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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.2 Florianópolis  2023  Epub 01-Mayo-2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n285698 

Artigos

Narrativas de adolescentes sobre morte de meninas nas dinâmicas da violência no Ceará

Narratives of adolescents about the death of girls in the dynamics of violence in Ceará

Narrativas de adolescentes sobre la muerte de niñas en la dinámica de la violencia en Ceará

Larissa Ferreira Nunes1  , Concepção, coleta de dados, análise de dados, elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados
http://orcid.org/0000-0001-5384-0896

Ingrid Sampaio de Sousa2  , Elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados
http://orcid.org/0000-0001-8152-3142

João Paulo Pereira Barros1  , Concepção, redação, revisão
http://orcid.org/0000-0001-7680-576X

1Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. 60020-181 - pospsi@ufc.br

2Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. 13083-887 - psi@fcm.unicamp.br


Resumo:

Esta pesquisa apresenta os resultados da análise da morte de meninas nas dinâmicas da violência no Ceará a partir da narrativa de adolescentes privadas de liberdade. Tal problemática surge devido ao aumento de torturas seguidas de assassinatos de adolescentes e jovens mulheres no Ceará. Por isso, participam dessa pesquisa adolescentes privadas de liberdade, atuantes no tráfico de drogas, perfil em maior condição de vulnerabilidade a esse fenômeno. Apontamos o femigenocídio e o “decreto” enquanto dispositivos de matabilidade de adolescentes e jovens mulheres. Por fim, as narrativas das adolescentes apontaram que estas estão em uma espécie de fogo cruzado, condição que maximiza tanto a precariedade, como a vulnerabilidade.

Palavras-chave: violência urbana; privação de liberdade; morte de meninas

Abstract:

This research presents the results of the analysis of the death of girls in the dynamics of violence in Ceará, based on the narrative of adolescents deprived of freedom. This problem arises from the increase in torture followed by the murder of adolescents and young women in Ceará. For this reason, adolescents deprived of liberty, active in drug trafficking, participate in this research, a profile that is more vulnerable to this phenomenon. We point to femigenocide and the “decree” as devices for killing adolescents and young women. Finally, the teenagers' narratives indicated that they are in a kind of crossfire, in a condition of greater vulnerability and precariousness in their lives.

Keywords: Urban violence; Deprivation of liberty; Death of girls

Resumen:

Esta investigación presenta los resultados del análisis de la muerte de niñas en la dinámica de la violencia en Ceará, a partir de la narrativa de adolescentes privados de. Este problema surge del aumento de la tortura seguido por el asesinato de adolescentes y mujeres jóvenes en Ceará. Por ello, los adolescentes privados de libertad, activos en el narcotráfico, participan de esta investigación, perfil que es más vulnerable a este fenómeno. Señalamos el femigenocidio y el “decreto” como dispositivos para asesinar a adolescentes y mujeres jóvenes. Finalmente, las narrativas de los adolescentes indicaron que se encuentran en una especie de fuego cruzado, en una condición de mayor vulnerabilidad y precariedad en sus vidas.

Palabras-claves: violencia urbana; privación de libertad; muerte de niñas

Introdução

Esta pesquisa apresenta os resultados da análise da morte de meninas nas dinâmicas da violência no Ceará, a partir da narrativa de adolescentes privadas de liberdade sobre os atravessamentos da violência urbana em suas trajetórias de vida. A problemática da morte de adolescentes e jovens mulheres nas dinâmicas da violência urbana tem chamado atenção nos últimos anos, especialmente desde 2017, atingindo cada vez mais adolescentes, além da questão da crueldade e da “decretação” pelas redes sociais. Atrelado a esse fenômeno, análises apontam para a relação entre esses assassinatos e adolescentes privadas de liberdade que apresentam histórico de envolvimento1 com tráfico de drogas (João Paulo BARROS; Larissa NUNES; Ingrid SOUSA; Clara CAVALCANTE, 2019; Ingrid SOUSA; NUNES; BARROS, 2020).

No ano de 2017, o número de assassinatos de adolescentes e jovens mulheres moradoras de Fortaleza ganhou destaque, sobretudo pelo requinte de crueldade com que são caracterizadas essas mortes, em que se submete suas vítimas a torturas e filmagens, assim como à exposição destas em redes sociais (Danielle NEGREIROS; Luciana QUIXADÁ; BARROS, 2018). Em 2018, apesar da redução de homicídios de adolescentes e jovens homens, mais uma vez houve um aumento de 43,50% no número de mortes de mulheres. Em 2020, mesmo com o avanço da pandemia de COVID-19, o número de homicídios no Ceará e sua capital não cessou, inclusive sendo este estado eleito o mais violento do Brasil, com destaque para mortes de adolescentes, pessoas LGBTQIAP+2 e a contínua brutalidade de torturas seguida de mortes de jovens mulheres (CEARÁ, 2021). Ainda, salientamos o aumento considerável da violência contra mulheres, especialmente durante o período do distanciamento social como medida de retenção da transmissão do novo coronavírus, visto que maximizou o tempo do/a agressor/a na residência (NUNES et al., 2021).

Diante dessa complexidade, a questão da violência contra mulheres nas tramas da violência urbana, na cidade de Fortaleza, atua de forma mais assertiva com adolescentes moradoras de bairros marginalizados, que se encontram em condição de maior vulnerabilidade e precarização sistemática de suas vidas, com baixa presença estatal quanto à garantia de seus direitos sociais (Judith BUTLER, 2019) e forte presença estatal punitiva, em que pessoas não brancas são as mais vitimadas pela imbricação do racismo estrutural com o classismo. Além disso, conforme apontam Nunes e Barros (2022), há uma relação entre a trajetória de vida de adolescentes, a quem se atribui o cometimento de ato infracional, e a produção ficcional destas, como inimigas a serem combatidas, e esta relação tem contribuído para os jogos de forças, saber e poder que constituem o fenômeno de morte de adolescentes e jovens mulheres em Fortaleza. Por isso, participam desta pesquisa adolescentes privadas de liberdade, atuantes no tráfico de drogas, perfil em maior condição de vulnerabilidade a esse fenômeno.

