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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.3 Florianópolis  2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n377661 

Artigos Temáticos Mulheres em Pesquisas

Pesquisa feminista e prostituição: tecendo redes de solidariedade e luta

Feminist research and prostitution: weaving networks of solidarity and struggle

Investigación feminista y prostitución: tejiendo redes de solidaridad y lucha

Letícia Cardoso Barreto1 
http://orcid.org/0000-0002-4119-1961

1Universidade do Estado de Minas Gerais, Divinópolis, MG, Brasil. 35501-170 - diretoria.divinopolis@uemg.br


Resumo:

Apresento, neste artigo, reflexões epistemológicas e metodológicas produzidas a partir de um longo contato com o campo de estudos e intervenção da prostituição feminina. Indico caminhos metodológicos seguidos durante minha trajetória, ressaltando a opção por um processo de pesquisa e intervenção que não se restrinja à coleta de dados ou à aplicação de técnicas, mas que seja baseado na construção de redes de solidariedade e de luta. Apresento uma perspectiva interdisciplinar, feminista, situada e de inspirações na psicologia comunitária e na etnografia. Defendo a necessidade de evidenciar as bases éticas e políticas que sustentam a pesquisa e a busca por caminhos que favoreçam um posicionamento ao lado das prostitutas, do seu movimento e de suas demandas, construindo coletivamente as diversas etapas da pesquisa-intervenção e as possibilidades de transformação social.

Palavras-chave: feminismos; transformação social; trabalho sexual

Abstract:

This paper presents epistemological and methodological reflections, brought about by my long experience studying female prostitution. I explain the option for research and intervention processes not restricted to data gathering or other techniques, but built upon networks of solidarity and common struggles. My perspective is interdisciplinary, feminist, situated, and inspired by Community Psychology and Ethnography. I posit that we ought to showcase the ethical and political tenets that sustain our researches and work alongside the sex workers, to collectively build knowledge and bring about social change.

Keywords: Feminisms, social change; sex work

Resumen:

Presento en este artículo reflexiones epistemológicas y metodológicas producidas a partir de contacto con el campo de estudios e intervención de la prostitución feminina. Indico caminos metodológicos seguidos durante mi trayectoria enfatizando la opción por un proceso de investigación e intervención que no se limite a la recolección de datos o la aplicación de técnicas, sino que se base en la construcción de redes de solidaridad y lucha. Presento una perspectiva interdisciplinaria, feminista, situada e inspirada en la psicología comunitaria y la etnografía. Defiendo la necesidad de resaltar las bases éticas y políticas que sustentan la investigación y la búsqueda de caminos que favorezcan una posición junto a las prostitutas, su movimiento y sus demandas, construyendo colectivamente las diversas etapas de investigación-intervención y las posibilidades de transformación social.

Palabras clave: feminismos; transformación social; trabajo sexual

Introdução

O debate no campo dos estudos feministas e de gênero sobre a prostituição é antigo, conturbado e repleto de nuances, mas tem sido organizado a partir de duas perspectivas centrais, a abolicionista e a pró-prostituição. As tensões entre feminismo e prostituição e o acirramento recente destas impactam os processos de pesquisa-intervenção e as relações com o campo e com as prostitutas, sendo fundamental refletir e se posicionar frente a elas. Concordo com José Miguel Nieto Olivar (2010) que a prostituição é um campo político intenso e disputado, no qual as pesquisadoras se inserem e tomam partido ao escolher fontes, ângulos ou palavras para produzir conhecimentos, sendo essencial reconhecer a impossibilidade de neutralidade e possuir sua própria posição (OLIVAR, 2010). Acredito, como Dolores Juliano (2004), que uma visão menos vitimista da prostituição é algo fundamental ao estabelecimento de uma relação mais igualitária entre feministas e prostitutas. Defendo, ainda, a importância de que o feminismo não siga produzindo sobre a prostituição a partir de fora, mas que reconheça o movimento organizado de prostitutas como um movimento feminista que, como tal, deve ser parte fundamental da construção de saberes e práticas sobre si (Letícia BARRETO, 2015). Assim, me alinho ao grupo pró-prostituição, buscando trazer ao centro do debate as reivindicações das prostitutas e seu papel central como produtoras de conhecimento e de mudança social.

Esta posição está profundamente relacionada à minha trajetória como psicóloga social feminista e aos diversos encontros que tive com prostitutas e seus impactos na minha formação pessoal, profissional e acadêmica. Almejo trazer aqui algumas reflexões sobre como, ao longo deste percurso, fui estabelecendo laços, repensando estratégias, construindo propostas de maneira articulada com as prostitutas e seus movimentos organizados. As reflexões aqui apresentadas são fruto de uma relação com o campo de pesquisa e intervenção da prostituição que se deu em diferentes cidades brasileiras e em diferentes contextos acadêmicos (graduação, mestrado e doutorado) e profissionais ao longo de dez anos. Apesar destas formas diversas de contato, reflito especialmente sobre o contexto de Belo Horizonte e a Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). Semelhante ao que propõe Adriana Piscitelli (2013) em seu livro Trânsitos..., é uma pesquisa de longa duração, realizada em diferentes espaços e com objetivos diversos, mas com objetos que se interconectam. Haja vista que a pesquisa foi construída por uma mulher cis, em diálogo com outras mulheres, em sua maioria cis, e num campo marcadamente feminino, farei a opção pela escrita usando o genérico no feminino.

