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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.1 Florianópolis  2023  Epub 01-Jan-2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n177926 

Artigos

Desde casa, desde berço, desde sempre”: violência e mulheres em situação de rua

Since home, since the cradle, since forever”: violence and homeless women

Desde casa, desde la cuna, desde siempre”: violencia y mujeres sin hogar

Iara Flor Richwin1  , Concepção, pesquisa de campo, coleta e análise de dados, discussão dos resultados, elaboração do manuscrito, redação, revisão
http://orcid.org/0000-0002-9230-9018

Valeska Zanello1  , Concepção, análise de dados, discussão dos resultados, elaboração do manuscrito, revisão
http://orcid.org/0000-0002-2531-5581

1Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Brasília, DF, Brasil. secpsicc@gmail.com


Resumo:

Mulheres em situação de rua sofrem violações e vulnerabilizações específicas e gendradas. Este estudo tem como objetivo examinar as diferentes manifestações e incidências da violência que as atinge. Foram realizadas nove entrevistas aprofundadas e pesquisa de campo de cunho etnográfico. Violências físicas e sexuais revelaram-se os principais deflagradores para a ida para as ruas, mas não sua causalidade, pois incidiram em vidas já devastadas por violências estruturais e interseccionais. O cotidiano nas ruas mostrou-se corroído por violências explícitas e veladas e pela submissão à violência como modo de sobrevivência. Destaca-se que gênero, raça e pobreza são acionados como autorização para a violência sobre os corpos e subjetividades dessas mulheres.

Palavras-chave: situação de rua; mulheres em situação de rua; gênero; violência de gênero; violência estrutural

Abstract:

Homeless women suffer specific and gendered violations and vulnerabilities. This study aims to analyze the different manifestations and incidences of violence that affects them. We conducted ethnographic field research as well as nine in-depth interviews. Physical and sexual violence proved to be the main triggers for going to the streets but not its main cause, since they took place on lives already devastated by structural and intersectional violence. Daily lives on the streets revealed itself as well-worn by explicit and veiled violence and by the submission to violence as a way of survival. It is worth stressing that gender, race and poverty are enacted as authorization for violence on these women’s bodies and subjectivities.

Keywords: Homelessness; Homeless women; Gender; Gender-based violence; Structural violence

Resumen:

Las mujeres sin hogar sufren violaciones y vulnerabilidades específicas y conformadas por desigualdades de género. Este estudio tiene como objetivo examinar las diferentes manifestaciones e incidencias de la violencia que afecta esas mujeres. Fueron realizadas nueve entrevistas en profundidad e investigación de campo de carácter etnográfico. Los datos mostraron que la violencia física y sexual fue el principal factor desencadenante para la situación sin hogar, pero no su causalidad, ya que afectó vidas ya devastadas por la violencia estructural e interseccional. La vida cotidiana en las calles se há mostrado corroída por la violencia explícita y velada y por el sometimiento a la violencia como forma de supervivencia. Es de destacar que el género, la raza y la pobreza funcionan como autorización para la violencia sobre los cuerpos y subjetividades de estas mujeres.

Palabras-clave: situación sin hogar; mujeres sin hogar; género; violencia de género; violencia estructural

Introdução

A população em situação de rua no Brasil sofreu um aumento expressivo nos últimos anos - 140% de 2012 a 2020 -, refletindo a crise econômica e o aumento do desemprego no país (IPEA, 2020). É necessário frisar que o problema da situação de rua não se limita à falta de moradia. As pessoas nessa condição sofrem destituições estruturais dos “capitais econômico, cultural e social” (Igor RODRIGUES; Dimitri FERNANDES, 2020, p. 11) e têm suas vidas atravessadas por violências e estigmatizações. As mulheres em situação de rua, embora constituam um grupo reduzido comparativamente aos homens, têm essas destituições e violências potencializadas pela desigualdade de gênero, que as expõe a maior vulnerabilidade (Clarissa DE ANTONI; Aline MUNHÓS, 2016; Anderson ROSA; Ana Cristina BRÊTAS, 2015). Este artigo tem como problema central uma indagação sobre as múltiplas facetas com que a violência se impõe nas vidas dessas mulheres, conformando suas trajetórias e o viver nas ruas no feminino.

Já é consistentemente documentado pela produção científica internacional o fato de que, entre as mulheres, a violência é um dos principais fatores precipitadores para a situação de rua (Emily ADAMS et al., 2018; Ryan BROLL; Laura HUEY, 2020; Catherine FLYNN et al., 2018; Silke MEYER, 2016; Cris SULLIVAN; Heather BOMSTA; Margaret HACSKAYLO, 2019). A literatura científica brasileira sobre o tema, embora ainda seja escassa, destaca a violência como elemento intrínseco, transversal e determinante nas vidas das mulheres em situação de rua (Priscilla BISCOTTO et al., 2016; DE ANTONI; MUNHÓS, 2016; Maria Teresa NOBRE et al., 2018; ROSA; BRÊTAS, 2015; Iulla SANCHOTENE; DE ANTONI; MUNHÓS, 2019; Márcia Rebeca SOUZA et al., 2016).

Nas trajetórias pregressas à situação de rua, os estudos nacionais apontam, em consonância com a literatura internacional, a alta incidência de abusos e maus-tratos na infância, violência doméstica, violência sexual e violência por parte dos companheiros conjugais (BISCOTTO et al., 2016; ROSA; BRÊTAS, 2015; SANCHOTENE; DE ANTONI; MUNHÓS, 2019; SOUZA et al., 2016). Nas vidas já assentadas nas ruas, essas pesquisas identificaram a persistência da violência física e sexual e da violência perpetrada por parceiros íntimos, além da violência policial e relacionada ao tráfico de drogas (BISCOTTO et al., 2016; NOBRE et al., 2018; ROSA; BRÊTAS, 2015; SANCHOTENE; DE ANTONI; MUNHÓS, 2019; SOUZA et al., 2016).

As formas de violência física e sexual são mais nítidas e mais pregnantes. Elas estão estampadas nos corpos das mulheres em situação de rua (ROSA; BRÊTAS, 2015; SOUZA et al., 2016) e recebem maior foco das produções científicas. Contudo, como ressaltado por Bourgois (2009), a violência física constitui somente a parte visível de um problema mais profundo e complexo, e ela frequentemente nos distrai das formas mais escamoteadas da violência.

A violência não é uma categoria transparente (Michel MISSE et al., 2012), mas um conceito escorregadio, enganoso e não linear, cujos significados são conformados por suas dimensões socioculturais (Nancy SCHEPER-HUGUES; Philippe BOURGOIS, 2017). Portanto, de modo a trazer aportes para esse campo de pesquisas, a análise sobre a violência enfrentada por mulheres em situação de rua requer ir além de sua fisicalidade e de suas feições evidentes, demandando um exame de suas opacidades e de suas diferentes formas de manifestação, ação e reprodução em contextos específicos. Nesse sentido, é necessário levar em consideração tanto as violências episódicas, diretas e visíveis, quanto a “violência estrutural”, relacionada aos efeitos patogênicos das desigualdades sociais (Paul FARMER, 2017). No Brasil, um dos poucos estudos que investigaram a violência estrutural na vida de mulheres em situação de rua foi a pesquisa de De Antoni e Munhós (2016).

