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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n379285 

Artigos Temáticos Mulheres em Pesquisas

Hiperprivatização do cuidado: projetos de cuidado das demências e seus efeitos

Hyper-privatization of care: dementia care projects and their effects

Hiperprivatización de los cuidados: proyectos de cuidado de las demencias y sus efectos

1Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, Brasília, DF, Brasil. 70910-900 - departamentodeantropologia@gmail.com


Resumo:

Realizo uma comparação entre práticas cotidianas de cuidado das demências e políticas de cuidado voltadas ao envelhecimento com dependência no Brasil. A partir de uma etnografia realizada em casas, aprendo como cuidado agrega coletivos de pessoas, tecnologias e dinheiros. Por meio de uma análise documental das políticas de cuidado pós-democratização, narro projetos morais de cuidado e seus efeitos práticos - talvez o mais conhecido seja o que Guita Debert chamou de reprivatização do envelhecimento. Contudo, esse já não é mais o contexto atual; argumento que a perspectiva de cuidado da extrema-direita tem transformado esse cenário através de três movimentos articulados: restrição de serviços públicos; precarização do trabalho de cuidadoras e reforma das relações raciais; moralização do cuidado e reforma de gênero. Tal projeto é chamado, por fim, de hiperprivatização.

Palavras-chave: Demências; Cuidado; Desigualdades; Políticas de cuidado

Abstract:

A comparison between everyday practices of care for dementia and care policies aimed at aging with dependence in Brazil is carried out. Through an ethnography done on households, it is learned how care aggregates collectives of people, technologies, and money. From a documental analysis of the post-democratization care policies, moral projects of care, and their practical effects are narrated - perhaps the best known is what Guita Debert called the reprivatization of aging. However, this is no longer the current context; it is argued that the care perspective of the Brazilian alt-right has transformed this scenario based on three articulated movements: restriction of public services; precarization of the work of care and reform of race relations; moralization of care, and gender reform. Such a project is called hyper-privatization.

Keywords: Dementia; Care; Inequalities; Care policies

Resumen:

Se realiza una comparación entre las prácticas cotidianas de atención a la demencia y las políticas de atención dirigidas al envejecimiento con dependencia en Brasil. A través de una etnografía en las casas, se aprende cómo el cuidado agrega colectivos de personas, tecnologías y dinero. A partir de una analice de las políticas asistenciales posdemocratización se narran los proyectos morales de cuidado y sus efectos prácticos - quizás el más conocido sea lo que Guita Debert denominó la reprivatización del envejecimiento. Sin embargo, este ya no es el contexto actual; se argumenta que la perspectiva de cuidado de la extrema derecha brasileña ha transformado este escenario a partir de tres movimientos articulados: restricción de los servicios públicos; la precarización des trabajo de cuidado y reforma de las relaciones raciales; la moralización del cuidado y reforma de género. Este proyecto se denomina hiperprivatización.

Palabras clave: Demencia; Cuidado; Desigualdades; Políticas de cuidado

Introdução

Custa R$ 2.000,00 por mês aquela empresa, não tem condição!

Essa frase quem me disse foi Rosamaria.1 Referia-se ao preço de uma empresa que terceirizava serviços de cuidadoras de idosos no Distrito Federal (DF). Ela ouviu que tais empresas facilitavam a vida de quem as contratava, especialmente porque, quando havia qualquer problema com a profissional em questão, mandavam outra para substituí-la. A pessoa nunca ficava “na mão”.

Rosamaria, como muitas pessoas que conheci ao fazer uma etnografia sobre demências e cuidado, posicionado a partir de diferentes lugares - consultório, casa, transporte público -, estava narrando uma dificuldade sua: trazer mais pessoas para participar cotidianamente de tudo que envolvia conviver com as demências, de acordo com o que pensava ser positivo para seu marido, Horácio, quem fora diagnosticado com Doença de Alzheimer. A sua experiência dessa procura agregava ainda um crescente mercado de cuidadoras de idosos contratadas por empresas que terceirizavam seu trabalho - fenômeno que encarecia o custo para as famílias, ao mesmo tempo que diminuía garantias para trabalhadoras.

Os diagnósticos e o próprio termo demência estão sobre disputa entre (e suspeita por) diferentes atores e especialistas. Tal disputa pode ser consultada em Annette Leibing (1999) e Margareth Lock (2013). Ainda assim, os termos demência e processo demencial têm sido constantemente utilizados e ressignificados em textos da antropologia, como em Luciano Vianna (2013), Daniela Feriani (2017) e Cíntia Engel (2019). Demência é um termo guarda-chuva para designar diferentes condições de saúde que afetam a memória, a cognição e a percepção que, em sua maioria, estão associadas ao envelhecimento. Diferentes doenças podem causar demências, como, por exemplo, a Doença de Alzheimer, que é considerada uma condição crônica e progressiva, ou seja, que piora com o tempo, sem que se tenha qualquer tratamento que evite essa piora - apesar de existirem tratamentos e estratégias de cuidado para atrasar a sua evolução. É comum que pessoas que convivem com uma demência necessitem de apoio e cuidado cotidiano - cuidado esse que pode ser progressivamente intensificado e complexificado com o avanço da doença.

Meu objetivo, com a escrita desse artigo, é realizar uma comparação e discussão entre práticas cotidianas de cuidado das demências e políticas de cuidado voltadas ao envelhecimento com dependência no Brasil. Tema intensamente desenvolvido pela literatura feminista, o termo cuidado já foi definido, debatido e investigado de inúmeras formas: como uma ética feminista capaz de transformar o mundo (Joan TRONTO, 1993; Pascale MOLINIER, 2012), como um elemento da reprodução social e aprisionamento de gênero em mundos capitalistas (Evelyn GLENN, 1992; Valeria ESQUIVEL, 2011), como experimentos morais cotidianos que promovem a vida em ambientes precários (Cheryl MATTINGLY, 2014), como um mercado internacional, genderificado e colonial do amor (Viviana ZELIZER, 2011; Arlie HOCHSCHILD, 2019), como um fazer e pensar crítico em um mundo mais-que-humano capaz de transformar presentes aflitos (María BELLACASA, 2017), como uma categoria política de silenciamento de pessoas com alguma deficiência (Helena FIETZ; Anahi MELLO, 2018).

A polissemia é grande; mesmo assim, existe um certo consenso de que cuidado é intimamente relacionado a hierarquias sociais de gênero, raça e classe. Exatamente por essa intensa ambivalência (e consenso) associada ao termo, optei por utilizá-lo na discussão desse artigo. Junto de Tatjana Thelen (2015), entendo cuidado enquanto um processo com resultados em aberto, o qual envolve interações pessoais e subjetivas, mas não só, que agrega ainda uma variedade de relações: parentais, monetárias, trabalhistas, políticas, medicamentosas. Gosto, ainda, de chamá-lo de trabalho generativo, seguindo Elana Buch (2018): um tipo de atenção que gera diversificadas relações, coisas e efeitos. Ao passo que pode gerar a garantia de que pessoas sejam tratadas enquanto pessoas em situações de vulnerabilidade, pode reforçar e criar desigualdades no provimento de cuidado, fazendo com que vulnerabilidades econômicas se intensifiquem e perpetuem para determinados grupos raciais. As circulações de vulnerabilidade nunca são tão simples quanto poderiam parecer nesses arranjos de cuidado (BUCH, 2018; Natália FAZZIONI, 2018). É a partir desse tipo de aproximação que sigo a noção de cuidado, tendo ainda em vista desigualdades na formulação do mesmo no ambiente da casa e enquanto projeto político no Brasil e os rumos contemporâneos de transformação desses projetos.