Serão apresentados os pressupostos epistemológicos e debates metodológicos que sustentam a proposta, bem como alguns métodos, estratégias e resultados, enfatizando a importância da construção de relações que não sejam de sujeito-objeto, mas que possibilitem trocas de saberes e afetos e a construção coletiva dos processos de pesquisa-intervenção e das estratégias de resistência e de luta.

As Guerras do Sexo feministas

As feministas podem não concordar com o que falamos, mas não podem ignorar que hoje somos sujeitos políticos da nossa própria história. Têm que nos ouvir; não podem achar que sabem o que é o melhor para nós. Não podem ignorar o nosso discurso, nós temos o nosso movimento.

Gabriela LEITE (2006)

Piscitelli destaca que o cenário feminista frente à prostituição é bastante heterogêneo, embora os discursos abolicionistas tenham ganhado visibilidade e força na sua relação com o Estado e no combate ao tráfico de pessoas (PISCITELLI, 2012). De acordo com Osborne, o feminismo antipornografia, que tem suas origens nos anos 1970 e no feminismo radical, atribui às prostitutas e às atrizes e modelos o lugar de mais exploradas e vitimizadas pela pobreza, pela coação ou pela ausência de consciência (Raquel OSBORNE, 2002). Os conflitos, que tiveram suas raízes neste período e seu ápice nos anos 1980, ficaram conhecidos como Sex Wars, Feminist Sex Wars ou Guerra dos Sexos Feministas. Piscitelli indica que, neste contexto, um dos lados gira ao redor da Coalition Against the Trafficking in Women (CATW) e conglomera visões abolicionistas, que pensam as prostitutas como vítimas da objetificação, da exploração, da violação dos direitos humanos. O outro lado se alinha ao Human Rights Caucus e aos direitos das trabalhadoras sexuais, negando associações entre a prostituição e a exploração sexual infantil ou prostituição forçada, e considerando que prostituição e tráfico não são inerentemente vinculados, mas que podem sê-lo pela ausência de proteção legal que cerca a primeira (PISCITELLI, 2008a).

A prostituição tem ganhado importância como tema de pesquisa e intervenção em diversas áreas, a partir de formas díspares de contato com as prostitutas, de como este é estabelecido e qual a força que ganha na produção de conhecimento, seja no universo acadêmico, das políticas públicas ou da militância. A emergência do movimento organizado de prostitutas no Brasil, no final da década de 1970, e sua consolidação, nas décadas seguintes, somadas ao crescente interesse por este grupo em virtude da epidemia da AIDS e de tentativas de controle da mesma, produziram profundas mudanças sobre o campo. Em pesquisas com o tema da prostituição realizadas até o início dos anos 1990, era comum que as primeiras inserções em campo se dessem pela pesquisadora andando pelos locais a esmo, com contatos diretos com algum local de prostituição ou podendo, inclusive, se passar por garota de programa ou por cliente, como vemos em trabalhos como os de Néstor Perlongher (2008), Renan Freitas (1985) e Maria Dulce Gaspar (1985).

A situação começou a mudar bastante com o surgimento da AIDS e dos movimentos de prostitutas com o aparecimento de inúmeras ONGs que visavam combatê-la ou assessorar as infectadas e pela grande oferta de financiamento governamental para este fim. Os movimentos de prostitutas se organizaram para também terem financiamentos e novas redes foram sendo constituídas e novas pautas trazidas para as discussões. Apesar destas mudanças, se, para determinados grupos, a aproximação das prostitutas, no lugar de agentes, era uma realidade e condição sine qua non de ação desde os primórdios, para outros, esta seguia sendo vista como desnecessária ou até prejudicial. Gabriela Leite, fundadora da Organização Não Governamental Davida e liderança importante dos movimentos organizados de prostitutas no Brasil, falecida em 2013, afirma, em seu livro Filha, mãe, avó e puta..., que a iniciativa das prostitutas de se colocarem no cenário público para pautarem os debates e políticas que as dizem respeito gerou impacto nas pesquisas sobre o tema, que hoje estão mais “sofisticadas” (LEITE, 2009). Com estas mudanças, muitas pesquisas começaram a buscar a inserção em campo por meio de grupos ou entidades que já realizavam trabalhos com prostitutas. A partir do estabelecimento de vínculos com o campo e com alguns de seus grupos (normalmente através de associações ou ONGs). Por outro lado, o campo também se modifica, por vezes adotando pesquisadoras como referências técnicas, parceiras ou militantes, além de observarmos mudanças pessoais naquelas mulheres que se tornam informantes-chave, sendo por vezes entrevistadas em diferentes estudos. A existência de prostitutas que se posicionam como feministas e/ou atuaram em parceria com movimentos feministas, bem como a de feministas que se aproximam das prostitutas e de suas lutas, sempre se fez presente, mas não sem conflitos (BARRETO, 2015). Segundo Amara Moira (2018), as lutas por melhores condições de vida e trabalho das prostitutas só é considerada feminista quando não envolve as prostitutas. Em reportagem da Carta Capital, Indianara Siqueira, Monique Prada e Amara Moira reivindicam, durante as celebrações do Dia Internacional das Prostitutas, seu reconhecimento como feministas, argumentando que a luta das prostitutas é também uma luta feminista e que deveria contar com a adesão de todas as mulheres (Socialista MORENA, 2015). As aproximações entre feminismos e prostituição deram origem ao que é hoje chamado de putafeminismo. Monique Prada (2018), em seu livro Putafeminista, indica que o feminismo chegou ao puteiro e que o putafeminismo é uma possibilidade de repensar a própria estrutura da prostituição, bem como as opressões que se fazem presentes, sendo um movimento potencialmente revolucionário que desconstrói e reconstrói conceitos (PRADA, 2018).

