Tal abordagem tem nos possibilitado apreender o currículo das narrativas midiáticas seriadas enquanto máquina de diferentes naturezas: como aparelho de Estado, instauradora de espaços estriados, e como máquinas de guerra, produtoras de espaços lisos.

Em sua expressão de aparelho de Estado, o currículo das narrativas midiáticas seriadas é constituído por zonas de controle: espaços cuja função é a de capturar, controlar o nomadismo, dominar os fluxos, traduzindo-os para direções predeterminadas, movimentos limitados. Em outras palavras, o aparelho de Estado é uma forma subordinada “a um modelo do Verdadeiro, do Justo ou do Direito” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 49), capaz de estriar o espaço liso “contra tudo o que ameaça transbordá-lo” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 60).

No entanto, esse currículo também é constituído por regiões de escapes, próprias das máquinas de guerra: são arranjamentos constituídos por linhas de fuga capazes de agenciar espaços lisos ao fissurar os modelos hierarquizantes, convocando a sua audiência a demolir as formas, permitindo-lhes fabular outros modos de existência ao proporcionar experiências menos normativas. Essa multiplicidade entre zonas de controle e regiões de escapes é própria do referencial pós-crítico, uma vez que compreende que o currículo, ao mesmo tempo em que pode ser instrumento para “regular e ordenar”, também pode ser “território de escapes de todos os tipos”, no qual “se definem e constroem percursos inusitados”, “caminhos mais leves”, “trajetos grávidos de esperança a serem percorridos” (PARAÍSO; Maria Carolina CALDEIRA, 2018, p. 13).

O trabalho esquizoanalítico aqui proposto toma como fundamento a produção da diferença e das multiplicidades. Trata-se de ultrapassar a lógica identitária, essa convocação binária que dispõe os sujeitos em disjunções exclusivas: homem ou mulher, heterossexual ou homossexual, adulto ou criança. Nessa proposta metodológica, buscamos outras formas de ser sujeito para além daquelas determinadas a priori, outros modos de vida que escapem de lógicas normativas que nos conformam, atualizadas com outras intensidades, multiplicando os significados, as posições de sujeitos. Não buscamos determinar uma ontologia do “currículo-máquina”, mas sim produzir agenciamentos curriculares que façam desse currículo-máquina um “espectro de possibilidades” (KROEF, 2001, p. 2) em suas derivas de processos de estratificação.

Isso porque temos compreendido esses qualificativos de gênero como estratos, isto é, fenômenos topológicos de acumulação, coagulação, sedimentação. São cintas que “retém tudo o que passa ao seu alcance”, de modo a “formar matérias, aprisionar intensidades” (DELEUZE; GUATTARI, 2011b, 70). Nesse sentido, os estratos são compostos de coisas e de palavras, de ver e de falar, de visível e de dizível” (DELEUZE, 2005, p. 57), conduzindo-nos a perscrutar a constituição dos campos de visibilidade e enunciabilidade, isto é, aquilo que torna uma certa formação histórica distinguível de qualquer outra (DELEUZE, 2005). Portanto, uma dada época se define pelo que ela faz ver e ao que dela se diz, de tal modo que o currículo das narrativas midiáticas seriadas é capaz de operar como um dos possíveis “códigos de normalização” das condutas na contemporaneidade.

Tais estratos podem se desdobrar, segundo Deleuze e Guattari (2012), em “linhas duras”, em “linhas maleáveis” ou em “linhas de fuga”. As “linhas duras” são as linhas molares, constituídas por segmentos bem determinados, binarismos irredutíveis de classe social (rico ou pobre), de gênero (homem ou mulher), de raça (branco ou negro), de orientação sexual (heterossexual ou homossexual) etc. São linhas previsíveis, rígidas, controladas, nas quais “têm-se um porvir, não um devir” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 71), segmentos que passam presumidamente de um para outro em um sentido de linearidade, em polos arborescentes, seguros, contáveis, calculáveis. As “linhas maleáveis”, por sua vez, são como “quanta de desterritorialização”, mais fluídas, menos estáveis, “partículas que escapam dessas classes, desses sexos, dessas pessoas” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 74-75). São como fendas, pequenas rachaduras de ordem rizomática que desestabilizam as identidades pré-determinadas, desestratificações relativas. Já as “linhas de fuga” é pura desterritorialização, pelas quais se rompem os modelos estratificados, despojando o Eu de toda intenção de cristalização. São linhas imprevisíveis, que por vezes precisam ser mesmo criadas, de modo a liberar forças ativas e atualizar modos de vida. Engana-se quem supõe que essas linhas estariam dissociadas umas das outras; “as três linhas não param de se misturar [...], elas se transformam e podem mesmo penetrar umas nas outras” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 77).