Em termos metodológicos, faço isso por meio de uma etnografia que busca se aproximar das lógicas de cuidado (MOL, 2008) e de como essas se conectam a ecologias de cuidado (Veena DAS, 2015). Inspirada por Mol (2002; 2008), sigo cuidado enquanto um conjunto de práticas, que são ajustadas constantemente em situações das mais desafiadoras, buscando boas soluções para os problemas que se colocam: um processo constante de ajuste, ou tinkering (Annemarie MOL; Ingunn MOSER; Jeannette POLS, 2010). Tais soluções e decisões compõem e se alimentam de lógicas de cuidado locais, as quais buscam um determinado jeito de “fazer bem”. Por isso, invisto em uma etnografia atenta ao que, localmente, se busca como “bom cuidado”, que busca identificar quais elementos - técnicos, afetivos, medicamentosos, econômicos - são articulados nos momentos de se tomar decisões sobre cuidado. Essas lógicas, quando organizadas e localizadas, poderiam ser entendidas como projetos de cuidado - no sentido de que projetam um mundo a partir de determinadas dinâmicas relacionais. E projetos de cuidado nunca são neutros (BELLACASA, 2017).

O conjunto de elementos articulados a partir do cuidado também me leva a dialogar com o que Das (2015) chama de ecologias de cuidado, ou seja, toda a infraestrutura de lida com serviços estatais, relacionalidades de determinadas vizinhanças, diálogos com fronteiras e lacunas burocráticas e reflexividades econômicas dos detalhes cotidianos - as quais se interafetam constantemente, constituindo assim ecologias. Buscar um bom cuidado se dá em meio à feitura de dívidas (Clara HAN, 2012), enfrentamentos burocráticos, moralidades de vizinhanças e projetos públicos sobre o que vem a ser bem cuidar.

Assim, meu posicionamento em relação ao cuidado enquanto categoria analítica envolve a observação das lógicas e tecnologias articuladas no processo de cuidar, a abertura de resultados que podem vir do cuidado, a amplitude dos engajamentos a partir dele e as muitas desigualdades que se agregam nos projetos de bom cuidado dentro de ecologias específicas. Nesse sentido, são muitos os elementos que entram em cena quando me refiro ao termo cuidado - especialmente porque escolho olhar para eles a partir de duas aproximações distintas.

Engajo-me com diferentes versões desse bom cuidado, ou com duas diferentes posições em relação a ele. Primeiro, descrevo desafios e estratégias de famílias que conheci no DF e Entorno, e com elas mapeio redes, instituições, tecnologias, personagens, éticas e dilemas na feitura do cuidado. “Fazer rotina” e ter “jeito” são termos que ouvi para se referir a esses desafios, e busco aprender com essas categorias de minhas interlocutoras sobre os desafios cotidianos, suas decisões, articulações, objetivos e efeitos.

Em um segundo momento, narro o processo de composição de um projeto público de bom cuidado: a feitura de políticas do cuidado para idosos vulneráveis no Brasil, as quais abrangem a experiência de pessoas com demência e toda a rede envolvida no cuidado. Em um primeiro momento, situo as precárias agregações de cuidado propostas e implementadas a partir do que se convencionou chamar de um estado de bem-estar social, e alguns dos efeitos contraditórios desse processo que foram chamados, em outras análises, de reprivatização do envelhecimento (Guita DEBERT, 1999) e reprivatização do cuidado (Silvia SANTOS; Theophilos RIFIOTIS, 2006).

Depois, observo como um projeto público de cuidado por parte da extrema-direita tem se afastado abertamente dos preceitos do estado de bem-estar social tentados de forma precária no país (Marcia LONGHI, 2018). Argumento que a precariedade das relações trabalhistas e a moralização de gênero se articulam em um processo que podemos chamar de hiperprivatização do cuidado. E esse é um projeto de cuidado que espera produzir efeitos de reforma nas relações raciais e de gênero brasileiras.

Por fim e nos argumentos finais, discuto como boas “rotinas” e “jeitos” de cuidar das demências, nas ecologias em que se inserem, geram abrangentes efeitos na reprodução e criação de desigualdades compartilhadas de gênero, raça e classe no Brasil, em diálogo contíguo com projetos públicos de cuidado. Ainda especulo sobre limites e possibilidades de imaginação sobre o que viria a ser uma coletivização do cuidado.

Campo

Os dados apresentados a seguir se baseiam em uma pesquisa etnográfica desenvolvida entre os anos 2016 e 2018 para a obtenção de meu doutorado. Trata-se de uma etnografia multissituada: parte dela foi realizada em um Hospital Universitário localizado em Brasília, especificamente em um centro de atendimento multidisciplinar, composto por médicos e médicas geriatras, uma assistente social, fisioterapeutas e outros profissionais especializados no cuidado de idosos. Tal espaço é considerado uma referência no diagnóstico e tratamento das demências e formou boa parte dos residentes em geriatria que atuam no DF. Seus coordenadores, ainda, têm um histórico ativo de participação no desenho de políticas públicas para o envelhecimento. Ali, realizei observações de consultas e reuniões de equipe, li prontuários e entrevistei profissionais.

Em um segundo momento, acompanhei o cotidiano de três famílias que conheci nesse Hospital Universitário. Passei a conviver semanalmente com elas e a acompanhar suas rotinas domésticas, participar de consultas e correrias cotidianas em busca de acesso à saúde e a benefícios públicos. Nesse momento, conheci vizinhos, parentes, redes de saúde locais, dificuldades em lidar com a burocracia cotidiana para acessar benefícios e recursos para o cuidado. Cada uma das famílias morava em diferentes regiões do DF e Entorno, pertencendo a classes sociais bastante diferenciadas - o que me ajudou a contrastar diferentes modos de organizar o cuidado a partir de pertencimentos de classe. Fiz ainda algumas entrevistas e muitas conversas informais com pessoas que conheci nessas redes de cuidado.

Parte do campo, ainda, envolveu uma pesquisa documental sobre as políticas de cuidado orientadas para o envelhecimento, envelhecimento com dependência e demências no Brasil. Vale mencionar, por fim, que essa pesquisa foi vinculada a um projeto maior, intitulado “A terceira onda da demência: uma etnografia da mudança no Brasil” e coordenado por Annette Leibing. O projeto foi aprovado por todas as instâncias formais éticas do sistema Comitê de ética/Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/CONEP) -, por meio da Plataforma Brasil, e contou com uma parceria entre Universidade de Montreal (UdeM) e a Universidade de Brasília (UnB) para o seu desenvolvimento.