Bases para uma pesquisa feminista e interdisciplinar

As diferentes formas das feministas de indagarem a produção de conhecimento e sua suposta neutralidade e objetividade, alinhadas à sua perspectiva localizada, fornecem um olhar para a realidade que não apague as origens da produção do conhecimento, mas que evidencie os compromissos éticos e políticos de nossas práticas, como ressalta Maritza Montero (2008). A pesquisa se produz num processo em que os saberes são constantemente construídos, questionados e apropriados de formas diversas. Pesquisadoras, militantes, prostitutas, cada uma possui seus saberes e influencia os das demais e as suas formas de ação. Em casos de populações em situações de subalternidade, é frequente que os discursos sejam construídos “para elas” e não “com elas”. Sua participação acaba sendo restringida, havendo a neutralização da Outra, tornada invisível, expropriada de formas de representação, silenciada, acarretando uma violência epistêmica, como nos aponta Gayatri Spivak (2003). Contra esta violência, a autora propõe uma resistência marcada pela pluralidade e heterogeneidade nativa, aliada ao reconhecimento dos privilégios possuídos pela elite (SPIVAK, 1994).

Como forma de impedir que vozes subalternas sejam silenciadas, é fundamental que se construa o conhecimento coletivamente e de forma não hierarquizada. É necessário compreender que tanto os nossos saberes, quanto os delas, são parciais, localizados, e devemos ligá-los por redes que unam as sujeitas às demais, permitindo uma visão conjunta e conexões que possibilitem a objetividade advinda de uma racionalidade posicionada, como propõe Donna Haraway (1995). Assim, não se parte de uma verdade absoluta, científica e neutra, mas, como afirma Eleonora Menicucci de Oliveira (2008), de um conhecimento que é falível e verdades que são aproximadas e provisórias. Se, por um lado, é preciso refletir sobre a posição das prostitutas, é essencial pensar sobre nossas condições enquanto produtoras de saberes considerados legítimos. Precisamos ter em mente que os problemas, conceitos, teorias, metodologias e verdades são produtos que trazem a marca de suas criadoras, que são, por sua vez, marcadas por seu gênero, classe, raça e cultura, como afirma Sandra Harding (1996), e também por valores materiais e culturais, como aponta Lourdes Bandeira (2008).

É fundamental adotar uma postura marcada pela reflexividade, em que se busque compreender as dinâmicas que operam nos espaços de interação, os nossos pensamentos e posturas e seus efeitos sobre a pesquisa. Deve-se reconhecer, assim, a oportunidade de favorecer processos de agência entre as sujeitas, que se tornam conscientes do saber e das possibilidades de uso deste, compartilhando a responsabilidade pela mudança social, como apontam Sofia Neves e Conceição Nogueira (2005). A reflexividade deve abarcar a identificação dos exercícios e das relações de poder, com seus efeitos sobre a pesquisa; análise da teoria do poder que gera a conceituação destas; julgamentos éticos que interferem nos valores e interesses políticos da pesquisa; responsabilidade pelo que é produzido, como propõem Caroline Ramazanoglu e Jane Holland (2002).

Pesquisar a prostituição, bem como as formas como se produzem as pesquisas e intervenções, em constante relação com a constituição do próprio contexto, é uma tarefa que não pode ser delimitada a uma única área de estudos. A prostituição se apresenta como objeto multifacetado, que, para ser compreendido, demanda o uso de teorias das mais diversas disciplinas. É necessário analisar questões como quem são as pessoas que se envolvem nesta atividade, qual sua relação com o espaço urbano e com o poder público, como são suas relações para além da profissão. Outrossim, optar por uma ou outra área do conhecimento seria um grande equívoco, que fragmentaria o objeto e não permitiria sua apreensão. Visei dar conta da complexidade desta realidade, não a fragmentando e ocultando parte dela, mas enfrentando a desordem e a incerteza e produzindo um conhecimento que seja a um só tempo forma de tradução e de reconstrução e que se saiba local, situado em determinado tempo e momento, como nos propõe Edgar Morin (1996).

Com base nestes pressupostos, é importante produzir uma pesquisa interdisciplinar, que não se restrinja apenas à articulação de autoras de duas ou mais áreas do conhecimento, mas que articule saberes provenientes das mais diferentes origens, sem uma hierarquização entre os mesmos. A interdisciplinaridade se coloca como vínculo, não entre, mas com saberes, gerando reformulação do saber, do ser e do fazer, de modo que as dificuldades para colocá-la em prática serão minimizadas pela práxis, unindo humildade e partilha de esforços e resultados, como afirma José de Ávila Coimbra (2000). Neste processo, é necessário aliar conceituação, realização da ação produtiva e a consideração das dimensões humanas nas relações sociais estabelecidas, conforme nos apontam Yves Lenoir e Abdelkrim Hasni (2004).

A interdisciplinaridade não deve se limitar a aspectos teóricos, mas também metodológicos e epistemológicos, relacionando constantemente produção do saber e militância. É importante manter uma postura crítica e de integração entre preocupações intelectuais e políticas de transformação das relações sociais, colocando em um mesmo patamar os interesses da ciência e das mulheres, aliada à articulação entre subjetividades da pesquisadora e das sujeitas e da explicitação da relação entre estas, como nos sugere Huguette Dagenais (1987).

