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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.2 Florianópolis  2023  Epub 01-Maio-2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n283015 

Artigos

Pardismo, Colorismo e a “Mulher Brasileira”: produção da identidade racial de mulheres negras de pele clara

Pardismo, Colorismo y la “Mujer Brasileña”: producción de la identidad racial de mujeres negras de piel clara

Mara Coelho de Souza Lago1 
http://orcid.org/0000-0001-5111-8699

Débora Pinheiro da Silva Montibeler1 
http://orcid.org/0000-0002-5836-8743

Raquel de Barros Pinto Miguel1 
http://orcid.org/0000-0003-2042-7223

1Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. 88040-900 - ppgp@contato.ufsc.br


Resumo:

Neste artigo, baseado em estudos, leituras e discussões ocorridas em reuniões de orientação coletiva entre as autoras, trazemos reflexões preliminares à realização de pesquisa sobre a população parda e o tema do “pardismo” na sociedade brasileira. Buscamos refletir a respeito dos processos de invisibilização da negritude com base na ambiguidade de traços fenotípicos. Como todas as opressões que operam na sociedade ocidental colonial, a violência simbólica da desracialização, combinada com as opressões de gênero, pode provocar efeitos psicossociais significativos em pessoas que ocupam posições de gênero não hegemônicas. Com foco em mulheres negras de pele clara, procuramos refletir sobre as formas como a negação da identidade racial incide sobre os processos de subjetivação dessas mulheres em uma sociedade marcada pela colonialidade. Refletimos ainda sobre a adequação do conceito de “colorismo” à realidade brasileira.

Palavras-chave: pardismo; colorismo; racismo; embranquecimento; negras de pele clara

Resumen:

Este artículo, basado en estudios, lecturas y discusiones que tuvieron lugar en reuniones de orientación colectiva entre las autoras, trae reflexiones preliminares para la realización de investigación sobre la población negra de piel clara y el tema del “pardismo” en la sociedad brasileña. En tal sentido se procura reflexionar sobre los procesos de invisibilización de la negritud a partir de la ambigüedad de los rasgos fenotípicos. Como todas las opresiones que operan en la sociedad occidental colonial, la violencia simbólica de la desracialización, combinada con las opresiones de género, puede tener efectos psicosociales significativos en las personas que ocupan posiciones de género no hegemónicas. Centrándose en las mujeres negras de piel clara, el texto busca reflexionar sobre las formas en que la negación de la identidad racial afecta los procesos de subjetivación de estas mujeres en una sociedad marcada por la colonialidad. El artículo también reflexiona sobre la adecuación del concepto de “colorismo” a la realidad brasileña.

Palabras clave: pardismo; colorismo; racismo; blanqueamiento; mujeres negras de piel clara

Abstract:

In this article, based on studies, readings, and discussions at collective supervisory meetings among the authors, we discuss reflections that are preliminary to the realization of a study about the parda or light-skinned Black population, and the theme of “pardismo” in Brazilian society. We reflect on the processes of invisibilization of Blackness based on the ambiguity of phenotypic traits. Like all oppressions that operate in colonial Western society, the symbolic violence of deracialization, combined with gendered oppressions, can have significant psychosocial effects on people who occupy non-hegemonic gender positions. Focusing on Black women with light-skin, we consider how the denial of racial identity affects processes of subjectivation of these women in a society marked by coloniality. We also discuss how the concept of “colorism” can be adapted to Brazilian reality.

Keywords: Pardismo; Colorism; Racism; Whitening; Light-skinned Black women

Introdução

O que é preto o suficiente para estar no espectro da negritude? Meu cabelo deveria ser diferente? Quem sou eu? Onde me localizo? “Mulata”? “Morena”? Sou “da cor do pecado”? Estes questionamentos acompanham cotidianamente um sem-número de mulheres negras de pele clara. Mulheres que, ao afirmarem sua negritude, são atravessadas por olhares, comentários e perguntas: nem tanto, você é clara demais, seu cabelo não é crespo o suficiente, você não é preta o suficiente. São mulheres que vivem a jornada do quase. Mulheres que, em sua negritude esmorecida, habitam um corpo de fronteira (Mariana Amaral QUEIROZ, 2020), nem lá e nem cá, um corpo com (ou sem?) liberdade para se autodenominar, na constante busca por confirmação. Nada suficientemente. Quem define, afinal, a dimensão de racialização? Quem define quais negros estão mais dentro das normas? Como funcionam os mecanismos que invisibilizam a negritude de pessoas negras lidas como “pardas/mestiças” na sociedade brasileira?

Para as mulheres não-brancas, muitas vezes, o que vai definir seu grupo racial socialmente é a sua identificação enquanto sujeito. Isso está relacionado aos seus processos emocionais ou psíquicos. Com as identificações culturais ou relacionais familiares, ou ainda como esta pessoa é lida pela sociedade (Gabriele de Oliveira da SILVA et al., 2020).

Neste artigo, baseado em estudos, leituras e discussões ocorridas em reuniões de orientação coletiva entre as autoras, trazemos reflexões preliminares à realização de pesquisa sobre o tema do “pardismo”1 na sociedade brasileira, com foco em mulheres negras de pele clara (Débora MONTIBELER, 2021). É anterior, portanto, à realização da pesquisa por sua segunda autora, discente em programa de pós-graduação, ela própria uma mulher negra de pele clara, implicada com o tema. Tais reflexões, oriundas de suas próprias experiências e das leituras e estudos com as orientadoras, tiveram como objetivo fundamentar a realização da pesquisa proposta. Partindo, portanto, das questões vivenciadas pela pesquisadora em suas afecções de mulher jovem, e também da carga de estereótipos colocada sobre mulheres descendentes dos colonizadores e dos povos negros transportados violentamente para o Brasil na condição de escravizados, neste artigo, buscamos reunir ponderações de diferentes autoras e autores a respeito dos efeitos psicossociais do racismo e da miscigenação na identidade racial de mulheres brasileiras na atualidade.

Os temas das subjetividades, singularidades, identidades, identificações, cruciais para pensar as questões de raça, gênero - das diferenças em geral -, sinalizam o apelo aos saberes Psi. Lélia Gonzalez (1984; 2018) e Souza (2021) foram teóricas que utilizaram concepções psicanalíticas em seus estudos sobre os negros na sociedade brasileira. Em psicanálise, o tema da subjetividade está referido a um saber singular que remete à clivagem do aparelho psíquico (consciente/pré-consciente, inconsciente) e ao lugar que o inconsciente ocupa nesse campo (Luiz Alfredo GARCIA-ROZA, 2000).

A psicanalista Neusa Santos Souza (2021) introduz, com estes temas, sua pesquisa, publicada originalmente em 1983, Tornar-se negro ou As vicissitudes do negro brasileiro em ascensão social: “O negro que se empenha na conquista da ascensão social paga o preço do massacre mais ou menos dramático de sua identidade. Afastado de seus valores originais (...) o negro tomou o branco como modelo de identificação” (SOUZA, 2021, p. 46).

