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Revista Estudos Feministas

Print version ISSN 0104-026XOn-line version ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.1 Florianópolis  2023  Epub Jan 01, 2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n182532 

Artigos

Barreiras à efetivação da igualdade salarial de gênero no Brasil

Barriers to the effectiveness of gender wage equality in Brazil

Barreras para la efectividad de la igualdad salarial de género en Brasil

Fabiana Alves Rodrigues1 
http://orcid.org/0000-0003-3152-0503

1Universidade de São Paulo, Departamento de Ciência Política, São Paulo, SP, Brasil. 05508-010 - ppg.cp@usp.br


Resumo:

A discriminação salarial baseada no gênero do trabalhador é vedada no Brasil há quase oitenta anos. Todavia, a desigualdade salarial entre homens e mulheres persiste. Este artigo apresenta uma sistematização das proposições teóricas e pesquisas empíricas sobre as trajetórias do hiato salarial de gênero. O objetivo é identificar os mecanismos causais explicativos do hiato salarial de gênero apresentados na literatura, a fim de melhor compreender os impactos limitados das políticas de igualdade salarial entre homens e mulheres no país e os motivos que dificultam a eliminação ou atenuação desses fatores causais.

Palavras-chave: desigualdade salarial; gênero; mercado de trabalho

Abstract:

Wage discrimination based on the gender of the worker has been forbidden in Brazil for almost eighty years. Nevertheless, wage inequality between men and women persists. This paper presents a systematization of theoretical propositions and empirical research on the trajectories of the gender wage gap. The objective is to identify the causal mechanisms explaining the gender pay gap presented in the literature, in order to better understand the limited impacts of gender pay equity policies in the country and the reasons that hinder the elimination or mitigation of these causal factors.

Keywords: Wage Inequality; Gender; Labor Market

Resumen:

La discriminación salarial basada en el género del trabajador está prohibida en Brasil desde hace casi ochenta años. Sin embargo, la desigualdad salarial entre hombres y mujeres persiste. Este trabajo presenta una sistematización de las propuestas teóricas y de las investigaciones empíricas sobre las trayectorias de la brecha salarial de género. El objetivo es identificar los mecanismos causales que explican las diferencias salariales entre hombres y mujeres que se presentan en la literatura, con el fin de comprender mejor los limitados impactos de las políticas de igualdad salarial entre hombres y mujeres en el país y las razones que dificultan la eliminación o mitigación de estos factores causales.

Palabras clave: desigualdad salarial; género; mercado de trabajo

1 Introdução

O Brasil conta com uma legislação que impõe o tratamento igualitário de salários entre homens e mulheres há décadas. As constituições federais de 1934 e 1946 (BRASIL, 1934; 1946) traziam proibição expressa de diferenças salariais para o mesmo trabalho por motivo de sexo, o que se reproduziu na redação original da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943 (BRASIL, 1943), e foi assegurado como direito social na constituição de 1988. O país também aderiu a instrumentos internacionais pelos quais assumiu compromisso de assegurar a equidade na questão salarial entre homens e mulheres, o que teve início em 1957, com a ratificação da Convenção nº 100 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada no mesmo ano em solo nacional, pelo decreto 41.721 (BRASIL, 1957).

Apesar desse arcabouço legislativo, a desigualdade salarial de gênero persiste no país. Um estudo especial feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em março de 2021 e baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) aponta que houve redução do hiato salarial entre homens e mulheres entre 2012 e 2019, mas a desigualdade persiste, com rendimento médio das mulheres equivalente a 77,7% do rendimento dos homens (IBGE, 2019a; 2021).

O relatório sobre disparidades de gênero de 2021 do Fórum Econômico Internacional aponta que o Brasil possui uma das maiores disparidades da América Latina, ocupando a 25ª posição entre 26 países da região. O índice mensura disparidades em quatro dimensões: oportunidade e participação econômica, desempenho educacional, saúde e sobrevivência, e empoderamento político. O fraco desempenho do país decorre especialmente dos baixos índices no empoderamento político, com a 108ª posição mundial, e as persistentes desigualdades salariais e de renda, combinadas com a baixa taxa de participação feminina na força de trabalho, que levam o país à 93ª posição mundial em desigualdade econômica de gênero (WEF, 2021).

A existência de resistentes barreiras para implementação da igualdade de gêneros tem sido apontada nos estudos de mensuração de desigualdade em muitos países, o que se expressa no prognóstico do Fórum Econômico Mundial de que, mantida a trajetória atual, a desigualdade global entre homens e mulheres levaria 135,6 anos para ser eliminada (WEF, 2021).

O objetivo deste trabalho é identificar quais são as proposições ou hipóteses formuladas pela literatura na tentativa de explicar o impacto limitado da legislação igualitária de gênero no Brasil. Enfrentar esse tema envolve percorrer uma vasta produção de estudos empíricos sobre a trajetória da diferença salarial entre homens e mulheres, no Brasil e em outros países. Esses estudos articulam ferramentas metodológicas na tentativa de identificar os fatores mensuráveis que causam a disparidade salarial, o que não é uma tarefa simples porque diversos elementos contribuem para a formação de salários e vários deles justificam diferenças salariais que não podem ser imputadas às diferenças de gênero. O texto procura sistematizar as diversas proposições teóricas sobre as causas do hiato salarial de gênero, já que, a partir delas, pode-se cogitar hipóteses sobre os motivos que dificultam a eliminação ou atenuação desses fatores causais.