As colaboradoras de pesquisa e a inserção em campo

Minhas primeiras inserções em campo se deram via entidades e militantes, devido à invisibilidade nos contextos urbanos, desconfiança das envolvidas em relação aos objetivos das pesquisadoras, proibição de entrada e permanência nos locais, riscos existentes, análogo ao que ocorreu com Camilo Braz (2010) e Perlongher (2008). A pesquisa de campo foi se desenvolvendo a partir da tentativa de estreitar laços com as mulheres e de buscar novos vínculos, havendo, por outro lado, uma crescente demanda por parte da associação de prostitutas local, Aprosmig, para nosso envolvimento e participação em suas atividades. Fui estabelecendo uma relação que proporcionasse possibilidades de trocas e de ganhos efetivos para os dois lados. Se as mulheres abriam para mim suas vidas, seus quartos, eu oferecia a elas meus conhecimentos, trabalho e histórias da minha vida.

Algumas das participantes, principalmente as integrantes da associação, se tornaram importantes colaboradoras de pesquisa. Como no trabalho de William Foote-Whyte (1980), embora com outro foco, estas pessoas davam acesso ao campo, discutiam ideias, percepções e observações. Evidenciavam práticas, gestos e comportamentos próprios do grupo estudado, como ocorria na pesquisa com michês de Perlongher (2008), interferindo nas hipóteses e problema de pesquisa, da mesma forma que propõem Claudia Fonseca (1999) e Mariza Peirano (1995). O contato via grupos propicia ainda formação de vínculos, que permitem um trabalho mais aprofundado e compromissado socialmente com os interesses da população estudada e com a transformação social (Ana Maria BOCK, 2003; BOCK et al., 2007). Visa à transformação social a partir da perspectiva das pessoas, grupos e comunidades que dela necessitam, almejando a eliminação de desigualdades de poder e de expressões de injustiça e de opressão, tendo uma importante dimensão ética que respeita e aceita a outra em sua diversidade ao mesmo tempo que epistemológica, a vendo como produtora de conhecimentos, e política, pela necessidade de reconhecimento dos direitos individuais e coletivos (MONTERO, 2008).

Optei, nas minhas pesquisas, por construir um “olhar etnográfico”, a exemplo de Roberto Cardoso de Oliveira (2000), fundamentando a produção teórica especialmente em autoras advindas da área da antropologia. Considerando que este olhar permite que se preste atenção a linguagens que por vezes são pouco evidenciadas por técnicas como a entrevista (FONSECA, 1999), e que se registre impressões, situações, descrições e cenas, como o fez Perlongher (2008). Foi uma pesquisa com inspiração etnográfica, articulando dados de campo e leituras bibliográficas (FONSECA, 1999). Construiu-se a partir de um diálogo intenso com a outra, o que favorece e explicita as relações entre teoria e prática (PEIRANO, 1995), mantendo como ponto de partida a interação entre a pesquisadora e seus objetos de estudo (FONSECA, 1999). Foquei na pesquisa empírica, entendida como meio de conhecimento das relações sociais, e executada via faculdades de espírito, como o olhar, o ouvir e o escrever (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000).

Além da inspiração etnográfica, recorri também aos debates sobre pesquisa-intervenção participativa, especialmente os realizados pela psicologia social comunitária. Esta incorporação se fez a partir de reflexões sobre a prática atual na área, que inclui pensar o território para além de seus limites físicos e que destaca a importância de uma inserção de pesquisadoras no cotidiano das relações (BARRETO; Débora ROSA; Claudia MAYORGA, 2020). Neste sentido, estas abordagens inserem a participação como central em todas as etapas da construção de processos de pesquisa-intervenção, incluindo as sujeitas como coautoras do conhecimento e como ativas nos processos de pesquisa, intervenção e transformação social (MONTERO, 2008). Esta atuação, como Mayorga (2014) ressalta, além da opção por metodologias participativas, exige um reposicionamento ético e político a favor da emancipação das minorias e da superação das desigualdades. Montero enfatiza que o compromisso com a transformação não deve ser apenas das psicólogas, ou agentes externas, como ela nomeia, mas também das sujeitas da comunidade, as agentes internas, gerando em ambas um sentimento de responsabilidade e respeito pelos objetivos relativos à justiça, às igualdades sociais, aos direitos humanos e às necessidades das comunidades a serem alcançados. Assim, agentes externas e internas atuam de maneira conjunta, mas a partir de seus diferentes lugares e motivações, de forma que o compromisso favorece a participação e vice-versa. As questões trazidas pelas sujeitas são centrais e são escutadas e incorporadas no processo, de modo que a participação comunitária é vista como processo organizado, coletivo, livre, includente. Participam deste uma variedade de agentes, de atividades e de graus de compromisso, que está orientado por valores e objetivos compartilhados, em cuja consecução se produzem transformações comunitárias e individuais (MONTERO, 2008).

Das entrevistas e observações às conversas e à militância

As entrevistas eram uma das principais estratégias metodológicas nos meus primeiros contatos com o campo, em 2005, mas foram perdendo força ao longo dos anos, com a minha familiaridade com o contexto aliada a uma percepção de que outras atividades poderiam ser mais eficazes e interessantes. As conversas informais são mais ricas, dinâmicas. Encher balões, atualizar cadastros, organizar pastas, almoçar, divulgar eventos, convidar mulheres a participar de ações, distribuir material informativo e de prevenção, participar de reuniões, produzir páginas e textos, tirar fotos, tudo é ocasião para uma conversa e uma troca.