Cuidar e cuidar bem das demências

Cuidar bem, no cotidiano, varia na perspectiva das pessoas que conheci, mas alguns movimentos parecem comuns. Primeiro, cuidar bem normalmente significa saber dialogar, dar atenção aos desejos das pessoas com demência, encontrar medicamentos que façam mais bem do que mal, ter um “jeito” de lidar com essas relações todas, fazer, por fim, boas relações. Depois, para tal “jeito” se expressar, cuidar bem é criar um ritmo para os dias, uma “rotina” que articula muitas e desafiadoras demandas dando respiro para as boas relações - assim como estratégias para lidar com os já esperados percalços. Como vimos, um desses percalços pode ser o adoecimento e a falta de uma cuidadora profissional.

A empresa sobre a qual Rosamaria se referia logo no primeiro parágrafo da introdução foi sugerida por mim. Consegui o telefone dela com outra interlocutora, Carla. Tanto Carla como Rosamaria eram moradoras do DF e aparentadas de pessoas que foram diagnosticadas com Doença de Alzheimer. No caso de Rosamaria, foi seu marido, Horácio, quem recebeu o diagnóstico. Carla convivia com o diagnóstico de ambos os pais, Caruso e Carmela. As duas famílias eram atendidas por uma equipe multidisciplinar do Hospital Universitário, um centro de referência no tratamento de demências que ficava dentro da Universidade de Brasília, no Plano Piloto do DF, e fazia parte do Sistema Único de Saúde (SUS) - o atendimento era, então, gratuito.

Caruso e Carmela moravam perto desse hospital, a apenas cinco minutos de distância. Migrantes, mudaram-se para o DF do Mato Grosso do Sul. Caruso, um homem magro, branco, alto e apaixonado por música atuou por muitos anos como militar, como oficial dentista. Partiram ele e a esposa, seguindo sua transferência. Carmela, uma mulher baixa, branca, boa de bordado, formada em administração, dedicou-se ao cuidado exclusivo dos três filhos durante a vida adulta. Carla, única filha mulher, e a mais nova, não morava mais com os pais e havia se mudado para seu apartamento próprio desde que se casou. Os dois conviviam com algumas cuidadoras profissionais de idosos todos os dias, com uma trabalhadora doméstica e com visitas dos três filhos, especialmente de Carla.

Depois de muito pensar em como gerenciar os dias da melhor maneira possível, Carla encontrou essa empresa que terceirizava os trabalhos de cuidado. A partir dela, contratou quatro cuidadoras, em regime de plantão de 12 horas de trabalho por 8 horas de folga. Assim, sempre havia duas cuidadoras em casa, cada uma atenta a um de seus pais. E, na falta de uma cuidadora, a empresa mandava outra para fazer a cobertura. Carla ainda assinava a carteira de uma empregada doméstica, que passava a semana inteira na casa, cuidando da comida e da limpeza da casa.

Esse conjunto de pessoas e essa divisão de funções a deixavam mais tranquila, por um lado, já que as trabalhadoras estavam satisfeitas com o tempo e ritmo do trabalho e seus pais contavam com a atenção delas, com passeios diários para fazer exercícios, participação em atividades lúdicas, como um coral e encontros de danças para idosos. Comiam bem e sempre na hora planejada. E, especialmente, podiam permanecer na casa que decoraram com cuidado por anos e na qual criaram todos os filhos. Para Carla, todas essas questões significavam uma boa vida, mesmo na experiência com uma doença como a demência: um bom cuidado, então. Por outro lado, era um conjunto difícil de gerenciar, quase uma empresa doméstica. Além disso, era excessivamente custoso. Contou-me que, com os trabalhos pagos de cuidado, supermercado, remédios e tudo mais, chegava a despender R$ 12.000,00 por mês. Por isso, havia deixado de pagar um geriatra particular e voltado a utilizar o SUS. O profissional particular que a atendia havia sido formado pelo centro público que procurou e atuava lá. Logo, não era por qualidade que havia optado pelo atendimento particular, mas pela facilidade de tempo, já que ele fazia as consultas em casa. O custo do que entendia como bom cuidado, contudo, a fez abandonar essa facilidade.

Para Carla, ainda, a empresa que terceirizava os trabalhos de cuidado prometia mais do que cumpria. Em sua perspectiva, parte das cuidadoras que chegava em sua casa tinha pouca experiência, especialmente com as sensibilidades das demências. Teve experiências nas quais a cuidadora se magoou pessoalmente com a agressividade de seu pai no momento do banho - isso só poderia ser inexperiência, julgou. Era ainda difícil que permanecessem por um tempo razoável, a rotatividade era alta. Carla confiava, de fato, em uma das cuidadoras, que estava lá havia três anos. Ela, em sua perspectiva, tinha “jeito” e tinha, ainda, uma boa relação com seus pais, construída com o tempo.

Essa cuidadora, Iara, uma mulher de quase cinquenta anos, negra de pele clara, mãe de um jovem de pouco mais de vinte anos, era formada como técnica de enfermagem e com curso de cuidadora de idosos. Ela contou-me que o trabalho nessa casa era “tranquilo” na maior parte dos dias; o problema se dava quando alguma das cuidadoras largava o trabalho e uma nova profissional chegava. Até a novata pegar a “rotina” e o “jeito”, as coisas eram confusas, todos ficavam mais nervosos. A “rotina” tinha relação com o tempo, horários e ritmo dos dias, mas tinha também relação direta com o “jeito”: com o tipo de relação constituída com Caruso e Carmela para que o cotidiano fluísse, a facilidade, ou não, de entender seus desejos, dialogar com eles, deixá-los confortáveis em sua casa. Algumas cuidadoras chegavam já com mais experiência, o que ajudava nesse “jeito”; outras estavam ali de passagem, conseguindo um dinheiro até seguirem outra profissão.

Iara, apesar de achar seu trabalho “tranquilo”, especialmente a convivência com Caruso, de quem cuidava de forma mais próxima, ressentia-se pelo tipo de contrato que tinha com a empresa. Apesar de ser uma profissional experiente e formada, não tinha muita garantia em seu trabalho, suas férias não eram pagas, os dias em que adoecia não eram pagos, não havia nada como aviso prévio que a assegurasse, não tinha acesso à maior parte das garantias oferecidas a outras trabalhadoras com carteira assinada.

Conheci outras cuidadoras profissionais na mesma situação. Juliana foi uma delas. Ela morava no Entorno do DF, em uma cidade chamada Cidade Ocidental. Uma mulher de trinta anos, branca, que, na época, fazia faculdade de pedagogia. Ela terminara o curso de cuidadora há alguns anos, tendo decidido então retornar ao mercado de trabalho depois de seu filho ter crescido. Era uma forma “fácil” de voltar ao mercado de trabalho, disse-me, já que poderia usar de habilidades que já possuía a partir de seu trabalho em casa, e também porque havia um mercado crescente de pessoas contratando, de acordo com suas vizinhas.

