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Revista Estudos Feministas

Print version ISSN 0104-026XOn-line version ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.1 Florianópolis  2023  Epub Jan 01, 2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n183154 

Artigos

Mulheres pretas da Enfermagem: escrevivência atrevivida em oralitura na COVID-19

Mujeres negras de la Enfermería: escrevivência atrevivida en oralitura en la COVID-19

Míriam Cristiane Alves1  2 
http://orcid.org/0000-0002-4318-1927

Ademiel de Sant’Anna Junior2 
http://orcid.org/0000-0002-6486-9798

Cecília Maria Izidoro-Pinto3 
http://orcid.org/0000-0003-2433-2811

1Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Medicina, Curso de Psicologia, Pelotas, RS, Brasil. 96030-000 - psicologia.ufpel@gmail.com

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social Institucional, Porto Alegre, RS, Brasil. 90035-003 - ppgpsi@ufrgs.br

3Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Néry, Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 20211-130 - deptoenfmedicocirurgicaeean@gmail.com


Resumo:

Neste artigo, objetivamos problematizar a mortificação de vidas pretas e enunciar rastros/resíduos de memórias produtoras de novos imaginários em polifonia de vozes de mulheres trabalhadoras da Enfermagem, atuantes na linha de frente do cuidado e enfrentamento à COVID-19. Apresentamos uma política de escrita encharcada pela afirmação de uma ciência constituída pela complementaridade entre razão e emoção. Partimos da articulação entre os conceitos de escrevivência - enquanto ato político de mulheres pretas que se apoderam da escrita; de atrevivência - propondo uma linguagem sentida e vocalizada; e de oralitura - que lança mão da memória como repertório oral e corporal afrodiaspórico inscrevendo saberes, valores e modos de ser e estar no mundo; portanto, uma escrevivência atrevivida em oralitura. Corpas-pretas da Enfermagem em polifonia denunciam políticas de inimizade em um Estado necropolítico e enunciam novos imaginários que instigam a reinvenção no tempo pandêmico.

Palavras-chave: COVID-19; enfermagem; necropolítica; políticas da escrita; escrevivência

Resumen:

El estudio objetiva problematizar la mortificación de vidas negras y enunciar pistas/residuos de memorias productoras de nuevos imaginarios en polifonía de voces de mujeres trabajadoras de la Enfermería, atuantes en la línea de frente del cuidado y enfrentamiento de la COVID-19. Presentamos una política de escrita encharcada por la afirmación de una ciencias constituido por la complementaridad entre razón y emoción. Partimos de la articulación entre los conceptos de escrevivência - mientras ato político de mujeres negras que se apoderan de la escrita; de atrevivência - proponiendo un lenguaje sentido y vocalizado; y de oralitura - que lanza mano de la memoria como repertorio oral y corporal afrodiaspórico registrando saberes, valores y modos de ser y estar en el mundo; conque, una escrevivência atrevivida en oralitura. Corpas-pretas de la Enfermería en polifonía, denuncian políticas de enemistad en un Estado necropolítico y enunciaron nuevos imaginarios que instigan a la reinvención en el tiempo pandémico.

Palabras-clave: COVID-19; enfermería; necropolítica; políticas de la escrita; escrevivência

Abstract:

The study aims to problematize the mortification of black lives and enunciate tracks/residues of new imaginary generative memories, in poliphony voices of nursing working women which act in the front line of care and confrontation of COVID-19. We present a writing policy that’s soaked by the complementarity between reason and emotion. We go from the articulation between the concepts of escrevivência - as a political act of black women that seize writing; atrevivência - proposing a language sensed and vocalized; and oralitura - that uses memory as an oral and material afrodiasporic repertory that inscribes knowings, values, ways of being and ways to be in the world; as such, a escrevivência atrevivida in oralitura. Nursing’s black-bodies while in poliphony, denounces enimity policies in a necropolitic State and enunciate new imaginaries that instigate reinvention in pandemic times.

Keywords: COVID-19; nursing; necropolitics; writing policies; escrevivência

Fricção I: Campo problemático apresentado por Dandara

Na cena, uma casa com sete cômodos. Dentre eles, um escritório. Nele encontramos Dandara, mulher linda, de lábios grossos. Sua imponência escorre por seus ombros, acompanhada de longas tranças nagô.1 Destranca a porta do escritório, maquiada, como faz todos os dias, “se arruma para não adoecer”. Baixinho, Dandara sussurra: “Vai passar...”. Sobressaltada por causa da hora, ela convoca: - Crianças! Vamos tomar o café da manhã agora, daqui a pouco tenho uma reunião. Me ouviram? - Ah, tá... por que não me responderam? Já conversamos sobre o que significam os silenciamentos para nossa corpa-preta,2 né? Então, em respeito a todas nós, não vamos reproduzir silenciamentos, não aqui em casa.

- Desculpem o atraso, me ocupei aqui com algumas questões de casa. Vamos iniciar? Já estamos no terceiro encontro do grupo de acolhimento para profissionais da linha de frente no cuidado e no enfrentamento à COVID-19. Gostaria de escutar: como têm sido, para vocês, estes encontros? - - Hum… Acho que travei aqui! - Ah, ok. Vocês me escutam? - Alguém teve notícias de Nzinga? Hoje ela não entrou. Ayo Fayola está melhor? E Aisha, está presente?

Dandara sempre foi uma liderança. Mulher preta que, assim como trança seus cabelos, também trança articulações: seus fazeres como mãe, enfermeira trabalhadora do Sistema Único de Saúde (SUS), professora e pesquisadora em uma grande universidade lhe tomam todo o tempo. Enuncia-se como ativista de movimentos de mulheres negras, e, atualmente, coordena a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra em um município da grande Porto Alegre. Em seus quinze anos de pesquisa e trabalho, Dandara tem refletido sobre o que nomeia como “políticas da voz de mulheres pretas” enquanto ato de transformar silêncios em ação. Dandara ampara-se em Audre Lorde (2020), problematizando: “Quais são as palavras que você ainda não tem? O que você precisa dizer? Quais são as tiranias que você engole dia após dia e tenta tomar para si, até adoecer e morrer por causa delas, ainda em silêncio?”. Partindo destas questões, Dandara tem criado suas estratégias tanto na pesquisa, quanto no trabalho. Sempre lutou pelo direito de vocalizar e ecoar sua voz com intensidade, a serviço do cuidado, para que outras vozes de mulheres e homens, pretas e pretos, se fortaleçam nas políticas do SUS.