Segundo Farmer (2017), a categoria de violência estrutural busca compreender os mecanismos sociais - da pobreza ao racismo - por meio dos quais o sofrimento ganha corpo em experiências individuais. Isto é, essa categoria aplica-se à compreensão dos sofrimentos estruturados por forças e processos históricos e sociais, que são responsáveis por determinar quem sofre e quem é protegido dos danos e iniquidades (da fome e doenças até a tortura e o estupro), bem como quem terá ou não suas ações e escolhas limitadas pelo racismo, sexismo, pobreza e violência política (FARMER, 2017). A violência, portanto, opera ao longo de um continuum que inclui desde suas formas mais visíveis, como as agressões físicas por parceiros íntimos ou o estupro, até as violências estruturais denunciadas por Farmer, que são invisibilizadas e podem ocorrer em instituições e espaços normativos (SCHEPER-HUGUES; BOURGOIS, 2017).

É importante ressaltar que a violência estrutural, no Brasil, está atrelada ao processo histórico de colonização do país (Silvio ALMEIDA, 2019; Abdias NASCIMENTO, 2016), marcado pela escravização da população negra, trazida de diversas nações do continente africano, bem como pelo extermínio dos povos originários. O sistema colonial e escravagista constitui o “repositório amargo” (Achille MBEMBE, 2017) da sociedade brasileira, seu elemento constitutivo e estruturante. Dessa maneira, o fator racial ainda é fortemente ligado à marginalização social, econômica e cultural na sociedade brasileira, que captura as pessoas negras em um círculo vicioso de discriminação e exclusão (NASCIMENTO, 2016), e que se manifesta, também, por meio de especificidades gendradas, ou seja, em um racismo gendrado ou em um sexismo racializado (Lélia GONZALEZ, 2020; Grada KILOMBA, 2019).

Diante das discussões apresentadas, este artigo tem como objetivo examinar a ação das violências nas vidas de mulheres em situação de rua em uma capital brasileira,1 observando não apenas sua fisicalidade e manifestações visíveis, mas, também, suas formas estruturais e invisibilizadas e suas incidências em diferentes momentos e dimensões das experiências de vida.

Método

Este estudo é parte de uma pesquisa mais ampla,2 que buscou analisar as vidas de mulheres em situação de rua a partir da perspectiva epistemológica dos estudos de gênero e saúde mental. A pesquisa orientou-se pela metodologia clínico-qualitativa (Egberto TURATO, 2018), que consiste em uma articulação entre métodos clínicos e teorias epistemológicas de pesquisas sociais. Segundo Turato (2018), o método clínico-qualitativo intenciona oferecer escuta e acolhimento a sofrimentos subjetivos e, a um só tempo, investigar diferentes fenômenos em suas significações psicológicas e psicossociais.

A pesquisa com mulheres em situação de rua, cujas vidas foram moldadas por repetidas perdas, violências e discriminações, impõe desafios singulares e tem no desenvolvimento da confiança e colaboração um aspecto delicado e essencial (Shoshannah WILLIAMS; Georgina DREW, 2020). Para lidar com essa complexidade, a postura ético-metodológica adotada em nossa pesquisa de campo aproximou-se da abordagem etnográfica. Ao implicar uma aproximação paciente, continuada e prolongada (Mauricio SOUZA, 2015) e uma intensa vivência no próprio contexto social pesquisado (Cris ANDRADA, 2010), a etnografia apresenta um potencial de ensejar uma vinculação aprofundada com as mulheres e de possibilitar maior proximidade à sua vida cotidiana, às suas relações e a seu “universo afetivo-existencial” (Edward MacRAE, 2004, p. 31). Além disso, a escolha por aproximarmo-nos da abordagem etnográfica fundamentou-se no fato de que, embora esse acercamento exija cautela e seja atravessado por limites, ele tem se mostrado pertinente e fecundo para o estudo de questões investigadas pela psicologia (ANDRADA, 2010; SOUZA, 2015). Destaca-se, ainda, que essa aproximação se nutre de certa confluência entre a postura psicossocial e a postura etnográfica, uma vez que ambas implicam, em certa medida, “um giro de corpo e de alma na direção do ‘outro’, reconhecendo os imperativos da diferença e da distância (...), mas expondo-se inteiramente a ter com ele uma experiência largamente significativa (...) capaz de engendrar novas compreensões sobre o que se quer conhecer” (ANDRADA, 2010, p. 5).

Nessa perspectiva, de março de 2019 a maio de 2020, uma das pesquisadoras frequentou a região central de uma capital brasileira, onde se concentram pessoas em situação de rua,3 de duas a três vezes por semana, em diferentes momentos do dia. Essas incursões duravam cerca de três horas e consistiam em andar, observar, conversar com as pessoas e interagir em diferentes situações, tanto cotidianas (refeições, lavar as roupas, ver filmes) quanto mais esporádicas e festivas (festa junina, festa de fim de ano). Foram feitas 78 incursões em campo, totalizando cerca de 270 horas de pesquisa.4 Após cada incursão, as experiências e impressões foram registradas em áudios, que, degravados, compõem o caderno de campo da pesquisa.

Nesse processo, identificamos entre as mulheres uma demanda de atenção e cuidado à saúde mental. Assim, de forma alinhada ao método clínico-qualitativo e à indissociabilidade entre investigação e intervenção social (Michel THIOLLENT, 2011), também oferecemos intervenções psicológicas, acolhimento e escuta qualificada.

Após seis meses de pesquisa, deu-se início à realização de entrevistas, com o objetivo de complementar e aprofundar as percepções e reflexões provenientes da imersão no campo. Os critérios de eleição das participantes das entrevistas foram: 1) proximidade e vínculo significativo com a pesquisadora; e 2) interesse e disponibilidade da mulher em situação de rua. Em virtude da eclosão da pandemia de covid-19 em 2020 e da impossibilidade de contatos próximos na pesquisa de campo, o processo foi interrompido depois da nona entrevista. Portanto, foram realizadas nove entrevistas aprofundadas, com roteiro semiestruturado, que tiveram duração média de uma hora e meia. Buscamos ensejar a narrativa livre das mulheres sobre sua vinculação com as ruas; suas vivências cotidianas; suas relações interpessoais e sociais; e suas percepções e significações sobre suas experiências de vida. As entrevistas foram realizadas após explicação sobre a pesquisa e leitura conjunta do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Com anuência das mulheres, as entrevistas foram gravadas, exceto uma, que foi registrada por escrito ao longo de sua realização, pois a entrevistada disse não se sentir à vontade para falar diante do gravador. Todas as mulheres registraram seu consentimento mediante assinatura do TCLE, ou sob a forma sonora, na gravação da entrevista.

Destaca-se que a condução das entrevistas foi qualificada pela intimidade construída pelo “estar junto” dessas mulheres em campo, contínua e repetidamente. Conversando sobre tudo e qualquer coisa, sentadas em suas cobertas. Ouvindo músicas e rememorações. Esperando a sopa da noite. Vendo algumas usando suas drogas e outras vendendo-as. Maquiando-se. Enfrentando a burocracia para tirar documentos. E escutando os sofrimentos e dores: aquelas do dente, do amor não correspondido, ou do filho arrancado.

Nossa análise centrou-se nas vidas das nove mulheres entrevistadas e teve como corpus as entrevistas e o caderno de campo degravados. Também aqui nossa postura se aproximou da abordagem etnográfica, uma vez que não buscamos fazer uma análise individualizante, focada em supostos sujeitos isolados de seu contexto social. Ao contrário, assim como propõe o método etnográfico, buscamos apreender as subjetividades e experiências das mulheres a partir de seu enquadramento social, entendendo que mesmo seus sentimentos e emoções mais íntimas são “fatos sociais” (Claudia FONSECA, 1999), continuamente configurados e moldados pelas relações e pelo meio sócio-histórico, político e cultural (David LE BRETON, 2009).