Quando a conheci, trabalhava como cuidadora de uma de suas vizinhas, Aparecida - também diagnosticada com Doença de Alzheimer. Recebia algo próximo de um salário mínimo, em um arranjo informal - valor integral do salário da aposentadoria rural de Aparecida, que lhe era transferido. Migrante do interior do Maranhão, Dona Aparecida, uma mulher de seus oitenta anos, que se reconhecia como parda, tinha se mudado para ficar perto das filhas, as quais haviam chegado na região que ficou conhecida como Entorno do DF nos anos 1990, mesma época em que várias cidades de Goiás começaram a crescer como centros conectados ao DF, conformando a região em uma Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) - ou, como pesquisadores da cidade gostam de chamar, DFE.

Eventualmente, Juliana trabalhava também para uma dessas empresas terceirizadas, na qual cadastrou seu currículo depois de pagar o curso de cuidadora de idosos oferecido pela instituição. Ia porque o valor do dia trabalhado compensava, pois lhe permitia pagar algumas dívidas, apesar dos altos gastos com transporte para chegar até as casas do Plano Piloto2 - as quais contratavam em maior quantidade esse serviço -, o tempo dedicado ao transporte e o cansaço desse processo fazem com que ela prefira um salário um pouco menor e a tranquilidade de trabalhar na vizinhança. Em nenhuma dessas opções tinha direitos trabalhistas equivalentes aos da carteira assinada. Por isso, ainda, imaginava que a profissão de pedagoga poderia lhe ser mais interessante no futuro.

Juliana e Aparecida se davam bem, o que também a fazia ficar. Aparecida tinha um senso de humor sagaz, muita experiência de cuidado com filhos e netos e conselhos valorosos sobre a profissão de Juliana, e assim os dias eram mais divertidos e interessantes. Ela gostava da relação que cultivara com Aparecida, aprendia com ela. Aparecida também gostava de Juliana, e a relação de entendimento mútuo entre as duas tranquilizava as filhas de Aparecida, que participavam cotidianamente do cuidado.

Aparecida morava com uma das filhas, Laura, e era vizinha de outras três. O marido de Aparecida, Sérgio, também morava nessa mesma casa. Os dois eram atendidos por médicos geriatras em um hospital de uma cidade do DF próxima da Cidade Ocidental, Santa Maria. De três em três meses, mais ou menos, iam para esse hospital encontrar o geriatra. Era sempre um arranjo complexo (FAZZIONI, 2018), o qual envolvia achar caronas, organizar mochilas com fraldas, comidas, água, trocas de roupa. Duas irmãs, aquelas mais concentradas no cuidado cotidiano, manejavam todo esse processo. As duas estavam desempregadas no momento, por isso tinham mais tempo para o cuidado. As outras duas irmãs trabalhavam, supriam parte das demandas financeiras e ajudavam eventualmente.

Marysete, uma das filhas vizinhas de Dona Aparecida, era a responsável principal por resolver questões com o SUS do DF, o que envolvia marcar essas consultas com o geriatra e buscar os medicamentos receitados. Pelo menos dois dias por mês, comprometia-se com esses processos, que envolviam filas e um enfrentamento das linhas comuns de transporte urbano. Contava com transportes ilegais, caronas e mototáxis para conseguir chegar nas cidades dos serviços; isso porque, apesar de próximos, tais percursos não eram atendidos pelas linhas de ônibus - focadas em rotas para o trabalho formal no fluxo do Plano Piloto e restritas a certos momentos do dia.

Já Laura corria atrás de acessos ao SUS a partir da Cidade Ocidental, especialmente com a Unidade Básica de Saúde (UBS) do lugar, com o médico da família, assim como com o hospital local, que atendia emergências como picos de pressão, convulsões, quedas, dentre outros eventos que podiam acontecer e, eventualmente, aconteciam no cotidiano. O médico da família, além de cuidar de dilemas de saúde que não poderiam esperar pela consulta do geriatra, fazia um trabalho muito importante para essa família: a “troca de receitas”. Ele transcrevia as receitas do médico do DF para um papel de receitas do Estado do Goiás. Assim, Laura poderia pegar alguns dos remédios, os mais baratos, na farmácia do município. Caso não o fizesse, o acesso poderia ser negado: um imbróglio burocrático de viver nas fronteiras entre DF e GO. O médico da família também atualizava receitas que expiravam, por conta dos espaços entre consultas e da quantidade e complicação de papéis. Contando com os remédios consumidos por Aparecida e Sergio, somavam-se quase 20 receitas mensais. E falo em receitas mensais para simplificar a leitura, porque a quantidade era dependente das dosagens, do tipo de remédio etc. Lidar com a burocracia do SUS, com o mundo de papéis e com as melhores estratégias nesse mundo era uma etapa considerável dos dias. Alinhar tais tempos era parte da habilidade fina desenvolvida em “fazer rotina”.

Etapa com que Rosamaria, quem iniciou esse texto e seção, decidia lidar a partir da economia de tempo. Mesmo apertando-se em suas contas, ela comprava todos os medicamentos do marido em uma farmácia particular. Ela ainda trabalhava em um comércio de propriedade dele. Rosamaria, uma mulher branca, nascida na Bahia, chegou ao DF na juventude. Perto dos seus trinta anos, casou-se com Horácio, um homem branco, alto e vinte anos mais velho que ela, que havia se separado da primeira esposa havia alguns anos. Ele tinha uma pequena loja de chaves em uma cidade do DF chamada Cruzeiro. Era muito conhecido na região pela sua qualidade técnica como chaveiro e abridor de cofres e pela simpatia tímida e leal com os amigos. Horácio ensinou Rosamaria o ofício e a contratou com uma carteira assinada para trabalhar com ele.

Manter a loja aberta, para ela, garantia o sustento dos dois. E, além disso, garantia que sua aposentadoria fosse assegurada no fim de sua vida. Ela tinha muito medo de que, quando chegasse na velhice, não teria quem fizesse por ela o que fazia pelo marido, já que não tiveram filhos. Precisava garantir sua aposentadoria, tinha muita certeza disso. Por isso, pensava que não seria válido usar dias de trabalho para conseguir um medicamento, além daqueles que já usava para buscar consultas e cobrir adoecimentos da cuidadora. Decidia, então, financiar todos os medicamentos, mesmo aqueles que, em tese, poderia conseguir pelo SUS.

Por isso, ainda, os dias em que a cuidadora profissional (que havia contratado com um dinheiro que o irmão de Horácio mandava todos os meses, porque o rendimento da loja havia minguado) faltava o trabalho eram tão pesados para Rosamaria. Por isso imaginou que uma empresa que resolvesse o dilema das faltas pessoais pudesse resolver esse seu dilema. Mas o valor, para ela, era excessivo. Um dia, a cuidadora Iara - que conhecemos anteriormente e era contratada por uma dessas empresas - me disse que o problema era que “são caras para quem paga e o valor do dia de trabalho é pouco para quem trabalha”. Rosamaria parecia concordar, já que terminou aquela frase que citei para abrir o artigo dizendo “Quem é que pode pagar R$ 2.000,00 por mês?”.