Sobre os polissêmicos conceitos de “identidade” e de “identificação”, é importante atentarmos para algumas questões: a identificação, processo inconsciente, é estruturante das identidades; estas se diferenciam em identidade pessoal e identidade social. A identidade pessoal, construção subjetiva que marca a singularidade de cada pessoa, é “(...) a ficção do Imaginário através da qual o sujeito se representa como um eu consciente procurando dar unidade e coerência a esta representação” (Mara C. de S. LAGO, 1999, p. 123); as identidades sociais, culturais, de grupos, marcam nossas pertenças. No entanto, “os processos” de construção de identidades pessoais e sociais, sempre relacionais, são semelhantes e se dão por identificações e contrastes: eu/outro, no caso das identidades pessoais; e nós/outros, no caso das identidades culturais, de grupos sociais.

Neste artigo, buscamos compreender os trânsitos de identidade racial de mulheres negras de pele clara e a forma como se configuram os mecanismos coloniais que folclorizam o seu corpo no imaginário social. O que denominamos “trânsitos da identidade racial” diz respeito à elasticidade racial conferida socialmente a pessoas com fenótipo ambíguo, ou seja, pessoas que possuem características fenotípicas que são usualmente associadas a brancos e negros, em concomitância, fazendo com que elas “transitem” por duas ou mais identificações raciais, seja na sua própria autoidentificação ou na heteroclassificação de terceiros. Em outras palavras, são classificadas de diferentes maneiras por diferentes pessoas, podem passar por mais de uma categoria racial no seu processo de identificação ao longo da vida e, por vezes, são lidas a partir de seu pertencimento de classe ou localização geográfica ao invés de simplesmente por suas características fenotípicas. Foi a partir de uma reflexão sobre o trânsito de pertencimento racial que se iniciaram as indagações que mobilizam este estudo. Partimos do entendimento de que a racialização e as tentativas de apagamento da identidade negra são frutos de processos sócio-históricos muito mais amplos e profundos na sociedade brasileira, que tem na colonização seu marco central. Logo, sendo a colonialidade2 (Aníbal QUIJANO, 2005) estruturada por processos de racialização e generificação, sem os quais não é possível compreender a modernidade e seu modo de produção hierarquizado (María LUGONES, 2008; QUIJANO, 2005; Walter MIGNOLO, 2003), buscamos, aqui, compreender a forma combinada como atuam o racismo e o sexismo na produção deste trânsito de identidade de mulheres negras de pele clara, protagonistas da reflexão deste artigo.

Essas são as pessoas que carregam a marca da “mulher brasileira”, o fetichismo da mistura. Tal mistura não passa totalmente despercebida pois, como brancas, também não são reconhecidas. A pele, “da cor do pecado”, sempre é apontada, entrelaçando racialização à hiperssexualização (GONZALEZ, 1979; 2018). Nas nomenclaturas e pressuposições essencializadoras atribuídas a elas, fica evidente que tais mulheres são lidas como racializadas, mesmo que não seja identificada, exatamente, a herança racial assinalada em suas peles. São racializadas e desracializadas pelo mesmo sistema de poder que estrutura a sociedade e hierarquiza os sujeitos.

Todas essas questões, que ao mesmo tempo que são individuais também são coletivas, direcionam nosso olhar ao fenômeno do “pardismo” na sociedade brasileira e a influência da violenta negação da negritude nos processos de subjetivação de mulheres negras de pele clara. O “pardismo” ou a tendência à utilização do termo “pardo” para marcar a população de pele mais clara, neutralizando-a no debate, é um fenômeno que naturaliza uma não pertença racial e promove desmobilização coletiva e despolitização da raça, uma vez que esta passa a ser vista como uma denominação externa. Como mencionado por autoras supracitadas, esta violência simbólica da desracialização incide fortemente sobre mulheres, em suas vivências marcadas pela sobreposição das opressões de raça e gênero:

Nas condições de produção dos discursos racializados e gendrados no Brasil (CESTARI, 2017), os termos “morena” ou “mulata”, por exemplo, são classificações destinadas a mulheres negras de pele clara. Eles funcionam pela negação da identificação do lugar de negra, bem como pela hirpersexualização que as tornam exotificáveis a partir de discursos que se sustentam, também, no imaginário de seus corpos, problema esse já discutido por Gonzalez (1983), Pacheco (2013), Carneiro (2015) entre outras feministas negras (Cely PEREIRA; Rogério MODESTO, 2020, p. 279).

Não há exemplo mais claro da corporificação e objetificação das mulheres que a figura da “mulata brasileira”, analisada por Lélia Gonzalez e retomada neste texto, em denominação atualizada3 pela crítica de autoras/es e/de movimentos negros brasileiros.

Para que seja possível estabelecer as bases para essa racialização generificada, é preciso retomar e compreender de que forma a construção do mito da democracia racial e a miscigenação, pautadas na ideologia do embranquecimento, impactam na subjetivação e autoidentificação racial de pessoas negras lidas como pardas. Esse processo implica, antes, compreender o projeto de nação inaugurado no período colonial e que segue se atualizando e sofisticando na atualidade.

Miscigenação, ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial

A ideologia do branqueamento constitui-se como pano de fundo daqueles discursos que exaltam o processo de miscigenação como expressão mais acabada da nossa “democracia racial”.

(GONZALEZ, 2018, p. 63)

O mito negro se constitui rompendo uma das figuras características do mito - a identificação - e impondo a marca do insólito, do diferente.

(SOUZA, 2021, p. 55)

A miscigenação é um dos grandes pressupostos da formação nacional. Conforme afirma Kabengele Munanga (2019), a mestiçagem ou miscigenação não pode ser concebida através do seu caráter estritamente fenotípico, já que a mesma está saturada de conteúdo político-ideológico. Para este artigo, partimos do conceito de miscigenação/mestiçagem postulado pelo mesmo autor em seu livro Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil, que não reduz o fenômeno apenas ao cruzamento entre populações fenotipicamente diferentes, mas o aborda a partir de seus efeitos sociais, psicológicos, econômicos e sociopolíticos. Portanto, destacamos que raça é, para além da cor da pele, um posicionamento político-ideológico, visto que uma mesma pessoa pode ser lida racialmente de formas diferentes, dependendo de onde se encontra geograficamente. Basicamente, portanto, a mestiçagem ou miscigenação é o resultado de cruzamento entre indivíduos de diferentes grupos populacionais (Fátima OLIVEIRA, 2004). Porém, não é qualquer processo reprodutivo que é denominado de miscigenação. A miscigenação não entra em pauta quando duas pessoas brancas (de origens diferentes) se relacionam e reproduzem. A miscigenação apontada está necessariamente relacionada com a presença da marca racial de um grupo subalternizado. O miscigenado, pardo ou mestiço é um sujeito racializado. Logo, a ponderação sobre mestiçagem parte sempre da ideia de marca racial. Em entrevista recente, a autora Alessandra Devulsky (2021b), que tem como foco de pesquisa o colorismo, afirma:

O termo miscigenação é um termo problemático, porque não falamos de miscigenação entre duas pessoas brancas. Uma pessoa branca da França que se casa com uma pessoa branca da Alemanha e tem um filho, ninguém vai dizer que o filho é miscigenado. Porque ser branco é a norma, é a regra. Falar de miscigenação é antecipar o fato de que o elemento indígena, negro ou asiático é o elemento adverso, é o ponto fora da curva, o elemento dissonante daquilo que é a regra da beleza, intelecto e competência. O próprio termo tem como pressuposto que eu tenho uma norma e uma dissonância, quando sabemos que em termos raciais não temos diferença nenhuma.