Esse artigo é derivado de uma dissertação que teve como intuito analisar o atravessamento das dinâmicas da violência urbana nas trajetórias de vida de adolescentes privadas de liberdade na cidade de Fortaleza, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) da primeira autora. Além disso, está ligada ao Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Exclusão Social, Violência e Subjetivação (VIESES/UFC).

Nossos referenciais epistemo-metodológicos atravessam diálogos entre diferentes campos de estudos, tais como autores/as da psicologia social com os estudos feministas e os estudos críticos à colonialidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na qual nos inspiramos nas pistas apontadas por Grada Kilomba (2019) para produzir uma pesquisa decolonial. Por meio de entrevistas, 10 adolescentes compuseram a pesquisa, as quais foram analisadas sob o manejo analítico da cartografia (Letícia, BARROS; Maria, BARROS, 2014; Silvia Helena TEDESCO; Christian SADE; Luciana CALIMAN, 2014).

Elegemos o “envolvimento” como analisador central para pensarmos a intersecção do racismo e sexismo na violência contra as mulheres, assim como a performatividade masculinista na produção do decreto enquanto ferramenta do femigenocídio. As seções a seguir estão divididas da seguinte maneira: “Apontamentos metodológicos”, onde é apresentado o percurso metodológico; “Femigenocídio: o assassinato da envolvida”, que salienta a produção tecnológica e ficcional do envolvimento enquanto ferramenta sistemática e de base colonial que maximiza condições precárias que atinge, sobretudo, adolescentes e jovens mulheres pobres e negras; “’Decretação’ como dispositivo de matabilidade”, que enfoca como adolescentes privadas de liberdade tem sido vitimadas, na espetacularização e nos jogos de poder faccional no estado do Ceará; por fim, encerramos com algumas considerações.

Percurso Metodológico

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, operacionalizada pela entrevista narrativa, a qual guiou-se pela proposta de Kilomba (2019) para pensar uma política de pesquisa decolonial. Para essa autora, metodologias que abordam trajetórias de vida/memórias demandam uma epistemologia pessoal, parcial e subjetiva. Ao utilizarmos da noção de saberes localizados de Donna Haraway (1995), junto à crítica de Kilomba (2019) sobre materializar o indizível e corporificar escuta e escrita, buscamos não reiterar os processos de opressão e de silenciamentos colonialistas. Logo, a narratividade, enquanto processo de fala, escuta e escrita, foi utilizada como ferramenta de decolonização da pesquisa localizada, subjetiva e implicada.

Local de pesquisa e participantes

O local da pesquisa foi o único Centro Socioeducativo destinado para adolescentes e jovens mulheres na cidade de Fortaleza. No total, dez adolescentes participaram da pesquisa, em geral, entre 15 e 18 anos e em sua maioria pobres, pardas ou negras, filhas de mães solteiras e residentes em bairros periféricos da capital, mesmos bairros com maiores índices de homicídios da cidade segundo relatórios e pesquisas (CEARÁ, 2021; BARROS; NUNES; SOUSA; CAVALCANTE, 2019). Quase todos os nomes fictícios foram escolhidos pelas participantes, sendo elas: Japa, Lorin, Paul, Marta, Loirinha, Chinesa, Novinha, Pérola, Duda e Lilian.

Ferramentas metodológicas

Os critérios de inclusão foram ser maior de 14 anos de idade, ter alguma participação no tráfico de drogas local e ter um responsável legal para a assinatura do termo. Nas entrevistas, as interlocutoras eram convidadas a falarem sobre si e sua história de vida com o mínimo de interrupção possível. Quando necessário, perguntas eram feitas a fim de compreender melhor um determinado assunto. Aquelas adolescentes que tinham dificuldades de falar acerca de si, sem uma pergunta norteadora, eram guiadas por perguntas não diretivas, a exemplo: “como?”, “então?” e o “que você pensa?”.

A análise dessas narrativas ocorre sob o manejo da cartografia. Segundo Letícia Barros e Maria Elizabeth Barros (2014), a utilização da cartografia como método analítico é justificada por seu atravessamento em toda a pesquisa. Por fim, respeitamos todos os cuidados éticos na produção do conhecimento, conforme as Resoluções 466/12 e 520/16. A pesquisa que deriva o artigo foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa com o parecer de nº 3.398.916.

Femigenocídio: o assassinato da “envolvida”

Desde 2015, com o fortalecimento de grupos criminosos chamados popularmente de ‘facções’, os conflitos territoriais e o aumento de homicídios de jovens têm exponencialmente crescido no Ceará, embora seja em 2017 que esse fenômeno atingiu de forma mais severa adolescentes e jovens mulheres. A respeito de dados mais atuais, entre 2014 e 2019, 4.640 adolescentes entre 14 e 19 anos foram assassinados no Ceará. Somente em 2019, 355 adolescentes (10 a 19 anos) foram vítimas de homicídios (CEARÁ, 2020).

Destacamos, então, nas transformações das dinâmicas da violência urbana, o acionamento bélico entre grupos criminosos, as facções, que disputam o mercado ilegal de drogas e armas e tem ampliado seus conflitos territoriais e acelerado uma condição de tensão com elevados números de assassinatos no estado (BARROS; NUNES; SOUSA; CAVALCANTE, 2019). Os elevados índices de homicídios, ou a redução destes, têm relação direta com alianças e rompimentos entre essas facções, seja dentro ou fora dos presídios e unidades socioeducativas (Luiz PAIVA, 2019).