Novos campos problemáticos emergem em março de 2020. Dandara é convocada como linha de frente no enfrentamento ao novo coronavírus. Ano do inesperado, do infortúnio no mundo e no Brasil, produzido por uma doença que nos impede de respirar. É preciso gritar que a COVID-19, já captada como commodity a serviço da supremacia branca (hooks, 2019a), utiliza-se de corpos e corpas-pretas, conforme ordena a lógica colonial, para amplificar a política genocida de extermínio contra a qual lutamos há mais de 500 anos - o racismo.

O início do outono marca o tempo de uma nova ameaça à sociedade brasileira, o tempo do novo coronavírus que invadiu nossas casas e nossos corpos desafiando, mais uma vez, a nossa existência preta. Entra em cena um novo inimigo, saltando na frente daquelas e daqueles que já conhecemos: a fome, a violência, o desemprego, o racismo, o sexismo. Como enfermeira na linha de frente, Dandara preocupa-se, causa-lhe incômodo a rapidez com a qual algumas informações transformam-se em verdades e espalham-se pelas redes sociais: “O vírus é assim, ele se espreita, invade, se espalha e agride, sem olhar a quem”. Será? Houve quem dissesse que o vírus que assola o mundo trazia em si a afirmativa de que era democrático, não escolhendo raça, classe, gênero ou território para infectar pessoas. Ouvíamos, pela boca de especialistas, epidemiologistas, que o novo coronavírus era democrático o suficiente para atingir qualquer uma/um. Sem distinção, ficaríamos todas/os iguais em uma só nação global, com todo seu poder soberano. Que afronta!

Não foi necessário muito tempo para que essa verdade fosse questionada e desmontada. Pesquisadoras/es do campo das ciências humanas e da saúde passaram a bradar que não, não havia a possibilidade da existência de um vírus democrático em sociedades marcadas por desigualdades sociais, raciais e de gênero (Hebert Luan Pereira Campos SANTOS et al., 2020). Estamos diante de um vírus que transita por um Estado necropolítico cuja produção da morte de corpos indesejáveis é concreta à luz da herança colonial, mas também é subjetiva, ou seja, da dimensão do desejo, da morte em vida, da mortificação da vida (Achille MBEMBE, 2017a). Tal vírus mostrou não somente sua face antidemocrática, mas evidenciou sua face violenta e mortal, representada na limitada oferta de testes, de leitos hospitalares e de insumos em saúde, bem como na quase inexistente articulação com a atenção primária em saúde, penalizando os territórios mais populosos nos quais se insere grande parte da população negra.

É neste contexto que o racismo se tornou o braço armado do novo coronavírus, caminhando em direção aos grupos vulnerabilizados. E hoje, não temos dúvidas, o substrato da COVID-19 está diretamente relacionado às múltiplas crises do Estado envolvendo as dimensões: sanitária, social, política, econômica, ética, dos fluxos migratórios, bem como da crise global, que acabam por influenciar no direcionamento das políticas públicas de enfrentamento à pandemia em contexto brasileiro (Márcia SANTOS et al., 2020). Decididamente, não há nada de democrático na relação entre corpas-pretas e o novo coronavírus.

Em um cenário de incertezas e medos, chegamos a dezembro de 2020. Dandara, com os olhos encharcados de lágrimas, disponibiliza, em uma reunião on-line, com os demais departamentos que fazem a gestão do município, dados de uma triste e difícil estatística. Após nove meses de pandemia, a enfermeira fez questão de nomear cada profissional preta e preto que, em nome do cuidado, perdeu sua vida no enfrentamento ao novo coronavírus, em especial das mulheres das equipes da Enfermagem. Além de lamentar, Dandara reivindica das/dos demais gestoras/es reflexão crítica sobre as experiências profissionais e as vidas que têm sido sentidas e mobilizadas em seus limites. Vidas de mulheres pretas - corpas-pretas. O que pensam essas mulheres? Em que construções, rotas, encruzilhadas, caminhos, gestos, movimentos, memórias e vocalidades performam essas corpas-pretas da Enfermagem? Que singularidades e agenciamentos coletivos podem ser enunciados em polifonia de vozes?

O desafio de enfrentar o novo coronavírus para as trabalhadoras pretas da Enfermagem pode ser maior do que pudesse aparentar ou ser previsto por alguém um dia. O vírus faz o que sabe por natureza, e nós ficamos sem saber o que fazer com ele. É o medo! Medo de morrer. Não raro, pelos corredores de Unidades de Terapia Intensiva da COVID-19 (UTI COVID), é possível ouvir: “E vamos vivendo como o vírus quer”. O único desejo é não morrer, é sobreviver. Este passa a ser o único sonho, o único projeto - manter-se viva. Seria esta uma faceta da mortificação da vida enunciada por Mbembe? Qual o alcance do desejo nessas condições de existência? Quais são as possibilidades de vida? É em meio a esse mesmo sentimento, a essa emoção, que se faz emergir o novo, o criativo enquanto tecnologia leve de cuidado em saúde, como nos ensinam Emerson Merhy (1997) e Merhy e Túlio B. Franco (2003). A técnica da mãozinha,3 criada por uma enfermeira para confortar pessoas hospitalizadas com COVID-19, é um exemplo desta capacidade criativa e inventiva, dessa potência de vida em meio ao infortúnio. Poderíamos chamá-la de uma tecnologia leve de cuidado em revolução, insurgente? E o grupo de acolhimento de Dandara?

Ao término de uma reunião “di”gestão,4 Dandara enfatiza:

Estou cansada destas reuniões! É desonesto atribuir ao vírus um lugar democrático. É preciso racializar as experiências com o vírus, aliás, estou mediando um grupo de acolhimento para trabalhadoras da Enfermagem. Não estou interessada em Cloroquina. Tenho observado, nas equipes da Enfermagem, mulheres pretas, que são as únicas referências em casa, se colocando, mesmo com medo, na linha de frente no enfrentamento ao vírus. E fazer o acolhimento dessas mulheres é o que se enuncia como situação de urgência. São essas mulheres que vivenciam a intersecção das desigualdades de raça, de gênero e de classe; são elas que ganham pouco (principalmente as de nível médio) e que têm pouca autonomia no trabalho; são elas que realizam longos deslocamentos para chegar nos serviços de saúde onde atuam profissionalmente; são elas que moram nas periferias das cidades e trabalham nos grandes centros urbanos. E os senhores querem discutir tratamento com Cloroquina?5

Esse diálogo de Dandara com suas colegas de gestão marca um tempo em que as relações insistem em perder a poesia; um tempo que nos instiga à reinvenção, pois viver sem a poética da relação, como nos ensina Glissant (2005), é viver sem a possibilidade de criação de novos imaginários. Falamos de corpas-pretas da Enfermagem que se enunciam como potência de vida diante de um Estado que advoga pela “relação de inimizade” e mortificação da vida (MBEMBE, 2017a). Ainda com Glissant (2005), não estamos ocupadas/os em fechar ou diluir vivências e lugares em si. Nosso interesse é abrir caminhos ao lado de mulheres pretas enfermeiras e, dessas aberturas sensíveis, suportar as insurgências de poéticas da Relação que se enunciam para além de absolutismos ou exclusividades do ser.