Consideramos, portanto, que as linhas duras que compõem os “homens difíceis” têm se multiplicado no “currículo-máquina” das narrativas seriadas. Nas palavras de Brett Martin (2014, p. 20), “em pouco tempo [após o lançamento de The Sopranos], os canais [de televisão] estavam sendo ocupados por Tonys Sopranos”, em alusão às várias narrativas seriadas que se constituíram a partir da “complexidade” desse “homem difícil”. Exemplares como The Wire, The Shield, Deadwood, Breaking Bad e Mad Men põem em evidência que se tratam de máquinas desejantes que utilizaram do substrato da máquina-monstruosa de David Chase e efetuaram cortes em seu fluxo.

Entretanto, há de se considerar que os fluxos dessas máquinas posteriores são em parte distintos da máquina originária The Sopranos, pois estão elas mesmas acopladas a tantas outras máquinas que seria impossível atestar que os seus rendimentos seriam em tudo derivados de The Sopranos. Isso não apenas por não perseguirmos uma história linear dos acontecimentos, como já nos imunizou Michel Foucault (2017), mas também por percebermos que as produções imagéticas do currículo das narrativas seriadas contemporâneas disparam elementos diferentes daqueles que a suposta “fera originária” The Sopranos teria disparado ao seu tempo e ao seu público. Além disso, ancorados em uma noção de “proveniência”, não investigamos a identidade primária ou o estado natural das coisas, mas evidenciamos, lá onde parecia mais estável, o que haveria de acidental e de não-linear (FOUCAULT, 2017). Portanto, não perscrutamos aquilo que poderia jogar luzes sobre a figura de Tony Soprano como fundante dos distintos modos de vida produzidos no “currículo-máquina” das narrativas seriadas. Nosso interesse é justamente nas rupturas que podem deteriorar a unidade desse “homem difícil” como o discurso único e coerente de produção de subjetividades generificadas nesse currículo.

Parte II: Maquinações generificadas

Ao eleger um ‘homem difícil’ como protagonista de sua narrativa, o currículo das narrativas midiáticas seriadas tem disponibilizado um modo distinto de constituir-se homem na contemporaneidade: um homem feroz em seu labor, mas atencioso e amoroso em seus laços familiares; truculento, frustrado e por vezes corrupto, mas não menos carismático e sedutor; impetuosamente violento, mas também vulnerável. Os seus fluxos nos apontam para uma série de códigos facilmente identificados como relativos ao “mundo masculino”, produzindo estratos sobre o plano de consistência desse currículo. Nesse sentido, destacam-se: o poder, a lealdade, o comprometimento inabalável com a família (que tanto pode ser de ordem consanguínea, como também abarcar relações fraternais, geralmente com outros homens), a violência extrema, ser bem sucedido em seu labor (em trabalhos comumente atribuídos como ‘masculinos’, a exemplo da máfia, da publicidade, do tráfico, da chefia em instâncias como a polícia etc.), afeitos a problemas conjugais (traições, divórcios e até extremos como a poligamia), os vícios (com álcool, sexo, drogas ilícitas, jogos de sorte etc.) e a falta de controle sobre os seus ‘impulsos’ (de ordem violenta ou mesmo sexual).

Tais narrativas parecem, a uma primeira vista, não ser “endereçadas” ao público feminino. A noção de “endereçamento”, desenvolvida por Ellsworth (2001), compreende que qualquer texto cultural é produzido para um “alguém” que esse artefato pressupõe ser o seu alvo. Tal investimento não ocorre sem um determinado endereçamento, isto é, sem dirigir-se a uma audiência a partir de estratégias que questionam incessantemente quem é o seu público e quem esse artefato quer que o seu público seja (ELLSWORTH, 2001). Logo, é preciso que cada espectador/a entre “em relação particular com a trama e com o [seu] sistema imagético” (MAKNAMARA, 2011, p. 96-97).