Os termos sexo e gênero serão utilizados de modo intercambiável neste artigo, mas deve ser destacado que a legislação faz uso do vocábulo sexo e a literatura feminista emprega de modo mais recorrente a palavra gênero para abordar a diferença salarial entre homens e mulheres, fundada no deslocamento do enfoque biológico para as condições históricas e culturais que influenciam a construção dos diferentes papéis entre homens e mulheres (Mateus OKA; Carolina LAURENTI, 2018).

2 Teorias articuladas nos estudos empíricos sobre desigualdade salarial de gênero

A literatura indica que há diversos fatores que influenciam a contratação do trabalhador e a formação de salários, como nível educacional, capacitação prévia, horas de trabalho, tipo de emprego, pausas na carreira, tempo de duração das jornadas de trabalho (integral e parcial).

De acordo com Reynaldo Fernandes (2002), os estudos que buscam explicar as diferenças salariais dividem-se em dois grandes grupos. Os autores de inspiração neoclássica partem do pressuposto de que o mercado funciona relativamente bem na formação de salários, que seriam determinados no ponto em que demanda e oferta agregadas se igualam, não havendo espaço para diferenças salariais entre indivíduos. Nessas abordagens, sob o olhar do empregador, os salários são dados e haverá contratação de trabalhadores em função da produtividade marginal do trabalho. Sob o olhar do trabalhador, a decisão sobre a quantidade ótima de trabalho depende do salário de mercado e de suas próprias preferências relacionadas a trabalho, lazer e renda. Ainda de acordo com Fernandes (2002), o segundo grupo de autores contesta a premissa inicial, na medida em que se destaca o papel fundamental das imperfeições do mercado na formação de salários, com desenvolvimento de um instrumental analítico para explicar diferenças salariais que incorpora questões como heterogeneidade da força de trabalho (diferenças de educação e treinamento), diferenciais compensatórios na definição de salários (riscos de acidente e doença, diferenças das condições regionais, diferenças na necessidade de mais tempo de vinculação ao trabalho), segmentação do mercado de trabalho (com repercussão nas regras de contratação e pagamento de salários) e discriminação.

As abordagens de economistas feministas problematizam os estudos sobre desigualdade salarial de gênero ao questionar os paradigmas de mercado. As críticas apontadas envolvem questões como a institucionalização da separação entre as esferas pública e privada, que leva à desconsideração do trabalho familiar doméstico nas análises; a ausência de problematização das diferenças entre autonomia e poder entre homens e mulheres; a carência de discussões sobre as origens da segregação profissional por sexo; além da desconsideração de fatores de mediação nas escolhas das mulheres sobre como e quanto investir em educação e treinamento (Marilane TEIXEIRA, 2008).

Os primeiros estudos no Brasil que buscaram identificar os fatores que influenciam na desigualdade salarial tiveram por foco mensuração de variáveis ligadas ao tipo de trabalho (setor de atividade, posto de trabalho etc.) e às características produtivas do trabalhador (nível educacional, idade, sexo, residência), com resultados que apontavam como fator determinante das diferenças salariais a disparidade educacional entre os trabalhadores, que se tornou a variável mais estudada nos trabalhos empíricos sobre diferenças salariais (Allexandro COELHO; Carlos CORSEUIL, 2002).

O primeiro fato relevante destacado nos estudos sobre desigualdade salarial de gênero é o reconhecimento do aumento expressivo da participação feminina no mercado de trabalho, que representava 20,86% da população economicamente ativa em 1970 e passou a uma participação de 35,56% em 1990, 40,03% em 2000 e 43,55% em 2010, conforme respectivos censos demográficos (IBGE, 2014). Os dados compilados no Conjunto Mínimo de Indicadores de Gênero (CMIG), disponibilizados pela Divisão de Estatística das Nações Unidas, mostram que, em 2019, 54,5% das mulheres e 73,7% dos homens participavam da força de trabalho. Esse dado é um indicativo da maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho e possivelmente se relaciona com a maior dedicação das mulheres aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas (21,4 horas semanais), quase o dobro do tempo despendido pelos homens (11 horas semanais) em 2019 (IBGE, 2021). Também houve contínuos e expressivos aumentos do nível de escolaridade das mulheres e de sua participação no mercado formal de empregos, além de mudanças na configuração das famílias, com redução do crescimento demográfico e maior participação da renda do trabalho das mulheres na renda familiar. Essas mudanças estruturais da sociedade repercutiram de modo relevante na trajetória da desigualdade salarial de gênero, pelo progressivo aumento da participação das mulheres nas atividades econômicas, com redução do desemprego e do peso do trabalho doméstico (remunerado ou não) na ocupação feminina (Eugenia LEONE, 2015).