Para além de uma tentativa de branqueamento físico, o projeto de miscigenação passa por um processo de alienação (Frantz FANON, 2008) e fragmentação da comunidade negra. É notório que a questão racial no Brasil está ancorada no discurso da democracia racial e na ideia de que somos todos miscigenados, uma evidente tentativa de invisibilizar o racismo que estrutura a sociedade brasileira (Silvio ALMEIDA, 2019) e que precariza a vida das populações racializadas. Os traços historicamente específicos do discurso racial brasileiro, que nega a pertença racial aos indivíduos negros com base numa avaliação de tonalidade da pele, foram arquitetados para produzir fissuras na comunidade negra, sem deixar de racializar pessoas negras de forma geral. Ainda que sua estética esteja mais próxima da norma (o branco), e que, portanto, sejam mais tolerados e até tokenizados4 (Jeane de Jesus BISPO, 2020) em espaços majoritariamente brancos, a marca racial não passa desapercebida. A marca racial deste grupo é tão notada que configura, inclusive, uma categoria racial intermediária que se convencionou chamar de pardo.

A classificação oficial de raça no Brasil, conforme o censo aplicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é composta por cinco categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Pardo é um termo descritor para pessoas negras ou indígenas com ascendência branca (Grada KILOMBA, 2019). Na década de 70, um esforço das ciências sociais e movimentos negros reuniu pretos e pardos sob categoria mais ampla de “negro” para fins de análises estatísticas populacionais e com o intuito de gerar uma identidade racial unificada que mobilizasse uma organização antirracista integrada. Portanto, atualmente, a população negra é constituída pelo somatório de pretos e pardos. Esse somatório emerge no debate racial nos anos 70, a partir da constatação de que os índices educacionais e socioeconômicos de pessoas negras de pele clara (identificadas como pardas) eram muito similares aos índices de pessoas pretas (Sueli CARNEIRO; Djamila RIBEIRO; Bianca SANTANA, 2020), e que, portanto, elas compartilhavam da mesma herança de precarizações e vulnerabilidades sociais.

O que significou uma grande vitória para o movimento negro naquele momento acabou tendo uma contribuição impensada para o apagamento de populações indígenas. Isso ocorreu pois, ao se apropriar da categoria pardo enquanto apenas relacionada a pessoas com ascendência negra, foi negligenciado o fato de que muitas pessoas de ascendência indígena também se identificam dessa forma. Portanto, essa absorção dos pardos, de certa maneira, contribuiu para a invisibilização da população indígena brasileira. É importante marcar que, no Brasil, “pardo” se refere a uma categoria racial residual e transitória, uma categoria de passagem no projeto colonial de branqueamento, e que também inclui pessoas indígenas (Geni Daniela Núñez LONGHINI, 2020) que tiveram sua identidade racial negada por este processo de embranquecimento. Neste projeto eugenista do Estado brasileiro do século XIX, o mestiço ou pardo seria o meio do caminho rumo ao objetivo final de clareamento populacional, um clareamento que atravessava todos os grupos racializados, incluindo os/as indígenas. Dito isto, faz-se importante delimitar que, neste artigo, a discussão sobre ideologia do embranquecimento se dará a partir da perspectiva de pessoas negras de pele clara, lidas socialmente enquanto pardas, sem avançar necessariamente nos sentidos deste processo para a população indígena. Não obstante, para não incorrer no mesmo equívoco de apagamento, marcamos esse tema que ainda precisa ser cuidadosamente estudado e cuja discussão tem sido pautada por autores e autoras indígenas (LONGHINI, 2020; Kércia Priscilla Figueiredo PEIXOTO, 2017; Ailton KRENAK, 2021) da atualidade.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, na Pnad Contínua 2019, divulgada pelo IBGE (2019), no critério de declaração de cor ou raça, a maior parte da população brasileira residente é parda: são 98,2 milhões de pessoas, representando 46,8% do total. Esse índice representa uma maioria que se encontra hoje nos entremeios da identidade racial (Joyce de Souza LOPES, 2017), pessoas que não se veem representadas pelo modelo dicotômico (branco-preto) de raça advindo de uma herança imperialista e que se autodefinem na indefinição. São pessoas que determinam sua raça a partir da tonalidade de sua pele, visto que “pardo” é um tom entre as grandes categorias de cor, um meio termo, não sendo imbuído de característica racial definitiva ou mesmo de uma cultura, afinal, não existe uma cultura parda.

Considerando que pardo não é uma designação racial ou étnica, mas remete para a cor ou para o que se pretende como uma cor, ainda que indefinida, não deixa de ser interessante perceber como ele se constitui como central quando nos propomos pensar a constituição do corpo-espécie da população nacional (Viviane Inês WESCHENFELDER; Mozart Linhares da SILVA, 2018, p. 4).

Dizer que, no Brasil, existem de maneira definida apenas brancos, negros, indígenas e amarelos é uma afirmação reducionista e bastante influenciada por um imperialismo racial (Jones MANOEL, 2020), que ignora o fato de que, no Brasil, existe um grande grupo de pessoas que compõem essa categoria intermediária. Parte delas encontra sua pertença na negritude, outra parte muito provavelmente tem raízes indígenas e outra parte possivelmente não consiga definir qualquer ponto de pertencimento ou identificação racial, encontrando-se no que alguns autores convencionaram chamar de “limbo identitário” ou “limbo identitário-racial” (SILVA et al., 2020; Lauro Felipe Eusébio GOMES, 2019). E é por essa razão que retomamos a importância de lançar um olhar para a questão do pardo com seriedade e tentar compreender os efeitos psicossociais do processo de subjetivação desta parcela da população.

Dizer-se “pardo”, além disso, pode ou não admitir uma identificação como negro. A condição “parda” em si não suscitou um discurso político ou identitário expressivo, não está associada de maneira óbvia a um repertório cultural específico, e, sobretudo, não está necessária ou obrigatoriamente ligada a uma percepção aguda das discriminações raciais no Brasil (Verônica Toste DAFLON, 2017, p. 16-17).

Neste sentido, pardo não nomeia apenas uma categoria de mistura, ele é uma importante peça na engrenagem de construção da ideologia racial brasileira (MUNANGA, 2019) e o corpo da mulher parda foi amplamente utilizado enquanto prova física indiscutível da harmonia entre raças, um elemento reforçador do mito da democracia racial ou “raça brasileira”. O “pardismo” é a corporificação do projeto colonial ainda em curso num anseio pela aproximação do ideal europeu.

Ora, a noção de brasilidade teve como marca a ocultação e invisibilização das

marcas étnicas de africanidade e de indigenidade, em nome da criação da chamada cultura brasileira, caracterizada, entre outros aspectos, pelo racismo cordial, pela miscigenação institucionalizada, balizada pelo branqueamento, e pelo apagamento e minimização dos conflitos como seu ethos central (Luena PEREIRA, 2020, p. 9).