Apostamos nas fricções (MARTINS, 1996) entre as rasuras das vivências e histórias que escapam desde o sensível aos rastros/resíduos de memórias em narrativas polifônicas de corpas-pretas da Enfermagem vivendo em contexto da pandemia. Lançamos mão do conceito de fricção de Leda Martins (1996) e, num processo de reelaboração crítica, o tomamos enquanto movimento de contato e esfregação de vivências e memórias do presente e do passado que são aquecidas na e para a produção e enunciação de um devir, de um porvir.

Face ao exposto, no presente estudo, objetivamos problematizar a mortificação de vidas pretas e enunciar rastros/resíduos de memórias produtoras de novos imaginários em polifonia de vozes de mulheres trabalhadoras da área da Enfermagem que atuam na linha de frente no cuidado e no enfrentamento à COVID-19.

Fricção II: Gestos metodológicos ao passo de Ayo Fayola

Na cena, Ayo Fayola chega em casa, após um plantão de vinte e quatro horas. É segunda-feira. Sente suas costas e olhos cansados, a luz do sol entra pelo basculante da janela que esquecera aberta ao sair na manhã anterior. Liga o computador após um demorado e revigorante banho. Ajeita a cadeira em relação à câmera, dialoga com o grupo de acolhimento destinado às profissionais da linha de frente no cuidado e no enfrentamento à COVID-19.

- Bom dia, meninas! Dandara, estou melhor, sim. Foi só um susto, deu negativo… Vocês viram esse estudo organizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas E’léékò vinculado à Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e ao Programa de Pós-Graduação e Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPSI/UFRGS)? O título da pesquisa é “Necropolítica e População Negra: problematizações sobre racismo e antirracismo e seus desdobramentos em tempos de pandemia e pós-pandemia da COVID-19”.6 O que vocês acham de participarmos? Eu já me certifiquei de que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFPel. Pelo que vi, trata-se de um questionário on-line, um pouco extenso, mas que valoriza narrativas de pessoas pretas. Penso que nossa decisão deve ser suleada pelo seguinte questionamento: Para que(m) serve este estudo?

Desde o lugar de enunciação em que somos sujeitas/os7 pretas/os cognoscentes tomadas/os pelo gesto de pesquisar com e ao lado de, igualmente, sujeitas/os pretas/os cognoscentes, nos desafiamos a construir um estudo comprometido com uma política de escrita encharcada pela afirmação de uma ciência cuja racionalidade não é linear, mas, sim, constituída pela complementaridade entre razão e emoção. Reivindicamos, com Fanon (2008), que este mundo de não linearidades opera desde a realização das potências poéticas, que racham similaridades da razão branca, preconcebida e prescritiva sobre como devemos ser. Escorremos dos exercícios de captura que tentam nos arrecadar, arrendar como objetos, ora dotados de exagerada emotividade, ora irracionais que nada têm a contribuir com a ciência. Assumimos que estamos encarnadas/os, vivas/os, sensíveis em nossos fazeres e práticas científicas. Uma ciência e um nós que não estão distantes do mundo; nós somos o mundo. Assim como as pedras, os rios, o mato, pois, como nos lembra Fanon, entre nós e o mundo se estabelece a relação de coexistência (Frantz FANON, 2008), onde não precisamos excluir, expropriar para existir. Ou seja, somos diversas/os e, quando assumimos nossas presenças, e nestas presenças a coexistência entre razão e emoção, apostamos na imprevisibilidade como força da criação, ato poético de realidades (Édouard GLISSANT, 2005).

Nosso gesto metodológico parte da articulação entre três conceitos, dos quais, primeiramente, explicitamos a escrevivência de Conceição Evaristo (2017) enquanto ato político de mulheres pretas que se apoderam da escrita e da escrita de si que, ao mesmo tempo, está agenciada por uma coletividade e atravessada pelas relações sociais, raciais e de gênero. A atrevivência, por sua vez, é termo cunhado por Ademiel de Sant’Anna Junior (2020), que reúne os verbos atrever e viver como uma aposta expansiva do corpo, para além dos sentidos roteirizados pelo racismo e pela razão colonial. Para o autor, os exercícios de atrevivência constituem vocalidades que escorrem do corpo, afirmando o encontro coletivo de vozes, enquanto ato político e poético ou, ainda, atrevimento do corpo que em gira, em roda, transgride seus sentidos por onde escapam vozes e gestos ancestrais que compõem linguagens. Indaga-nos o autor:

E se ao invés de só olhar, puder me atrever a enxergar no escuro? E se ao invés de só ouvir, puder me atrever a escutar cantos e pulsações? E se ao invés de só tocar e/ou pegar, puder me atrever a tatear? E se ao invés de só engolir ou cuspir, puder me atrever a saborear enquanto conheço novos gostos? Não deveriam ser estas as expressões da clínica e da pesquisa? (SANT’ANNA, 2020, p. 143).

E, finalmente, a oralitura de Martins (2003), que invoca as grafias do corpo, os vestígios esmaecidos que se tornaram segredos desde a violência transatlântica, mas resistem escapando como performances insurgentes que conectam corpos negros na diáspora. A autora, ao lançar mão da memória desde um repertório oral e corporal, nos apresenta as performances da oralitura, ou seja, a memória que se inscreve “como grafia pela letra escrita, [e] articula-se assim ao campo e processo da visão mapeada pelo olhar, apreendido como janela do conhecimento” (MARTINS, 2003, p. 64). Da articulação destes três gestos metodológicos, nos propomos, aqui, a operar uma escrevivência atrevivida em oralitura. Para nos conectarmos com essa feitura,8 escutemos Ayo Fayola:

Eu me chamo Ayo Fayola que, na língua Yorùbá, significa “aquela que tem felicidade e caminha com honra”. Esse nome me foi dado pela minha avó, uma ativista do movimento de mulheres negras nos anos 80. Não me considero uma ativista engajada, como foi minha avó, mas gosto de participar de manifestações de rua para enriquecer e reforçar meus ideais. Eu tenho orgulho de me apresentar como uma mulher preta. Estou com 39 anos de idade, dos quais 18 anos foram dedicados à Enfermagem. Sou técnica de Enfermagem, trabalho em um hospital público 100% SUS, na UTI COVID-19. Assim como muitas irmãs pretas técnicas de Enfermagem, resido em uma das chamadas cidades dormitório, aquelas localizadas no entorno das grandes capitais e que servem de moradia para as/os trabalhadoras/es. Quando uso transporte público, eu levo duas horas para chegar ao hospital; quando uso meu carro, consigo me deslocar em uma hora e quinze minutos. Sou formada em Enfermagem, motivo de muito orgulho para a minha família. Por ser servidora pública, não quis abrir mão de meu concurso como técnica, mas estou buscando novos concursos para atuar como enfermeira.