“O envolvido” ou “a envolvida” foi o nome dado pelas grandes mídias jornalísticas e agentes de segurança pública que, de modo geral, acabou se popularizando entre todos/as adolescentes e jovens que apresentam determinadas características racializadas (não brancas, cabelo pintado/mechado de loiro, com tatuagens etc.), moradoras de bairros estigmatizados, que usam bonés quase cobrindo os olhos e vestem-se com roupas mais largas e de marcas de roupas específicas (CAVALCANTE, 2020). No passado, assim como ainda hoje, é vivido esse dialeto, onde esses sujeitos produzidos como algozes da violência urbana eram chamados de pirangueiros/as e constituem o que Aldemar Costa (2018) denominou de “jovem para raio3”. Esses envolvidos/as ou pirangueiros/as são enquadramentos que sujeitam jovens à figura do inimigo/a a ser eliminado/a, de modo que essa narrativa se fortalece ao passo que também é efeito dessa necropolítica4 à brasileira (Achille MBEMBE, 2017). Com isso, queremos dizer que no Brasil o racismo estrutural, junto à intersecção de outros marcadores sociais, como classe e gênero, atua em conjunto na produção ficcional de quem deve morrer e de como se dará essa morte (simbólica, física ou social). Esse modus operandi fortalece a engrenagem belicista entre facções criminosas e estas contra o Estado, sobretudo na figura da polícia.

Apesar de ter ocorrido uma redução considerável de homicídios da população geral no Ceará, o número de mortes de adolescentes e jovens mulheres têm se intensificado desde 2014, sobretudo quando comparado com o crescimento de mortes de adolescentes e jovens homens (CEARÁ, 2020), fato que se repetiu no ano seguinte (CEARÁ, 2021). Tal fato é efeito colateral do enfrentamento das facções e destas contra o Estado e dos processos machistas também presentes nas dinâmicas desses grupos.

Quando, tipo... Se eu cair nas áreas de GDE [Guardiões do Estado], né? E eles me pegar, eles vão fazer... talvez eles façam um vídeo e me corta pra se mostrar, pra eles ganhar mais fama. Se mostrar que tão conseguindo o que eles querem. Entendeu? Eu acho que eles postam vídeo por causa disso. Pra se mostrar. Se mostrar pra outra facção! Na verdade, facção tão no mundo por causa que querem território, querem ocupar o mundo todo só com isso pra poder fazendo sigla e essas coisas. Mas... porque eles fazem esse vídeo, eu não sei explicar não. Só sei que eles querem se amostrar né, uns aos outros. Querem mostrar que é mais forte que as outras facções. Faz com meninos também, mas a gente ver mais com meninas. Eu não sei. Eu não sei não porque é com mais meninas. (LORIN, 01/06/2019, informação verbal)

Em nossa análise, há uma genderização (marcação de gênero) das retaliações em que as “envolvidas” se encontram em condição de maior vulnerabilização. São situações como essas que aumentam a lente para o machismo tão presente nessas relações faccionais. O que mais se destaca é a forma brutal como essas jovens são mortas, acompanhada de traços misóginos, são torturadas, filmadas e usadas como “troféu” em jogos de disputa e poder entre facções criminosas.

Diante da divulgação em massa dos vídeos de torturas e assassinatos de mulheres, assim como da reafirmação masculinista diante desses atos, tomamos a análise de Rita Segato (2005) sobre situação semelhante na Ciudad de Juarez sobre os casos de feminicídios em que no corpo de mulheres brutalmente assassinadas há uma inscrição de poder local e regional. Nesses assassinatos, lidos como feminicídios, a vítima é um produto secundário e descartável (SEGATO, 2005). Além disso, cabe destacar a forte presença de relatos que reforçam o corpo das mulheres enquanto território de disputa, sobretudo pelas torturas que envolvem partes de corpos socialmente relacionados à figura do feminino, como seios, cabelos e sobrancelhas. Embora com homens haja casos de torturas, em geral pratica-se a decapitação na tentativa de desfigurar não só a trajetória, mas também o corpo daquele jovem para torná-lo irreconhecível.

Porque uma vez, né? Os cara sequestrou eu e minha irmã aí raspou nosso cabelo todim, no zero. [...] Por causa de facção, tia. Aí eles pegaram o revólver e deram bem uns dez papoco, mas assim, num pegou nenhum bicho, tava só engasgando, eles apertando, apertando e o pente chei de bala, num saía nenhuma bala aí eles ia cortar meu dedo, aí na hora que eles ia cortar a tesoura quebrou aí eu saí correndo das mãos deles e eles meteu bala, aí pegou uma furada aqui e bem aqui de raspão. [...] eles faz um bucado de coisa. Eles falam assim ‘agora se tu vim pra cá eu vou arrancar tua cabeça’ [...] Aí eles falam ‘se fura os olhos vamo arrancar a cabeça dela’. [...] Mata, esquarteja, rebola nas praia. (DUDA, 01/06/2019, informação verbal).

As práticas de torturas filmadas e acompanhadas pelo assassinato delas são exemplos disso, o objetivo é mostrar um certo poder brutal diante dos inimigos por meio da espetacularização da violência de gênero. As mulheres, de alguma maneira, são lidas como pertencentes a alguém - namorados, pais, irmãos ou mesmo a facção que é chefiada por um homem. Quando não assassinam as jovens, eles liberam essas meninas para que elas possam divulgar o que aconteceu e sirvam como exemplo do poder que a facção rival tem diante da vida e morte dessa jovem. Segato (2016) aponta que o corpo feminino sempre esteve em destaque nas guerras e que estas são reiteradas por tecnologias masculinistas que sustentam a modernidade/colonialidade5 (Luciana BALLESTRIN, 2013). A nova dinamização da violência urbana no Ceará aponta para essa performatividade de gênero (BUTLER, 2018) em que insufla uma masculinidade hegemônica que se autoafirma ao violentar adolescentes e jovens mulheres em um contexto de colonialidade tardia (BALLESTRIN, 2013).