Para alguns autores, o pardismo está relacionado ainda ao não (re)conhecimento de origens ou a não conseguir se identificar racial e culturalmente (MUNANGA, 2019; Abdias NASCIMENTO, 2016). Dessa maneira, é possível traçar um paralelo entre o pardismo e a falta de referências ancestrais das populações negras no Brasil que, no processo colonial, foram impossibilitadas do resgate de suas origens. Portanto, a genealogia também faz parte da gama de privilégios (Maria Aparecida Silva BENTO, 2002; Lia Vainer SCHUCMAN, 2012)5 daqueles que não são marcados racialmente, os brancos. O negro de pele clara passa por uma dupla perda de referências, pois perde a referência histórica de origens ancestrais inerente à condição de ser negro no Brasil e perde, no contato com o outro que o (des)racializa, as referências de sua identidade racial.

Neste sentido, fica evidente a racialização do pardo, que neste artigo passamos a denominar negro de pele clara, em contraponto com o que pode ser considerado um dos maiores privilégios da branquitude: não (precisar) pensar sobre sua racialidade. Apenas indivíduos não racializados socialmente estão livres da delicada tarefa de se pensar racialmente. Pessoas brancas não são convocadas a elaborar sua experiência racial constantemente ou a se autodeclararem. A reflexão sobre o tom de pele, a hesitação para responder um formulário ou o censo, é uma vivência intrinsecamente racializada, algo vivenciado por sujeitos não brancos. Ao preencher uma ficha qualquer onde consta a pergunta “cor/raça”, o sujeito branco não é convidado a refletir sobre as implicações de sua resposta, se alguém duvidará de sua autodeclaração, ou se, de fato, sua resposta corresponde às suas possíveis leituras sociais. Não elaborar sua experiência racial é um privilégio de pessoas brancas. Negros de pele clara não gozam desta vantagem, estão em constante escrutínio, a pergunta de sua autodeclaração é sempre seguida de uma série de outras perguntas. Lopes (2017, p. 156) assevera que “sendo mestiça/o, os símbolos raciais serão sempre ‘um e outro’, o ‘mesmo e o diferente’, ‘nem um nem outro’, ‘ser e não ser’, ‘pertencer e não pertencer’”. Este limbo identitário em que é colocado/a socialmente pode originar ainda duas características importantes da condição do/a pardo/a: a dúvida e o silêncio, ou melhor, silenciamento. Estas características se articulam para produzir um sujeito que teme se posicionar e politizar a sua negritude. A dúvida é fomentada com relação ao seu lugar no mundo, o lugar racial que ocupa, se suas vivências e o tom de sua pele de fato o/a localizam dentro do espectro da negritude. Já o silenciamento tem a ver com questões raciais estruturais, podendo ocorrer por duas vias: 1) seja porque a/o pardo não se sente suficientemente negra/o para se posicionar na luta antirracista (GOMES, 2019); 2) ou por ser constantemente desautorizada/o ao abordar a pauta pela mesma razão. Estes dois elementos constituem estratégias coloniais para dissimulação do racismo e cooptação deste grupo na instrumentalização da democracia racial.

A população negra brasileira é atravessada pelo racismo estrutural e estruturante presente na sociedade (ALMEIDA, 2019), em especial as mulheres e homens negras/os que carregam de maneira mais visível os traços de sua ascendência negra (cabelos crespos, cor negra mais acentuada). Em um contexto de negativação da negritude, pessoas negras de pele clara, em geral, estabelecem uma relação ambígua e alienante com sua racialização. Se por um lado a sociedade as faz temer assumirem-se enquanto negras, também as convida constantemente a se identificarem com o que nunca serão: brancas (KILOMBA, 2019). Na medida em que se entendem enquanto parte de um processo histórico de miscigenação racial, possuindo traços dos fenótipos branco e negro, também recebem “passabilidade” (Elaine K. GINSBERG, 1996),6 o que faz com que sua negritude seja invisibilizada em determinados momentos/contextos pela sociedade, conferindo-lhes uma pretensa liberdade para que “escolham” afirmar uma identidade racial ou não (Fernanda SOUZA, 2013). De fato, o caráter relativamente contextual e elástico dos códigos raciais (DAFLON, 2017) para este grupo faz com que indivíduos pardos sejam muitas vezes percebidos como mais próximos ou mais afastados da negritude, a depender de sua localização geográfica e/ou social. A passabilidade conferida, no caso de pessoas negras de pele clara, atua também enquanto um elemento que produz sofrimento psicológico e cisão da autoestima, visto que o sujeito compreende que seus acessos são conferidos por conta de uma invisibilização de fatores constituintes da sua identidade. Esse sujeito é mais aceito por tornar “mais brandas” as características que o tornam quem ele é, características que fogem à norma e o fazem singular. Este é o nível de violência da lógica racista que opera em nossa sociedade.

Com base no exposto, levantamos aqui alguns questionamentos para pensarmos sobre as existências racializadas: não seriam a tentativa de embranquecimento e o deslocamento desses indivíduos de uma posição racial para outra, posições tão opostas entre si - ser negro e ser branco (Gabriela Machado Bacelar RODRIGUES, 2020) - também um produto do racismo? Não seriam as pessoas “pardas”, e a própria existência desta categoria, parte das tentativas racistas de apagamento da história e cultura da população negra? Não seriam o pardo e o limbo identitário vivido como alienação racial uma vivência produzida por uma lógica racista?

O pardo, mestiço, ou melhor, o negro de pele clara, carrega em si as marcas raciais e é somente por isso que ele é visto enquanto miscigenado. Daflon (2017) faz volume a esta discussão ao afirmar que o pardo é sempre um sujeito com a marca racial aparente, sempre racializado. Os pardos são necessariamente pessoas com algum atributo físico marcadamente racializado, seja este atributo a cor da pele, traços ou o cabelo e, por essa razão, argumentamos que sua negritude é percebida, porém invisibilizada.

A definição “branco sujo, escurecido” do Dicionário Houaiss - ainda que não referida explicitamente a seres humanos - remete a uma ideia de poluição, de mácula. Se inicialmente definido como intermédio entre as cores preta e branca, a reiteração do designativo “escuro” ao longo do verbete parece sinalizar que o pardo não é localizado em uma posição equidistante dos polos de cor, mas é colocado em relação de proximidade semântica maior com a cor preta. Além disso, “pardo” é, segundo a definição, o “branco escurecido” e não o “preto embranquecido”, é aquele de cor “escura” e não o sujeito de cor “clara”. Isso porque a cor “branca” é tomada como o padrão, o referente, a norma, o modelo universal de humanidade da qual o “preto” e o “pardo” se desviam, e a branquidade é colocada no centro, ao mesmo tempo que é invisibilizada no discurso público e na linguagem cotidiana (DAFLON, 2017, p. 139).