Nem preciso dizer que, como trabalhadora da linha de frente no cuidado e no enfrentamento à COVID-19, não tive o privilégio do distanciamento físico. Precisei sair de casa para trabalhar. Estou há 1 ano na UTI COVID e já vi de tudo, de tudo mesmo, coisas inimagináveis. Optei por não colocar um atestado médico, considerando a minha comorbidade. Coloquei-me à disposição para contribuir com a sociedade, a partir da minha formação profissional. Às vezes, eu fico pensando: por que fiz isso? Por que eu, imediatamente, me coloquei para atuar em um espaço de que muitas pessoas queriam distância? Eu não tenho respostas para isso... Trata-se de algo sobre o que eu ainda preciso pensar, refletir...

Há um ano, eu estou totalmente imersa neste contexto de cuidados de pessoas na UTI COVID e as realidades observadas, vivenciadas, sempre me deixam bastante triste. Fico triste com a discrepância no acesso à saúde. É nítido que brancos de classe média e alta conseguem atendimento com mais rapidez e qualidade no hospital. Ao contrário, “a população negra apresenta maior risco de disparidades no acesso aos serviços diante da pandemia, tanto na qualidade dos cuidados recebidos como nos resultados de saúde” (Emanuelle Freitas GOES; Dandara de Oliveira RAMOS; Andrea Jacqueline Fortes FERREIRA, 2020, p. 3). Fico triste com a falta de informações sobre a pandemia, falo de informações acessíveis às pessoas pobres, de periferias, na sua maioria pretas. Aqui onde moro, eu já ouvi muitas vezes: “Ou eu morro de COVID, ou eu morro de fome”. Que país é esse? Que Estado é esse? Seria o tal Estado necropolítico? Podemos chamar isso de produção de morte de uma população pobre e preta? São esses os sem direitos à educação, ao saneamento e à renda básica? Não é difícil responder, pois acompanho essa realidade desde o meu local de enunciação - sou uma mulher preta e moradora da periferia.

Eu poderia trazer vários exemplos sobre o modo como já fui interpelada pela violência racista, mas há duas cenas frequentes: a primeira é ser seguida no supermercado ou loja e não ser atendida pelos vendedores por acharem que eu não teria condições de pagar o produto; a segunda é perceber que uma pessoa segurou a sua bolsa com mais força diante de minha presença ou aproximação. Evellyn Rosa e Míriam Alves (2020, p. 5) conceituam a violência racista como “a ação ou o efeito de empregar a ideia de raça e de hierarquização do humano nas relações sociais e interpessoais, produzindo a invisibilização, o silenciamento e a subalternização de sujeitos negros/as racializados/as”. Essas duas cenas expressam uma pandemia que nós, pretas e pretos, já vivenciávamos antes do novo coronavírus - a pandemia do racismo. Eu acredito que um dos nossos maiores desafios, colocados a nu desde o início da pandemia, é vencer as desigualdades em todos os sentidos, sobretudo, as desigualdades raciais, sociais e de gênero.

Ainda assim, procuro manter minha saúde mental, dando continuidade às minhas atividades de estudo e de trabalho, e por mais que possa parecer estranho, é o trabalho que me mantém em pé. Além disso, procuro escutar o significado do nome que minha avó me deu: “Aquela que tem felicidade e caminha com honra”. E é buscando escutar essa mensagem que nutro a esperança de um pós-pandemia com mais amor entre os povos, sem distinção de renda, gênero, raça ou local de residência.

Ayo Fayola nos convoca a caminhar por uma escrevivência atrevivida forjada nas memórias e gestos em oralitura, cuja performance indica a presença de um traço residual afrodiaspórico que inscreve na grafia e linguagem do corpo em movimento e em vocalidade, saberes, valores, conceitos e modos de ser, estar e inscrever-se no mundo (MARTINS, 2003, p. 77). Assim, considerando a contemporaneidade de corpos-políticos ladinoamefricanos, como conceitua Lélia Gonzalez (1988 (2018)), nos propomos à escrevivência atrevivida em oralitura de corpas-pretas da Enfermagem, cuja performance cotidiana diz sobre o “sendo-no-mundo” (GLISSANT, 2005) em meio a um vírus que desnuda um Estado necropolítico (MBEMBE, 2017a).

Esta escrevivência atrevivida em oralitura emerge da fricção entre narrativas de duas participantes da pesquisa Necropolítica e População Negra, e duas personagens ficcionais construídas a partir das vivências das/os autoras/es. As participantes da pesquisa responderam a um questionário on-line, divulgado nas redes sociais e disponibilizado no período de julho a setembro de 2020. As narrativas das participantes também foram ficcionadas, performando memórias e gestos que se enlaçam na complexidade da existência preta no mundo, que não cabe em um pensamento hegemônico. Portanto, foi na construção de cenas, paisagens e fricções que apostamos nas escrevivências atrevividas em oralitura que se inscrevem desde Glissant (2005, p. 30): “Atravessada e sustentada pelo rastro/resíduo, a paisagem deixa de ser um cenário conveniente e torna-se um personagem do drama da Relação”. As paisagens performadas por Ayo Fayola operam na criação de novos imaginários e nos convidam a olhar para trás enquanto gesto de reelaboração do passado, para viver o presente e prospectar o futuro pós-pandêmico. O “imaginário do pensamento rastro/resíduo nos é consubstancial quando vivemos uma poética da Relação no mundo atual” (GLISSANT, 2005, p. 30).

Fricção III: Políticas da inimizade e poética da Relação

Aisha acorda pela manhã após um plantão de doze horas, uma noite de sono em sua cama quentinha é revigorante. Porém, ainda se sente angustiada, com medo e sem fé. Precisa conversar com alguém antes de se deslocar até a casa da sua mãe, não quer desabar na frente dela. Tem vontade de gritar, de chorar, mas pensa que não pode. Aisha é daquelas que cuida de todos à sua volta e, ao mesmo tempo, não se sente cuidada. Após um gostoso café da manhã ao lado de seu companheiro Foluke, vai para o quarto, coloca o notebook sobre o colo, liga-o e se entrega nos braços de outras mulheres pretas como ela - é o grupo de acolhimento.