Configurando-se em torno daquilo que Silva (2010) nomeou como “textos de poder” e imersos em uma lógica comercial, as experiências possibilitadas pelos endereçamentos de um artefato como o das narrativas midiáticas seriadas, embora resguardem algum caráter idiossincrático, é eminentemente relacional (ELLSWORTH, 2001). Afinal, um modo de endereçamento está sempre relacionado a “uma projeção de tipos particulares de relações entre o eu e o eu, bem como entre o eu e os outros” (ELLSWORTH, 2001, p. 19). Consequentemente, as movimentações de um modo de endereçamento são pensadas de modo a disponibilizar determinadas posições de sujeito e deixar traços das suposições que fazem a respeito do público a que se dirigem (MAKNAMARA; PARAÍSO, 2015).

Nesse sentido, não há um modo único de endereçamento em uma narrativa seriada, e mesmo aquelas protagonizadas por ‘homens difíceis’ e supostamente endereçadas aos homens, concorrem para a determinação de subjetividades generificadas relativamente ao feminino. Posto isso, o currículo das narrativas seriadas funciona não apenas em termos do que ensina ou pela maneira como ensina, como também pelo que ele elege como posições de sujeito aceitáveis e coloca à disposição do seu público, estimulando “a sua imaginação a serem e agirem de uma determinada maneira” (ELLSWORTH, 2001, p. 48). Consequentemente, personagens femininas povoam as narrativas seriadas protagonizadas pelos ‘homens difíceis’, comumente servindo como empecilhos ao sucesso masculino e na maior parte das vezes na figura inabalável de esposas, conquistas amorosas ou relacionamentos dados ao fracasso.

Ao visibilizar um modo particular de masculinidade, e sendo o gênero uma categoria analítica relacional (SCOTT, 1995), tem nos interessado aquilo que o currículo das narrativas seriadas também tem divulgado como relativamente ao feminino. Nesse sentido, o ‘feminino’ comumente surge em cena como aquilo que não é masculino - desde atribuição de esquema de cores, os figurinos utilizados, os diálogos do roteiro sobre questões supostamente ‘femininas’, as escolhas quanto a trilha sonora, o ‘ponto de vista’ na câmera etc.; como aquilo que deveria ser evitado - os modos de comportamento ou experiências que poderiam suscitar feridas nos modelos hegemônicos ditos masculinos; ou como um obstáculo direto às aspirações e ao sucesso masculino. Esse último caso conta com uma parte considerável das ‘esposas-troféu’ dos ‘homens difíceis’: Skyler White, esposa do protagonista Walter White de Breaking Bad, por exemplo, tenta abortar os planos do marido quando descobre o envolvimento dele com o tráfico de metanfetamina. Carmela, esposa do mafioso Tony Soprano em The Sopranos, precisa fingir que desconhece a fonte de riqueza do marido e é alçada a uma posição de sujeito ‘interesseira’.

Mas o campo do currículo é um território contestado (SILVA, 2010), sobretudo em uma pesquisa pós-crítica. Nesse campo epistemológico, o objetivo é o de multiplicar os significados, abrindo-se as disputas e as diferentes interpretações possíveis no currículo das narrativas seriadas. Utilizamos, para tanto, uma chave de leitura afiliada à vertente dos Estudos Culturais, no intuito de questionarmos acerca dos raciocínios generificados divulgados por esse “currículo-máquina”, bem como adicionarmos outros substratos em sua produção, de modo a ampliar as conexões possíveis de gêneros e sexualidades. É nesse embate de forças que Tig Notaro, protagonista de One Mississippi, é capaz de anunciar outros estratos menos normativos no plano de consistência do currículo das narrativas seriadas, traçando linhas de fuga e evidenciando “formas mais cooperativas, mais criativas e mais surpreendentes de estar no mundo” (Judith HALBERSTAM, 2011, p. 2).

[...] E agora lembro de quando eu tinha 15 anos. Minha avó Margie me deu um moletom rosa com ursinhos dando cambalhota na frente. Era um moletom rosa medonho. Ela não fazia ideia de quem eu era, e que eu nunca seria uma pessoa que usaria um moletom rosa com ursinhos. Ela me colocou em um papel. Eu era a netinha fofa dela. Ela viu o que achou que eu deveria ser, não é tão complicado, às vezes uma pessoa obscura tropeça e cai em um moletom rosa com ursinhos. O que me faz pensar se estamos apenas andando por aí usando o moletom rosa que as outras pessoas querem que sejamos. E quantas vezes nem enxergamos o outro. Ou nos enxergamos. O que aconteceria se tirássemos nosso moletom rosa?5