O embranquecimento é uma faceta ardilosa do racismo, ele é parte de um processo de colonização e eugenia que ambicionou clarear a população desde a cor da pele até sua subjetividade, alienando o povo negro de sua própria cultura (Carlos Moore WEDDERBURN, 2007). Para além disso, esse processo produz uma hierarquização dentro da negritude com base no tom de pele, que serve apenas à construção da branquitude como ideal de humanidade (KILOMBA, 2019; BENTO, 2002), a chamada pigmentocracia ou colorismo. Neste sentido, a colonização dos corpos africanos gera um distanciamento também dentro da comunidade negra, que sente a discriminação ser modulada de acordo com a tonalidade dos seus corpos (Alice WALKER, 1983). Fato é que a miscigenação buscou diluir o negro no branco e, como bem afirma Teófilo Queiroz Júnior (1999, apudMUNANGA, 2019, p. 11), “serve bem para projetar o mulato, dissimulando o preto e ampliando arbitrariamente o branco”.

A invasão, colonização e consequente miscigenação do Brasil promovem situações estruturais diferentes de racialização para pessoas negras de pele clara (ou aquelas com fenótipos ambíguos), para pessoas negras de pele retinta e para pessoas indígenas, visto que o processo de racialização é sempre relacional (MANOEL, 2020). Nesta medida, o discurso da miscigenação é um importante elemento no aparelho ideológico racial no país (MUNANGA, 2019; NASCIMENTO, 2016), comprometido com o clareamento (físico-ideológico) da população brasileira desde meados do século XIX, época em que o Estado colocou em curso uma política eugenista de incentivo à imigração europeia que tinha como objetivo último o branqueamento da população nacional. No projeto de nação europeizada, o corpo pardo traduziu-se em símbolo do povo brasileiro e da mestiçagem. E o corpo da mulher brasileira passou a integrar o rol dos elementos de exportação dessa imagem. Conforme afirma Lélia Gonzalez, (1979-2018), “o termo “mulata” implica a forma mais sofisticada de reificação: ela é nomeada “produto de exportação”, ou seja, objeto a ser consumido pelos turistas e pelos nacionais burgueses” (p. 75).

A “mulher brasileira” do imaginário social é parda?

A dimensão da racialização também é constitutiva das mulheres racializadas e, tanto quanto seu gênero, não há dissociação possível destes elementos da subjetividade. Nesta seção, objetivamos explorar o processo através do qual a mulher racializada foi se configurando em elemento paradigmático da harmonia das raças, um corpo símbolo da miscigenação bem-sucedida. Conforme Lélia Gonzalez (1984, p. 228), “Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra”.

Considerar as mulheres como ponto central deste trabalho se configura a partir do duplo papel que elas assumem na engrenagem racial e colonial brasileira: 1) em primeiro lugar, porque a violência da colonização/miscigenação ocorre a partir da violação dos corpos femininos; e 2) posteriormente, porque a “mulata exportação” ou “mulher brasileira” hiperssexualizada e exotificada é, ela mesma, a epítome da falaciosa harmonia brasileira das raças, uma imagem amplamente utilizada para instrumentalizar o mito da democracia racial. Esses dois fatores elucidam a dupla objetificação da mulher racializada, que num projeto de sociedade cisheteropatriarcal7 (Francisco VALDES, 1996) branca, é percebida como objeto-produto do sucesso da colonização/branqueamento e, ao mesmo tempo, objeto sexual.

No que diz respeito ao primeiro ponto, a miscigenação no Brasil foi um processo que se iniciou com a violência e a subalternização de corpos negros, em especial de mulheres negras, que sofreram a dupla violência, dos castigos físicos e das violações sexuais. Destaca-se, portanto, que a dominação colonial do território brasileiro e o projeto de branqueamento populacional partem ambos da colonização do território-corpo8 (Catherine Moore TORRES, 2018) das mulheres. Estes elementos coloniais, ainda latentes no imaginário social de uma sociedade marcada pela égide patriarcal e colonial, colocam as mulheres ainda hoje em uma posição mais vulnerável e precarizada, transitando nesses eixos de opressão. Em seu livro A Invenção das Mulheres: Uma perspectiva africana sobre os discursos ocidentais de gênero, publicado em 1997, com tradução recente no Brasil, a socióloga nigeriana Oyèrónké Oyewùmí (2021, p. 186) afirma:

O processo colonial foi diferenciado por sexo, na medida em que os colonizadores eram machos e usaram a identidade de gênero para determinar a política. Pelo exposto, fica explícito que qualquer discussão sobre hierarquia na situação colonial, além de empregar a raça como base de distinções, deve levar em conta seu forte componente de gênero.

No que diz respeito ao segundo ponto que levantamos, a partir do início do século XX, o discurso da harmonia racial ganha corpo e a “mulata tipo exportação” ou “mulher brasileira” é a imagem projetada como símbolo da democracia racial. Uma figura “celebrada” por uma pretensa beleza proveniente da mistura de raças e herdeira da sexualidade exacerbada atribuída aos negros no processo de racialização colonial das Américas. Ou seja, há uma produção essencialista e, portanto, racista, da identidade e sexualidade da mulher não branca na sociedade brasileira. Essa produção constrói no imaginário social “a mulher brasileira” enquanto um sujeito monolítico e a-histórico (TORRES, 2018).

A mulher mulata se tornaria evidência física do “encontro das raças” e erigida a símbolo de uma sociedade que tomava a mistura biológica como prova de harmonia e ausência de conflitos raciais (Corrêa, 1996). No entanto, a mulata não deixaria de ser hiperssexualizada como se sucedia desde o período colonial (BROOKSHAW, 1983, apudDAFLON, 2014, p. 134).

Elevada a símbolo da beleza nacional, a mulher racializada ou a “mulata” foi reverenciada como objeto de desejo e de sucesso colonial. A exotificação do corpo da mulher negra de pele clara passa pela lógica racista de um corpo objetificado, disponível para o sexo. Esta representação combina com sua exposição enquanto “troféu” da colonialidade, a representação de que é possível acionar tecnologias para produzir um corpo que combine grupos raciais diferentes de maneira estética, ou seja, é considerada bela em sua aproximação com os ideais fenotípicos do branco. Vale observar que o heterossexismo é parte fundamental de como gênero se funde com raça nas operações do poder colonial (LUGONES, 2007), visto que a mulher à qual estamos nos referindo está reificada na normativa heterossexual colonial. Ela se encontra historicamente confinada ao local e ao folclórico, a “mulata” cristalizada no imaginário social está a serviço da cisheteronorma, sua sexualidade só é pensada através das lentes da cisheteronormatividade racializada. Nesse sentido, o sistema heterossexual de dominação segue reforçando o livre acesso aos corpos de mulheres racializadas.

Com base no exposto, é possível afirmar que as mulheres negras têm uma perspectiva ampliada a respeito do eixo racismo-sexismo, na medida em que estes temas atravessam suas vivências e as constituem. Conforme afirma Gonzalez (1984, p. 224):

O lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo. Para nós o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira. Nesse sentido, veremos que sua articulação com o sexismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular.