As pesquisas com foco na influência do gênero para o diferencial salarial reiteradamente identificam fração das diferenças salariais que não são explicadas pelas variáveis ligadas à produtividade do trabalho e a diferenças alocativas. Barros, Lauro Ramos e Eleanora Santos (1995) identificam, entre trabalhadores da área urbana, no período de 1981 a 1989, a presença de diferencial de mais de 50% desfavorável às mulheres, do qual apenas 10% podem ser explicado pelas variáveis de educação, experiência, ocupação e inserção no mercado de trabalho. Os estudos mostram uma trajetória de redução da diferença salarial entre homens e mulheres, que caiu de 79% para 25%, entre 1977 e 1997 (Maria Carolina LEME; Simone WAJNMAN, 2000), queda também identificada entre 2002 e 2011, o que foi acompanhado de aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho (de 41,32% a 42,16% da população ocupada total) e da discriminação contra as mulheres, já que a parcela de diferencial salarial atribuída exclusivamente à discriminação no mercado de trabalho passou de 0,29 para 0,43 (Katy MAIA et al., 2015).

Os estudos empíricos seguem apontando diferenças de ganhos entre homens e mulheres em situações homogêneas de trabalho (Paulo JACINTO, 2005; Ana Carolina GIUBERTI; Naércio MENEZES-FILHO, 2005; Magno GOMES; Solange SOUZA, 2018), com diversas pesquisas que procuram aprofundar a compreensão desses diferenciais de renda, como a identificação de diferenciais maiores entre trabalhadores do mercado formal do que no mercado informal (Maria Cristina CACCIAMALI; Fábio TATEI; Jackson ROSALINO, 2009), e de maior desigualdade entre trabalhadores com nível superior (LEONE; Paulo BALTAR, 2006).

Os estudos comparativos sobre a América Latina identificam o aumento da participação das mulheres na força de trabalho na região, decorrente de fatores como crescimento econômico, rápida urbanização, mudança de padrões de fertilidade e liberalização do comércio (Alejandra COX; Judith ROBERTS, 1993), mas apontam que o hiato salarial de gênero persiste na região, apesar da heterogeneidade entre os países. Juan Pablo Atal, Hugo Ñopo e Natalia Winder (2009) analisaram dados de surveys domiciliares de 2005, referentes a 18 países na região, e identificaram diferenças salariais que variam de 9 a 27%, com rendimento médio das mulheres 20% inferior ao dos homens com mesmas características laborais. Os autores apontam que o diferencial atribuído ao gênero é maior entre trabalhadores mais velhos, informais e autônomos, e trabalhadores vinculados a empresas pequenas.

As pesquisas empíricas sobre desigualdade salarial de gênero nos EUA igualmente identificam hiatos que não se explicam por diferenças nos níveis de educação e experiência. Joseph Altonji e Rebbeca Blank (1999) identificam redução da desigualdade salarial de gênero entre os anos de 1979 e 1995, que passou de 45,7% a 28,6%, mas a baixa diferença entre as características de homens e mulheres no ano de 1995 (7,6%) indica a persistência do hiato salarial associado ao gênero.

O estudo de Francine Blau e Lawrence Kahn (2016) analisa microdados salariais nos EUA, de 1980 a 2010, com decomposição das mudanças no diferencial salarial para identificar as frações associadas com diversas características, como escolaridade, experiência, estado civil, ocupação profissional e ramo de atividade. As autoras identificam declínio considerável do diferencial salarial de gênero no período, com redução menor nos altos níveis de distribuição salarial. O estudo aponta ainda que as variáveis convencionais de educação e experiência tiveram pouca explicação no hiato salarial observado em 2010 e que mais da metade da diferença salarial de gênero está associada a diferenças de ocupações profissionais e de ramos de atividade. As autoras concluem que, embora fatores tradicionais ligados ao capital humano sejam relativamente desimportantes no agregado, nas ocupações de alta qualificação alguns fatores permanecem significantes para diferenças salariais de gênero, como interrupção da trajetória do trabalho e jornadas reduzidas.

A dificuldade de formulação de modelos teóricos que ofereçam explicação geral para a persistência da desigualdade salarial de gênero se justifica pela natureza complexa do mercado de trabalho e da formação de salários. Estudos sobre o tema devem considerar a confluência de fatores ligados às preferências dos indivíduos e das empresas, aspectos culturais e sociais ligados à família e à divisão de papéis entre gêneros, regulação institucional do mercado de trabalho, além da representatividade das mulheres na conformação das forças políticas e de mercado que participam dos processos decisórios que envolvem o mercado de trabalho.

O arcabouço teórico articulado pela ampla gama de trabalhos empíricos sobre desigualdade salarial no Brasil, na América Latina e nos EUA pode ser sistematizado pela identificação de dois fatores principais, relevantes na produção da desigualdade que os estudos procuram mensurar: i) heterogeneidade dos trabalhadores (teoria do capital humano) e ii) segregação ocupacional (teorias da segmentação). Quanto às diferenças salariais não explicadas por esses fatores, há duas explicações mais recorrentes: iii) institucional (regulação do mercado e políticas públicas) e iv) discriminação (de gênero e estatística) (Ricardo BARROS; Rosane MENDONÇA, 1996; ATAL; ÑOPO; WINDER, 2009; BLAU; KAHN, 2016).