Todas essas dimensões do cotidiano, da lida com as demências nesse centro urbano que é o DFE, precisam ser e são articuladas de forma combinada na busca do bom cuidado. Todas elas fazem parte das “rotinas”, categoria repetida por todas as minhas interlocutoras. Achar um ritmo viável para os dias era um desafio nada óbvio e envolvia atividades das mais variadas - “fazer rotina” era parte do cuidado. Além disso, boas comunicações, bons dias, o “jeito” de constituir boas relações, eram medidas e refletidas em meio a essas organizações contextuais das “rotinas”, dos respiros de tempo, da mediação das atenções. As boas possibilidades de cuidado, de conforto, de boas relações, dependiam da lida com diferentes instâncias do cotidiano, da cidade, do sistema de saúde, do status do trabalho pago de cuidado.

Procurar um “bom cuidado” nos termos de minhas interlocutoras, assim, envolve “fazer uma boa rotina”. Rotina essa que permita o desenvolvimento de “jeito”. “Jeito”, por sua vez, que permita uma comunicação razoável com aqueles com demência e suas vontades, demandas, preferências. Os movimentos de busca da rotina e as articulações sobre o jeito nos levam ao que Mol (2008) chama de lógicas de cuidado. Essas lógicas parecem, de forma comum entre essas diferentes interlocutoras, buscar agregar mais pessoas e redes ao dia a dia, mas pessoas e redes que tenham “jeito” ou potencializem a expressão desse “jeito”. Cada uma dessas procuras, contudo, se conecta a lugares de classe, instituições circundantes aos bairros e modos de acesso mais ou menos demorados aos serviços de saúde e circulação pela cidade - o que podemos chamar, com Das (2015), de ecologias de cuidado. Ecologias essas que estão consideravelmente conectadas a projetos públicos de cuidado.

Políticas de cuidado

O cuidado público da “velhice com fragilidade” oficializa-se, no Brasil, com a Política Nacional do Idoso (PNI), em 1994. Mas a incorporação do envelhecimento na agenda de políticas públicas nacionais tem início nos anos 1960, especialmente pela pressão exercida por instituições criadas na mesma década, como a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Até os anos 1980, essas provocações por políticas focaram nas possíveis fragilidades do processo de envelhecimento, especialmente as de renda e de saúde. Houve, ainda, a proposição de critérios de qualidade para instituições asilares e a defesa pública do direito a um cuidado não institucionalizado e feito pela família. Nos anos 1980, contudo, a perspectiva das Nações Unidas, traduzida pelo Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento, passou a orientar a questão do envelhecimento, mudando a perspectiva para o incentivo do que ficou conhecido como envelhecimento ativo.

Foi ainda na década de 1980, com o processo de redemocratização brasileiro, que a nova Constituição Federal incorporou, pela primeira vez, o tema do envelhecimento. O título VIII, “Da ordem social”, versa, em um de seus capítulos, sobre a família, crianças, jovens e idosos. Constitucionalmente, família, estado e sociedade “têm o dever de amparar as pessoas idosas” e tais “amparos” “serão executados preferencialmente em seus lares” (BRASIL, 2016). A PNI, com texto desenvolvido em seminários regionais e nacional compostos por geriatras, gerontólogos, advogados e membros de associações de idosos, direciona esse “dever de amparar” em uma política específica.

A perspectiva que orienta essa política prevê dois tipos principais de direitos:3 (i) à autonomia e participação: por meio da convivência familiar e comunitária, independência, acesso a educação, cidade, dignidade, lazer, entre outros; (ii) ao atendimento envolvendo saúde, abrigo e convivência. Seguindo a linha das propostas anteriores, esse direito ao atendimento é narrado por meio de políticas de saúde e pelo incentivo e priorização de atendimento familiar - não asilar. Importante mencionar que muitos desses espaços asilares foram denunciados pelas suas condições precárias de vida, paternalismo e violência (João BIEHL, 2005) e a escolha de um cuidado comunitário e familiar é uma resposta à institucionalização compulsória de idosos, especialmente aqueles com maiores necessidades de apoios e cuidados. Em suma, propõe-se um ideal de convivência familiar a ser defendido e incentivado a partir da oferta de serviços públicos que garantam acesso a saúde pública e renda.

Em relação à oferta de saúde pública, a PNI entrou em diálogo com o SUS, também institucionalizado na década de 1990. O Programa Saúde da Família foi estabelecido no mesmo ano em que a PNI; seus princípios, assim, foram incorporados nesse tipo de estratégia de cuidado. O projeto das políticas de saúde envolve enfrentar fragilidades do SUS, da família e dos idosos. Ou seja, a diretriz é fortalecer cada um dos entes definidos como parte dessa rede de cuidados. Sobre as fragilidades do SUS, alguns dos projetos são a oferta de atendimento de saúde em todos os níveis e a criação de Centros de Referência de Atenção à Saúde dos Idosos (CRASIS), em diálogo com o enfrentamento de desigualdades regionais no acesso à saúde. As fragilidades dos idosos seriam enfrentadas pela prevenção de doenças evitáveis e as famílias seriam auxiliadas por meio da oferta de capacitação para cuidadores.

Políticas de assistência social ainda foram previstas no sentido de ofertar possibilidades e alternativas de cuidado que incentivassem e apoiassem cotidianamente a manutenção do cuidado doméstico, como centros de convivência, centros de cuidado diurno, casas-lares, atendimentos domiciliares. As instituições asilares, chamadas de Instituições de Longa Permanência, permaneceram na narrativa legal como última opção, oposta ao ideal e ofertadas para pessoas que não poderiam contar com redes familiares - seja por questões envolvendo falta de laços ou falta de renda.

Vinte anos depois da formalização da PNI, um conjunto de autores chamados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (Alexandre ALCÂNTARA; Ana Amélia CAMARANO; Karla GIACOMIN, 2016) avaliou a política. Em uníssimo, argumentaram que, de modo geral, o cuidado familiar foi priorizado, normatizado e judicializado; mas a oferta de serviços estatais que serviriam como incentivo e apoio a tal perspectiva de cuidado foi mínima - com exceção das aposentadorias e do desenvolvimento do próprio SUS, com a ampliação da Estratégia de Saúde da Família. A própria jurisdição da PNI é considerada capenga: não existem muitas garantias institucionais para sua implementação. Em resumo, são poucas as iniciativas que foram, de modo abrangente, colocadas em prática. Ademais, em alguns casos, como na criação de CRASIS e na oferta de geriatras pelo SUS, as desigualdades regionais apenas se intensificaram, sendo a maior parte dos serviços localizada no Sudeste. O DF conta com uma malha de serviços comparativamente alta, destoando da região Centro-Oeste.