A metodologia de entrevistas semiestruturadas foi utilizada, ao longo da minha trajetória, em diversos contextos e com objetivos múltiplos e normalmente estas eram gravadas e transcritas. As entrevistas eram realizadas com representantes de grupos ou entidades e também com prostitutas. Esta divisão se deu em relação, principalmente, ao objetivo de cada entrevista, já que havia prostitutas que eram também representantes de grupos ou entidades. Com as representantes de entidades ou grupos, visei compreender o contexto a partir de informantes-chave, tendo como objetivo questionar pessoas bem posicionadas sobre aspectos como as redes e organizações do movimento, as relações entre os grupos, as estratégias e outros aspectos fundamentais (Kathleen BLEE; Verta TAYLOR, 2002). A escolha das entrevistadas foi realizada de maneira deliberada, com base no seu papel no contexto pesquisado.

Além disso, a relação entre subjetividade e experiências de vida se dá também nos aspectos mais burocráticos do trabalho de campo, como na marcação de entrevistas, por exemplo. Acostumada a horários e prazos, eu frequentemente tentava marcar com elas horas para entrevistas. Ao chegar aos hotéis de prostituição ou à associação, percebia que as mulheres não tinham ido trabalhar, não foram dar a entrevista ou estavam ocupadas no momento. Outras vezes, encontrava a prostituta, que pedia para deixar a porta aberta, de forma que ela pudesse manter sempre o olhar voltado para o lado de fora e, quando aparecia um cliente, logo pedia para me retirar. Foram várias ausências e remarcações, o que por vezes me deixava frustrada.

Com o passar do tempo, percebi como, na realidade, esta forma de agir estava profundamente relacionada ao trabalho delas e às suas características em que, normalmente, não marcam horários com clientes, mas os aguardam chegar, o que pode ou não ocorrer. Constantemente, eu ouvia, das próprias prostitutas, que as mulheres não aceitariam dar entrevistas, se incomodariam, que só o fariam se pagássemos algo ou se o período fosse muito curto. Havia uma constante ideia de que “nada funciona”. Na minha inserção, vi que estes fatos não se confirmavam e que muitas adoravam ceder entrevistas, embora tenha ficado claro que preferiam quando isso se dava de maneira menos formal e com maiores possibilidades de trocas, sentindo-se menos usadas e tornando os encontros mais proveitosos.

Os roteiros também se mostravam frequentemente inadequados aos contextos. Nestes casos, as prostitutas davam respostas secas, se incomodavam com o tanto de perguntas ou afirmavam querer conversar sobre outras coisas. Com meu contato maior com o campo, optei por manter o roteiro em mente, mas desenvolver uma conversa mais fluida com as prostitutas. O grande volume de pessoas que têm feito trabalhos com elas tem gerado um cansaço em responder a certas perguntas, muitas vezes se sentindo usadas, sendo fundamental que a conversa seja fluida não apenas como forma de coletar dados, mas também de manter o vínculo com elas e oferecer possibilidade de trocas.

Além das entrevistas, foram realizadas observações em eventos organizados “para”, “por” ou “com” a participação de prostitutas. Observei ambientes de prostituição, mas também outros locais pelos quais circulam as prostitutas, como seus espaços de lazer e de militância. Esta observação foi por vezes sistemática, na forma de observação participante, e em outras ocasiões livres. Na observação participante, segundo Aaron Cicourel (1990), a observadora se insere na situação social com o objetivo de realizar uma investigação científica, colhendo dados através da relação e sendo parte do contexto, modificando-o e sendo modificada. Para Eunice Durham (1978), a imersão em campo possibilita que se conheça não os fenômenos isolados, mas a totalidade do contexto e os significados que o perpassam, bem como as formas típicas de pensar e agir.

A observação permite compreender quais as lógicas que regem o trabalho destas prostitutas por meio de uma aproximação com as “nativas” e também perceber suas interações cotidianas (Gilberto VELHO, 1978). A importância desta observação se dá, de acordo com Perlongher (2005), pelo fato de o território, como região moral, atuar para além do seu aspecto geográfico, também determinando o comportamento das habitantes, e criando condições de sociabilidade territorial, perfis definidamente psicossociais, de modo que o local cria “vida” quando desenvolve uma identificação social. As observações formais eram uma pequena parte do trabalho de campo, que tinha como base principal acompanhar, por longos períodos, as prostitutas nas suas diversas atividades, como feito por Fonseca (1996). Como Soraya Simões (2010), fiz isso muitas vezes sem pressa ou objetivo claro, buscando me familiarizar com o cotidiano, com as ruas, com os comportamentos e hábitos.

Registrando histórias e trajetórias

As etapas do processo foram registradas em diários de campo, preferencialmente logo após o contato, como meio de inscrever o trabalho de campo e torná-lo passível de ser comunicado, garantindo, como sugere George Marcus (1986), que experiências e lições aprendidas influam no registro. A escrita, de acordo com James Clifford (1998), é uma forma de traduzir a experiência para o texto e deve buscar o diálogo com o campo e o questionamento das expectativas e formas de atuação da pesquisadora, permitindo que se aproxime mais da realidade e que consiga inserir a experiência em um contexto mais amplo, que não se limite ao indivíduo. Possibilita ainda que se tenha acesso aos avanços e recuos realizados durante a pesquisa e que se obtenha um distanciamento (Alba ZALUAR, 1994).