As subseções a seguir abordam cada um desses fatores articulados pelas teorias e de que modo cada um deles pode contribuir na explicação para os impactos reduzidos (ou implementação lenta) das políticas de igualdade salarial entre homens e mulheres.

2.1 Teoria do capital humano

A teoria do capital humano procura explicar variações salariais pelas diferenças individuais do trabalhador e preconiza, de modo geral, que níveis de escolaridade e experiência são determinantes da produtividade e do rendimento do trabalho, o que repercute nas diferenças salariais (Gary BECKER, 2008). Muitas análises da desigualdade salarial, em especial entre economistas, consideram que não podem ser atribuídas ao gênero as diferenças salariais, entre mulheres e homens, que possam ser explicadas por diferentes níveis de educação ou experiência. Essa abordagem é alvo de críticas, em especial de cientistas sociais feministas, que destacam fatores de discriminação que dificultam ou impedem a entrada de certas trabalhadoras no mercado de trabalho, além da existência de fatores socioeconômicos e culturais que afetam a continuidade dos vínculos de trabalho das mulheres, como interrupções para cuidados da família e maternidade (TEIXEIRA, 2008).

A teoria do capital humano oferece repertório analítico para compreender diferenças salariais que são atribuídas não ao gênero diretamente, mas a capacidades e recursos do indivíduo que repercutem na formação dos salários e cuja aquisição pode se operar de modo desigual entre homens e mulheres. Amartya Sen (2011) propõe um conceito de capacidade que está ligado à liberdade substantiva, que confere oportunidades reais à pessoa para os tipos de vida que elas podem levar, que se sujeita a contingências ligadas a heterogeneidades pessoais, diversidades no ambiente físico, variações no clima social e diferenças de perspectivas relacionais. Além do exemplo indicado pelo autor, do uso desproporcional da renda familiar para promover interesses dos meninos em detrimento das meninas, comum em países asiáticos e do norte da África, pode-se cogitar escolhas familiares que priorizam a capacitação e carreira profissional do marido em detrimento da mulher, ou, ainda, a determinação, pelo marido, da localização geográfica da família, o que repercute no capital formador das rendas e nos efeitos territoriais sobre a carreira de cada integrante do casal (Thomas COOKE; Paul BOYLE; Kenneth COUCH; Peteke FEIJTEN, 2009).

Nesses casos, a desigualdade resultante nos salários decorre indiretamente da desigualdade na fruição de direitos que se opera pelas diferenças de oportunidades entre homens e mulheres. E como esses fatores encontram raízes em aspectos culturais da sociedade, que por natureza demandam tempo para mudanças, parece razoável supor que parte da resistência na trajetória de desigualdade salarial de renda atribuída à heterogeneidade entre homens e mulheres decorre de um mecanismo inercial das estruturas sociais que distribuem capacidades desigualmente entre os gêneros.

A progressiva redução do diferencial educacional de gênero (IBGE, 2019b), que levou o Brasil a atingir o score máximo no índice de igualdade educacional de gênero do Fórum Econômico Mundial em 2020 (WEF, 2021), tem retirado relevância das variáveis educacionais explicativas da teoria do capital humano, mas remanescem questões analíticas sobre a influência do gênero na experiência e na fixação da força de trabalho, pela possível existência de diferenciais de compensação que repercutem na remuneração de ocupações em função da necessidade de maior frequência no emprego, seja quanto à duração da jornada de trabalho (integral ou parcial), seja quanto ao tempo de vinculação no mesmo trabalho (duração no emprego). Essas variáveis são relevantes porque podem guardar relação com a divisão sexual do trabalho não remunerado, como as atividades domésticas e o cuidado de pessoas, principalmente aquelas relacionadas à maternidade.

O diferencial compensatório ajuda a explicar os resultados encontrados por Marianne Bertrand, Claudia Goldin e Lawrence Katz (2010), que identificaram, nos EUA, o padrão remuneratório para atividades em setores financeiros e corporativos que sugerem a existência de penalidades para jornadas reduzidas, menos experiência e interrupções na duração do contrato de trabalho. Esse repertório analítico se conecta com o tema da desigualdade salarial de gênero na medida em que padrões culturais na divisão entre os gêneros das atividades domésticas de cuidado da família e dos filhos são fatores que repercutem nas diferenças de disponibilidade temporal entre homens e mulheres para o trabalho, o que tem sido identificado em pesquisas que sugerem que as mulheres são mais propensas que os homens a deixar o trabalho por razões familiares, notadamente depois da maternidade (Nachum SICHERMAN, 1993; Cecilia MACHADO; Valdemar PINHO NETO, 2016).

2.2 Segmentação do mercado de trabalho

Se as variáveis ligadas ao nível de educação e experiência têm sido cada vez menos associadas às diferenças salariais entre homens e mulheres, as pesquisas empíricas que focam nos diversos aspectos ligados à segmentação do mercado de trabalho apontam que parcela considerável dos diferenciais salariais não explicados pelo capital humano pode ser atribuída à segregação no trabalho pelo sexo.