A percepção de uma das adolescentes diante dessa problemática apresenta diferentes interpelações que levariam as adolescentes a serem alvos de sequestros, torturas e assassinatos, sendo dois desses motivos os chamados “fura olho” (dar em cima de pessoas comprometidas) ou quando você “caboeta” (adolescente que leva informações sobre a facção para seus rivais ou policiais, pode ser também a adolescente que se relaciona com integrante de facções antagônicas). Nas palavras de Marta (20/03/2019, informação verbal)

[...] porque tipo... fica “caboetando” pras policiais, sempre tem os cidadãos que não gostam aí “caboetam” pra polícia. Aí os meninos ficam indignado né, que vai preso. Aí eles querem cobrar de qualquer forma. Também, fingem que tá colando com a GDE [Guardiões do Estado], mas tá com “passação” [fingindo algo para ganhar confiança] e tá com a outra facção, entendeu? Essas coisas assim. Às vezes por besteira. Tipo, devendo mixaria [pouco dinheiro]. Também fica com mulher do outro.

Segundo elas, as retaliações ocorrem como “exemplo” de poder diante do território que uma facção domina, de modo a manter uma integridade desse poder faccional. Como no caso de uma adolescente que assaltou em uma área proibida e de facção rival:

Porque, foi assim, ela, ela roubou. E lá onde é a favela aqui, não pode entrar quem rouba, não pode levar a polícia lá pra dentro, porque é um território muito grande e tem muito traficante no meio da rua. Aí ela pegou correu e o cara que ela namorava, a menina e o irmão dela, eles três fugiu e ela ficou. Quando ela ficou, aí os elementos segurou ela... e ela disse que morava na [bairro] e a [bairro] não se bate onde a gente mora. Aí ele pegou disse que ia fazer isso e aquilo com ela e ela chorando. Inchou de polícia lá, eles amarraram ela, deixaram ela dois dias amarrada com fome e com sede. Ela só bebia água se eu fosse lá. Ela com fome e com sede, quando chegou uma noite o cara chegou e disse que ia matar ela. Que no celular dela tinha conversa e ela também não queria tirar a senha do celular dela. Até eu falei com ela conversei com ela, não tirou a senha. Ai eu disse a ela, que se ela me desse a senha, eu ia apagar tudo pra não eles matar ela e ela não me ouviu. Porque se eles tivessem me ouvido, elas não tinha morrido. Ela tinha ficado só careca e tinha levado uma pisa e tinha ido simbora. Eles ainda queriam tacar fogo no corpo dela e eu não deixei. Aí foi quando começaram, eles atiraram nela, depois arrancaram o pescoço dela. É tanto que eles tacaram o facão no pescoço dela, o sangue espirrou. Não sei se era a veia do coração, não sei o que era aquilo não. E arrancaram a cabeça dela e botaram assim do lado dela. E eu conhecia ela já faz é tempo. Ai queria que nós segurasse o pescoço dele, eu lá vou segurar o pescoço de ninguém. Peguei e saí pra mim não ver. (PÉROLA, 14/05/2019, informação verbal)

A produção dessa violência, enquanto espetáculo, está relacionada ao que Sayak Valencia (2010) chama de subjetividade do endriaga, mas agenciada pelo modus operandi das facções nordestinizadas. Segundo essa autora, o capitalismo gore traz como consequência a produção de uma masculinidade condicionada a um status de obtenção, ou seja, é necessário provar, a partir de determinados atos, a virilidade. Diante disso, a mulher, ou em uma leitura mais ampla, os corpos feminizados e genderizados (atravessado pelo gênero enquanto tecnologia de controle), são colocados como objetos do homem, tanto no sentido de posse, como no de autoafirmação e de poder ao violentar esses corpos. Para fins explicativos, capitalismo gore é uma variante do capitalismo enquanto sistema econômico e político, que é reescrito pelo narcotráfico e pelo poder de gerir a morte (necropolítica), caracterizado por conflitos, machismo e exacerbamento de sangue (VALENCIA, 2010; MBEMBE, 2017). Este produz, assim, modos de subjetivação endriagas, ou seja, sujeitos que não incorporam a ideia de ingovernabilidade, criam suas próprias regras, possuem uma reinterpretação distópica de seus status de sujeitos livres, embora sujeitados às dinâmicas econômicas como do hiperconsumo (VALENCIA, 2010). No Ceará, observa-se esse fenômeno do capitalismo gore, em que integrantes de facções são subjetivados e se utilizam do corpo das adolescentes para reafirmar um suposto status de poder masculinista no território.

Sustentamos que tem ocorrido então o femigenocídio de adolescentes e jovens mulheres nas tramas da violência urbana do Ceará por estes sujeitos endriagos. A noção de femigenocídio, uma categoria de crime sistemático e impessoal elaborado por Segato (2016), diz respeito ao tipo de morte de mulheres que não se enquadra no crime de feminicídio, mas que também não pode ser meramente tratado como morte comum para ser concretizado como homicídio, já que se trata de agressões direcionadas ao feminino em sua letalidade máxima. O caráter genocida do termo refere-se a um crime de lesa humanidade, parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população específica. Ao articularmos o machismo, violência contra mulheres e misoginia em uma leitura crítica das mortes de mulheres, é possível entender que há uma disposição intrínseca à forma brutal em que adolescentes e jovens mulheres têm sido vitimadas no Ceará. Isso se torna mais aviltante nos corpos racializados e habitantes de margens urbanas (SOUSA; NUNES; BARROS, 2020). O femigenocídio não ocorre somente nesse âmbito faccional, mas o abandono estatal, as políticas mortíferas genderizadas que sustentam a desigualdade de gênero, o controle reprodutivo e mesmo o encarceramento em massa de mulheres são exemplos da atuação do Estado enquanto autor/colaborador do femigenocídio (NUNES; BARROS, 2022). Nas palavras de Juliana Borges (2018, p. 22)

o genocídio que acometia as mulheres negras passa mais por outros âmbitos do sistema como negação de acesso à saúde, saneamento, políticas de autonomia dos direitos sexuais e reprodutivos, a violência sexual e doméstica, superexploração do trabalho, notadamente doméstico, estas violências vão, também, se sofisticando e tomando contornos cada vez mais complexos, modificando-se do controle para o extermínio necropolítico.