Mulher negra de pele clara, a famosa “mulata” é um importante elemento do “racismo à brasileira” que, conforme afirma Schucman (2018), “funciona na lógica da negação do racismo e da exaltação da democracia racial”, que busca afirmar o seu não racismo através da utilização de negros embranquecidos física e ideologicamente. Cooptar negros de pele clara que se adequam aos padrões estéticos da branquitude, porém possuem algumas características fenotípicas (atenuadas) que confirmam sua negritude, é uma forma de consolidar o sucesso das práticas eugenistas de embranquecimento. É ainda uma maneira de dissimular o racismo presente na sociedade, já que a mulher negra “mais aceitável” passa a ser tolerada em espaços de prestígio e se torna a exceção que confirma o discurso meritocrático que acompanha o mito da democracia racial.

Estes usos ideológicos e alienantes que são feitos do corpo da mulher negra de pele clara são elementos que ajudam a dimensionar os atravessamentos de opressões relacionadas a raça e gênero na constituição dessas mulheres.

Fetichização, exotização e erotização das mulheres pardas e/ou mulatas e a representação dos pardos e/ou mulatos como epítome de brasilidade, malandragem e amálgama de “raças” - frequentemente com ideias implícitas de degenerescência racial resultante da “miscigenação” - são comumente vistas no Brasil como representações positivas para a autoestima dos indivíduos desse grupo, em vez de serem compreendidas como parte do processo de racialização e, portanto, de formação de estereótipos que oportunizam a discriminação (DAFLON, 2014, p. 130).

Em tempo, ressaltamos a problematização da própria categoria “mulher” explorada nesta seção do artigo, compreendida como uma invenção do sistema de gênero ocidental. As mulheres negras, desde as contestações que colocaram às feministas de segunda onda nos Estados Unidos, estiveram se insurgindo contra a universalização da categoria mulher, o que significou grande avanço para as teorizações feministas no Ocidente. Com o desenvolvimento dos estudos pós-coloniais indiano-americanos e as críticas des e decoloniais latino-americanas, as contestações às categorias de gênero ocidentais (essencializadas como universais) foram mais fortalecidas. Mas a crítica definitiva a essa dicotomização do mundo social entre homens e mulheres (ressaltando, no Ocidente, as contribuições de figuras como Michel Foucault (1988), Thomas Laqueur (2001), Judith Butler (2003) e expoentes das teorias queer, como Paul Preciado (2011)), foi colocada por Oyewùmí (2021), com seu citado estudo sobre a invenção da mulher entre povos africanos iorubás. Oyewùmí contesta tanto as teorizações essencialistas como construtivistas ocidentais, sobre as categorias binárias que fundamentam uma lógica ancorada no corpo, lógica corporal, caracterizada por ela como uma bio-lógica. Uma lógica que ela questiona como baseada em um sentido - a visão - produtora da cosmovisão ocidental. A autora substitui esta visão de mundo propondo a categoria cosmopercepção, que envolve outros sentidos e a mente, sem a dicotomização ocidental corpo/mente. Portanto, é importante marcar que a “mulher brasileira” é um construto marcado por diferentes ficções coloniais, de gênero e de raça, e deve ser ponderada a partir de um olhar crítico, considerando aspectos da colonialidade de gênero (LUGONES, 2008).

Conforme afirma Lugones (2008, p. 4), compreender a “organização do gênero em seu sistema moderno/colonial (dimorfismo biológico, a organização patriarcal e heterossexual das relações sociais) é central para entendermos como essa organização acontece de maneira diferente quando acrescida de termos raciais”. A colonialidade do gênero possui uma articulação intrínseca com a desumanização racista e toda a estrutura da colonialidade do poder. Ademais, de acordo com a mesma autora, é imprescindível descolonizar o gênero.

Descolonizar o gênero é necessariamente uma práxis. É decretar uma crítica da opressão de gênero racializada, colonial e capitalista heterossexualizada visando uma transformação vivida do social. Como tal, a descolonização do gênero localiza quem teoriza em meio a pessoas, em uma compreensão histórica, subjetiva/intersubjetiva da relação oprimir-resistir na intersecção de sistemas complexos de opressão (LUGONES, 2014, p. 4).

Colorismo no Brasil?

Conforme destacado e com base nos usos ideológicos do pardismo, é possível afirmar que o racismo no Brasil passa por um segundo filtro de hierarquização racial. No espectro de cor da negritude, a visão normativa vigente é modulada de acordo com o tom da pele das pessoas, configurando um fenômeno conhecido como colorismo. Colorismo é um termo importado dos Estados Unidos e configura a modulação do racismo de acordo com o tom de pele no contexto de um país em que o racismo é de origem e não de marca (Oracy NOGUEIRA, 2007), ou seja, a marca fenotípica, nos Estados Unidos, é secundária à origem racial. Por mais que a marca racial sempre aponte para uma ideia de origem (SCHUCMAN, 2018; LOPES, 2017), fato é que, no Brasil, o racismo se dá a partir da racialização do sujeito, enquanto que, nos EUA, uma pessoa será considerada negra se tiver em sua ascendência direta alguém negro. Deste modo, em terras estadunidenses, o colorismo é pensado a partir da possibilidade de identificar a origem racial dos sujeitos. A passabilidade, nesse contexto, tem a ver com a maior ou menor possibilidade de “disfarçar” as raízes ancestrais. Colorismo enquanto conceito, portanto, é uma produção de um sistema birracial (negro-branco) em que ancestralidade é sinônimo de pertença racial e onde não existe a possibilidade de enquadramento enquanto pardo. Logo, a aplicação deste conceito no Brasil, um contexto de constante negação de pertença racial e exaltação da “morenidade”, deve ser feita com cautela, a partir de uma extensa contextualização sociopolítica da ideologia racial vigente.

Ainda que sua aplicação esteja sendo debatida e seja motivo de inquietação, inclusive para nós, autoras deste artigo, uma possível adequação do conceito nos dá pistas para compreender os regimes de autorização que ampliam ou limitam os acessos de pessoas negras a certos espaços no Brasil. Como afirma Lopes (2017, p. 156), “o nosso racismo é estruturalmente epidérmico, melaninocrático, pigmentocrático, colorista, em que a aparência “mestiça-clara” representa também um valor de brancura”.

Colorismo, portanto, conforme postulado por Devulsky (2021a), é entendido como “um conceito, uma categoria, uma prática, mas sobretudo é uma ideologia na qual hierarquizamos as pessoas negras de acordo com o fenótipo que têm: aproximado ou distanciado da africanidade, próximo ou distante da europeidade”. A ideologia colorista é como um “sistema de provisão de acessos” perverso e colonial, que concede mais espaço/aceitação aos sujeitos negros de pele clara com base no seu distanciamento das suas origens negras. O colorismo, para além de um fenômeno pautado na materialidade da raça, faz uma aposta na alienação racial e embranquecimento ideológico de pessoas negras de pele mais clara. Ou seja, o colorismo se pauta na ideia de que, em uma sociedade racista, é possível distanciar pessoas de suas origens negras e cooptá-las para a branquitude, ao produzir a ilusão de inserção desses sujeitos, mesmo que a marca racial seja evidente em seus corpos.