Esse projeto público familiar de convivência já foi debatido de diversas formas entre estudiosos da área (DEBERT, 2012; GIACOMIN, 2018), seja pela composição de um ideal de família destacado do real, seja pela moralização de tais relações como aquelas, de fato, ideais. Outras críticas dizem respeito ao resultado perverso de desassistência pública ao cuidado, chamada por alguns autores de reprivatização do cuidado (SANTOS; RIFIOTIS, 2006), o qual acompanharia um movimento mais geral de reprivatização do envelhecimento (DEBERT, 1999), atribuindo aos indivíduos e às famílias o sucesso ou fracasso do processo de envelhecimento. Nesse entendimento, ‘sucesso’ se traduz pela ausência de doenças, o que esconde e moraliza situações de adoecimento na velhice.

Tal projeto defende que o cuidado em família - assim como as próprias relações familiares e seus afetos internos em relação aos mais velhos - seja priorizado e defendido como projeto civilizatório e horizonte político, sendo incentivado por meio do apoio de políticas estatais variadas e multidisciplinares e pela oferta de alternativas de cuidado no caso do ideal não se realizar. Em alguma medida, o cuidado familiar seria incentivado por meio de um projeto público do que conhecemos como estado de “bem-estar social”.

Na prática, como vimos, poucos desses serviços de apoio ao cuidado diário foram oferecidos, a família foi judicialmente comprometida e um parco investimento em alternativas de cuidado ocorreu. Defensores da PNI argumentam que seria necessário concretizar seus projetos para poder avaliá-la como política, compreendendo e assumindo o caráter controverso de seus resultados práticos, mas ponderando-os a partir das restrições orçamentárias e de gestão (ALCÂNTARA; CAMARANO; GIACOMIN, 2016).

Não obstante, algumas lacunas relativas ao próprio projeto são destacadas na literatura. Uma delas é o silêncio sobre a problemática do cuidado e das desigualdades de gênero, classe e raça que marcam a experiência de cuidadoras e sujeitos envelhecidos (Yeda DUARTE; Marília BERZINS; GIACOMIN, 2016). Tais críticas foram incorporadas ao discurso público da gerontologia na feitura de sugestões futuras para essa política. De acordo com Duarte, Berzins e Giacomin (2016), é necessário pensar o cuidado e o papel das cuidadoras de forma pública. Para as autoras, a mudança nas famílias, acarretada pela “modernidade” e a “menor quantidade de mulheres disponíveis para o cuidado”, é uma realidade inegável e tornou a figura da cuidadora profissional cada vez mais frequente. Seria, assim, necessário repensar as entidades que formam essa rede de cuidados e incorporar cuidadoras profissionais nas políticas. A principal forma compreendida para tal incorporação é a oferta de um bom treinamento, que é também defendido para cuidadoras familiares. A regulamentação da profissão de cuidadora e do papel de cuidadora familiar é defendida e marcada pelo dimensionamento do que é qualidade de cuidado e como as pessoas devem ser qualificadas (DUARTE; BERZINS; GIACOMIN, 2016). Por fim, a autora também defende a priorização da implementação de um circuito de apoios estatais a tal cuidado. Seguindo as referidas preocupações, foram iniciados projetos para a elaboração de uma Política Nacional de Cuidados de Longa Duração.

Assim, alguns problemas para além dos orçamentários e de gestão são identificados por essa literatura como obstáculos para a execução da PNI e suas diretrizes de cuidado: a pouca disponibilidade contemporânea de mulheres para o cuidado; a variedade de vínculos familiares; a existência crescente de famílias pequenas; o custo e peso do cuidado de doenças crônicas para as famílias; a falta de interesse público pelo envelhecimento e, em consequência, de cobrança da sociedade pela efetivação da política; e, por fim, a precariedade dos vínculos profissionais de cuidado e a falta de treinamentos adequados dessa profissão (ALCÂNTARA; CAMARANO; GIACOMIN, 2016).

Na última década, algumas iniciativas ocorreram no sentido de lidar com tais lacunas por diferentes frentes de atuação: a proposição de uma Política Nacional de Cuidado (PL 2029/2015); o reconhecimento da profissão de cuidadora (CBO, código 5162-10) e a tentativa de regulamentar a profissão (DEBERT; Amanda OLIVEIRA, 2015); a garantia de direitos aos profissionais domésticos a partir da luta das empregadas domésticas (PEC 66/2012); a garantia de medicamentos gratuitos para as demências e outras doenças crônicas (DUARTE; BERZINS; GIACOMIN, 2016); a garantia de 25% a mais no valor da aposentadoria para pessoas com alguma doença que cause dependência; caminhos para a judicialização de direitos básicos de cuidado (DUARTE; BERZINS; GIACOMIN, 2016); políticas estaduais e municipais de oferta de serviços de cuidado cotidiano (ALCÂNTARA; CAMARANO; GIACOMIN, 2016).

Ao mesmo tempo, as bases dessa preocupação pública com o cuidado têm progressivamente ruído. Os rumos contemporâneos da política brasileira mudaram de maneira aberta tal precário e controverso processo de promoção de um cuidado público da velhice “com dependência”, acentuando problemas que já vinham se desenrolando há tempos e, de alguma forma, legitimando moralmente a falta de investimento público.

Três movimentos se articulam para compor tais novos rumos: (i) uma política orçamentária de diminuição do investimento em infraestrutura pública; (ii) a precarização dos trabalhos de cuidado enquanto projeto de reforma das relações trabalhistas; (iii) a intensificação da moralização pública do cuidado como parte natural das relações familiares e função natural do universo feminino.

No caso do primeiro movimento, tanto as aposentadorias como a Estratégia de Saúde da família - que eram, na prática, os principais serviços públicos garantidos - foram comprometidas, a partir do discurso de “saúde orçamentária” e “diminuição do estado”. No primeiro caso, a Reforma da Previdência, realizada em 2019, mas que já vinha sendo ensaiada há tempos com o objetivo de manejar as contas públicas e diminuir os gastos com o crescente conjunto de sujeitos envelhecidos, terá como consequência futura uma diminuição nos valores das aposentadorias para uma parcela importante da população (AGÊNCIA SENADO, 2019). Benefícios assistenciais também estão sobre uma lupa. O adicional de 25% nas aposentadorias de pessoas com alguma doença que cause dependência, por exemplo, perdeu efetividade por meio de decisões judiciais.4 Assim, a diminuição de renda de pessoas idosas, especialmente as que vivem com alguma doença, dependência ou fragilidade, aparece no horizonte. Diminuição de renda essa que deve se espalhar para toda a família.

A Estratégia de Saúde da Família também sofreu com cortes orçamentários, especialmente os projetos do “Mais Médicos”, iniciados na gestão de Dilma Rousseff. A malha desses atendimentos parece estar diminuindo, ao passo que o investimento em saúde privada ganha cada vez mais legitimidade para continuar seu processo exponencial de crescimento. Há que se dizer que, apesar de o SUS ser a principal política de saúde brasileira desde a democratização, o investimento em saúde privada e a progressiva predominância da agenda da saúde privada têm direcionado a agenda pública há tempos (Vilma REIS, 2018).