O diário se apresenta como a somatória de descrição e ensaio interpretativo, ocasionando o conhecimento do processo de transformação do objeto ao longo da pesquisa. Mantido ao longo de todo o processo, Bronislaw Malinowski (1976) já propunha que o diário deve trazer tudo aquilo que se destaca, que se mostra rotineiro ou desviante, abrangendo atos, sentimentos, opiniões, permitindo compreender o ponto de vista e a visão de mundo das sujeitas.

Foi escrito um texto etnográfico, com base nas observações devidamente organizadas, como meio de produção de conhecimento (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000), considerando que a etnografia abrange não só a descrição, mas a interpretação dos dados a partir de um contexto mais amplo, buscando realizar a descrição densa proposta por Clifford Geertz (1989). Como lembra Miriam Grossi (2004), etnografia é o texto que resulta desta articulação entre trabalho de campo e teoria, não sendo possível antropologia que exclua a redação.

A escrita, diz Anzaldúa, é fundamental, ainda, para reescrever histórias mal contadas, produzindo mudanças, permitindo-nos a um só tempo adentrar em mistérios, nos distanciar e também sobreviver. Ressalta ainda que o valor de nosso texto se dá pelo nível de nudez revelada a partir das maneiras como nos colocamos, de modo que, para alcançarmos as pessoas, devemos ter uma escrita carregada de sangue, pus e suor (Gloria ANZALDÚA, 2000). Escrever é a comunicação da experiência, não na forma de evidência incontestável, mas como visual, visceral, permitindo não apenas apontar a existência de diferenças, mas explorar suas origens, compreendendo que é através das experiências que as sujeitas se constituem (Joan SCOTT, 1999).

Entre pesquisadoras militantes e putas pesquisadoras

As relações entre pesquisadoras e prostitutas foram se constituindo de formas diversas ao longo do trabalho de campo, sendo permeadas por categorias sociais variáveis, que se interseccionam e produzem formas diversas de ser e de construir as relações (NOGUEIRA, 2017; PISCITELLI, 2008b). Observando diferentes pesquisas e trabalhos, que acompanhei ou conheci teoricamente ao longo dos anos, fica evidente que cada pessoa, com sua corporalidade, subjetividade e experiência, se inseriu de forma diferente no campo e estabeleceu tipos específicos de relações. No meu caso, ser uma mulher cis branca, jovem, e considerada bonita pelos padrões estéticos vigentes, que sempre tinha a seu redor outras mulheres e homens que se encaixavam no perfil, trazia mais um ingrediente para a relação. Às vezes, éramos percebidas como concorrentes, que estavam ali para aprender sobre o trabalho e “roubar clientes”, e, outras, até mesmo éramos convidadas a fazer um programa ou a trabalhar em um local de prostituição. Os olhares por parte de clientes e frequentadores da zona (gerentes, donos de hotéis, seguranças e outros) eram principalmente de três tipos: um olhar de curiosidade, que indagava “quem é essa menina e o que está fazendo aqui?”; outro de vergonha por estar ali, cabisbaixo; o terceiro era o de desejo, por vezes insinuantes e até com abordagens do tipo “você trabalha aqui?”, “qual o seu quarto?”, outros mais discretos, disfarçados, como quem não tem certeza se pode ou não olhar.

A relação se tornava mais complexa em uma dupla medida. Se, por um lado, sempre considerei essencial destacar que não pretendia trabalhar ali, era fundamental deixar claro que esta escolha não vinha de um demérito da profissão ou das pessoas que a executam. Era necessário traçar limites, deixando claro que meu interesse era especialmente acadêmico (embora seja inegável que trouxe diversas influências para minha vida pessoal e para minha constituição enquanto sujeita), por mais que soubesse que o trabalho delas era repleto de lados positivos e negativos, como o meu. Assim, vai se tornando possível ocupar posições menos hierárquicas, em que o que nos separa são limites mais ou menos tênues, mas que não implicam uma postura de superioridade ou inferioridade.

Uma questão interessante é que, por vezes, esperam que nos coloquemos como prostitutas, evidenciando não haver tanta diferença assim entre nossas atitudes e experiências de vida. Exemplo ocorreu quando foram convidadas a participar como figurantes no filme “O homem das multidões”, de Marcelo Gomes e Cao Guimarães, lançado em 2013, e concluíram que deveria participar. Contudo, o objetivo dos diretores era contratar mulheres que eram prostitutas e pedi a elas que avisassem que era pesquisadora, ao que uma questionou, dizendo que eu estava sempre com elas, que conhecia o trabalho e que fazia as mesmas coisas que elas, a diferença era só que elas cobravam. Uma delas ainda comentou que pensava que minha participação seria uma forma de retribuir pela minha colaboração, já que seria remunerada. Neste caso, eu fui diretamente confrontada com meus temores de ser percebida como prostituta. Fui contratada justamente pelos produtores acharem que era prostituta. Ali não tinha roupas compridas ou crachás para me proteger, pelo contrário, estava de calcinha e sutiã, andando em meio a uma quantidade grande de homens (contratados para figurar como clientes) que pensavam que eu era prostituta. A princípio, andar pelos corredores sem roupas foi para mim muito difícil, me sentindo muito incomodada. Tentei agir com o máximo de naturalidade, falando de preços, tentando fingir saber o que fazia, mas me senti absolutamente constrangida.