Bom dia, Aisha é meu nome. Recebi esse nome do tio Otaviano, depois de doze horas de um parto difícil e doloroso vivido por minha mãe, Joana. Depois de mim, mais ninguém. Minha avó Amélia dizia que ela secou. Hoje, eu chamo isso de violência obstétrica. Somente aos 36 anos, dos quais 10 estive trabalhando na área da saúde e outros tantos apurando meus ouvidos em nossas conversas na cozinha de casa, é que descobri que minha mãe peregrinou por atendimento hospitalar, ou seja, por um leito na hora do parto. Meu tio contou que chovia muito, era um daqueles dias em que o Rio de Janeiro fica alagado e o povo da periferia é que sofre. Após correr de hospital em hospital, minha mãe foi atendida em uma maternidade, no entanto, o médico se recusou a fazer uma cesárea e disse: “ela é forte, ela aguenta”. Meu tio lutou pela minha vida e pela vida da minha mãe. Por tudo isso, o tio Otaviano me deu esse nome, Aisha, que significa: “ela é vida”. Eu sou vida para minha mãe e para o tio Otaviano. Aisha, uma vida preta em curso.

No momento, eu ando meio sem fé, mas não recuso a vela, a oração e o pequeno patuá de morim, confeccionado com carinho pela minha mãe, cheio de segredos, de pequenos objetos que me protegem deste vírus. Trabalho em um hospital universitário como Técnica de Enfermagem. Entrei para a Enfermagem por força das conversas na cozinha, pelas histórias da minha avó parteira e pelo desejo de ter logo cedo um trabalho e mudar de vez da casa pequena e apertada da periferia. Aqui em casa somos eu, Foluke, um cachorro e muitas plantas. Conheci Foluke na feira da Iabás, em Madureira. Ele cozinha, costura e veio da Nigéria, da África, para alegrar minha vida. Mas a pandemia o deixou sem emprego e aqui está difícil demais arrumar trabalho. Na aflição do desemprego, eu mostro para Foluke um jornal que aponta o segundo trimestre deste ano, o primeiro sob os efeitos da pandemia, com uma taxa de desemprego geral de 14,7%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios COVID-19 (PNAD COVID-19).9 E olhando a cor da pele, a taxa de desemprego de pretos fica em 17,8% e a de pardos em 15,4%. Quando se junta os dois (pretos e pardos) a taxa é 33,3% para nós, negros, e 10,4% para os brancos. “Negro sem emprego, fica sem sossego”, já dizia Dona Ivone Lara.10 Tem vezes que Foluke se conforma, faz uns bolos e vende, tem dias que não. Digo que está tudo bem, o que eu ganho dá, mas ele sabe do meu cansaço a cada plantão.

Se eu pudesse, eu gritava. Gritaria minha angústia, meus medos e a sensação de que a morte me espreita a cada plantão. É tanta gente adoecendo à minha volta que penso ser questão de dias, horas a minha vez de adoecer. O pior dos medos é contaminar Falouke e minha mãe. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o número de profissionais da Enfermagem que não resistem à doença produzida pelo vírus voltou a crescer no país.11 Desde março de 2020, já foram 564 óbitos. Só no meu trabalho foram quatro. Me vejo nesta estatística mortal, pois sou eu quem limpa, dá comida e banho nos pacientes COVID. Na hora esqueço, pois é a minha profissão. Mas quando chego na porta de casa, eu lembro. Tiro a roupa no quintal, empurro ela para dentro do balde com água e sabão, e logo vem um frio na barriga para entrar em casa. Falouke já fez a comida e me quer pertinho, abraçada, fazendo carinho, mas não dá para arriscar, eu durmo no quarto dos fundos. Ultimamente, a gente quase não se cruza dentro da nossa casa. Não vou contaminar o meu amor, mas temo perdê-lo. A cabeça não dá conta de tudo isso.

Conto com a reza da minha mãe, seus banhos, suas mandingas e magias. Ela sempre diz: “Ọbàlúaiyé te cobre, filha, você vai ver”. Ṣànpọ̀ná - Ọbàlúaiyé é aquele que cuida das doenças epidêmicas, “é o único que tem o poder de suprimi-las” (Míriam Cristiane ALVES; Olorode Ògìyàn Kálàfó Jayro Pereira de JESUS, 2020, p. 132). Busco forças para cuidar da minha mãe, para mostrar confiança e coragem. Eu coloco a máscara e o avental e vou ao encontro dela para aferir sua pressão, fazer um tímido carinho, além de verificar suas necessidades quanto aos medicamentos, aos alimentos e, sobretudo, conversar e ouvir histórias. Ela se mantém firme, e eu, mesmo sem fé, tenho crença na fé que ela emana. A mulher preta é assim: “é ela que sobrevive na base da prestação de serviços, segurando a barra familiar praticamente sozinha” (Lélia GONZALEZ, 1980 (2018), p. 199).

Então, para mim, o desafio tem sido manter a sanidade mental, sair da aflição, do banzo (Ana Maria ODA, 2008)12 que me pega de repente. E lendo os livros que o tio Otaviano me deixou, vou entendendo algumas coisas sobre racismo e relações raciais. Vou nomeando os meus medos. Ontem mesmo, eu pedi a Falouke que não saísse de máscara preta na rua e dei a ele uma de hospital - nem máscara preta, nem boné. Não tem polícia que resista em cismar com homem preto na rua. Sim, pessoas pretas sempre serão alvos do racismo. O medo branco nos faz alvo: “Mamãe, olhe o preto, estou com medo!” (FANON, 2008, p. 105). Somos alvo das efabulações brancas, isto é, das estratégias de apresentar como reais, verdadeiros, corretos, factos muitas vezes inventados, construídos em nome de uma razão ocidental, mercantil, eurocêntrica (MBEMBE, 2017b). O medo e as efabulações brancas nos silenciam, nos invisibilizam, nos excluem: “No trem, ao invés de um, deixavam-me dois, três lugares” (FANON, 2008, p. 105). Na loja de roupas no shopping, não me atendem ou me seguem, atribuindo à minha corpa-preta a suspeição. Aliviei bastante minha tensão depois que participei da passeata nas ruas, me juntei com uns amigos do tio Otaviano, algumas novas velhas ideias e parti para o “Vidas Negras Importam (Black Lives Matter)”.13 Vivemos em um país onde um guarda-chuva é confundido com arma de fogo14 e a pessoa preta é morta, não propriamente pelo objeto, e sim pela cor da sua pele.