Iniciativas contemporâneas para lidar com as reconhecidas lacunas da PNI foram, ainda, interrompidas sumariamente. O projeto de lei que viria a institucionalizar a Política de Cuidado de Longa duração foi arquivado (pela segunda vez) em janeiro de 2019. A profissão de cuidador também não foi regulamentada até o presente momento, e um dos projetos de lei que estava em tramitação foi vetado pelo presidente em 2019 por “restringir o livre exercício profissional” (Juliana NEVES, 2019). Aqui, entramos já na precarização dos trabalhos de cuidado. Uma dimensão ainda mais incisiva desse processo é a flexibilização e ampliação da terceirização como forma de contrato de trabalho.

Trabalhos de limpeza e cuidado são os mais afetados por tal processo (Alan SILVA, 2017). A precarização dessas atividades - herdeiras de um histórico escravocrata e da inserção precária de mulheres negras no mercado de trabalho (Lélia GONZALEZ, 1984), que passou por um rápido e controverso período de reconhecimento de direitos com a PEC das domésticas (Joana PINTO, 2013), tem se intensificado com a ampliação das possibilidades de terceirização. Estas, em certa medida, barateiam os trabalhos de cuidado para quem vive deles, tornam o mercado aberto a contratos informais e vinculam qualidade e abrangência da oferta desses trabalhos ao maior custo deles. E são as mulheres negras, historicamente mais concentradas nessas atividades, que irão enfrentar as piores consequências desse processo.

Por fim, e em diálogo próximo e complementar com tais avanços da agenda econômica ultraliberal de austeridade e flexibilização de direitos trabalhistas, o conservadorismo de costumes tem guiado as políticas e narrativas públicas sobre cuidado. Toda uma agenda acerca da família e do fortalecimento dos laços familiares ganhou relevância. Agora, de forma ainda mais explícita, o lugar natural de provimento de cuidado das mulheres é defendido e assegurado pelo estado por meio da agenda “direitos da família” (Nathália FREITAS, 2020; Isabela KALIL, 2020). Tal conservadorismo de gênero é instituído ainda como política educacional a ser levada para as escolas - a garantir que a população seja formada com os “valores adequados” (FREITAS, 2020; KALIL, 2020).

Como em outros contextos latino-americanos, a narrativa, frequentemente colada a governos militares, sobre a importância e centralidade moral da família - que, nesse caso, é uma família cristã, patriarcal, heteronormativa e nuclear - se articula com a diminuição de qualquer investimento público em serviços de cuidado (Elizabeth JELIN, 2007; HAN, 2012). Dessa forma, o abandono de um projeto de bem-estar social é articulado enquanto econômica e moralmente justificável.

O projeto de “bem-estar social” embutido na PNI nunca se concretizou, o que segue experiências de vários contextos latino-americanos em diferentes frentes (Silvia FEDERICI; Luciana VALIO, 2020). Realizo uma comparação entre práticas cotidianas de cuidado das demências e políticas de cuidado voltadas ao envelhecimento com dependência no Brasil. A partir de uma etnografia realizada em casas, aprendo como cuidado agrega coletivos de pessoas, tecnologias e dinheiros. Por meio de uma análise documental das políticas de cuidado pós-democratização, narro projetos morais de cuidado e seus efeitos práticos - talvez o mais conhecido seja o que Guita Debert chamou de reprivatização do envelhecimento. Contudo, esse já não é mais o contexto atual; argumento que a perspectiva de cuidado da extrema-direita tem transformado esse cenário através de três movimentos articulados: restrição de serviços públicos; precarização do trabalho de cuidadoras e reforma das relações raciais; moralização do cuidado e reforma de gênero. Tal projeto é chamado, por fim, de hiperprivatização. A culpabilização e desconfiança em relação a cuidadoras profissionais e familiares e a excessiva moralização do cuidado familiar que pesou de modo maior para mulheres e sua função natural de cuidar, também.

Desde o posicionamento da nova direita, contudo, é o próprio projeto de “bem-estar social” que está sob ataque. Em específico, os circuitos de apoio à experiência de cuidado, velhice e demências estão totalmente ameaçados. No lugar deles, o ‘bom cuidado’ da extrema-direita se busca pela reforma da família a partir da reforma das relações de gênero, pelo barateamento e invisibilização dos trabalhos de cuidado e garantia de continuidade de suas desigualdades raciais, pelo cuidado orçamentário e corte de serviços públicos. Esse projeto de cuidado é que proponho chamar de hiperprivatização - seja do envelhecimento, das demências, ou dos cuidados.

Considerações finais

Como vimos a partir da experiência de pessoas que convivem com demências em um centro urbano brasileiro, procurar um bom cuidado (MOL, 2008) envolve a articulação de tempos, economias domésticas, atores, tecnologias, médicos, receitas e um certo mercado de cuidados. O processo de tinkering - promover constantemente ajustes em um mundo ambivalente - movimenta tais articulações (MOL; MOSER; POLS, 2010). No contexto em debate, a categoria “fazer rotina” ilustra o desafio que articula exatamente todos esses elementos, por meio dos quais as lógicas de cuidado (MOL, 2008) vão sendo praticadas. É nos desafios de “fazer rotina” que o “jeito” vai encontrando suas possibilidades e o cuidado entendido localmente como bom (MOL, 2008) vai sendo montado contextualmente. Além disso, vimos como tais processos se conectam com o pertencimento de classe das famílias, com os arranjos econômicos dos serviços de cuidado, com o tipo de acesso às instituições de saúde e transporte - dependendo de onde se mora. Todas essas dimensões constituem o que Das (2015) chama de ecologias de cuidado.

Nessa busca por boas rotinas” e “jeito” em ecologias de cuidado urbanas brasileiras, um conjunto de desigualdades, silenciamentos e decisões econômicas restritivas vão acontecendo ao mesmo tempo. Como ressalta Buch (2018) a partir da ideia de trabalho generativo, cuidado gera distintos efeitos. Nesse caso, gera espaço de comunicação e diálogo com as demências em casa e entre parentes e profissionais de cuidado, ao passo que gera trabalhos mal pagos, diferenças intensas no acesso a tempos e infraestruturas, além de normas sobre o que é bom ou não. Nesse sentido, o cuidado surge como organizador do social em níveis dos mais diversos (THELEN, 2015).

Essa busca local por um bom cuidado através das políticas públicas brasileiras também nos aproxima desses muitos atores e articulações, mas a partir de outras organizações. A escolha do termo família para sugerir um cuidado comunitário, a narrativa da falta de mulheres para o cuidado como forma de descrever o insucesso da política e o silêncio sobre as profissionais do cuidado que sempre estiveram envolvidas nessa família nos informam sobre o projeto de cuidado proposto pelo estado de bem-estar social manejado nas últimas décadas. Tais processos já foram descritos como parte dos efeitos do que foi chamado de reprivatização do envelhecimento (DEBERT, 1999) e reprivatização do cuidado (SANTOS; RIFIOTIS, 2006) - nos quais as desigualdades de renda interferem diretamente no acesso, ou não, a um maior conjunto de pessoas e tecnologias engajadas no cuidado e no qual a qualidade do cuidado e a relativa saúde no envelhecimento são colocados na responsabilidade individual e familiar (inclusive financeira).