O que antes se caracterizava como um medo de ser confundida como prostituta, aos poucos vai se transformando, em algumas de nós, numa vontade de que isso aconteça e até mesmo num sentimento de inveja. Bolsistas que acompanhei declararam ter passado a sentir vontade de se hospedar nos hotéis de prostituição, de realizar programas, afirmando que suas experiências em campo as levaram a repensar suas relações com namorados, percebendo na experiência das prostitutas uma possibilidade maior de liberdade, experimentação e autonomia do que a delas. Para outras, a prostituição poderia ser meio de garantir uma vida mais tranquila financeiramente para elas e suas filhas. Se antes havia um desejo de “ajudar” as prostitutas, agora há uma identificação com essas, algo fundamental ao estabelecimento de laços de solidariedade, que propiciam espaço para a luta conjunta.

Durante o processo de pesquisa, fui me tornando uma espécie de referência técnica para elas. Assim, costumeiramente me perguntavam o que deveriam fazer, como fazer, como justificar o que tinham feito. Eu tentava não ocupar o lugar de saber, mas ir construindo com elas estas ideias, questionando o que achavam. Aos poucos, iam falando, se colocando, sempre ao final perguntando “Não é, não, Letícia?”, tentando, pela minha concordância, validar seus próprios conhecimentos. Este lugar de pesquisadora ou profissional e ao mesmo tempo referência técnica pode ser observado em diversas outras cidades. É bastante comum no caso de pesquisas e intervenções realizadas com prostitutas a partir de uma perspectiva que seja pró-prostituição que as pesquisadoras se tornem também referências técnicas e militantes do movimento. Retomando a história do movimento organizado de prostitutas no Brasil e no mundo, podemos observar a frequente presença de pesquisadoras como parceiras na construção/implementação de projetos, na realização de atividades culturais, na militância e em outros espaços (BARRETO, 2015). Esta parceria e seus frutos podem ser observadas em dissertações de mestrado, teses de doutorados, artigos e produções diversas (Thaddeus Blanchette; Ana Paula SILVA, 2011; Roberto DOMINGUES, 1996; Regina MEDEIROS, 2001; Aparecida MORAES, 1996; Elisiane Pasini, 2000; SIMÕES, 2010).

O olhar da academia para questões que podem ser vistas como sem significado por outras pessoas, como o processo de distribuição de preservativos, as práticas de autocuidado, as estratégias de mobilização e outras, permite a valorização de saberes que já possuem e que são costumeiramente invisibilizados ou desprezados. Assim, a existência de pessoas vinculadas à universidade nos espaços de prostituição pode contribuir de muitas formas, como no registro de histórias e de acontecimentos, na visibilidade das ações e de seus impactos, mas também nos processos de construção coletiva de conhecimento e de processos de agência por parte das prostitutas.

Tanto a psicologia social comunitária conforme é produzida na América Latina quanto diferentes abordagens da pesquisa feminista trazem para o centro da produção de conhecimento a necessidade de que este seja pensado de forma indissociável em relação aos seus impactos, devendo ser sempre pensado o horizonte de transformação social, demandando um reposicionamento ético e político. O compromisso de produzir um texto acadêmico se torna indissociável de produzir algo que esteja de acordo com as demandas do movimento e de suas integrantes. Da mesma forma, o participar do cotidiano das vidas das pessoas, das associações, das organizações, não pode ser desvinculado da atuação no mesmo, contribuindo com suas ações e prestando serviços de diversas ordens.

O impacto de um longo contato de pesquisadoras diversas com o campo da prostituição não apenas para coletar dados, mas também como militantes e voluntárias em suas associações e grupos é algo que gera um impacto positivo sobre a forma como posicionam a si mesmas e suas demandas. Durante os anos em que estive em contato próximo com as associações em Belo Horizonte, observei como foram adquirindo mais agência durante o processo, se tornando mais ativas e questionadoras do nosso papel, nossos ganhos, e demandando contribuições. Se no início da pesquisa as ouvia muitas vezes demonstrarem uma profunda gratidão por ações simples que eu ou outras pessoas realizávamos, durante o doutorado, me perguntavam o que eu fazia, quanto ganhava pela bolsa, como podia contribuir com elas, como poderia gerar renda para elas, dentre outras questões. Embora sempre tenha havido uma relação de troca, em que eu participava ativamente de diversas ações, elas foram passando a dizer de que tipo de “ajuda” precisavam e de como deveria ser feito. Podiam pedir que estudantes fornecessem dados, atuassem como voluntárias, realizassem atendimentos, escrevessem releases e, sem dúvidas, começaram cada vez mais a pôr em prática suas demandas. Assim, não somos mais apenas as “meninas da UFMG”, mas precisamos ser também a assessora de comunicação, a responsável pela cultura, a escritora de livro e assim por diante. Ao notarem nosso engajamento, passam a perceber nossa presença como legítima e a abrir portas que estavam anteriormente fechadas (como a possibilidade de participar de atividades, a disponibilidade maior para entrevistas, dentre outras), deixamos de ser pesquisadoras (que as “usam”) e passamos a ser voluntárias, parceiras. Não estamos ali só para ajudá-las, mas elas também nos ajudam, oferecendo oportunidade de participar de um filme, sugerindo pautas para nossas pesquisas, apresentando suas colegas, nos dando conselhos afetivos. Entre as muitas tarefas que elas nos oferecem, ou que nos oferecemos para desempenhar, nos vemos nos tornando efetivas militantes da causa, empenhadas na transformação social, cada uma contribuindo a partir de seu lugar de saber, de fala e de ação.