De acordo com as adolescentes, há uma certa tática em escolher e preparar a emboscada, tal como ser uma jovem conhecida para a facção, seja por namorar com alguém importante no ramo ou por essa adolescente traficar em alguma esquina. O principal ponto, segundo as interlocutoras, é a exposição das futuras vítimas nas redes sociais, seja em grupos no WhatsApp ou no Facebook. No meio virtual, informações são coletadas e disseminadas, surgem ameaças e os próprios vídeos de torturas são divulgados nesses “ciberespaços”.

Elas são muito afoita, as meninas. Aqui tem várias que caiu por homicídio [...] ela fez isso por conta que as que tão lá embaixo, fizeram isso também, por conta que .... ela matou duas meninas que a gente mora que é CV também e ela é GDE e ela matou essas duas meninas e por conta disso, a que tá no meu dormitório, matou uma pra atingir elas. Pra vingar a morte delas duas e matou ela. Ela fez uma ligação e a menina caiu na mão dela e matou ela. Aí foi, matou ela e o homem esquartejou ela. Arrancou o olho dela e colocou na boca dela, ela tava sem dente. Essa foi a morte dela. Porque tipo assim, essa menina que matou a nossa, a que é das nossas áreas, foi por conta que um cara mandou ela fazer isso. Ela pegou e fez. E essa que era do meu dormitório fez isso com a outra pra poder vingar elas duas. (PÉROLA, 14/05/2019, informação verbal)

Para Japa, o número de mortes de mulheres tem crescido devido às disputas territoriais, por poder e por acharem as mulheres um alvo mais fácil “pra mim eu digo que eles vai atrás das meninas fraccionadas porque não tem coragem de ir atrás dos elementos. Eles ameaçam muito meninas também, faccionada” (JAPA, 28/032019, informação verbal). Em outros casos, o objetivo desses atos, segundo as adolescentes, é desestabilizar os integrantes de facções rivais, posto que ao sequestrar, gravar a tortura e matar as jovens, os autores se vangloriam diante da espetacularização proporcionada com o vídeo e a possível repercussão dele.

Porque eu sou a mulher dele e eles querem afetar pra ele ficar revoltado e se entregar. Como já aconteceu isso comigo. Eu já fui sequestrada e por conta do meu pai eles não me mataram. Meu pai ligou, e eu falei, falei pra eles que eu era filha do J. E meu pai ligou, disse que se eles fizessem alguma coisa, se eu tivesse meno um arranhão, ia matar eles. E eles não fizeram nada comigo. Eu tava indo pra pracinha, aí foi quando parou um carro e pegou eu e a outra menina. Aí levaram nós pra dentro de um casão, começaram a ligar pra um bocado de cara e ... eu falei assim “eu sou filha do Mário [nome fictício], ligue aí pra ele”, dei o número pra ele dele. Aí ligaram. Aí eles não tavam acreditando. E meu pai disse “não é porque ela mora num canto que vocês vão fazer isso, vocês têm que pegar o envolvido, não os inocentes”, aí me soltou e meu pai foi me buscar. [...] morreu dois, meu pai matou dois. [...] porque disse que ia me matar e meu pai escutou, os áudios tudim pro conselheiro. [...] aí bateram uma foto e foi quando meu pai viu. Foi quando meu pai disse que não era pra fazer nada comigo. (PÉROLA, 14/05/2019, informação verbal)

Pérola estava caminhando na rua com uma amiga quando rapazes saíram de um carro e foram raptadas, segundo ela por serem traficantes e consequentemente vistas como integrantes pertencentes a uma facção rival. Ela nos conta que as facções gostam de “pegar” meninas que estão em atividade, ou seja, que estejam inscritas em uma facção e trafiquem. Na hora, eles as fotografaram e enviaram a fotografia para um grupo de WhatsApp em que seu pai participava, o qual, na época, era conselheiro6 do PCC e, por isso, este ordenou que os raptores a soltassem e não fizessem nada com sua filha. Pérola mora em um bairro que é dominado pelo CV. Neste caso, se alguém “anda no caminho errado” (crimes que não são necessariamente relativos à Constituição, mas às regras e normatizações estabelecidas pelas próprias facções), automaticamente é lido como pertencente à facção que domina o tráfico local. Esse pertencimento não ocorre de forma fixa, pode ser de forma indireta quando é simpatizante, por não ter passado pelo batismo, e de forma direta, após ter sido batizada. Esse batismo é um ritual simbólico e de iniciação que as facções adotam como forma de juramento em “vestir a camisa” (ser fiel) e obedecer a uma série de regras imposta pelos conselhos e chefes locais.