Para a “decantação” (ANDRADA, 2010), organização e categorização dos dados oriundos tanto das entrevistas quanto dos cadernos de campo, usamos a análise de conteúdo (Laurence BARDIN, 2016), particularizada para o método clínico-qualitativo (TURATO, 2018). A primeira etapa consistiu em imersão nos dados e impregnação dos conteúdos (TURATO, 2018). O corpus dos dados foi lido pelas duas pesquisadoras, separadamente, o que possibilitou o posterior cotejamento das impressões, conformadas de modo independente. Na segunda etapa, os dados foram submetidos a uma minuciosa codificação temática, conforme os “núcleos de sentido” emergentes (BARDIN, 2016). A terceira consistiu na categorização dos dados pelo critério de reincidência dos tópicos emergentes e de relevância, que não é estatística, mas se refere à importância do dado para a investigação em curso (TURATO, 2018). A construção das categorias foi embasada pelo agrupamento dos dados a partir de seus aspectos comuns e de sua coesão; pelas diferenciações entre os conjuntos de temas; e pelo enquadre teórico dos estudos de gênero (BARDIN, 2016; TURATO, 2018). Esse processo resultou na organização dos núcleos temáticos em quatro categorias: 1) Violências e vidas precarizadas; 2) Maternidade; 3) Intensidade das relações afetivas; e 4) Sobrevivência, resistência e fruição. Ressaltamos que, diante da profusão do material, este artigo se restringe à análise e à elaboração apenas da primeira categoria. As demais estão em desenvolvimento e serão apresentadas em trabalhos futuros.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciência Humanas e Sociais da Universidade de Brasília (CAAE: 13547419.7.0000.5540/nº parecer: 3.423.417). Os nomes utilizados são fictícios e nenhum dado que facilitasse a identificação das mulheres foi revelado.

Resultados e discussões

A análise dos dados evidenciou a presença da violência ao longo de toda a trajetória das mulheres entrevistadas, sob múltiplas formas e incidindo em diferentes dimensões de suas vidas. Para fins didáticos, a discussão foi dividida em dois temas principais, que apareceram com maior saliência: 1) “Ruas como refúgio: violências deflagradoras e vidas precarizadas”; e 2) “Cotidianos corroídos: violências explícitas, violências veladas e submissão à violência como modo de sobrevivência”.

O primeiro tema discute os contextos e as violências deflagradoras que operaram na transição das mulheres à situação de rua e busca compreender as precarizações e constrições impostas às suas trajetórias e possibilidades de vida, tanto na infância e adolescência quanto na vida adulta. O segundo tema faz uma descida ao cotidiano (Veena DAS, 2020) e analisa as violências que as mulheres enfrentam no dia a dia da vida em situação de rua, desde as visíveis e explícitas às mais veladas e enganosas.

As mulheres entrevistadas apresentavam as seguintes características sociodemográficas: Tarsila tinha 38 anos, cursou até a 8ª série do Ensino Fundamental (EF) e declarou-se “morena, parda”; Isabel tinha 36 anos, ensino médio completo e disse ser “parda, café com leite”; Bethânia tinha 35 anos, estudou até a 5ª série do EF e declarou-se “branca”; Consuelo tinha 41 anos, parou de estudar na 5ª série do EF e disse que era “branca, isso é queimado de sol mesmo”; Rita tinha 30 anos, cursou até a 4ª série do EF e se definiu como “morena, né, parda”; Diva tinha 60 anos, ensino fundamental incompleto e declarou-se “parda”; Elis estava com 58 anos, estudou até a 4ª série do EF e disse ser “parda”; Cora tinha 32 anos, 4ª série do EF, e se definiu como “morena”; e Tina tinha 34 anos, ensino fundamental incompleto e declarou-se “negra”.

“Ruas como refúgio: violências deflagradoras e vidas precarizadas”

Bethânia, Consuelo e Diva começaram a viver nas ruas na pré-adolescência; as irmãs Cora e Rita, antes dos dez anos de idade. As histórias dessas cinco meninas evidenciam infâncias e adolescências precárias que, somadas a violências precoces, resultaram na situação de rua antes da idade adulta.

Além da pobreza em sua família, Bethânia sofria violência física e sexual, perpetrada por seu irmão. Quando tentou falar com seus pais sobre isso, recebeu o descrédito e a acusação de que ela estaria prejudicando o irmão com essas afirmações. Diante da violência sofrida e dos conflitos familiares, Bethânia foi para as ruas: “É o maior desacerto. (…) Por isso que eu prefiro a rua”.

Consuelo sofria “maus-tratos dentro de casa”: “ela [mãe] judiava muito de mim… mandava comprar uma carteira de cigarro (...) Se você não chegava, né, era um cabo de vassoura na cabeça”. Tentando escapar dessa situação, Consuelo, aos 13 anos, arranjou um “serviço”. Mas se viu presa em uma situação análoga à escravidão. Ela trabalhava no cuidado da casa e de duas crianças da manhã até a noite, sem qualquer remuneração: “E ali começou, como eu posso dizer? Quando uma pessoa é escravizada, né? Ficava segurando ali com medo, doida pra voltar pra casa, mas com medo dos maus-tratos”. Em uma das raras vezes em que foi “liberada” para sair, Consuelo foi estuprada em uma festa junina, o que fez com que fosse expulsa do “serviço”: “Foi quando eu fui conhecer a rua. (...) quando aconteceu esse fato do abuso, né, não me aceitaram”.

Cora e Rita fugiram da fome e da violência cometida pelo pai: “a gente com fome, que meu pai deixava a gente sem nada lá em casa (…) Meu pai batendo na minha mãe, tirando sangue, eu vi muito sangue da minha mãe” (Rita). Cora revelou como essa violência era psiquicamente insuportável: “Então eu senti aquilo ali muito perturbante na minha cabeça, esperei eles só dormir e peguei o beco. O dia que eu resolvi sair foi... ah, eu vou sair fora porque não dá, não”. A situação “perturbante”, segundo Cora, era a “‘sanguaceira’ da minha mãe saindo, ele [pai] tirando sangue da minha mãe e eu vendo aquilo. De bater de martelo, facão, fio... minha mãe tinha duas costelas quebradas, clavícula deslocada, ela era cega dos dois olhos, que foi ele que...”.

Diva, quando criança, perdeu seus pais e foi obrigada a viver com um irmão paterno, que a maltratava e discriminava racialmente: “Tinha raiva de mim. Disse que minha mãe era negra. Aos 13 anos de idade, foi estuprada em um descampado: “Fiquei desacordada. Aí quando eu acordei e voltei a si, e vi que tava sem a parte de baixo, aí eu corri, catei minha calcinha no chão, suja de sangue, de madrugada”. Com medo de ser julgada e estigmatizada pela violência sofrida, Diva fugiu para outra cidade - “Aí que foi que eu tive que fugir mesmo!!! No Piauí não tem disso não, sabe?” -, ficando em desabrigo.

As outras mulheres, Tarsila, Isabel, Elis e Tina, passaram a viver em situação de rua já adultas. Como nos casos das meninas, todas apontaram a violência de gênero como o evento disruptivo que as levou a essa situação. Tarsila contou que seu ex-marido tentou matá-la por ciúmes e que morar na rua foi sobrevivência, um jeito de escapar da morte, que sempre esteve entrelaçada em suas relações amorosas: “Não foi a primeira vez que eu escapei da morte na mão de homem. Todos os meus ex-maridos e namorados me agrediam, um deles me pegava era de facão”.