As teorias da segmentação do mercado de trabalho possuem como núcleo comum o pressuposto de que existem falhas de mercado e elas repercutem nos salários, na medida em que diferentes segmentos de mercado de trabalho (primário e secundário, formal e informal, sindicalizado e não sindicalizado etc.) apresentam regras distintas de operação que não são equalizadas pelos mecanismos de mercado e, por isso, produzem como efeito diferenças salariais entre trabalhadores que ocupam postos de trabalho distintos, mesmo sendo homogêneos quanto a suas preferências e produtividade (FERNANDES, 2002).

Aqui novamente há repercussão relevante na discussão sobre diferenças salariais de gênero que podem ser reflexos de padrões culturais, como a associação das mulheres a trabalhos na área de suporte administrativo e prestação de serviços de cuidados (considerados femininas) e dos homens a ocupações ligadas a atividade fabril e trabalhos gerenciais.

Ana Maria Oliveira (2001) analisa dados de 1981 a 1999 e identifica que a segregação ocupacional por sexo contribui para o diferencial salarial entre gêneros no Brasil, com ocupações consideradas femininas pagando salários inferiores àquelas consideradas masculinas, além de identificar que estas últimas atraem apenas homens de menor qualificação. Resultado semelhante foi encontrado em pesquisa feita por Asaf Levanon, Paula England e Paul Allison (2009), nos Estados Unidos, a partir de censo de 1950 a 2000, no qual identificaram que ocupações femininas são pior remuneradas que as ocupações masculinas com trabalhadores com características semelhantes. Os autores atribuem esse resultado a uma desvalorização do trabalho realizado por mulheres, que o modelo teórico atribui à discriminação dos empregadores, às preferências construídas socialmente e ao diferencial nas responsabilidades familiares.

Em estudo mais amplo sobre segregação ocupacional no país, que abrange série histórica de 1978 a 2007, Regina Madalozzo (2010) identifica que houve aumento da participação das mulheres nas ocupações ditas masculinas, não acompanhado da recíproca, além de observar que o hiato salarial entre os gêneros só reduziu no começo do período, tendo permanecido estável na última década analisada.

A diferença salarial entre os sexos atribuída à segregação profissional persiste para o ano de 2013, conforme estudo de Madalozzo, Sergio Martins e Mariane Lico (2015) a partir de dados da PNAD. Os autores identificam que, nas profissões com maioria de mulheres (femininas) ou com proporções equivalentes, o diferencial salarial é sempre favorável aos homens, apesar de as características de capital humano das mulheres serem, em média, superior às dos homens. Um dado interessante se refere às ocupações ditas masculinas, nas quais o diferencial salarial é favorável às mulheres, mas é inferior ao esperado em função das características observadas dos trabalhadores, ou seja, o diferencial salarial deveria ser maior pelas variáveis mensuráveis de capital humano.

Diante da relevância da segregação profissional para a persistência das diferenças de renda entre homens e mulheres no país, parece importante estabelecer uma conexão entre esses resultados e os estudos gerais sobre desigualdade econômica que focam na heterogeneidade do mercado de trabalho para explicar a trajetória da desigualdade de renda.

Um dos principais modelos explicativos foi desenvolvido por David Rueda (2005), denominado insider-outsider. O modelo contesta o pressuposto das escolas tradicionais do governo partidário de homogeneidade do mercado de trabalho, para identificar três grupos principais de trabalhadores, insiders, outsiders e trabalhadores de alta renda. Os insiders são trabalhadores com empregos altamente protegidos e que não são ameaçados por altos níveis de desemprego. Os outsiders são desempregados e trabalhadores com baixos salários e baixos níveis de proteção (contratos de prazo fixo, temporário ou emprego de jornada parcial), por isso são especialmente vulneráveis ao desemprego e a flutuações econômicas. O grupo de alta renda compõe-se de pessoas ocupantes de cargos de gestão e pessoas que trabalham por conta própria, como empresários e profissionais liberais. O grande diferencial do modelo é partir dessas diferenças quanto à vulnerabilidade ao emprego para extrair as preferências dos eleitores e, consequentemente, explicar as políticas públicas desiguais em favor dos setores mais protegidos (insiders) nos governos europeus de social democracia dos anos 1970.

Ao trazer o modelo insider-outsider para a discussão da desigualdade remuneratória entre homens e mulheres, pretende-se conectar o modelo explicativo das desigualdades entre insiders e outsiders com a persistência da parcela significativa do diferencial salarial entre homens e mulheres que decorre da segmentação ocupacional. O modelo Bismarckiano, que foi introduzido na era Vargas, instituiu uma métrica de titularidades de direitos trabalhistas em função das diferentes categorias de cidadãos, uma cidadania regulada (Wanderley SANTOS, 1979), com claros benefícios aos insiders ou trabalhadores formais (celetistas e servidores públicos) em detrimento dos outsiders, grupo que, durante muito tempo, teve uma grande participação das mulheres, em especial nas ocupações de trabalho doméstico (remunerado ou não).