A resistência negra atual luta por reverter esses efeitos, produzindo algo talvez inédito na história da luta contra o racismo, afirmando a cultura e a ancestralidade negra e rompendo com o embranquecimento. É importante compreender os efeitos desse processo na subjetivação contemporânea. A coloridade, tonalidade e diferenças sociais podem ser ainda correlatas da política do embranquecimento, estabelecendo um dégradé de privilégios e exclusões. É real que um negro de tom de pele mais claro possa ter mais acesso aos espaços sociais, à saúde, às “irmandades” e aos vínculos sociais que pessoas com tons de pele mais escuros, o que produz e reproduz sofrimentos. São ainda resquícios dos processos de subjetivação do racismo pela busca do embranquecimento, o que não foi uma escolha do negro, e sim uma imposição estatal, assimilada avidamente por uma sociedade brancocêntrica, racista e escravagista (Kenia Soares MAIA; Maria Helena Navas ZAMORA, 2018, p. 9).

Cabe destaque para o fato de que o Brasil é uma nação que produz e reproduz os efeitos da mestiçagem que, ainda que tenha sido amplamente discutida com o intuito de desmistificar a falaciosa democracia racial (MUNANGA, 2019; NASCIMENTO, 2016), ainda gera um hiato entre a população negra, ou seja, um processo de embranquecimento que opera causando fragmentação da identidade coletiva dos negros e mantém intactos os sistemas de poder que privilegiam a branquitude. A pigmentocracia que idealiza um “termômetro da negritude” continua tendo como seu ponto mais alto e normativo a brancura, o branco ainda é “o referencial a se chegar”, servindo apenas aos interesses da hegemonia.

Outro importante destaque para o fenômeno do colorismo na sociedade brasileira é que, como todas as outras formas de violência racial, ele incide de maneira mais persistente sobre mulheres. Em uma entrevista recente no YouTube, concedida à editora Companhia das Letras (CARNEIRO; RIBEIRO; SANTANA, 2020), a filósofa Sueli Carneiro indicou sua percepção de que o colorismo opera com mais força sobre mulheres, ponderando que há um maior questionamento e escrutínio da legitimidade da sua racialização. Ela alerta que este debate tende a acontecer com base em problemas de disputa no mercado afetivo, o que confirma que gênero precisa ser ponderado nesta discussão (RODRIGUES, 2020). Esta fala da filósofa fornece um outro indicativo da importância de um estudo sobre a negritude clara focado em mulheres.

Na medida em que existe no Brasil (e no mundo) uma divisão racial e sexual do trabalho (GONZALEZ, 1979; 2018), que configura um lugar de exploração para a mulher negra, não é de surpreender que a produção de favorecimentos ou prejuízos com base em uma lente colonial acabe por vitimar mulheres negras com mais intensidade do que qualquer outro grupo, produzindo inclusive uma cisão intragênero na comunidade negra.

Considerações finais

A importante discussão sobre pardismo e colorismo na sociedade brasileira é ainda bastante controversa, delicada e imperativa. É um campo de disputas no debate racial. O caráter elástico e circunstancial das marcas raciais de pessoas que possuem características fenotípicas de mais de um grupo racial e que, portanto, podem passar por trânsitos de identidade racial, é um assunto que apenas recentemente tem sido estudado por um volume maior de autores e autoras.

O “pardo” é uma controvérsia política e epistemológica para o campo do que se convencionou chamar “Estudos das Relações Raciais no Brasil”, e, de maneira mais ampla, para as Ciências Sociais (RODRIGUES, 2020, p. 2).

Para compreender melhor o paradoxo da mistura (Graziella Moraes SILVA; Luciana T. de Souza LEÃO, 2012), é preciso antes compreender que a miscigenação que ocorreu no Brasil tinha uma agenda ideológica de branqueamento da população, que transformou o corpo negro claro no paradigma de transição. Logo, miscigenação e branqueamento não são sinônimos, miscigenação ou mestiçagem, ou seja, a mistura entre povos/grupos fenotipicamente diferentes é um processo que ocorre desde o início dos tempos entre diferentes grupos étnicos e raciais. Já o branqueamento se configura em uma tentativa deliberada de “melhoramento” da população brasileira por meio da instrumentalização da mestiçagem, ou seja, do cruzamento entre pessoas não brancas e brancas para, paulatinamente, clarear a população, num processo que Nascimento (2016) vai chamar de “genocídio do negro brasileiro”. Ou seja, a miscigenação instrumentalizou a ideologia do branqueamento. Esse processo levou à pardificação da população brasileira e alimentou a ideologia da democracia racial, uma ideia falaciosa de que no Brasil existe uma pretensa harmonia entre três raças.

A democracia racial teceu os fios destes dispositivos para fundar uma narrativa identitária calcada no que ficou consagrado na obra de Gilberto Freyre como “equilíbrio de antagonismos”. Gilberto Freyre não inventou a democracia racial, mas sua obra é, certamente, o “paradigma” mais efetivo que pode ser desdobrado do dispositivo da mestiçagem e de seus efeitos mais evidentes: a negação do racismo, o branqueamento da população e a pardificação como subjetivação (WESCHENFELDER; SILVA, 2018, p. 7).

O conceito de miscigenação surge a partir da ideia de que existem várias raças e que a mistura dessas raças produz indivíduos híbridos, que carregam características fenotípicas de ambos os seus grupos raciais de origem. Ademais, em uma perspectiva essencialista, a miscigenação faria com que indivíduos miscigenados carregassem também características morais e de personalidade intrínsecas aos estereótipos das raças de seus antepassados, sendo assim melhorados pelo branqueamento. A ideia de que existe uma essência branca ou negra que pode ser passada através das gerações é absolutamente racista, pois produz discursos reducionistas e estereotipados sobre o grupo subalternizado e justifica a hegemonia do grupo colocado em situação de poder. No entanto, apesar de ser amplamente rejeitado atualmente por estudiosos, o essencialismo ainda fomenta a ideia do negro genérico e universal que está presente no imaginário social como motor do racismo que organiza a sociedade e que exclui do espectro da negritude aqueles e aquelas que não estão nesses moldes fenotípicos (e sociais) reificados. Conforme afirma Carneiro (2004, p. 1), “uma das características do racismo é a maneira pela qual ele aprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquanto reserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de serem representados em sua diversidade”.

Buscamos, neste artigo, abordar os efeitos sociais e, em certa medida, subjetivos, que este processo de “racialização camuflada” possui sobre mulheres negras de pele clara, operando pela via da hiperssexualização e da negação de sua pertença racial. Conforme afirma Lélia Gonzalez (1979), o racismo é uma construção ideológica que, combinada com o sexismo, coloca a mulher negra no nível de opressão mais basal (GONZALEZ, 1979; 2018).

Destacamos ainda a importância de avolumar a produção acadêmica com foco na formação nacional e problematização das ideologias que atravessam a racialização no Brasil e que sustentam discursos racistas sobre a população racializada. Reforçamos a necessidade de produzir um saber localizado (Donna HARAWAY, 1995) para compreender os mecanismos através dos quais a folclorização do corpo racializado segue perpetuando uma lógica colonial. É preciso romper com os discursos que reificam e aprisionam os sujeitos em identidades fixas e que servem à manutenção da hegemonia. Tais discursos incidem fortemente sobre as mulheres, já que estamos sob a égide patriarcal cisheteronormativa e, portanto, faz sentido pensar em alternativas de autonomeação, autodefinição (Patricia Hill COLLINS, 2016) e descolonização de gênero (LUGONES, 2014).