Outro plantão, outro dia. A rua está escura e Foluke dormiu na casa de minha mãe. Temo por mim, quando entro na rua escura que dá acesso ao ponto de ônibus, mais de uma vez acelerei o passo, com o jaleco no braço e sentindo alguém atrás de mim. Aperto o brevê na mão. No final do plantão de doze horas, quando volto para casa, o medo dá lugar à raiva. Tenho raiva de passar na rua, cedo da manhã, e ver meu vizinho branco fazendo festa em plena pandemia com o som altíssimo, muitas risadas e uma grande aglomeração. Será que ele não sabe que somos nós que estamos morrendo? Morrendo e cuidando.

No Brasil, a pandemia da COVID-19 se desenvolve em meio a uma estrutura de Estado que tem como premissa governar pelo terror - do tráfico de drogas, das milícias, das facções -, potencializando a sua capacidade de matar (do vírus-Estado) e a possibilidade de ser morta/o (de pessoas pretas/os e pobres). “Governar pelo terror já não tem a ver com reprimir e disciplinar, mas sobretudo com matar, seja em massa ou em doses mais contidas” (MBEMBE, 2017a, p. 61). Vivemos num país em que a população negra, há anos, vem sendo morta com a justificativa e argumento da guerra às drogas, da guerra às facções e, desde março de 2020, da guerra ao novo coronavírus.

O massacre no “Jacarezinho”,15 comunidade do Rio de Janeiro/RJ, que resultou em 28 mortos após operação policial, bem como a “imunidade de rebanho”16 defendida por Jair Bolsonaro desde o início da pandemia (já fez mais de 500 mil mortos17), constituem-se em estratégias cuja soberania do Estado se assenta no poder de “fabricar toda uma massa de gente habituada a viver no fio da navalha ou, ainda, à margem da vida” (MBEMBE, 2017a, p. 64). Aquelas e aqueles que vêm da periferia, cujo corpo-político preto salta à frente sem pedir licença e cujo ofício (Técnicas de Enfermagem, trabalhadoras da higienização e segurança, por exemplo), exigiu a atuação na linha de frente no cuidado e no enfrentamento à COVID-19, são aquelas e aqueles que o Estado considera de vida supérflua em que o viver é estar, a todo momento, prestando contas à morte. Corpos pretos “cujo preço é tão baixo que não equivale a nada, nem sequer como mercadoria e, ainda menos, humana - é uma espécie de vida cujo valor está fora da economia, correspondendo apenas ao tipo de morte que se lhe inflige” (MBEMBE, 2017a, p. 65). Falamos de um viver mortificado de corpas-pretas da Enfermagem cujos rastros/resíduos de memórias em narrativas polifônicas enunciam e denunciam suas inscrições, suas lutas diárias para se manterem vivas. E, não temos dúvidas de que o racismo e o sexismo são chaves deste poder bélico estatal que nos mata com a morte concreta, assim como com a morte em vida. Como asseveram Míriam Alves, Eliane Costa e Marilda Castelar:

A dominação interseccionada golpeia direitos civis, sociais, políticos da população negra e o efeito pode ser tão profundo e devastador que, muitas vezes, alcança a dimensão íntima da pessoa: afeta o direito a pertencer à história de um povo, de uma comunidade, afeta o direito de ser humano, de existir, de ter tranquilidade (ALVES; COSTA; CASTELAR, 2020, p. 2).

Fricção IV: Nzinga, uma corpa-preta da Enfermagem e as possibilidades do transicionar

Na cena, Nzinga… mulher negra que, aos 58 anos, se desafia a transicionar. Diante de uma beleza incomensurável, ela se olha no espelho e não gosta mais do que vê. Ela olha para além da beleza material. Nzinga enxerga rastros/resíduos de uma corpa-preta que insurge sobre a violência racista e sexista até então vivenciadas, porém sublimadas. Pega a tesoura afiada, reparte os longos cabelos lisos em mechas e inicia sua insurreição. Transiciona em seu posicionamento ético-estético-político, sobre ser mulher preta na pandemia, no pós-pandemia, no mundo.

Quando Dandara me ligou, eu aceitei participar do grupo de imediato. Gosto desta mulher, do jeito decidido dela. Sou enfermeira há 29 anos, no mesmo hospital, e Dandara passou por aqui um ano desses, sabendo o que falar, erguendo a sua voz, como diz bell hooks (2019b), se colocando ao lado de todas. Decididamente, uma mulher incrível. Foi Dandara que me apresentou a origem de meu nome. Ela me disse que Nzinga é nome de rainha, guerreira em Angola que lutou contra os traficantes portugueses. Eu sempre achei feio, estranho. Foram muitos os apelidos com meu nome, com meu cabelo crespo que não parava quieto no rabo de cavalo contrastando com minha pele clara e “nariz de branco”, como falava a minha avó materna.

Me lembro de um texto que Dandara me deu. Nele, eu me vi inscrita em um pedacinho que dizia: “porque eles querem que o cabelo da gente fique bom, liso e mole, né?” (GONZALEZ, 1980 (2018), p. 203). Lélia foi muito ousada em seu tempo, grande intelectual, grande pensadora, uma intérprete do Brasil, como diz Raquel Barreto (2018). Eu não sabia me situar criticamente nessa sociedade até conhecer Lélia pelas mãos de Dandara. No mais, me localizava como aquela que era boa em tudo: português, matemática, ciências, história, esportes, queimado, pega-pega; o que viesse, eu estava sempre pronta, adorava um desafio. Foi assim que o apelido arrefeceu, meu nome passou a Zinga. Eu achava meu nome de mau gosto, mas minha mãe, alemã, fez de tudo para agradar meu pai, angolano. Era só o que eu sabia dele, angolano, nada mais. Assunto proibido na minha casa, pois, muitas vezes, nós, pessoas pretas, somos “criadas para acreditar que há muitas coisas sobre as quais não se deve falar, nem no privado nem em público” (hooks, 2019b).

Meu pai só deixou com minha mãe uma foto, eu e meu nome estranho. Após a partida dele, fomos morar com minha avó. Fui bem aceita pela família branca de minha mãe, desde que estivesse sempre com os cabelos bem alisados ou presos. Como refere Grada, o cabelo nunca foi tolerado, ele se tornou “a mais poderosa marca de servidão durante o período de escravização”, [...] foi tomado como “símbolo de ‘primitividade’, desordem, inferioridade, não civilização”. [...] “Cabelo ruim” que precisava ser alisado “com produtos químicos apropriados, desenvolvidos por indústrias europeias” (KILOMBA, 2019, p. 127). Eu me tornei a moreninha da família, a moreninha em todos os círculos sociais que frequentava. As mulheres me achavam uma beleza exótica. Quanto aos homens, foi só eu entrar na adolescência que passei a ser vista como objeto sexual, eu tinha que ser esperta, correr, desviar de assédios, das propostas e das mãos bobas.