Houve avanços nas diferenças de gênero no mercado de trabalho formal e informal, mas elas seguem sendo desfavoráveis às mulheres. Angela Maria Araújo e Maria Rosa Lombardi (2013) fazem uma análise da série histórica do mercado informal do Brasil e identificam que, entre 2001 a 2009, o incremento da ocupação total do mercado de trabalho deveu-se especialmente à expansão do mercado formal, mas, mesmo com a expansão proporcionalmente menor do mercado informal, esse segmento absorveu mais mulheres do que homens, em postos de trabalho desprotegidos e vulneráveis. O estudo de Paola Salardi (2014) analisa a segregação ocupacional por gênero no Brasil, com a desagregação do mercado de trabalho em formal, informal e autônomo (self-employed), para o período de 1987 a 2006. A autora classifica como formais os empregados com registro em Carteira de Trabalho e servidores públicos, atribuindo o rótulo de informais aos empregados do setor privado sem tal registro. A autora identifica redução do hiato salarial entre homens e mulheres e uma redução da segregação por gênero, que foi maior para o mercado de trabalho formal, porém, observa que houve aumento significativo da participação das mulheres no mercado de trabalho informal, especialmente das mulheres negras.

Essa mesma tendência aparece no estudo de Leonardo Silveira e Natália Leão (2020) que analisa o impacto da segregação por gênero e raça sobre a desigualdade salarial, no período de 1986 a 2015. Os autores apontam que houve uma lenta e constante queda na segregação ocupacional por gênero no país, com alguma redução da desigualdade salarial de gênero, mas identificam a persistência da discriminação e maiores diferenças quando incluída a variável racial.

A heterogeneidade no mercado de trabalho e seus reflexos no estatuto de direitos dos trabalhadores integrantes de categorias diversas também se conecta com a desigualdade salarial entre homens e mulheres, na medida em que alguns dos mecanismos que ajudam a explicar a persistência da desigualdade entre insiders e outsiders podem estar por trás da persistência do hiato salarial entre homens e mulheres, ligado à segmentação ocupacional, como a estrutura de vetos na produção de políticas públicas e a inércia dos legados de policies, que contribuem para a manutenção da desigualdade no estatuto de direitos dos trabalhadores em função das categorias herdeiras do modelo Bismarckiano (Evelyne HUBER; John STEPHENS, 2012).

2.3 Outras teorias: instituições e discriminação

Além da heterogeneidade dos trabalhadores e da segregação ocupacional, vários estudos que mensuram a trajetória da desigualdade salarial entre homens e mulheres apontam outros fatores que podem estar por trás do hiato salarial, os quais igualmente fornecem hipóteses sobre a persistência da desigualdade de gênero. Os mais recorrentes são aspectos institucionais e discriminação.

Uma das principais críticas apontadas por Daron Acemoglu e James Robinson (2015) ao monumental trabalho de Piketty sobre a trajetória da desigualdade no século XXI centra-se na ausência de incorporação do papel sistemático das instituições e da politics, destacando-se como exemplo os casos da África do Sul e da Suécia, cujas trajetórias de desigualdade são mais bem explicadas pelas instituições do mercado do trabalho, além de mudanças no equilíbrio político (África do Sul) e das políticas governamentais (Suécia).

O desenho institucional que regula o mercado de trabalho e, especificamente, o trabalho da mulher, também integra o quadro de explicações para a desigualdade salarial de gênero.

Em primeiro lugar, destaca-se que a legislação que introduziu a igualdade formal remuneratória conviveu com normas que restringiam a autonomia da mulher como agente no mercado de trabalho. A possibilidade de interferência do marido no contrato de trabalho da mulher adulta, por exemplo, só foi excluída da legislação brasileira em 1989 (Lei 7.855). Além disso, de acordo com Alice Barros (2006), uma farta legislação que vedava o acesso da mulher a trabalhos em locais perigosos e insalubres, trabalho noturno, horas extras, construção civil etc., a despeito de denotar finalidades nobres, teve potencial discriminatório na medida em que reduziu as perspectivas de trabalho das mulheres e reforçou a divisão sexual de atividades laborais. A autora se soma a outros que identificam um reforço do tratamento desigual entre homens e mulheres como efeito do aumento dos custos ao empregador em razão da legislação protetiva da maternidade, agravado pelo contexto sociocultural no qual a mulher assume de modo preponderante os cuidados com filhos e tarefas domésticas.

Alguns estudos apontam a existência de benefícios titularizados exclusivamente pelas mulheres, como a licença parental prolongada, como fatores que influenciam o hiato salarial entre os gêneros, num mecanismo de compensação de diferenciais salariais que desprivilegia mulheres elegíveis à fruição de licença maternidade (Rebecca EDWARDS, 2006). A literatura estadunidense sobre efeitos da licença parental no hiato salarial de gêneros sugere que esses efeitos são ambíguos, com resultados que apontam pequeno efeito no emprego e ausência de efeito na remuneração (Charles BAUM, 2003), e outros que indicam que as políticas públicas de licença parental contribuem para o aumento do hiato de gênero na promoção no emprego (Mallika THOMAS, 2016). Esses resultados talvez não sejam parâmetros para o caso brasileiro, já que as licenças nos EUA são bem mais reduzidas que nos países europeus e no Brasil.