Importante marcar ainda que, por mais que seja necessária uma retomada da identidade negra para pessoas negras de pele clara, faz sentido que a autodeclaração em órgãos oficiais siga sendo como “parda” para que a produção de estatísticas em nosso território seja fidedigna e demonstre de maneira concreta as diferenças materiais e de produção de vulnerabilidades que existem entre a população preta e parda no somatório da negritude. Isso se faz importante para que seja possível formular políticas públicas pensando nas especificidades da população negra brasileira (Carla AKOTIRENE, 2019). Além disso, a população como um todo precisa compreender o significado de “pardo” nos questionários de autodeclaração para que pessoas brancas que têm a pele escurecida por uma série de razões exógenas não se declarem pardas em pesquisas, gerando imprecisões estatísticas que poderão impactar a tomada de decisões políticas. É urgente aumentar o letramento racial9 (France Winddance TWINE, 2004; SCHUCMAN, 2012) da população brasileira, atualizando o repertório sobre a formação nacional para que possamos estabelecer um debate sério sobre o pardismo, autodeclaração/heteroidentificação e seus efeitos psicossociais diretos sobre os sujeitos. A partir do exposto, fica evidente que raça é um elemento relacional, contextual e complexo, e que temos pela frente um longo caminho para o adensamento da discussão sobre colorismo na sociedade brasileira.

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1O que definimos como pardismo seria o processo por meio do qual a identificação com a categoria pardo pode produzir alienação identitária e cultural da população negra (de pele mais clara), gerando uma fragmentação da identidade grupal unificada e uma dificuldade para demandar sua pertença racial. O conceito difere do “nacional-pardismo”, que diz respeito a uma ideologia política criada em comunidades on-line do Facebook e que defende um estado nacionalista focado nos pardos, enquanto “raça brasileira”.

2Colonialidade é um conceito de Quijano (2005), que afirma que o que chamamos de modernidade é um tempo histórico inaugurado pelo colonialismo e que se mantém operando na lógica colonial após a experiência colonial. Ou seja, a experiência atual é marcada pela lógica de relações coloniais entre saberes e modos de vida, indicando um vínculo entre o passado e o presente, no qual emerge um padrão de poder.

3O termo “Mulata”, considerado altamente pejorativo por sua associação com animais (mula) e consequente desumanização da população negra, é utilizado neste artigo apenas para fins de referência temporal, sempre entre aspas para marcar seu deslocamento no fluxo de leitura. O que chamamos de “denominação atualizada” diz respeito ao atual uso da nomenclatura “negra/o de pele clara” pelos movimentos sociais, para se referirem às pessoas negras de pele menos pigmentada, o que se denomina “parda(o)” pela classificação racial atual e/ou até o que era coloquialmente denominado “mulata(o)”.

4Segundo artigo publicado no Portal Geledés por Bispo (2020), tokenização é um termo utilizado para os usos que a branquitude faz de pessoas negras para se eximirem da acusação de serem racistas. Em geral, utilizam-se da integração de uma pessoa negra nos espaços para justificar a ausência do racismo. A tokenização, portanto, refere-se à prática que pessoas brancas utilizam para justificar ou não se sentirem racistas.

5Para Schucman, privilégios são benefícios simbólicos e materiais que pessoas brancas recebem e produzem na estrutura social, ou seja, trata-se de um mecanismo de produção de desigualdades que assegura o lugar elevado dos brancos na hierarquia social.

6De acordo com seu livro Passing and the Frictions of Identity (1996), passagem (do inglês passing) ou passabilidade é um termo historicamente utilizado (em contexto norte-americano) para descrever a capacidade de uma pessoa ser considerada membro de um grupo ou categoria identitária diferente da sua, que pode incluir identidade racial, etnia, casta, classe social, orientação sexual, gênero, religião, idade e/ou status de incapacidade.

7De acordo com Valdes (1996), o cisheteropatriarcado (de cis[generidade], hetero[ssexualidade] e patriarcado) é um sistema sociopolítico que produz hierarquias que privilegiam a heterossexualidade cisgênero masculina em detrimento das demais formas de identidade de gênero e sobre as outras orientações sexuais. É um termo que enfatiza que a discriminação exercida tanto sobre as mulheres como sobre as pessoas LGBT tem o mesmo princípio social.

8Segundo Torres (2018), território-corpo é “o primeiro lugar de enunciação com uma memória corporal e histórica próprias; da história da expropriação colonial e das rebeliões associadas à libertação”.

9O letramento racial é um conceito desenvolvido pela socióloga France Winddance Twine em 2004. Ela descreve o conceito como “estratégias e práticas culturais concebidas e empregadas por pais para ensinar filhos de herança africana e caribenha a (1) detectar, documentar e nomear ideologias, semióticas e práticas racistas anti-negras; (2) fornecer recursos discursivos que combatam o racismo; e (3) fornecer recursos estéticos e materiais (incluindo arte, brinquedos, livros, música) que valorizem e fortaleçam suas conexões com a cultura transatlântica dos negros na África, no Caribe e nos Estados Unidos” em sua pesquisa feita no Reino Unido com famílias mestiças.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: LAGO, Mara Coelho de Souza; MONTIBELER, Débora Pinheiro da Silva; MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. “Pardismo, Colorismo e a ‘Mulher Brasileira’: produção da identidade racial de mulheres negras de pele clara”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 2, e83015, 2023

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 27 de Julho de 2021; Revisado: 01 de Agosto de 2022; Aceito: 14 de Setembro de 2022

maralago7@gmail.com

debora.psmontibeler@gmail.com

raquel.barros@ufsc.br; raquelbarrospm@gmail.com

Mara Coelho de Souza Lago (maralago7@gmail.com) é Professora Emérita da Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Antropologia Social (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC) e doutora em Psicologia da Educação (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP). É professora titular aposentada da UFSC, onde atua como voluntária nos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas. Participa do Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC) e da coordenação editorial da Revista Estudos Feministas

Débora Pinheiro da Silva Montibeler (debora.psmontibeler@gmail.com) é psicóloga formada pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestra no Programa de Pós-Graduação da mesma instituição. Desenvolve pesquisa sobre pardismo, colorismo, processos de subjetivação, ideologia do embranquecimento e relações raciais, com enfoque em gênero e decolonialidade

Raquel de Barros Pinto Miguel (raquel.barros@ufsc.br; raquelbarrospm@gmail.com) possui Graduação e Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É doutora em Ciências Humanas pela mesma universidade. Possui estágio pós-doutoral pela Université Paris Diderot - Paris 7 e pela Université Paris 13 - Sorbonne Paris Cité. É docente do Departamento de Psicologia da UFSC e coordenadora do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade (NUGEMS)

Contribuição de autoria: As autoras contribuíram igualmente. A versão original deste artigo foi traduzida para o inglês por Jeffrey Hoff (jeffhoff@floripa.com.br)

Conflito de interesses: Não se aplica

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