Como afirma Grada Kilomba (2019), a branquitude inscreveu em nosso corpo preto tudo aquilo que ela transformou em tabu: a sexualidade e a agressividade. Foi no palco da branquitude que a “Cinderela do asfalto, adorada, desejada, devorada pelo olhar dos príncipes altos e loiros” (GONZALEZ, 1980 (2018), p. 196), exótica e objetificada, forjou em meu corpo a identidade moreninha. Um corpo marcado por uma consciência ocidental do Negro formada por efabulações, isto é, um conjunto de discursos e de práticas em meio à estratégia cotidiana de “inventar, contar, repetir e pôr em circulação fórmulas, textos, rituais, com o objectivo de fazer acontecer o Negro enquanto sujeito de raça e exterioridade selvagem” (MBEMBE, 2017b, p. 58). Efabulações carregadas de exotismo, de elementos carnais de pulsão sexual e sensualidade onde homens e mulheres pretas são subjetivadas em meio a essa consciência ocidental do Negro, cujo homem negro é tomado como o reprodutor, como o falo em sua existência primeira e a mulher negra como depositária de fluidos sexuais do homem branco, um corpo tomado como passível de todo o tipo de violações (MBEMBE, 2017b). Corpa-preta da Enfermagem forjada pela violência racista e sexista.

Não vivenciei dificuldades financeiras, minha mãe era funcionária pública, tínhamos casa própria e a vovó cuidava de mim. Com minha avó, vivenciei um misto de amor e ódio. Ela reclamava do meu cabelo - cabelo de vassoura -, do meu corpo - afrontoso - e do - traseiro exagerado. Ao mesmo tempo que, com todo o amor que podia dar, minha avó me ensinou a língua alemã, o bordado e fazia, para me agradar, uma comidinha tradicional alemã aos domingos. Era muito doida a nossa relação de amor e ódio, edificada pelo racismo. Aos 18 anos, entrei para a faculdade de Enfermagem, foi um alívio. Na sala, meus olhos só encontravam mulheres, todas brancas, moças de classe média como eu. Mas eu não era como elas, não era branca como elas. Nunca vi maldade em ser conduzida educadamente para o elevador de serviço. Os elevadores principais estavam sempre em manutenção. Sabe aquela música, Identidade, do Jorge Aragão? “Elevador é quase um templo / Exemplo pra minar teu sono / Sai desse compromisso / Não vai no de serviço / Se o social tem dono, não vai”, pois é, eu fui… Hoje, eu consigo fazer a leitura e não ir. Já compreendo que não adianta ser educada, estar bem vestida ou ter a pele clarinha, pois “se é preta só pode ser doméstica, logo, entrada de serviço” (GONZALEZ, 1980 (2018), p. 199). Foram muitos anos para conseguir me libertar destes açoites.

Casei, separei e fiquei só no meu amplo apartamento. Um filho morando fora do país e o outro mais fora do que dentro de casa. O hospital dava conta de movimentar minha vida. E veio a pandemia, matando, com maior intensidade, grupos específicos de pessoas e eu estava nesta lista: mulher preta com pressão alta, diabetes, na beirinha dos 60 anos, trabalhadora da linha de frente no cuidado e no enfrentamento à COVID-19. Bateu o medo. Os filhos se apavoraram: “fica em casa, mãe, você está no risco”. Mas eram 58 e não 60 anos. Por várias vezes, me questionei: Em que medida o fato de estar na linha de frente no cuidado e enfrentamento à COVID-19, associado à sobrecarga do trabalho doméstico, às doenças crônicas e à faixa etária acima de 60 anos, favorece o contágio no domicílio e o adoecimento da categoria profissional? Outras colegas, mesmo compondo o grupo de risco, não foram afastadas de suas atividades. Permaneci trabalhando.

O reconhecimento público dos meus anos de atuação na Enfermagem, da minha coragem, como tantas outras mulheres da área, embora merecido, não favoreceu mudanças efetivas nas nossas condições de trabalho. Estivemos, desde o início da pandemia, na luta por equipamentos de proteção individual, treinamentos e pessoal qualificado para dar conta do cuidado emergente. O racismo e o sexismo presentes nas condutas e estruturas de gestão nos sufocam e violentam diuturnamente. Foi nesse processo que passei a solidificar uma “consciência negra do Negro”, como refere Mbembe (2017b), ou seja, um esforço em evocar, construir, assumir uma experiência que possibilite a restituição e reinscrição de nossa história, de nosso território, de nossas narrativas, de nosso devir. Foi nesse movimento de reapropriação de minha história que cortei meus longos cabelos alisados. Tudo isso em meio à pandemia. Desafiei-me a transicionar. Quando o cabelo foi crescendo, deixei natural, porém, os comentários doíam, não tinha quem não falasse: “Está diferente, mas ficou bonito”, “Ah... você é bonita, fica bem com qualquer cabelo”, “Está na moda esse tipo de cabelo”. Ainda teve o comentário da minha mãe: “Que estilo é esse, minha filha?”. Finalmente, eu estava me tornando uma mulher preta, aquela que, por anos, não me foi permitido ver, sentir, tocar, contemplar no espelho. A estética branca, a beleza perseguida por mais de 50 anos estava quebrada. Tem sido um processo dolorido, porém acolhido, cuidado, escutado, fortalecido nesse grupo, com vocês, mulheres pretas.

Nunca esqueço do feliz dia em que reencontrei Dandara. Foi em um final de plantão exaustivo e, quando a vi, abracei-a e chorei. Um encontro sublime, primoroso, acalentador. Trocamos algumas palavras e prometemos, uma a outra, que iríamos retomar a conversa. No dia seguinte, com carinho, ela me enviou alguns textos e livros. Li… devorei todos eles. Como em um filme, visualizei e, aos poucos, fui elaborando as mazelas que o racismo e o sexismo fizeram comigo. Já vinha me dando conta de muitas coisas, porém, agora, estava conseguindo nomear o vivido. E hoje estou aqui, nesse grupo de mulheres pretas que tem me possibilitado seguir rastros/resíduos de memórias até então esquecidas, sublimadas. Dandara nos instiga a um processo de reelaboração crítica do que é ser preta nesse país. Ao lado dela e com ela aprendi a importância de Sankofa: “Se você esquecer, não é proibido voltar atrás e reconstituir” (Wade NOBLES, 2009, p. 277); a partir dela e desse grupo, passei a reinscrever as minhas histórias perdidas. Nossos encontros e as leituras indicadas por Dandara estão produzindo em mim uma revolução interna. E mais, me sinto em um movimento de insurgência contra o que o racismo e o sexismo fizeram comigo, contra esse vírus que mira o povo preto, contra essa lógica colonial que insiste em nos matar em vida. Como já cantava Belchior: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.18 E aqui, ao lado de Ayo Fayola, Aisha e Dandara, tenho certeza de que não estou sozinha pois, definitivamente, o ano de 2020 ainda não acabou.