O período de 84 dias de licença maternidade previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, foi ampliado para 120 dias pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), com expansão gradual das trabalhadoras sujeitas à cobertura do benefício: 1988 para domésticas e trabalhadoras avulsas, 1991 para empregadas rurais, 1994 para trabalhadoras rurícolas em núcleo familiar e 1999 para as autônomas (BARROS, 2006).

O estudo de Blau e Kahn (2013) sobre o impacto do aumento do período da licença sobre os salários em 21 países da OCDE, entre 1990 (37,2 semanas) e 2010 (57,3 semanas), identificou a menor probabilidade de as mulheres ocuparem funções com jornada de trabalho integral ou posições gerenciais em comparação com o mesmo período nos EUA (sem licença em 1990 e 23 semanas de licença em 2010). Os resultados sugerem efeitos negativos das licenças mais longas no hiato salarial de gênero, o que se confirma com pesquisas que indicam que esses resultados podem ser compensados com políticas públicas que incentivam o uso da licença pelos pais, pela redução da especialização pelo sexo (Ankita PATNAIK, 2019).

Pode-se dizer, ainda, que essa variável, relacionada à penalidade salarial da maternidade (William RODGERS; Leslie STRATTON, 2010), também pode reforçar a segregação ocupacional entre os gêneros, notadamente no que se refere a ocupações profissionais para as quais a assunção de maiores cuidados com os filhos impõe constrangimentos em agendas de trabalho, viagens e rotinas profissionais intensivas, muitas vezes relevantes para ascensão na carreira ou empresa. Isso leva a um ponto muito discutido na literatura, o denominado “teto de vidro”, expressão utilizada em razão de dados que indicam que é mais difícil para mulheres alcançar posições superiores na hierarquia das empresas, quase sempre reservadas aos homens (Andrea STEIL, 1997).

Thaíssa Proni e Marcelo Proni (2018) analisam dados remuneratórios em empresas de grande porte no Brasil (pelo menos 500 funcionários) para o ano de 2015 e identificam que, apesar de um equilíbrio na proporção entre homens e mulheres no quadro geral das empresas, os homens preponderam na ocupação dos cargos de comando (direção e gerência), com exceção nos setores de prestação de serviços de saúde, educação e cultura. A menor participação feminina é observada nos setores de produção e operações, onde as mulheres ocupam 16,8% (de 500 a 999 funcionários) e 21,9% (a partir de 1000 funcionários) dos cargos de diretores. Além disso, há diferenças salariais não explicadas pela carga horária dos trabalhadores, o que se observa pelo salário-hora médio das mulheres em cargos de comando representar 61,7% do salário-hora dos homens na mesma posição. Mesmo considerados setores onde a proporção das mulheres é maior (saúde, educação e cultura), o salário-hora das mulheres corresponde a 80,2% do salário-hora dos homens.

A estrutura que regula as atividades sindicais no país também é apontada como fator institucional que repercute nas diferenças salariais entre os gêneros, notadamente num contexto de segmentação do mercado de trabalho em que homens e mulheres concentram-se em setores ou atividades com diferentes padrões de organização sindical. Os EUA apresentam dados interessantes que apontam a influência do declínio das atividades sindicais, entre 1973 e 1988, sobre a redução da desigualdade salarial de gênero, explicada porque a queda da sindicalização ocorreu de modo preponderante nas ocupações dominadas por homens (Willian EVEN; David MacPHERSON, 1993). Esses resultados, plausíveis de ocorrerem no Brasil diante do recente corte do financiamento compulsório dos sindicatos de empregados, demandam inclusive uma interpretação mais refinada do significado do movimento de equalização das rendas, já que este pode representar um rebaixamento remuneratório dos homens

Por fim, parte da literatura que se debruça sobre diferenças salariais entre gêneros recorre às teorias da discriminação no mercado de trabalho, que se dividem em dois modelos principais: neoclássico e estatístico.

O modelo neoclássico centra-se na preferência dos atores econômicos e preconiza que o gosto discriminatório, associado ao gênero, pode se situar nos empregadores, quando só contratam mulheres mediante desconto salarial; nos clientes, quando oferecem relutância à aquisição de trabalho prestado por mulheres; e nos colegas de trabalho, ao exigir prêmios ou diferenciais compensatórios para trabalhar com mulheres. Esse modelo pressupõe que as condições competitivas no mercado levariam à eliminação da discriminação no longo prazo, na medida em que empresas menos discriminatórias teriam vantagens competitivas pelos custos reduzidos decorrentes da contratação de mulheres com menores salários, com resultado final de exclusão das empresas preconceituosas do mercado. Os modelos de discriminação estatística, por outro lado, pressupõem que problemas de informação imperfeita no mercado sobre a produtividade de potenciais empregados levam empregadores a utilizar características como sexo ou raça como critério para decisões sobre contratação e pagamento de salários. Nesse caso, a persistência da discriminação no longo prazo se explicaria pela existência de informação imperfeita e incerteza no mercado, que leva à diferença no tratamento de grupos (homens e mulheres) em razão da tomada de decisões na qual os indivíduos são julgados de acordo com a média das características do grupo aos quais pertencem, por exemplo, se mulheres forem vistas coletivamente como menos comprometidas com o trabalho ou carentes de determinados atributos (Paulo LOUREIRO, 2003).