Elis também nos disse que morar nas ruas foi o jeito que encontrou de conseguir viver - não fisicamente, mas psiquicamente - após sua filha ter sofrido um feminicídio. Ela contou que essa filha mantinha uma relação amorosa com uma mulher casada e que, quando o marido descobriu o caso, ele mutilou seus seios e matou-a de forma atroz. Desde então, Elis passou a viver nas ruas, onde está há mais de 20 anos: “[Eu] tava com raiva de mim mesma, vontade de tomar veneno, sabe? Eu desorganizei da vida... Larguei tudo, aí vim pra rua”.

Isabel, que disse que a violência sempre foi presente em sua vida, “desde casa, desde berço, desde sempre”, relatou que saiu de sua cidade natal para acompanhar o namorado. Chegando ao novo destino, ele deixou-a de “mala e cuia”. Sem nenhum apoio na cidade, ela passou a viver nas ruas.

Tina contou que a primeira vez que ficou em situação de rua foi após ter perdido sua mãe. Ela conseguiu se reorganizar e ter uma moradia, mas, diante da violência de seu ex-marido, voltou às ruas: “Quase me matou, minha filha, quase quebrou, machucou minha coluna todinha. (...) Me espancava que nem uma cachorra. Saí quase morta.

O caso de Isabel foi o único em que não houve uma violência física como evento deflagrador, mas sua condição de viver nas ruas também foi desencadeada pelas desigualdades de gênero e pelos laços de domínio, subjugação e violências subjetivas que envolvem muitas mulheres em suas relações amorosas (Valeska ZANELLO, 2018). Nas demais histórias, observamos como as violências físicas e gendradas - atravessadas por relações de poder dissimetricamente distribuídas entre homens e mulheres e cometidas por masculinidades agressoras (ZANELLO, 2019) - levaram as mulheres a buscarem nas ruas um refúgio5 (cf. Tomas MELO, 2016) e uma forma de sobreviver, física e psiquicamente.

A constatação das violências físicas e sexuais como principal fator deflagrador para a transição de mulheres à situação de rua já tem sido documentada pela literatura científica sobre o tema. Contudo, ainda é necessária uma exploração da diferença entre evento deflagrador e causalidade. As falas das mulheres entrevistadas revelam que essas violências não foram a causa absoluta da transição para as ruas, mas funcionaram como uma faísca que, embora forneça a ignição para o desencadeamento do processo, só promove a combustão se houver material de queima, como estopa e querosene. Assim, cabe agora analisar os elementos que funcionaram como combustível para o processo de transição ou cronificação da situação de rua.

Na infância e adolescência, esse combustível mostrou-se relacionado com três dimensões principais: 1) pobreza, desamparo social e desproteção da infância por parte do Estado; 2) trabalho infantil e responsabilização pelo cuidado; e 3) evasão escolar.

Os recortes das histórias da infância e adolescência reproduzidos anteriormente revelam que a violência que atravessou as vidas das meninas não se encerra na “sanguaceira”, nos estupros ou no corpo materno mutilado. As próprias situações de fome e pobreza que elas vivenciavam evidenciam uma forma de violência que, embora menos transparente, também é destrutiva. Diante de impossibilidades, negligências e violências nos ambientes familiares (que refletem problemas sociais estruturais), restou às meninas a vida nas ruas porque o Estado não efetivou seu dever de protegê-las integral e prioritariamente, garantindo seu desenvolvimento em condições de dignidade (Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 3º - BRASIL, 2019).

Cora, Rita e Consuelo chegaram a passar por unidades de acolhimento institucional, que não foram efetivas em acolhê-las, vinculá-las e protegê-las, promovendo seu desenvolvimento. Rita relatou que ela e a irmã não se sentiam bem nessas unidades e sempre fugiam: “a Kombi do conselho tutelar toda hora atrás da gente, vinha pegava nós, levava pra lá, aí nós ia e fugia, aí voltava e fugia”. As repetidas fugas das irmãs podem ser mais bem compreendidas se observado o fato de que instituições de acolhimento, muito frequentemente, reproduzem um racismo institucional que promove graves situações de discriminação, humilhação social, suspeita e repulsa sobre as crianças e adolescentes (Márcia EURICO, 2018).

Os dados revelaram que muitas meninas foram envolvidas em trabalhos precoces: trabalhos urbanos informais e atividades ilícitas, trabalho análogo à escravidão, trabalho “na roça” e trabalho doméstico. Cora e Rita disseram que, desde muito pequenas, vigiavam carros e faziam outros “corres”: “Eu perdi minha infância assim (…) vigiar carro, trabalhar” (Rita). Cora buscou na prática infracional não apenas uma forma de sobreviver, mas de ajudar sua mãe: “Já comecei a roubar, aprontar, daquele tamanho. Completando 10 [anos] peguei meu primeiro roubo numa loja… já tava fazendo aquilo pra poder ajudar, pra comprar o óculos dela, o exame de vista. Já encontrei várias vezes a despensa vazia, cara, e minha mãe com fome em casa”.

Depois que seus pais morreram, Diva passou a ser explorada pelo irmão: “Cheguei na roça, caí dentro da roça, trabalhando na enxada, catando arroz, catando milho, catando feijão. Além disso, por volta dos 12 anos de idade, antes de fugir por ter sido estuprada, Diva começou a trabalhar como empregada doméstica em casa de terceiros. Consuelo fazia os serviços domésticos em sua própria casa, antes de escapar da situação de maus-tratos para o contexto de trabalho análogo à escravidão. Como sua mãe tinha um problema de saúde, Consuelo teve de assumir, ainda criança, o cuidado da casa, da mãe e das outras crianças: “Se eu falar pra você que eu tive infância de brincar com a boneca... Minha infância foi cuidar de uma casa, uma pia cheia de louça, trouxa pra lavar”.

Como revelam as falas de Rita e de Consuelo - “eu perdi minha infância”, “minha infância foi cuidar...” -, o trabalho infantil sequestra infâncias, expõe as meninas a riscos físicos e sociais, impede seu adequado desenvolvimento biopsicossocial e prejudica o processo de educação (BRASIL, 2014). A maioria das mulheres que entrevistamos parou de estudar nas 4ª e 5ª séries do ensino fundamental. Em alguns casos, devido às violências gendradas, como Cora e Rita, que saíram da escola quando passaram a viver nas ruas, fugindo das violações sofridas e testemunhadas. Em outros casos, a evasão escolar se deu em decorrência do trabalho infantil e da divisão sexual do cuidado e dos afazeres domésticos, como mostra o relato de Consuelo: “quando eu saía pra ir pra escola eu ficava olhando minha mãe gemendo em cima da cama, aí eu voltava pra cuidar dela”. Destaca-se, assim, que os próprios fatores precipitadores para a evasão escolar também foram conformados pelas desigualdades de gênero.

Outro aspecto destacável das dimensões gendradas da evasão escolar é sua relação com a violência física e sexual, que é revelada de forma emblemática por Bethânia. Sofrendo as surras e investidas sexuais do irmão - “batia muito de pau, de fio, e me machucava muito (...) tentou me bolinar” -, sem o apoio e proteção dos pais, ela estava em processo de acentuado sofrimento psíquico. Desde então, passou a sentir nojo de si, uma sensação de estar sempre suja, que perdura até hoje: “pra mim eu não tô limpa”.