Referências

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1Tranças feitas desde a raiz do cabelo, fixadas no couro cabeludo.

2Considerando que “a língua, por mais poética que possa ser, tem também uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder e de violência” (KILOMBA, 2019, p. 14) e, mesmo sabendo que a palavra “corpo”, na língua portuguesa, não possui variações no gênero, optamos por inscrever e escrever “corpa-preta”, enunciando o lugar de uma subjetividade.

3Ver reportagem “Técnica da ‘mãozinha’, criada por enfermeira para dar conforto a pacientes com Covid, viraliza”, do Portal G1, publicada em 23 de março de 2021. Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/23/tecnica-da-maozinha-criada-por-enfermeira-na-zona-norte-do-rio-para-dar-conforto-a-pacientes-com-covid-viraliza-foi-em-momento-de-desespero.ghtml.

4A palavra “di”gestão faz um trocadilho com as palavras “gestão” e “digestão”, no sentido de enunciar o quanto, muitas vezes, é difícil digerir pautas e discussões desenvolvidas em reuniões de gestão em saúde.

5Ver reportagem “OMS: Hidroxicloroquina não funciona contra Covid-19 e pode causar efeito adverso”, do Jornal CNN Brasil, de Raphael Coraccini, publicada em 02 de março de 2021. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/03/02/oms-cloroquina-nao-funciona-contra-a-covid-19-e-pode-causar-efeitos-adversos.

6Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), por meio do parecer número 4.127.275.

7A palavra “sujeito”, na língua portuguesa, não permite variações no gênero, sendo reduzida ao gênero masculino e, na perspectiva de subverter as relações de poder nela fixadas, optamos por escrever e inscrever nesse artigo a palavra “sujeita”.

8A feitura é aqui tomada enquanto um conceito vivido por aquelas e aqueles que se nutrem das tradições de matriz africana, ou seja, que se nutrem no “processo iniciático”. Em analogia, nos nutrimos na iniciação de um caminho metodológico.

9Ver o canal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que reúne as iniciativas realizadas e as ações em desenvolvimento em relação a seus estudos e pesquisas para apoiar os esforços no enfrentamento à pandemia, dentre as quais destacamos o PNAD COVID-19. Disponível em https://covid19.ibge.gov.br/.

10Refrão da letra da música “O Sorriso Negro”, composta por Adilson Barbado e Jorge Portela, interpretada por Dona Ivone Lara. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xVtowndTTiE.

11Ver matéria do Cofen, “Número de profissionais de Enfermagem mortos por Covid-19 volta a crescer”, publicada em 8 de fevereiro de 2021. Disponível em http://www.cofen.gov.br/numero-de-profissionais-de-enfermagem-mortos-por-covid-19-volta-a-crescer_85150.html.

12Nostalgia, melancolia dos africanos escravizados no tráfico transatlântico. Ver Ana Maria Oda (2008).

13Apesar de ganhar notoriedade e adesão mundial após o assassinato de George Floyd, em 25 de maio de 2020, o movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter) foi criado em 2013, por Alicia Garza, da Aliança Nacional de Trabalhadoras Domésticas; por Patrice Cullors, da coalizão contra a violência policial em Los Angeles; e por Opal Tometi, da Aliança Negra pela Imigração Justa. Disponível em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm.

14Ver reportagem “PM confunde guarda-chuva com fuzil e mata garçom no Rio, afirmam testemunhas”, do El País Brasil, publicada em 19 de setembro de 2018. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/19/politica/1537367458_048104.html.

15Dados da Gazeta do Povo em 12 de junho de 2021. Disponível em https://especiais.gazetadopovo.com.br/coronavirus/numeros/.

16Ver reportagem “CPI da Covid: como ‘imunidade de rebanho’ pode virar arma contra Bolsonaro”, da BBC News Brasil, publicada em 06 de maio de 2021. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57004708.

17Ver reportagem “Brasil registra mais de 500 mil mortos por covid-19”, da Agência Brasil, publicada em 19 de junho de 2021. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-06/brasil-registra-mais-de-500-mil-mortos-por-covid-19.

18Verso da letra da música “Sujeito de sorte”, composta por Belchior, em 1973, cujo lançamento ocorreu em 1974, no álbum Alucinação. Em 2019, a música de Belchior foi sampleada por Emicida em “AmarElo”. Disponível em https://www.letras.mus.br/blog/sujeito-de-sorte-belchior-analise/.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: ALVES, Míriam Cristiane; SANT’ANNA JÚNIOR, Ademiel de; IZIDORO-PINTO, Cecília Maria. “Mulheres pretas da Enfermagem: escrevivência atrevivida em oralitura na COVID-19”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 1, e83154, 2023

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: A pesquisa na qual o artigo está vinculado, “Necropolítica e População Negra: problematizações sobre racismo e antirracismo e seus desdobramentos em tempos de pandemia e pós-pandemia da COVID-19”, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina, da UFPel, por meio do parecer número 4.127.275

Recebido: 02 de Agosto de 2021; Revisado: 18 de Fevereiro de 2022; Aceito: 18 de Fevereiro de 2022

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ademiel.santanna@ufrgs.br

ceciliaizidoro@eean.ufrj.br

Míriam Cristiane Alves (miriam.alves@ufpel.edu.br) é psicóloga. Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora Adjunta do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas E’léékò: agenciamentos epistêmicos, descoloniais e antirracistas (Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS))

Ademiel de Sant’Anna Junior (ademiel.santanna@ufrgs.br) é músico, poeta e psicólogo. Integrante do Coletivo Adinkra de Saúde mental e relações raciais em Porto Alegre. Mestrando em Psicologia Social Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na linha de pesquisa: Clínica, Subjetividade e Política. Pesquisador participante do Núcleo de Estudos e Pesquisas E’léékò: Agenciamentos epistêmicos, descoloniais e antirracistas (Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)).

Cecília Maria Izidoro-Pinto (ceciliaizidoro@eean.ufrj.br) é doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Néry (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ). Professora Associada do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Coordenadora da Liga Acadêmica de Enfermagem em Saúde da População Negra. Membro da Câmara de Políticas Raciais da Comissão de Heteroidentificação da UFRJ. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas E’léékò: agenciamentos epistêmicos, descoloniais e antirracistas (Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)).

Contribuição de autoria: As autoras e o autor contribuíram igualmente. A versão original deste artigo foi traduzida para o inglês por Jeffrey Hoff (jeffhoff@floripa.com.br)

Conflito de interesses: Não se aplica

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