Em uma estação de rádio de uma cidadezinha pacata, a comediante Tig Notaro executa um intenso monólogo. Embora a cena se passe em uma narrativa seriada ficcional, trata-se de um artefato com profundo viés autobiográfico, no qual a atriz interpreta a si mesma e seus percalços como uma mulher que recentemente passou por uma dupla mastectomia depois de ser diagnosticada com câncer de mama. Para além dessas questões, Tig é uma mulher lésbica butch, o que por si já é uma dessas identidades que se coligam às minorias sexuais, que juntas, segundo Paul Preciado (2011, p. 14), “tornam-se multidões. O monstro sexual que tem por nome multidão torna-se queer”. Tig, portanto, vive um corpo abjeto, colapsando com aquilo que é “tomado como único possível, tolerável, assimilável com aquilo que está dentro de nossas fronteiras” (MAKNAMARA, 2016, p. 201). Afinal, o corpo de Tig desliza das normas de inteligibilidade do que é qualificado como próprio ao aparato generificado feminino - seja pelas vestimentas masculinizadas que ornam seu corpo franzino, seja pelo seu curto corte de cabelo e, em última e mais dolorosa instância, pela extração cirúrgica à qual é submetida devido a sua doença.

A obra de Tig Notaro nos inclina a pensar nos termos de Judith Butler, teórica cuja compreensão de ‘gênero’ põe em evidência o conjunto de normas produtoras de corpos que hierarquizam, classificam e governam os sujeitos como seres sexuados (BUTLER, 2016). Se ainda podemos sentir que tal categoria seria efeito de uma natureza ou de uma substância, de algo dado a priori, é em decorrência do gênero ser também o meio discursivo no qual aquilo que intuímos como o sexo natural é produzido e reiterado como algo pré-discursivo, e, portanto, anterior a própria cultura (BUTLER, 2016). Tais efeitos agem de modo a ocultar as descontinuidades entre gênero, sexo e desejo, fazendo com que gênero passe a ser compreendido como algo derivativo do sexo, ao passo que os nossos desejos e a nossa própria sexualidade necessariamente derivariam do gênero, em experiências supostamente coerentes e estabilizadas (BUTLER, 2016). Consequentemente, o gênero só passa a ser “bem sucedido”, isto é, performativamente produzido, porque o conjunto de atos repetidos para dar forma a sua materialização “se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural do ser” (BUTLER, 2016, p. 69).

Butler (2017, p. 37) insiste que todos e todas nós somos constituídos/as “mediante normas que, quando repetidas, produzem e deslocam os termos por meio dos quais os sujeitos são reconhecidos”. Tais normas são como critérios de elegibilidade e reconhecimento de modos de existência, fazendo com que a nossa capacidade tanto de discernir como de nomear os indivíduos dependa precisamente dessas normas. Por essa razão, sujeitos só se tornam inteligíveis “ao adquirir seu gênero em conformidade com os padrões reconhecíveis de inteligibilidade do gênero” (BUTLER, 2016, p. 42). A normatividade, por sua vez, está relacionada em como as normas “operam para tornar certos sujeitos pessoas “reconhecíveis” e tornar outros decididamente mais difíceis de reconhecer” (BUTLER, 2016, p. 20), estabelecendo critérios para o enquadramento de vidas e de não-vidas. Tais enquadramentos estão ligados a toda uma matriz heterossexual fundada na coerência entre sexo, gênero, desejo e sexualidade, forçando aqueles e aquelas que não estão estabilizados por essa norma a um lugar de penumbra, de não-reconhecimento, de invivíveis (BUTLER, 2017).

A apresentação do corpo de Tig no currículo dessa narrativa seriada concorre para a desterritorialização da heterossexualidade em um processo de ruptura dos regimes regulatórios de normatização. O monólogo da personagem mobiliza a refletir sobre os processos pelos quais somos subjetivados. “Ela me colocou em um papel”, pontua Tig quanto à atribuição do moletom rosa presenteado pela sua avó. A cena descrita pela protagonista tem ressonância nessas pressões para nos adequarmos às normas, que certamente não pairam apenas na figura da sua avó. Embora a família, juntamente com a escola e instituições religiosas, sejam uma dessas instâncias pedagógicas que instituem sujeitos e subjetividades, há uma miríade de outros espaços e artefatos culturais que também acionam modos de subjetivação. Como bem pontuado por Silva (2016, p. 140), “do ponto de vista pedagógico e cultural, não se trata simplesmente de informação e entretenimento”, mas de modos e esquemas de representação que influenciam diretamente os sujeitos interpelados pelos discursos desse currículo.