Nesse processo, Bethânia começou a apresentar dificuldades na escola, pediu ajuda, mas, novamente, não foi ouvida: “tem algumas matérias que não entram na minha cabeça. Quando eu ia forçar muito, a cabeça doía. A professora explicava na sala toda, né? [Eu] tinha dificuldade. Aí quando eu ia pedir para ela me ajudar, só eu e ela, ela não me ajudava, pô! Aí eu saí doida”. O sistema escolar não forneceu o suporte, as relações de confiança, as experiências positivas de aprendizagem e os recursos singularizados de que Bethânia precisava. Como apontam Alex Pessoa et al. (2017), quando isso ocorre, as dificuldades enfrentadas na escola por estudantes que sofreram violência sexual acabam produzindo prejuízos em outros aspectos de suas vidas e contribuindo para a evasão escolar.

Portanto, as dimensões da desproteção social, do trabalho infantil e da interrupção da escolarização tiveram papel central na precarização das vidas das meninas e na transição (e cronificação) para a situação de rua. O trabalho infantil e a evasão escolar impediram que elas desenvolvessem suas capacidades em pleno potencial, fechando caminhos, estreitando perspectivas, restringindo possibilidades identificatórias e negando advires. Destaca-se a precocidade com que a divisão sexual do trabalho e do cuidado começou a agir nas vidas dessas mulheres, revelando como as violências estruturais são exacerbadas quando se manifestam em suas facetas gendradas.

Na idade adulta, também se destacaram três dimensões relacionadas à precarização e às constrições da vida, que funcionaram como combustível do processo que desembocou nas ruas como refúgio: 1) ineficiência das redes socioassistenciais e de proteção às mulheres; 2) trabalhos precários e dificuldades de geração de renda; e 3) envolvimento em atividades criminais e encarceramento.

Pesquisas sobre o enfrentamento à violência contra a mulher destacam a importância da rede socioassistencial e de proteção que, quando atua de forma integrada e qualificada, constitui fator de proteção para a saúde mental, diminui as chances de revitimização (Letícia VIEIRA et al., 2015) e contribui para o resgate de potencialidades e da autonomia (Scheila KRENKEL; Carmen MORÉ, 2017). No entanto, estudos têm mostrado que essa rede frequentemente é inefetiva, principalmente por funcionar de modo fragmentado; ter pouca acessibilidade e proximidade à realidade das mulheres (VIEIRA et al., 2015); e por não implementar medidas eficazes de habitação e trabalho (KRENKEL; MORÉ, 2017). Essas limitações levam muitas mulheres, como as de nossa pesquisa, a terem a vida nas ruas como única forma de sobrevivência.

Todas as mulheres referiram históricos de trabalho informal, precarizado e mal remunerado. Além disso, a maioria dos trabalhos mostrou-se centrada em atividades de cuidado, limpeza e serviços domésticos, tarefas historicamente desvalorizadas e naturalizadas como competências femininas, principalmente de mulheres negras (GONZALEZ, 2020). Tarsila disse já ter trabalhado em “casa de família”. Diva, Tina e Bethânia trabalharam com “limpeza” e “faxinas” e Elis teve experiências como “babá, doméstica”. Assim, tanto no que diz respeito ao trabalho não remunerado (como discutido na fase da infância e adolescência) quanto ao trabalho remunerado, a divisão racial e sexual do trabalho (GONZALEZ, 2020) e as restrições impostas por gênero, classe social e raça ativaram desvantagens e modularam suas trajetórias de vida (Flávia BIROLI, 2018).

Essas trajetórias foram marcadas por limitações de escolhas, obstáculos e imposição de responsabilidades, culminando em uma situação de precariedade, dificuldades para suprir as necessidades básicas e restrição da autonomia (BIROLI, 2018; IPEA, 2011). Certamente, essa modulação específica de suas trajetórias também contribuiu para a transição ou cronificação da situação de rua, uma vez que restringiu suas possibilidades de sobrevivência e independência. Como disse Diva: “Infelizmente, eu parei aqui pra ver se conseguia pelo menos um emprego, mas só consegui ruindade, deficiência” [em virtude de um atropelamento].

Diante da estreiteza de possibilidades de geração de renda, muitas mulheres relataram práticas ilícitas. Esse envolvimento criminal feminino, além de ser uma resposta à situação de precariedade e oportunidades reduzidas, frequentemente tem a influência do parceiro amoroso, como revela o caso de Isabel: “Nos aproximamos, e ele era assaltante e aí que que acontece? É o seguinte: fui presa de novo”. O processo de subjetivação das mulheres no contexto brasileiro atual, pensado por Zanello (2018) por meio da categoria de dispositivo amoroso, leva-as a um centramento na relação amorosa, que constitui seu principal foco de investimento afetivo, alvo de dedicação quase exclusiva. Assim, embora também esteja envolvida certa agência e exercício de poder, muitas mulheres participam de atividades criminosas em virtude dos elos de domínio, dependência, heterocentramento e sacrifício (ZANELLO, 2018) na relação amorosa com parceiros envolvidos no crime (Mariana BARCINSKI; Sabrina CÚNICO, 2016).

Dentre as nove mulheres entrevistadas, seis já foram encarceradas. À primeira vista, essas prisões podem parecer simples e justa consequência do envolvimento criminal. Contudo, faz-se necessário problematizar essa causalidade simplista a partir do que Loïc Wacquant (2015) denominou de “prisões da miséria”: um modelo punitivista neoliberal que se traduz em buscar na polícia, tribunais e prisões as soluções para conter os desastres causados pelo desemprego em massa, pela disseminação do trabalho precário, pela pobreza e pela redução da proteção social.

Não se trata de defender que as mulheres que foram encarceradas são apenas vítimas passivas e inocentes. Todas reconhecem, até com certo orgulho e sentimento de protagonismo (BARCINSKI; CÚNICO, 2016), que se envolveram no tráfico, furtos ou “assalto à mão armada”. Mas isso se deu em uma trajetória de exclusões, violências, desproteção social e destituição de direitos e necessidades básicas, como mostra a seguinte fala de Bethânia: “eu via meu filho pedindo leite sem eu poder fazer nada. Aí eu falei: ‘Ah, vou vender é droga!’. Aí comecei a vender droga”. Portanto, o encarceramento exclui, majoritariamente, mulheres que já eram socialmente excluídas (BARCINSKI; CÚNICO, 2014).

Essa dupla exclusão do encarceramento promove efeitos de aniquilação subjetiva (BARCINSKI; CÚNICO, 2014), de “mortificação ou mutilação do eu” (Erving GOFFMAN, 2005, p. 49), restringindo ainda mais as possibilidades de inserção e construção de novos destinos. Ademais, as mulheres são duplamente penalizadas, pois, além de transgredir a lei, violam também as prescrições e estereótipos de gênero, como a docilidade, a passividade, a dependência e a fragilidade (BARCINSKI; CÚNICO, 2014).