Para finalizar, essas adolescentes, além de serem palco das expressões dessa virilidade masculinista endossada pelo machismo vigente nas facções e da região nordeste, também são usadas como “iscas” para atrair inimigos. Nas palavras de Lorin, isso ocorre por elas serem mais inteligentes e poderem usar a beleza para enganar garotos:

É porque eu acho que as meninas enganam mais. Tipo assim, como eu posso dizer: uma menina bonitinha atrai, uma menina bonitinha chega no elemento pra levar ele pro cheiro do queijo [local periculoso] e se o elemento for fraco ele vai. Aí pronto, começa a atrair. Eu acho que eles tão colocando mais meninas no comando porque as meninas são mais inteligentes. As meninas conseguem enganar. Conseguem atrair também. Atrair de outra facção rival, aí vai tudo preparado já. (LORIN, 01/06/2019, informação verbal)

Os integrantes de facções criminosas acabam agenciando mulheres de forma subalternizada, colocando-as em “corres” (funções) mais vulneráveis, como na referida situação. Há também uma falsa disputa por essas jovens para comporem seus “exércitos” e para elas assumirem crimes que outros cometeram. Como disse Lorin, se foram apreendidas/presas ou mortas, logo serão substituídas, em suas palavras: “que sempre vai ter, morreu um nasce outro, cai um, tem outro lá fora pra ocupar o lugar. Enfim, eu acho que pra ele tanto faz, cair aqui ou morreu” (LORIN, 20/03/2019, informação verbal). São palavras carregadas de afetos que destituem as adolescentes de suas vidas, diminuindo-as a engrenagens descartáveis, embora fundamentais, para a manutenção do tráfico de drogas e das facções criminosas.

“Decretação” como dispositivo de matabilidade

Tornou-se comum para as adolescentes o ato de “decretar”, isto é, na medida que as adolescentes estão inscritas nas facções, elas vão passando por uma série de protocolos, inclusive suas imagens são amplamente divulgadas em grupos de WhatsApp e Facebook. Isso faz com que essas adolescentes sejam ainda mais visualizadas pelos integrantes de facções rivais, já que eles entendem que aquelas jovens são pertencentes ao seu inimigo.

É, eles pega e me decreta. Tá decretado é onde eu for pegue é pra matar. Decretado é isso. [...] É, de preferência eles quer que eu trafique pra eles, agora pra outra não. Assim como a GDE me quer a CV também me quer, entendeu? Eles pega mais adolescente pra vender droga. (LORIN, 01/06/2019, informação verbal)

Decreto diz respeito a “pegar alguma foto minha no Facebook, alguma rede social. Botar lá me xingando e dizendo onde pegar eu é pra matar. Aí nóis fala que é decreto” (JAPA, 28/03/2019, informação verbal). Ao participar da facção, as meninas acabam entrando em uma lógica perversa de (hiper)visibilidade e (in)visibilidade, na qual se tornam invisíveis enquanto sujeitos para o Estado, em contraposição ao holofote que advém dos jogos de poder e disputas bélicas das facções

porque quem entra pra facção, bate uma foto e essa foto vai se espalhando pra todos os grupos. Acaba caindo no grupo deles. Ai quando cai no grupo deles, eles pegam e decretam. Ai tipo assim, eu moro num canto, se eu cair nas áreas deles, eles me mata. Independente do que eu não seja. Mas mesmo assim eles mata. E onde a gente mora já não é assim, a pessoa procura saber se é de facção, se for neutro, sai fora. Eles deixam passar. Mas se for batizado, eles matam. (PÉROLA, 14/05/2019, informação verbal)

A partir do elucidado, ficam evidentes alguns aspectos que constroem a teia dos sequestros e tentativas de sequestros que adolescentes e jovens mulheres sofrem nas dinâmicas da violência urbana no Ceará, são eles: 1. um objetivo dessas ações seria “pegar” (raptar) adolescentes em “atividade” (atuando no tráfico), tanto por “serem” mulheres de alguém “envolvido” (um familiar ou companheiro) ou por “pertencerem” à facção rival (entendendo essa facção como figura masculina/dimensão masculinista) com o intuito de afetar, humilhar e diminuir os concorrentes; 2. devido ao enquadramento de “envolvida” e lidas como pertencentes a uma facção, ocorre um jogo de visibilidade e invisibilidade dessas adolescentes, sobretudo por ocuparem cargos e funções que as deixam mais expostas e vulneráveis às dinâmicas de matabilidade; 3. essa dinâmica mortífera é atravessada pela genderização, em que o feminino é objeto de disputa (no sentido de trabalharem para eles) ou de expressão de poder (no sentido de atacarem seus corpos com o intuito de humilhar a outra facção) de uma guerra masculinista.

Observamos que o corpo feminizado é construído como um território de disputa em que a violência exacerbada tem função de expressar novos traços de exibicionismo de jogos de poder masculinista, por meio da espetacularização dessas mortes e da tentativa de humilhar os antagônicos. Esse poder do “macho”, atravessado pela regionalidade do “cabra macho” nordestino (Manoel SOUSA, 2019), é constituído pela ordem patriarcal e colonial (Maria LUGONES, 2014). Na perspectiva de Segato (2005), as novas formações bélicas produzem novas dimensões de exibição no espaço público que é reeditada cotidianamente com traços ritualísticos, a fim de renovar a virilidade dos agressores. Esse poder discricionário dos jovens e o controle que eles detêm sob essas adolescentes são estruturados pelo sistema patriarcal o qual sela e reforça um pacto de fraternidade. Fatos que identificamos nas facções e na ideia de irmãos, família e “vestir a camisa”, corrobora para que estes atuem de forma agressiva, misógina e partindo de um ideal de ser homem formado pelo crime (quem mais mata, é mais respeitado).

A problemática da morte de adolescentes e jovens mulheres apresenta nuances diferentes que as vulnerabilizam ainda mais em relação aos homicídios dos adolescentes e jovens homens, tais quais a relação afetiva com integrantes de facções, fazendo-as mais visibilizadas em ataques de vingança, a utilização destas como “iscas” de “emboscadas” (armadilhas) para atrair integrantes de outras facções, e a instrumentalização dessas adolescentes para vingarem mortes, sobretudo para elas serem “laranjas” (levarem a culpa do homicídio no lugar de alguém maior de idade que cometeu o ato), como nos disse Lilian.