“One Mississippi” pode nos evidenciar como narrativas midiáticas seriadas, currículos, gêneros e sexualidades podem agenciar outros modos de constituição das nossas subjetividades. Tratam-se de “fabulações generificadas”, noção que compomos para visibilizar que os processos pelos quais nos constituímos como homens e mulheres de determinados tipos, a partir de um currículo, podem ser compreendidas como fabulações, não por não se ancorarem na realidade, mas por efetivamente conter um caráter de criação, de composição. Poderíamos intuir, inclusive, que seriam f(r)icções: ficções, porque não há nada a ser ‘descoberto’ nos corpos, nos gêneros, nas sexualidades, não há segredos escondidos; não há um interior que a eles correspondam, uma essência dada e presumida (PRECIADO, 2018) e fricções porque esses mesmos processos de criações generificadas são capazes de provocar fissuras nas convenções normativas ao estender possibilidades aos sujeitos “que não apenas ultrapassam os limites da inteligibilidade cultural como efetivamente expandem as fronteiras do que é de fato culturalmente inteligível” (BUTLER, 2016, p. 63).

Em matéria de subjetividade, é preciso despojá-la da tradição moderna que lhe creditou uma natureza a priori da qual derivaria, concebendo-a, portanto, como algo de “natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente fabricada, modelada, recebida, consumida” (GUATTARI; Suely ROLNIK, 1996, p. 25). Isto é, uma ferramenta que nos ajuda a refletir “em termos daquilo que os humanos são capacitados a fazer por meio das formas pelas quais eles são maquinados ou compostos” (Nikolas ROSE, 2001, p. 166). Neste sentido, somos todos e todas modelados por práticas heterogêneas, somos produzidos/as de “formas muito particulares e específicas, nos constituindo pelos diferentes textos a que temos contato, pelas diferentes experiências que vivenciamos” (PARAÍSO, 2006, p. 4).

Tig ocupa uma posição de sujeito mulher abjeta, mas que - ou precisamente por isso - desvela toda uma potência política ao traçar possíveis linhas de fuga em relação às linhas duras constitutivas do currículo das narrativas midiáticas seriadas. É certo que Tig parece se situar em uma zona perigosa de inteligibilidade com o seu corpo abjeto. Perigosa porque “o gênero é uma performance com consequências claramente punitivas” (BUTLER, 2016, p. 241) para aquelas e aqueles que não se conformam com as expectativas que dele derivam. Apresentar-se adequadamente enquanto homem ou mulher é um dos aspectos que “humanizam os indivíduos na cultura contemporânea” (BUTLER, 2016, p. 241), e quaisquer possibilidades que fogem às regras são coagidas e postas sob sanções. Entretanto, justamente por manter-se nos desvios da estrutura binária e para além das fronteiras da estabilidade, o corpo de Tig escancara que o gênero não deve ser compreendido “como o efeito de um sistema fechado de poder, nem uma ideia que recai sobre a matéria passiva” (PRECIADO, 2011, p. 14). O que o currículo dessa narrativa visibiliza ao nos apresentar o corpo abjeto de Tig é uma ideia de gênero como um conjunto de dispositivos sexopolíticos (tais como a medicina, a pornografia, a arquitetura, a família etc.) a serem reapropriados/as por aqueles/as que costumeiramente são punidos/as por não desempenharem corretamente o seu gênero (PRECIADO, 2011; BUTLER, 2016).

Uma reapropriação que Tig faz de maneira tão prodigiosa nesse artefato: um corpo feminino repensado sob uma estética queer que, diante da inevitabilidade dos seios retirados, reinventa suas práticas sexuais - a exemplo de uma cena um tanto bem-humorada em que a personagem é seduzida por uma charmosa jornalista que tenta a todo custo vê-la sem a camiseta xadrez que estava usando. Mais do que isso, no monólogo que inicia este tópico, Tig nos provoca a uma reflexão a partir das memórias de sua infância: o que aconteceria se tirássemos nossos “moletons rosas”? Em outras palavras: e se recusássemos certos papeis que nos são atribuídos coercitivamente, abandonando “o valor das subjetividades plenas, unificadas e soberanas”? (Sandra CORAZZA, 2004, p. 58).