A discriminação, notadamente a estatística, tem sido apontada como fator explicativo das parcelas de diferenças salariais entre gêneros não explicadas nem pelos fatores que repercutem na formação de salários, nem pela segmentação do mercado de trabalho (BARROS, 2006; MADALLOZZO; MARTINS; LICO, 2015; PRONI; PRONI, 2018).

Há diversas dificuldades metodológicas em identificar a presença de discriminação nas relações de trabalho e mensurar seus efeitos sobre a renda, além de possível subestimação da discriminação, se ela operar como fator de influência sobre outras variáveis explicativas do hiato salarial, como experiência, setor ocupacional, posições dentro das empresas, status sindical etc. (BLAU; KAHN, 2013).

Destacamos um interessante estudo com características de experimento que sugere a existência de discriminação na contratação de mulheres. Goldin e Cecilia Rouse (2000) analisam os registros das audições de oito grandes orquestras sinfônicas para investigar os efeitos da introdução de audiências às cegas nas políticas de contratação das orquestras nos EUA. As autoras identificam que as audiências às cegas aumentam em 50% a probabilidade de uma mulher avançar nas fases do processo de seleção, e apontam que essas audiências podem explicar de 30% a 50% do aumento na proporção das mulheres nas novas contratações, além de 25% a 45% no aumento da participação de mulheres nas orquestras no período de 1970 a 1996, que passou de menos de 5% a 25% do corpo das orquestras.

A discriminação por gênero, notadamente a estatística, envolve preferências que possivelmente encontram raízes em valores culturais que passam por processos de mudança que demandam tempo. Pode-se dizer que, se a discriminação realmente opera como fator causal direto ou indireto no hiato salarial entre os gêneros, a mera previsão legal de vedação de tratamento discriminatório não tem o condão de desconstruir esses valores e seus efeitos no mercado de trabalho, o que agrega mais uma explicação para a persistência das diferenças salariais entre homens e mulheres no Brasil.

3 Considerações finais

A proibição de tratamento desigual entre homens e mulheres no mercado de trabalho não foi suficiente para eliminar o hiato remuneratório entre os gêneros. Os principais fatores apontados pela literatura para explicar a existência desses diferenciais salariais fornecem um repertório analítico que permite cogitar quais são os mecanismos que explicam a resistência na concretização da política igualitária.

A superação das diferenças em níveis de educação e experiência entre homens e mulheres, variável principal na explicação da formação dos salários, demandou um lento processo de aumento das oportunidades de acesso à educação e de participação das mulheres no mercado de trabalho. Nesse caso, a mera previsão legal de tratamento igualitário não foi suficiente para romper os mecanismos inerciais das estruturas sociais que distribuíam as capacidades desigualmente entre os gêneros. Com a progressiva redução do diferencial educacional no país, os hiatos salariais remanescentes envolvem fatores que produzem desigualdade remuneratória e que também não são passíveis de eliminação com a mera previsão de igualdade formal, como a segregação no mercado de trabalho e a discriminação entre os sexos.

A segmentação do mercado de trabalho entre homens e mulheres contribui para a persistência da desigualdade remuneratória na medida em que se sujeita ao mecanismo inercial dos legados de policies, que ajuda a explicar a persistência da desigualdade no estatuto de direitos dos trabalhadores que estão segregados pelo sexo em setores com diferentes níveis de proteção e sindicalização. Algumas provisões institucionais sobre o funcionamento do mercado de trabalho também impuseram freios na meta igualitária ao reduzir as possibilidades de trabalho das mulheres, com reforço da divisão sexual laboral que está por trás da segmentação. Soma-se a isso uma estrutura social que reproduz a partilha desigual entre os gêneros dos cuidados de pessoas e afazeres domésticos, o que repercute nas possibilidades de ingresso no mercado de trabalho e ascensão profissional.

Pode-se dizer que a resistência na efetivação da igualdade de gênero no mercado de trabalho decorre não apenas da complexidade dos fatores que se articulam para a formação de salários e de possibilidades de ascensão no trabalho. Essas dimensões também estão envoltas em aspectos sociais e culturais que são pouco suscetíveis de rápida mudança, principalmente aqueles relacionados a alguns valores e práticas arraigados sobre divisão de papéis entre homens e mulheres no trabalho e na sociedade de um modo geral.

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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: RODRIGUES, Fabiana Alves. “Barreiras à efetivação da igualdade salarial de gênero no Brasil”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 1, e82532, 2023.

Financiamento: Não se aplica.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 30 de Junho de 2021; Revisado: 05 de Janeiro de 2022; Aceito: 16 de Fevereiro de 2022

fabiana.rodrigues@usp.br; fabi.far@gmail.com

Fabiana Alves Rodrigues (fabiana.rodrigues@usp.br; fabi.far@gmail.com) é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), onde obteve o título de mestra (2019). É graduada em Ciências Econômicas pelo Mackenzie (1995) e Direito pela Universidade de São Paulo (1996). É autora do livro Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça (WMF Martins Fontes, 2020).

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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