Os jogos de força e poder que permeiam o decreto também atingem as adolescentes enquanto participantes desses atos, como é possível ver em um dos relatos de uma participante:

Foi porque ela tava ameaçando. Ela postou um vídeo nas redes sociais, entendeu? Aí pegaram ela. Aí mataram ela. Porque ela tava aí postando vídeos nas redes sociais e pronto. [...] Era que ia matar os C de Cu, não sei o que. Que o Estado ia ser da GDE. Falando as coisas e ela tava armada. Ela estava falando que ia invadir as favela, que ia dominar tudo. Aí ela pegou caiu na mão. Os menino num deixa passar não. Mataram mesmo. [...] Foi eu que consegui pegar ela. Foi pelas redes sociais. Aí pronto, aí ela morreu, aí o corpo foi achado. Aí faltando dois dias pra completar um mês da morte dela a civil me apreendeu, que foi denúncia. Tendeu? Denunciaram, aí a civil me apreendeu. [...] tipo assim, né? Se ela fosse da facção dele e nenhum momento assim ela tivesse ameaçado acho que não teria dado em nada não, até porque eu nem eu conhecia ela. Só por causa disso mermo, do vídeo que ela postou. (LOIRINHA, 01/06/2019, informação verbal)

Loirinha se encontra em cumprimento de medida socioeducativa por ter participado de um desses casos. Ela criou o perfil falso no Facebook e marcou um encontro com a jovem que estava decretada. Ela e mais alguns jovens planejaram a tortura, filmagem e o assassinato. Hoje ela mostra reflexões pelo acontecido, um arrependimento que ainda não entende por completo o impacto da violência urbana em seus cotidianos. São contradições que fazem parte do processo formativo de passar pela adolescência. Além disso, é possível problematizar o quanto a dinâmica da própria necropolítica é reproduzida no cotidiano pelas vidas colocadas no lugar de descartabilidade (MBEMBE, 2017). Uma desvalorização da vida, o estar entre matar ou morrer, evidenciando assim como a necropolítica opera também em determinadas fronteiras.

Mulher, quando eu cometi eu num pensava não nisso não. Tava nem aí não. Mas agora eu penso mais assim, né? Nos familiares dela assim. Na mãe dela e na minha mãe também, né? Porque minha mãe não acredita que eu tava também. Ela sabe que eu tava, mas só que pra ela eu não participei, entendeu? Eu acho que é o jeito dela defender a fia. Toda mãe defende seu filho né? E ela não acredita não que eu pratiquei assim também não. E é, me arrependo, né? Porque querendo ou não, apesar de ela ser de outra facção, mas ela tinha vida né? Era um ser vivo. E quando isso aconteceu eu tinha dezesseis anos, né? E ela tinha quinze anos, então ela perdeu a adolescência dela também. E a mãe dela, num sei né? Num deve ser igual era antes. Porque se fosse a minha mãe ela tava era numa depressão e eu me ponho, agora eu me ponho no lugar assim dela e da mãe dela, porque se fosse eu assim no lugar dela, acho que minha mãe ia tá arrasada. Mas quando eu tava lá chorando, eu num pensava assim não, eu fui pensar quando eu fui apreendida que eu comecei a pensar assim no que eu tinha feito, entendeu? No que eu causei lá fora. (LOIRINHA, 01/06/2019, informação verbal)

Esse jogo de poder, então, torna-se um ciclo, ao passo que uma jovem de uma facção X matou uma jovem da facção Y, uma jovem da facção Y precisa se vingar, e assim sucessivamente, como conta Pérola (14/05/2019, informação verbal):

Ela fez isso, a menina que é do meu dormitório, por conta que as que tão lá embaixo, fizeram isso também, por conta que .... ela matou duas meninas que a gente mora que é CV também e ela é GDE e ela matou essas duas meninas e por conta disso, a que tá no meu dormitório, matou uma pra atingir elas. Pra vingar a morte delas duas e matou ela. Ela fez uma ligação e a menina caiu na mão dela e matou ela. [...] Ela pediu a arma emprestada do menino e emprestou... e foi 19 tiros que ela deu nela. Em todo canto tinha tiro nela. E ela disse que não se lembra do primeiro tiro dela. Porque foi 19 tiros né? Não tem como se lembrar. E as meninas que moravam perto da nossa casa, uma era mãe a a outra não era. O uber se passou como uber e ia levar ela pro cheiro, ai quando levou ela pro cheiro, ela desceu do carro, foi umas facadas e três tiros na cara de cada uma. Tanto que todas favelas assim que era CV, que é, ficou de luto por elas duas. Porque elas eram consideradas. E foi uma burrice delas, porque era pra elas irem pra casa, e ela não escutou a gente e nós disse que era pra ir pra casa e elas também não chegou na sintonia dos irmãos pra perguntar pra onde elas iram era GDE ou CV, ela desligou o roteador delas e não teve resposta mais e foi. Ai nisso foi... Foi igual outra que caiu na mão das meninas também. Não esperou a resposta e foi, do padrinho delas.

Ao estarem em uma facção, as mulheres, para se destacarem, têm que primeiro sair do molde do “feminino enquanto delicado”, visto que pesquisas apontam que no mercado ilegal de drogas também há o processo heteronormativo universal da mulher; assim a submissão da mulher permanece intacta, fazendo com que elas sejam recrutadas para atividades secundaristas, como empacotamento das drogas ou coisas mais manuais (Elaine PIMENTEL, 2015; Mônica CORTINA, 2015; Mariana BARCINSKI; Sabrina CÚNICO, 2016). Em nossa análise, como estratégia de fugir dessa lógica, muitas vezes elas precisam atuar de forma agressiva e impulsiva para provarem que são capazes de fazer qualquer coisa que um homem também faz.