Quando renunciamos a um sujeito individualizado, passamos a trabalhar com a subjetividade como agenciamentos heterogêneos de “corpos, vocabulários, julgamentos, técnicas, inscrições, práticas” (ROSE, 2001, p. 166). Um agenciamento coletivo de enunciação não corresponde “nem a uma entidade individuada, nem a uma entidade social predeterminada” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 31), levando ao limite toda pretensão moderna de centralizar o sujeito, destituindo-o de toda interioridade, de toda identidade. Assim, subjetividades são forjadas pois são de caráter processual, polifônico, maquínico, antecedendo qualquer possibilidade de um sujeito anterior individuado; agora, entendemos a produção de subjetividade como aquilo que contribui para a fabricação de um modo de existência, de um estilo de vida, de um “si” que jamais é assinalado e estabilizado. Tal produção está diretamente associada às inúmeras máquinas de expressão que nos circundam, algumas delas de natureza extra-individual (o Capitalismo, o Estado, a Igreja, a Escola, a Mídia, o Currículo...), outras de natureza infra-humana, como os “sistemas de percepção, de sensibilidade, de desejo, sistemas corporais, orgânicos, biológicos, fisiológicos, etc” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 31).

Logo, a insubordinação ao moletom rosa é a insígnia da transgressão de Tig Notaro diante das expectativas que pairam sobre a coerência que deve habitar na intricada rede tecida entre corpos, gêneros e sexualidades. São os discursos que concorrem para a constituição e validação de cada um dos elementos dessa trinca. Se assumirmos que os discursos “são arquivos daquilo que conta como pensável e dizível numa determinada época” (MAKNAMARA, 2011, p. 61), é possível nos orientarmos pelos modos com que os discursos veiculados em narrativas midiáticas seriadas atribuem significados aos sujeitos ao instituir não apenas aquilo que será dito, como também o seu modo e o que será apresentado a partir de suas imagens.

Nesse sentido, o moletom rosa de Tig Notaro é metaforizado em dois momentos diferentes no currículo de sua narrativa seriada. Primeiro, na diferença estética da posição de sujeito mulher abjeta que Tig ocupa atualmente em relação à posição de sujeito menina padrão que a Tig adolescente ocupava, sendo esta última apresentada através de flashbacks pontuais ao longo dos episódios. No retorno ao passado, Tig surge em cena como uma garota completamente inserida nos padrões hegemônicos de feminilidade, tornando-se quase impossível acreditar que aquela garotinha é a mesma pessoa que acompanhamos no presente - o que evidencia o caráter flutuante das posições de sujeito generificadas. Isso porque “os processos de subjetivação convocam indivíduos a assumir determinadas posições e a tornarem-se sujeitos de determinados tipos” (MAKNAMARA, 2011, p. 59), em um processo que não é estanque, ocorrendo de modos diferentes ao longo da vida.

Quando nos deparamos com as diferentes formas em que Tig se comporta em fases distintas da sua vida, podemos perceber que “o modo como os indivíduos vivem a subjetividade oscila em dois extremos” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 33). Um dos polos está em relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, como observamos, por exemplo, nos flashbacks da adolescência de Tig, em que a personagem surge em cena como uma garota completamente inserida nos padrões hegemônicos de feminilidade. O outro polo está em uma “relação de expressão e de criação, a qual o indivíduo se apropria dos componentes da subjetividade” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 33). Tal processo de reapropriação, também nomeado de singularização, evidencia um agenciamento com pontas de desterritorialização, isto é, “ele tem sempre uma linha de fuga, pela qual ele mesmo foge, e faz escoar suas enunciações ou suas expressões que se desarticulam, não menos que seus conteúdos que se deformam ou se metamorfoseiam” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 154). Apesar de todos os segmentos de concreções e abstrações que repousam no agenciamento hegemônico que efetua em uma adolescência normativa, Tig esgarça essa fabulação generificada ao escoar em uma linha de fuga, efetuando um outro agenciamento, agora menos afeito a normatizações que circunscrevem a feminilidade.