Ao longo do aprisionamento em uma instituição marcadamente androcêntrica, as mulheres enfrentam maiores restrições e interdições corporais, além do abandono e solidão (BARCINSKI; CÚNICO, 2014), que foi expressado por Bethânia: “É cabuloso. Só minha mãe ia lá ó, ela ia um mês .... Às vezes ela ia uma vez no ano”. Além disso, o encarceramento continua a produzir efeitos deletérios mesmo depois de cumprida a pena. Bethânia sempre se mostrava apreensiva com as ameaças de morte que recebeu na prisão. Isabel, em sua primeira temporada na cadeia, deu início à vinculação com o crack, mesma droga cujo porte, posteriormente, levou à sua segunda prisão, e que até hoje tem um caráter abusivo e problemático em sua vida: “A mina pegava maconha, enrolava e botava no crack. E então eu fui gostando. Saí da cadeia fumando. E até hoje eu gosto de fumar”.

Em síntese, os dados revelam que, se as ruas se apresentaram como o único ou melhor refúgio diante de brutais violências de gênero, isso se deu em um contexto em que já havia a presença constante de violências de outra ordem, relacionadas a estruturas arraigadas no contexto social brasileiro e a forças e processos históricos e sociais de larga escala (FARMER, 2004). Tanto na infância e adolescência quanto na vida adulta dessas mulheres, observa-se o funcionamento de uma matriz de opressão, composta pelas encruzilhadas do racismo, sexismo e capitalismo, produtora de contínuas violências estruturais e interseccionais (Carla AKOTIRENE, 2019). Essas violências se atualizaram nas vidas singulares na forma de bruscas restrições das ações, escolhas, possibilidades identificatórias e até dos sonhos das mulheres (FARMER, 2004), promovendo uma constrição material, existencial e simbólica tão acentuada que a vida nas ruas passou a ter o estatuto de refúgio.

Além das violências relacionadas ao gênero, também se destaca a violência do racismo. Das nove mulheres entrevistadas, sete identificaram-se como negras (pretas ou pardas). Algumas relataram situações explícitas de racismo em suas vidas, como Diva, que foi discriminada pelo irmão, e Rita, que não foi batizada pela madrinha “porque eu era preta”. No entanto, é preciso salientar que, mesmo aquelas que não o mencionaram, certamente foram atingidas pelo racismo, uma vez que ele é constitutivo e organizador das dimensões econômicas e políticas da sociedade (ALMEIDA, 2019). “O racismo é sempre estrutural”, diz Almeida (2019), e é ele que fornece o “sentido, a lógica e a tecnologia” (p. 15) para a reprodução da desigualdade.

Por fim, também se faz necessário reiterar o papel do poder público que, seja por ações ou omissões, incorre em reproduções de desigualdades e exclusões que também constituem violência. Assim como os atos de violência explícita, ela deve ser revelada e nomeada, de forma a romper com sua normalização e rotinização (Akhil GUPTA, 2012). Trata-se, segundo Judith Butler (2016, p. 55), de uma “violência legalizada” e politicamente induzida, que atinge vidas que não são reconhecíveis como vida e, portanto, que não são passíveis de luto.

Talvez, se as redes socioassistenciais e de proteção tivessem funcionado efetivamente, Bethânia, Cora, Rita, Isabel, Consuelo, Diva, Tina, Tarsila e Elis poderiam ter buscado refúgio em lugares menos inóspitos e violentos do que as ruas e poderiam ter construído outros destinos e possibilidades existenciais. Mas não houve apoio, proteção ou oportunidades para essas mulheres, cujas vidas, por não serem consideradas lamentáveis e valiosas, foram precarizadas e expostas à pobreza, à privação de direitos e necessidades básicas, a violações e à morte (BUTLER, 2016). Fugindo das violências, as mulheres continuaram enfrentando-as cotidianamente no contexto das ruas, como será desenvolvido a seguir.

“Cotidianos corroídos: violências explícitas, violências veladas e submissão à violência como modo de sobrevivência”

Isabel disse que sua vida anterior à situação de desabrigo, na qual a violência esteve presente desde o berço, foi o preparatório para a vida nas ruas: “era como se eu tivesse sendo preparada para hoje estar aqui. É algo que é inevitável. Ser mulher, viver em rua, das duas uma: ou eu bato ou eu apanho, ou eu mato ou eu morro”. Essa fala sintetiza a transversalidade da violência nas vidas de mulheres em situação de rua (ROSA; BRÊTAS, 2015) e mostra como ela continua ocorrendo de forma exacerbada nesse contexto. As entrevistas e a pesquisa de campo revelaram que essa persistência se dá sob três formas principais: violências físicas e sexuais explícitas, violências veladas e a submissão à violência como forma de sobrevivência.

Quando lhe perguntamos se já foi muito agredida nas ruas, Isabel respondeu: “Muito! Olhe para mim! Sou um soldado, tenho cicatrizes, sobrevivente da guerra”. Em seguida, contou-nos as histórias de algumas dessas marcas: o “crânio afundado” foi consequência de “um barrote, um pau” golpeado por dois homens contra sua cabeça. O nariz é marcado por uma profunda cicatriz, resultado dos 18 pontos que suturaram a mordida de um homem que não aceitou o fato de que ela não estava “a fim de sexo”.

Diva disse que seu ex-companheiro lhe “tirava sangue”: “ele queria me matar ou dum jeito ou de outro”. Para aguentar essa violência, ela disse que usava “tanto crack”, que ficava “torta, babando”. Rita nos mostrou uma cicatriz em sua perna, onde seu ex-companheiro “tocou fogo”. Também nos disse que hoje usa uma prótese dentária, pois seus dentes foram quebrados por esse mesmo homem, e que seu braço é torto, pois foi fraturado por um policial.

Marcas do encontro com a polícia também foram narradas, entre outras, por Bethânia: “um vergão do cassetete deles bem na minha barriga”; e por Juma:6 o “útero todo estourado”, dos chutes de seus coturnos, e as marcas invisíveis mas indeléveis da noite em que “sete policiais militares tiveram livre acesso ao meu corpo. Eu não tinha nem peito. Cada pedacinho do meu corpo sendo rasgado naquela noite”. Elis relatou que a violência policial não se resume àquela que deixa marcas no corpo: “a polícia botando a gente pra sair correndo. Como um bicho, né? Eles tratam a gente como se fosse...”.

A violência sexual atravessou o cotidiano nas ruas de praticamente todas as mulheres. Tarsila contou que, em um carnaval recente, “playboys” saíram de uma boate e tentaram estuprá-la enquanto dormia. Outro exemplo, entre muitos outros, é o de Cora, que gostava de usar sua droga sozinha, de madrugada e, em uma dessas ocasiões, foi atacada por um homem: “Tipo assim, foi pra me dar o ‘gogó’, tá ligado? Pra poder me desmaiar pra poder me estuprar”.

Além dessas violências físicas e sexuais e da violência do Estado exercida por policiais, a análise dos dados mostrou diversas violências veladas que perpassavam o dia a dia das mulheres nas ruas. Elas mostraram-se relacionadas às necessidades e rotinas mais básicas do cotidiano, principalmente à alimentação, às rotinas de higiene e ao sono.

Foi quase unânime entre as entrevistadas a percepção de que a doação de comida era abundante: “À noite eles trazem janta, sopa. O pessoal é muito alimentado aqui” (Consuelo). “As comidas aqui tudo é gostosa que o povo dá” (Tina). Entretanto, essa situação aparentemente satisfatória esconde uma lógica perversa, uma relação excludente entre “comer” ou “dormir sob um teto”. Quando reencontramos Tarsila depois de um tempo sem vê-la, ela contou com orgulho que tinha conseguido “um aluguel”: “Não te falei que eu ia sair da rua?”. Ela narrou o prazer de dormir de novo em uma casa, mas disse que tinha emagrecido muito, pois, nesse período, experienciou o contrário das ruas: “Aqui a gente sempre consegue comida. Lá pelo menos eu tava dormindo debaixo de um teto, mas passei muita fome, era muito difícil me alimentar”. Em um sentido próximo, Diva nos disse: “Eu tô no meio da rua porque é o seguinte: ou pagar [aluguel] ou comer. Se comer e comprar os remédios, não dá pra pagar, e o que sobra é o mínimo. Eu tenho que vir pra rua pra comer”.