Quando sumia minhas drogas, eu pegava ripa, mandava os avaciados botar as mãos, dava umas ripadas nas mãos deles e botava pra sair fora. Porque eu ficava no prejuízo e ficava indignada, e eu só parava quando eu via sangue nas mãos deles. Muito difícil isso. E, foi quando eu vi que eu dependia deles, pra mim pode comer, se vestir, porque através deles que a gente tem dinheiro. Porque se não fosse eles a gente não teria dinheiro não. (PÉROLA, 14/05/2019, informação verbal)

Para fins de finalização, a noção de envolvimento foi importante analisador nesse sentido, como Loirinha fala, se ela não tivesse sido envolvida (no sentido de inscrição nos jogos de (in)visibilidade faccional), ela não teria sido decretada. Essa decretização é uma sentença de morte espetacularizada, como nos diz Loirinha (01/06/2019, informação verbal) “decretar é, onde eu for pegue é para matar”. Assim, ao veicular a foto com a solicitação de morte de tal jovem, espera-se os vídeos de tortura seguido da morte da mesma em curto período.

Há também outras forças que constituem essa teia do envolvimento. São adolescentes cooptadas cada vez mais cedo por facções, muitas vezes ludibriadas pela ideia de o tráfico ser o único meio possível de enriquecer e sair da situação de pobreza, enquanto em outras situações elas se apaixonam por integrantes de facções e acabam fazendo atos ilícitos solicitados por seus companheiros. Sem correr o risco de tirar a responsabilidade que cabe a elas, o que está em jogo são os modos como essas adolescentes são subjetivadas. Constituídas sob o signo da desigualdade e precocemente expostas à violência, elas veem a violência urbana como algo natural.

Apontamentos finais

Este artigo buscou discutir, a partir das narrativas de adolescentes a quem se atribui o cometimento de ato infracional, o fenômeno de morte de adolescentes e jovens mulheres nas dinâmicas psicossociais da violência urbana no Ceará, que tem ganhado maior notoriedade diante da forma brutal, misógina e da espetacularização da tortura, em grande maioria, seguida de morte.

As narrativas das adolescentes apontaram que estas estão em uma espécie de fogo cruzado, em condição de maior vulnerabilidade e precarização de suas vidas. O relacionamento afetivo sexual foi um agenciador também dessa (hiper)visibilização, fazendo com que estas sejam alvos mais cobiçados, já que o intuito é violentar seu corpo (adolescente) para humilhar seu namorado, pai ou a própria facção.

Elucidamos sobre a narrativa de envolvimento enquanto dispositivo do femigenocídio, ou seja, uma nova classe de feminicídio em que a morte ocorre de forma sistemática e impessoal. Essa categoria nos auxiliou a problematizar a forma brutal em que adolescentes e jovens mulheres têm sido vitimadas nas tramas da violência urbana, mas também por ações, como a política de guerra às drogas, e omissões, como o abandono estatal.

Além disso, o fenômeno em análise foi apreciado enquanto ferramenta de matabilidade dos jogos de poder faccionais por meio do decreto, este ato que se utiliza do ciberespaço como expansão territorial de disputa e de poder das facções criminosas, e faz um jogo de espetacularização da violência como estratégia de autoafirmação e poder de sua masculinidade. Por fim, destacamos a importância de estudos que aprofundem essa inter-relação entre dinâmica psicossocial da violência e trajetória de vida de adolescentes a quem se atribui o cometimento de ato infracional, sobretudo na Psicologia em que lidamos com o sofrimento dessas pessoas devido à falta de políticas públicas para sua proteção.

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1A noção de envolvimento, enquadra o assujeitamento identitário e ontológico de sujeitos que internacionalmente são atravessadas/os por marcadores sociais e identitários, dos quais devido ao seu suposto envolvimento com facções e/ou tráfico de drogas, são destituídos de humanidade.

2Lésbica, Gay, Bissexual, Transexual/Travesti, Queer, Assexual, Pansexual e mais identidades de gênero e orientações sexuais que não estão condizentes com a heterossexualidade compulsória.

3O autor ao traçar essa categoria se refere ao jovem negro e morador de periferias urbanas que são cotidianamente parados para vistorias, muitas vezes abusicas, por políciais.

4Necropolítica diz respeito do uso dos poderes social e política para gestão e produção da vida e da morte em larga escala.

5Esse termo é pensado a partir das problematizações feitas pelo grupo modernidade/colonialidade, importante coletivo da América Latina que se uniram para discutir a partir de uma perspectiva decolonial. A ideia de modernidade atrelada à colonialidade é, sobretudo, não ignorar a perpetuação de lógicas coloniais na constituição e sustentação do mundo moderno.

6Segunda as participantes, cada facção tem um conselho os quais gerenciam as organizações.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: NUNES, Larissa Ferreira; SOUSA, Ingrid Sampaio de; BARROS, João Paulo Pereira. “Narrativas de adolescentes sobre morte de meninas nas dinâmicas da violência no Ceará”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 2, e85698, 2023

Financiamento: O mestrado em que foi elaborada a dissertação foi financiado com uma bolsa de pós-graduação pela Fundação Cearense de Apoio e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ceará (FUNCAP-CE)

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Parecer 13398719.0.0000.5054

Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Revisado: 07 de Julho de 2022; Aceito: 24 de Agosto de 2022

larissafn@alu.ufc.br

I265591@dac.unicamp.br

joaopaulobarros@ufc.br

Larissa Ferreira Nunes (larissafnpsico@gmail.com) é Doutoranda e mestre em Psicologia na Universidade Federal do Ceará - UFC (Bolsista FUNCAP-CE), Fortaleza-CE, Brasil. Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Intervenções sobre Violências, Exclusão Social e Subjetivação (VIESES/UFC).

Ingrid Sampaio de Sousa (I265591@dac.unicamp.br) é psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pós-graduanda em Terapias Comportamentais pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisadora Colaboradora do VIESES-UFC

João Paulo Pereira Barros (joaopaulobarros@ufc.br) é psicólogo, mestre em Psicologia e doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do VIESES: Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação. Bolsista Produtividade CNPq

Conflito de interesses: Não se aplica

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