No entanto, após finalizar o seu monólogo, Tig Notaro encara o seu reflexo no espelho, tira a sua camisa e observa pela primeira vez o seu corpo após a cirurgia que retirou ambos os seios. O moletom rosa já não existe mais há um bom tempo, e Tig já não se encaixa naquele modelo com que parecia ter rompido desde a adolescência. Entretanto, as dinâmicas de gênero agem de maneira insidiosa, até mesmo para aqueles e aquelas que pensam ter se desvinculado delas. Isso porque o corpo, arena irremediável de imposições regulatórias afim de materializar coerentemente o gênero nos sujeitos, é uma “prática significante dentro de um campo cultural de hierarquia do gênero e da heterossexualidade compulsória” (BUTLER, 2016, p. 240). Tig pode ter rompido com os padrões hegemônicos de feminilidade, e mesmo em seus espetáculos de stand-up costumava levar seu público a gargalhadas com as suas piadas sobre os seus seios serem tão pequenos que comumente era confundida com um rapaz. Por outro lado, isso não significa que a retirada cirúrgica dos seus seios não tenha significados profundos para ela como um sujeito identificado como mulher, uma vez que os discursos que concorrem para a construção das subjetividades generificadas estão a nos cercear e constranger “ao longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente” (Guacira Lopes LOURO, 2008, p. 18). Afinal, se “não há possibilidade de ação ou reação fora das práticas discursivas que dão a esses termos a inteligibilidade que eles têm” (BUTLER, 2016, p. 255), Tig - e tantas outras e outros que de algum modo se abrem a possibilidades de cisões com o gênero ao qual são identificados - terão sempre um trabalho a fazer. Em outras palavras, “quanto mais os segmentos são duros”, como estes que circunscrevem os sujeitos marcados pelo gênero, “menos o agenciamento é capaz de fugir efetivamente seguindo a sua própria linha contínua ou suas pontas de desterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 156).

Tomando por empréstimo a reflexão de Tig Notaro, podemos refazê-la de modo a pensar a respeito da produção de significados, saberes e valores do currículo aqui investigado quanto aos modos de vida dissidentes: “O que me faz pensar se estamos apenas andando por aí usando o moletom rosa que o currículo das narrativas midiáticas seriadas quer que utilizemos”. Tal reflexão não paira apenas sobre o moletom rosa, símbolo que Tig Notaro instituiu como signo de uma feminilidade com a qual ela não compraz. É apenas uma das inúmeras possibilidades que podemos encontrar no currículo das narrativas seriadas, implicado em processos de regulação das condutas de sua audiência ao forjar posições de sujeito a serem ocupadas por homens e mulheres.

Créditos finais

Antes que os créditos finais subam e nosso texto se dê por encerrado, gostaríamos de concluí-lo com algumas considerações das nossas investigações com o “currículo-máquina” das narrativas seriadas. Tal artefato tem veiculado discursos não apenas sobre o que é “ser homem” ou “ser mulher”, como também tem prescrito o que pode ser lido como um corpo ideal e como deveríamos vivenciar as nossas sexualidades. Quando passamos a investigar o caráter produtivo de uma mídia, não nos interessamos naquilo que ela supostamente tão somente ‘representaria’, uma vez que o que está na ordem do discurso, efetivamente institui os objetos de que fala, uma vez que está relacionado com as relações de poder de uma dada época. São esses discursos generificados que produzem os estratos sobre o currículo das narrativas seriadas, criando aquilo que é pensável e dizível acerca dos gêneros e das sexualidades de um determinado tempo. Nesse sentido, nos deparamos inicialmente com as linhas duras que constituem os “homens difíceis”, protagonistas masculinos de narrativas seriadas cujos investimentos parecem buscar atender um determinado público, endereçando a uma forma particular da audiência e engendrando um modo legítimo de ser homem. São linhas que parecem querer controlar a identidade e garantir um modelo hegemônico de masculinidade, a partir de espécies de “pacotes” que distribuem os segmentos em linhas previstas e contáveis, passagens que nunca mudam de forma, conjuntos molares.

Porém, antes que pudéssemos “mudar de canal”, chegamos até a narrativa seriada One Missippi, que assim como qualquer outro artefato cultural também disputa espaço na produção de significados nos processos de subjetivação. Ao esquadrinhar o referido currículo, encontramos um composto de saberes generificados que constitui linhas de fuga ao possibilitar a ressignificação das prescrições do que pode ser lido como um “corpo ideal” ou maneiras que deveríamos vivenciar as nossas sexualidades. Logo, o corpo abjeto de Tig insurge como potência de vida capaz de disponibilizar outros modos de se ver e de se entender o feminino: um corpo que, à primeira vista, confunde o público pelas suas características consideradas andróginas; um corpo que perturba as normas de inteligibilidade do que é convencionalmente lido como uma “mulher”; um corpo que desterritorializa as normas da heterossexualidade compulsória.