Sobre as rotinas de higiene, as mulheres revelaram que elas constituíam um desafio diário, como ressaltado por Diva: “Olha, o banheiro aqui é dificílimo. Você viu, né? Duas, três, eu acho que quatro bostas, cocô, né? [no chão]. Ei, até o cagador dali já tiraram!! Tava podre!!! Na hora que a gente tá acordando, não tem onde fazer!”. Para o banho, as mulheres precisavam se deslocar cerca de dois quilômetros. E os ciclos menstruais, segundo Isabel: “É paia! Mas a gente sempre dá um jeito. Arruma absorvente, ou arruma um... rasga uma roupa.”. Ao longo da pesquisa, ouvimos relatos de que o “jeito” pode acabar em infecções decorrentes do papel higiênico ou tecidos deixados na parte interna da vagina para estancar o sangue.

As noites de sono foram narradas com um sentido oposto ao desligamento, repouso e entrega, que deveriam caracterizar esse momento. Tina disse que era atormentada pelo medo de que seu ex-marido a agredisse enquanto dormia: “fico a noite todinha acordada. Com medo. Às vezes eu tô dormindo assim e acordo assustada, achando que ele tá vindo, querendo me pegar”. Elis falou da incerteza que a acometia nessa hora: “é uma coisa muito difícil, a gente pode amanhecer até morta. Aqui você deita pra dormir e não sabe se vai amanhecer o dia. A gente tem que ficar esperto porque não sabe o que vai acontecer”. Elis e Bethânia disseram que sempre tinham à mão “um pedaço de pau”. Diva contou que precisava “quebrar um litro pra dormir com ele debaixo da minha cabeça”, pois “as facas que eu tinha os PM me tomaram”.

Tarsila disse que buscava dormir sempre perto de algum homem, “mais protegida, sem ter relação, mas deitada do lado”. Essa proteção, contudo, já se mostrou vulnerabilização, quando os homens não aceitaram a falta da “relação” sexual. Rita contou que ter um companheiro amoroso ajudava na hora de dormir: “É muito [perigoso]! É por isso que eu procuro ter uma costelinha pra me defender”. Quando essa companhia faltava, disse que precisava recorrer às drogas: “Aí por isso que, se eu fico sozinha, eu uso cachaça ou a droga pra me dar coragem pra mim ficar na rua! Tem que me dar pelo menos aquela força!”. Essa “costelinha” para defendê-la, entretanto, vinha acompanhada dos mesmos braços que quebraram seus dentes e queimaram sua perna. Identifica-se, assim, o funcionamento daquilo que nomeamos em outro trabalho (Iara RICHWIN; ZANELLO, no prelo) como o “paradoxo da violência-proteção”: diante da ausência de eficientes políticas públicas e serviços de proteção às mulheres, elas precisam desenvolver suas próprias estratégias, o que implica, frequentemente, manter relacionamentos íntimos nos quais são agredidas e exploradas. Como disse Juma: “A mulher que mora na rua precisa escolher seu estuprador, seu agressor, que vai defendê-la de outros agressores e estupradores”.

Portanto, no contexto da vida em situação de rua, muitas mulheres precisam submeter-se a situações de violência como estratégia de sobrevivência. Além do “paradoxo da violência-proteção” discutido acima, isso também foi identificado nas situações de exploração e trabalho sexual, em que muitas mulheres em situação de rua são enredadas precocemente.

Quando precisou fugir de sua cidade no Piauí, prevendo que seria condenada moralmente por ter sofrido um estupro, Diva, aos 13 anos de idade, disse que atravessou o país do nordeste ao sudeste, tendo de se submeter à exploração sexual de caminhoneiros: “Aí foi que eu fugi... pro Rio de Janeiro. Carona. Explorada pelos motoristas. Eles davam carona, mas... eu inocente, sabe? Alegre! E eles ‘Vamos, vamos! Vamos descer, vamos tomar banho, no posto’”. Juma, em um passeio pela rodoviária, chamou a atenção da pesquisadora para um senhor que estava parado perto de um banheiro e que, segundo ela, não era o único que ficava ali, esperando meninas para apalpá-las em troca de pouco dinheiro: “eu cansei de fazer isso quando era pequena e ainda me achava a espertona... me davam 10 contos só pra pegar na minha calcinha. Na época eu achava o máximo! Só mais tarde que entendi a violência que era aquilo”. Essas situações mostram como, desde cedo, as meninas e mulheres em situação de precariedade e desabrigo podem ter seus corpos colocados em um lugar de objetos compráveis e intercambiáveis, em uma situação de violenta e enganosa exploração, que chega até a ser confundida com esperteza.

As possibilidades de trabalho e geração de renda são restritas tanto para homens quanto para mulheres em situação de rua. Contudo, como explicita Tarsila, as desigualdades de gênero fazem com que as mulheres tenham ainda mais restrições: “Pra mulher que tá na rua é muito difícil arrumar trabalho; pra homem é mais fácil, porque eles fazem bicos de pedreiros e outras coisas. Mas, e a mulher? Quem é que vai aceitar uma mulher moradora de rua pra trabalhar na casa dela, pra cuidar dos filhos dela?”. Diante dessas dificuldades, o trabalho sexual se apresenta como uma das “manobras” de sustento e sobrevivência, como ressaltado por Isabel: “Eu acho que fazer programa não é tão ilícito quanto infringir a lei, né?”.

A literatura aponta que a prostituição é frequente nas vidas de mulheres em situação de rua (ROSA; BRÊTAS, 2015; BISCOTTO et al., 2016; Courtney CRONLEY et al., 2016). Ela é motivada, primordialmente, pelo desespero em satisfazer necessidades básicas e, muitas vezes, se dá sob coerção (Curren WARF et al., 2013; Juliet WATSON, 2011). Além disso, segundo Luana Malheiro (2018), a prostituição tem estreita relação com a desvalorização do corpo próprio, resultante das inúmeras violações sofridas: elas entendem ser “possível fazer daquele corpo, já tão descuidado” (p. 235), uma fonte de sustento.

Bethânia contou com pesar que não sabe quem é o pai de seu filho, pois ele resultou de um dos dois estupros sofridos em uma mesma noite, no contexto de prostituição. Consuelo disse que precisou de tempo para conseguir “liberar o corpo” e que a prostituição fazia com que se sentisse “um zé ninguém”. “Até de resguardo”, com o filho recém-nascido, ela teve de se prostituir “pra arrumar dinheiro”. Consuelo também ressaltou os riscos implicados: “a cada carro que eu entrava, passei perigos. Eu saí pra fazer um programa com um rapaz, ele travou a porta do carro, puxou uma chave de fenda... Eu dava um jeito de destravar o carro, podia tá na maior velocidade, eu pulava. Ela disse que já teve de pular também de um viaduto, grávida, para fugir: “se eu não tivesse me jogado, ele tinha me matado”. Na ocasião em que não pôde pular, seu sofrimento foi maior: “Eu fui torturada. Você sabe o que é ser torturada? Até com a parte de baixo do isqueiro, o cara cutucando sua vagina”.