Da mesma forma que nós, pesquisadoras, vamos ocupando outros espaços e nos tornando também assessoras técnicas, voluntárias, militantes, as prostitutas vão se colocando como produtoras de conhecimento que participam do processo de produção de nossas pesquisas e produções escritas. A construção de espaços diversos de participação em que todas as pessoas atuam e contribuem favorece que elas se sintam também capazes de influenciar os rumos das pesquisas, sugerindo temas, títulos, enfoques, métodos, dentre outros. O reconhecimento dos seus saberes e do seu lugar como sujeitas favorece também que percebam como a sua presença é fundamental para que conheçamos o campo, mas também na nossa formação como sujeitas, profissionais, pesquisadoras. Se antes se mostravam inseguras ao serem perguntadas sobre algumas coisas, passaram a demonstrar conhecimento e a perguntar para mim e para outras pessoas o que estávamos aprendendo, o que tínhamos aprendido até ali. Vi-as pegando papel e caneta para anotar sugestões de títulos, indicando alterações na tese (como a inserção de seus nomes e imagens), questionando atividades que propunha, dentre outras.

O movimento organizado de prostitutas se constitui para as prostitutas como importante espaço de “saída do armário”, com a revelação de sua ocupação, tanto para prostitutas quanto para pesquisadoras, questão fundamental à construção do movimento. Cabe dizer que, mesmo as prostitutas que saem do armário, assumindo para alguém sua ocupação, como Sedgwick relata que acontece com homossexuais, acabam precisando constantemente realizar novas saídas, para outros grupos ou pessoas, e esta revelação gera consequências que podem incluir opressões coletivas e institucionais (Eve SEDGWICK, 2007). É comum, nos estudos sobre prostituição, que se opte pelo uso de nomes fictícios, salvo no caso das lideranças públicas do movimento (SIMÕES, 2010), uma vez que, para além das discussões éticas tradicionais, muitas ocultam sua atividade das pessoas de seu círculo de relações. Durante meu contato com o campo, algumas das prostitutas, principalmente as vinculadas ao movimento social, reivindicaram a inserção de seus nomes (de registro ou de trabalho) e/ou a inserção de fotografias com elas. Uma das prostitutas viveu uma situação difícil com seu filho, que começou a explorá-la, ao descobrir que se prostituía (embora nunca tenha dito isso diretamente a ela). Certo dia, ela o confrontou: “você está fazendo isso porque descobriu o que eu faço, né, pois pode parar, não interessa a ninguém”. Pegou uma dissertação que foi escrita com base em sua história de vida e dizia “você deveria ler esse livro, para me conhecer melhor, saber quem eu sou. Tem muita coisa aqui que você não sabe, que devia aprender”; “você não tem nem segundo grau e deveria reparar quem são as pessoas ao meu lado, que fazem parte da minha vida, são doutores, pessoas importantes”. O nome se apresenta como mais do que uma forma de identificação, mas até mesmo de troca na relação pesquisadora-pesquisada que favorece processos de agência e de manejo do estigma às sujeitas. A escrita de trabalhos acadêmicos pode, assim, se mostrar como espaço para que possam ter suas trajetórias e histórias reconhecidas e registradas, funcionando como instrumento de luta coletiva e de fortalecimento de identidade pessoal.

Reflexões finais

Muitas vezes me perguntam como faço pesquisa. Como faço para não ter vergonha de falar sobre sexualidade. Para não ter medo de frequentar espaços tradicionalmente escondidos e não frequentados por “boas meninas”. Com certeza, não tenho estas respostas. Não tenho roteiro pronto. Apresento aqui algumas reflexões produzidas ao longo do meu contato com as prostitutas e seus movimentos, durante a minha trajetória.

De aluna de graduação ainda tão inexperiente em trabalhos de campo até a defesa do doutorado, boa parte do que aprendi e de como me constituí como pesquisadora, feminista e pessoa, veio da relação de longo prazo com as prostitutas. Com elas, aprendi a reescrever roteiros de entrevista confusos e cansativos, aprendi que a tarefa a que nos propomos muitas vezes nos impede de conhecer a realidade que está à nossa frente e que mais importante do que qualquer técnica é o estabelecimento de redes. A construção de relações não hierarquizadas e marcadas por trocas constantes é fundamental a um trabalho que seja efetivamente participativo e alinhado às necessidades das populações com as quais trabalhamos, produzimos conhecimento e nos produzimos como sujeitas. Não objetivo, aqui, trazer um mapa, uma receita, uma técnica, não há caminho determinado ou técnica infalível, mas defendo que construir redes de solidariedade e de luta é uma interessante forma de atuação conjunta para a transformação social e este caminho só é possível quando nos abrimos também para nos deixar mudar por ele.

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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: BARRETO, Letícia Cardoso. “Pesquisa feminista e prostituição: tecendo redes de solidariedade e luta”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 3, e77661, 2022.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 13 de Outubro de 2020; Revisado: 23 de Março de 2022; Aceito: 29 de Março de 2022

leticia.barreto@uemg.br; leticiacardosobarreto@gmail.com

Letícia Cardoso Barreto (leticia.barreto@uemg.br; leticiacardosobarreto@gmail.com) é professora de Psicologia Social da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) em Divinópolis, onde coordena o grupo de pesquisa e extensão PIPA-Práticas Interseccionais e Participativas, junto com Mara Salgado. É doutora em Ciências Humanas (UFSC), com área de concentração em estudos de gênero, mestre em Psicologia (Universidade Federal de Minas Gerais), com área de concentração em Psicologia Social, e psicóloga

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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