É com a imagem de sua protagonista que gostaríamos de finalizar nosso artigo: com o seu sorriso tímido, dotada de um humor mordaz e um modo deliberadamente voraz de encarar os percalços da vida. Tal corpo cambiante, transgressor, é capaz de instigar o seu público a conhecer outros modos menos rígidos de vivenciar as expressões de gênero e as práticas sexuais. Um corpo que resiste às intempéries das dinâmicas de gênero e de sexualidade ao sugerir outros modos de ser menos rígidos relativamente aos sujeitos queer. Em outras palavras, trata-se de um corpo capaz de transgredir o currículo das narrativas midiáticas seriadas, de modo a insuflar a potência desejante de criação de mundos que dissolvam as formas binárias e totalizantes. Em suma, “One Mississippi” configura-se como um artefato que pode resistir, criar, recriar, torcer as normas, estranhar as coibições, fissurar as técnicas e estratégias acionadas por esse currículo e instaurar possíveis a partir dos modos múltiplos e heterogêneos de existência que disponibiliza. Por fim, só nos resta convidar os/as demais/as pesquisadores/as a tomar o controle remoto em mãos e perscrutar outras narrativas seriadas com vistas à produção de outros capítulos.

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1 Sempre que mencionarmos os termos ‘masculinidades’ e ‘feminilidades’, estaremos nos referindo ao conjunto de experiências e modos de comportamentos relativos ao masculino e ao feminino, que são produzidos em processos de subjetivação sempre inacabados.

2Sex and the City foi ao ar pela primeira vez em 1998, um ano antes do primeiro episódio de The Sopranos estrear na televisão.

3As teorizações pós-críticas na Educação acoplam diversas perspectivas epistemológicas - pós-estruturalismo, pós-modernismo, teoria queer, teorizações pós-coloniais, decoloniais, estudos feministas, de gêneros, de sexualidades, étnicas, raciais, geracionais etc. - de modo a permitir uma análise do educativo e do currículo que ultrapasse os muros das escolas.

4Artefatos culturais são instâncias produzidas no âmbito de uma cultura (filmes, novelas, músicas, peças publicitárias, brinquedos, redes sociais, narrativas seriadas etc.) que divulgam saberes, modos de ser e de estar, pensamentos, valores, atitudes etc. e, portanto, produzem sujeitos ao serem compreendidos como currículos.

5Monólogo de Tig Notaro ao final do episódio “The Cat’s Out” da narrativa seriada One Mississippi.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: CARVALHO FILHO, Evanilson Gurgel de; MAKNAMARA, Marlécio; CHAVES, Silvia Nogueira. “Maquinações generificadas no currículo das narrativas seriadas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e80256, 2022

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 26 de Março de 2021; Revisado: 13 de Junho de 2022; Aceito: 01 de Julho de 2022

evanilson.gurgel@ufba.br

marlecio@ce.ufpb.br

schaves@ufpa.br

Evanilson Gurgel de Carvalho Filho (evanilson.gurgel@ufba.br) é doutor em Educação (2022) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PGEDU) da Universidade Federal da Bahia. Mestre em Educação (2018) pelo PPGEd/ UFRN. Licenciado em Ciências Biológicas (2014) pela UFRN. Sócio da BioGraph e da ANPEd. Realiza pesquisas nas temáticas de corpos, gêneros e sexualidades. Currículo privilegia um referencial analítico pós-crítico. Integrante do grupo ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/CNPq

Marlécio Maknamara (marlecio@ce.ufpb.br) é Professor Associado I do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB. Doutor em Educação pela UFMG (2011) e Mestre em Educação pela UFPB (2005). Licenciado em Pedagogia, Ciências Biológicas e em Geografia. Líder do grupo ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/CNPq

Silvia Nogueira Chaves (schaves@ufpa.br) é professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), licenciada em Ciências Biológicas pela UFPA (1986), especialista em Ensino de Ciências e Matemática pela UFPA (1989), Mestre (1993) e Doutora (2000) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa “Cultura e Subjetividade na Educação em Ciências” do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemáticas, no qual é docente

Contribuição de autoria: As/os autoras/es contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

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