Portanto, nas vidas das mulheres que entrevistamos, a prostituição promoveu sofrimento psíquico e humilhação, submeteu-as a uma situação de violência física e sexual ainda mais acentuada e as expôs à morte. Contudo, essa vulnerabilização pelo trabalho sexual não é sempre transparente em contextos de extrema precariedade e violência (BOURGOIS; Bridget PRINCE; Andrew MOSS, 2004). Para lidar com as premências e necessidades de suas vidas, as mulheres em situação de rua precisam desenvolver mecanismos que também são moldados pelas desigualdades de gênero. Assim, as estratégias para sobreviver e resistir podem ser também modos gendrados de vulnerabilização e violência (FLYNN et al., 2018).

Em suma, o olhar minucioso para o dia a dia das mulheres em situação de rua revela que seu cotidiano é de tal forma corroído (DAS, 2015) pelo continuum de violências que o simples e necessário ato de dormir se transforma em medo e vigilância; comer fica dependente de viver nas ruas; ter um agressor torna-se condição para não ser agredida; e a violência emerge como modo de sobrevivência. Ou seja, mesmo os momentos ordinários podem conter traços de grande violência e sofrimento (DAS, 2015).

Considerações finais

Além de corroborar estudos anteriores na constatação da violência como elemento transversal nas vidas de mulheres em situação de rua, esta pesquisa possibilitou abordar a multiplicidade de suas manifestações e configurações, bem como seus diferentes momentos e dimensões de incidência. Desde as violências físicas, que marcam os corpos das mulheres como os de “soldados sobreviventes da guerra” (como disse Isabel), até formas mais enganosas de violência que, embora invisibilizadas, são igualmente debilitantes e destrutivas. Dois temas principais apareceram com maior saliência e organizaram a análise e discussão.

Em consonância com a literatura, o primeiro tema revelou que as violências físicas e sexuais cometidas por homens apareceram como um evento estreitamente relacionado com a transição das mulheres à situação de rua. Contudo, a análise evidenciou que essas violências não constituíram uma causalidade absoluta, mas o elemento deflagrador que agiu sobre contextos que já estavam prestes a colapsar. Esses contextos anteriores à ida para as ruas mostraram-se marcados pela ação de violências estruturais e de múltiplas formas de precarização da existência: fome, pobreza e desamparo social; desproteção da infância; criminalização da miséria; opressões raciais e gendradas; e reprodução das desigualdades e exclusões operada pelas políticas e serviços públicos socioassistenciais de proteção, saúde, educação e trabalho.

Grande parte das mulheres entrevistadas identificou-se como negra ou parda. É importante, portanto, salientar a relação entre a precarização da vida e da possibilidade de existir com a violência estrutural racista e sexista, configurada pelo processo de colonização brasileira, que deixou à margem sobretudo as pessoas negras, sujeitas a diferentes formas de explorações e violações.

Destaca-se, portanto, que se a situação de rua se apresentou para essas mulheres como única ou melhor escolha após terem sofrido brutais violências físicas e sexuais, isso se deu devido à presença constante e ubíqua, em suas vidas, de violências constituídas por macroprocessos históricos e sociais, marcadas pelas opressões de gênero, raça e classe. Os dados revelaram que essas violências estruturais, quando manifestadas em suas declinações gendradas, podem ser ainda mais opressoras e devastadoras. Elas promoveram um estrangulamento material, existencial e simbólico na vida das mulheres de modo tão acentuado que as ruas (um contexto inóspito e marcadamente violento) adquiriram o caráter de refúgio.

A análise do segundo tema mostrou a persistência da violência no cotidiano das ruas, tanto sob a forma de repetições ou reatualizações, quanto sob novas facetas e manifestações. Além das violências físicas e sexuais, o dia a dia das mulheres nas ruas mostrou-se também corroído por violências que se entrelaçam e se escondem nas necessidades e rotinas mais elementares do cotidiano, como alimentação, higiene e sono. Outra dimensão dessa violação do cotidiano foi a submissão das mulheres à violência (nos trabalhos sexuais ou em relações amorosas violentas) como modo de sobrevivência e proteção e como estratégia para suprir suas premências e necessidades básicas diárias.

Em suma, esta pesquisa possibilitou observar que o sexismo e o racismo estruturais expõem as mulheres em situação de rua - cujas vidas não são legitimadas como valiosas e enlutáveis - à desproteção, à fome, a privações e destituições. Essas vidas revelam como gênero, raça e pobreza são acionados como autorização à violência, não apenas sobre seus corpos, mas também sobre suas subjetividades, suas possibilidades de construírem suas vidas e seus advires. Destaca-se que grande parte dessa violência, sobretudo aquela operada pelo poder público, é invisibilizada, tolerada e assimilada à normalidade, apontando para a urgência de que ela seja nomeada e discutida, de forma que produza espanto e deixe de ser naturalizada e aceita.

Como principal limitação do estudo, ressaltamos que os dados revelaram que as mulheres não são apenas vítimas indefesas, completamente submetidas às forças sociais e políticas, ou à violência masculina. Elas também acionam diferentes modos de agência e resistência e criam formas de sobreviver, mesmo nas condições inóspitas dos becos e ruas. Todavia, diante da centralidade da violência em suas vidas, da importância de discuti-la, e do espaço restrito deste texto, essa dimensão não pôde ser aqui desenvolvida, mas será abordada em trabalhos futuros.

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1 Cidade não revelada com o intuito de garantir maior proteção à privacidade e ao anonimato das mulheres que colaboraram com a pesquisa.

2Pesquisa de pós-doutorado realizada pela primeira autora, sob supervisão da segunda autora, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília.

3Informamos que as pessoas em situação de rua que se encontram nessa região não constituem uma população muito numerosa, sobretudo se restringirmos esse universo às mulheres em situação de rua. Dessa forma, para evitar possíveis identificações, optamos por priorizar o cuidado ético e decidimos não revelar o nome da cidade.

4Destacamos a importante colaboração da redutora de danos Juma Santos, que, além de facilitar a vinculação da pesquisadora com as mulheres, contribuiu com seu olhar potente e acurado sobre essa realidade.

5Melo (2016) também trabalha com essa noção, mas em outra perspectiva analítica, que busca compreender as “ruas como refúgio” para as pessoas refugadas pelos processos e rearranjos do “mundo do crime” (p. 13).

6Juma viveu mais de 20 anos em situação de rua.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: RICHWIN, Iara Flor; ZANELLO, Valeska. “‘Desde casa, desde berço, desde sempre’: violência e mulheres em situação de rua”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 1, e77926, 2023

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (CEP/CHS) da Universidade de Brasília. CAAE: 13547419.7.0000.5540. Parecer nº 3.423.417

Recebido: 27 de Outubro de 2020; Revisado: 03 de Novembro de 2021; Aceito: 11 de Novembro de 2021

iararaflor@gmail.com

valeskazanello@gmail.com

Iara Flor Richwin (iararaflor@gmail.com) é doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília e pela Université Paris Diderot, psicóloga do sistema socioeducativo do Distrito Federal (SEJUS/GDF), pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília, onde realiza pesquisa de pós-doutorado.

Valeska Zanello (valeskazanello@gmail.com) é Professora Associada do Departamento de Psicologia Clínica na Universidade de Brasília. Orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura/UnB. Coordena o grupo “Saúde mental e gênero” no CNPq. Blog: https://saudementalegenero.wordpress.com/.

Conflito de interesses: Não se aplica

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