Tais processos de reprivatização ainda possuem um evidente, apesar de raramente narrado no contexto do envelhecimento, componente racial. Gonzalez (1984) afirma que as atividades brasileiras pagas de cuidado são articuladoras do racismo e sexismo. A atribuição de empregos domésticos e de cuidados como majoritária opção de trabalho para mulheres negras, a desqualificação dessas atividades enquanto pouco especializadas e os estereótipos sobre essas mulheres marcam cotidianos, afetos e lugares públicos aqui e alhures (FEDERICI, 2019).

Não raro, iniciativas de ‘qualificar’ trabalhos de cuidado passam pela negação de sua história de vinculação com a escravidão, pelo branqueamento da profissão e pela correção das trabalhadoras (GONZALEZ, 1984; BUCH, 2018). Assim, a família que forma o imaginário de tais políticas sempre foi composta de serviços de cuidado precários, exercidos de forma majoritária por mulheres negras e/ou pobres. E o silêncio sobre os trabalhos dessas mulheres, combinado com a percepção de que, necessariamente, seus aprendizados são pouco qualificados, explicam, e muito, os efeitos desiguais desse projeto de “bem-estar social”.

Por ora, é esse mesmo projeto que está em risco. Os novos rumos da política brasileira, lidando com o mesmo conjunto de problemáticas, definem como seu projeto de bom cuidado a reforma das relações de gênero e o fortalecimento do que se entende por família.

Nesse mesmo rumo e na defesa de um cuidado orçamentário, a rede de serviços pública é cada vez mais diminuída. Tudo isso, ainda, é garantido a partir da precarização progressiva dos trabalhos de cuidado. Assim, cuidado em família, como projeto de governo, é garantido por serviços privados e precários de cuidado - um clássico brasileiro revisitado e, nessa narrativa, legitimado.

Nesse contexto, proponho que falemos de um processo de hiperprivatização do cuidado, o qual restringe progressivamente qualquer oferta pública que aumente redes de apoio, assim como legaliza a negação de direitos trabalhistas para quem trabalha com cuidado. Todo esse processo se dá em nome da reforma das famílias - que é uma reforma aberta das relações de gênero e das relações raciais brasileiras.

Diante desse projeto, muitos pesquisadores da área se agarram à esperança de salvar algumas bases do estado de bem-estar social - e do projeto de cuidado da PNI -, cobrando a intensificação das relações compartilhadas entre estado, família e sociedade no apoio aos idosos. Em diálogo com movimentos de mulheres indígenas, negras e periféricas latino-americanas, Federici e Valio (2020) defendem, no lugar disso, a busca por imaginações radicais de projetos de mundo e cuidado.

Em certa medida, a PNI e as buscas pelas ‘boas divisões’ entre estado, família e sociedade projetam um tipo de coletivização do cuidado, seja de sua preocupação pública, como de suas redes. É compreensível que a recuperação desse projeto esteja em tela para quem se preocupa com experiências de envelhecimento e doenças. Os termos dessa coletivização da PNI, contudo, parecem produzir e reproduzir certas armadilhas privatizantes por eles mesmos. A idealização e moralização de tipos ideais de família, o papel qualificador do estado para com cuidadoras e o intenso silenciamento sobre a centralidade e desigualdades raciais e de gênero dos serviços de cuidado talvez sejam as principais.

Para Bellacasa (2017), projetos de cuidado podem carregar em si qualidades disruptivas e transformadoras - aquilo que Mol (2002) chama de ontologias políticas (2008). Para ambas, essa busca transformativa tem como base a especulação: respostas abertas, descrições abrangentes dos muitos elementos que formam cuidado e que poderiam ser realinhados para outras possibilidades de futuro. Descrições essas que coloquem em cena as muitas contradições e posições em relação ao que se busca enquanto cuidado (BELLACASA, 2017) - especialmente bom cuidado (MOL, 2008).

Seguindo tal caráter especulativo proposto por Bellacasa (2017) e Mol (2002), não pretendo apontar qualquer rumo fechado, ou uma lista de termos que deveriam ou poderiam nos levar a imaginações radicais de coletivização. No lugar disso, quero abrir uma pergunta para finalizar esse texto, especulando futuros a partir de problemas concretos e mundanos que conheci com minhas interlocutoras: que outros termos e relações entre personagens e tecnologias podem nos levar a projetos de coletivização dos cuidados que enfrentem as já conhecidas desigualdades na busca por boas “rotinas” e “jeitos”?

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1Todos os nomes próprios utilizados nesse texto são fictícios, assim como acordado com as interlocutoras da pesquisa.

2Uma das regiões de maior concentração de renda no DFE.

3Em ambos os casos, o direito à renda mínima é defendido.

4Durante o período que estava em campo, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu o benefício para todos os tipos de aposentadorias, gestando um entendimento comum de que todos que necessitassem de cuidador por razão de alguma doença ou deficiência incapacitante teriam esse direito; mas, logo depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu uma medida cautelar suspendendo tal entendimento, acolhendo um pedido do INSS, que alegava a falta de recursos e, ainda, a impossibilidade de realizar perícias para comprovar tal necessidade. Alguns dos ministros do STF reforçaram seus argumentos baseando-se nas discussões sobre a Reforma da Previdência Social (em curso) e a repetida ideia de que os recursos estão escassos e que a previdência já geraria benefícios excessivos.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: ENGEL, Cíntia Liara. “Hiperprivatização do cuidado: projetos de cuidado das demências e seus efeitos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e79285, 2022.

Financiamento: Bolsa de doutorado do CNPq por 3 anos e seis meses entre 2016-2020. Bolsa de Doutorado Sanduíche da CAPES por seis meses entre 2018-2019. Bolsa de Pesquisa do projeto “Terceira onda das demências no Brasil”, coordenado por Annette Leibing e financiado pela Universidade de Montreal por seis meses entre 2016-2017

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: A pesquisa se realizou de modo autônomo. Contudo, se inseriu no escopo do projeto “A terceira onda das demências: uma etnografia da mudança no Brasil”, coordenado por Annette Leibing. O projeto foi aprovado por todas as instâncias formais éticas do sistema Comitê de ética/Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/CONEP) -, por meio da Plataforma Brasil. CAAE: 53129215.9.0000.5558

Recebido: 01 de Fevereiro de 2021; Revisado: 16 de Dezembro de 2021; Aceito: 24 de Janeiro de 2022

cintiaengel@gmail.com

Cíntia Liara Engel (cintiaengel@gmail.com) possui Doutorado em antropologia, Mestrado em sociologia e Graduação em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB). É pesquisadora associada ao Coletivo de Antropologia e Saúde Coletiva (Laboratório de pesquisa, docência e extensão), Departamento de Antropologia/UnB e ao imuê - instituto mulheres e economia. É uma das editoras do livro Antropologia, saúde e contextos de crise

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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