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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.3 Florianópolis  2023  Epub 01-Sep-2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n389510 

Artigos

Narrativas de mulheres com deficiência física e visual sobre suas Maternidades

Narratives of women with physical and visual disabilities about their Motherhood

Narrativas de mujeres con deficiencias físicas y visuales sobre su Maternidad

Vanessa da Costa Rosa Corrêa1 
http://orcid.org/0000-0002-0124-4336

Andrea Perosa Saigh Jurdi2 
http://orcid.org/0000-0002-1111-5562

Carla Cilene Baptista da Silva2 
http://orcid.org/0000-0001-9250-6065

1Universidade Federal de São Paulo, Santos, SP, Brasil. 11050-230

2Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Saúde, Educação e Sociedade, Santos, SP, Brasil. 11015-020 - a.jurdi@unifesp.br


Resumo:

Embora, no Brasil, as mulheres representem cerca da metade das pessoas com deficiência, faltam dados sobre assistência e necessidades específicas dessa população em fase reprodutiva, dificultando a formulação de políticas públicas. O presente estudo teve por objetivo investigar as particularidades do ciclo gravídico-puerperal de mulheres com deficiência. Foram colhidas narrativas de seis mulheres com deficiência visual e física, moradoras de Santos, São Vicente e Praia Grande. A partir dos resultados, foi possível identificar experiências tanto positivas quanto negativas na assistência ao parto e pós-parto dessas mulheres, ligadas ao tipo de acolhimento que receberam. A pesquisa demonstrou a necessidade de mais estudos sobre essa temática e traz importantes contribuições para as áreas da Reabilitação e da Saúde da Mulher.

Palavras-chave: maternidade; pessoas com deficiência visual; pessoas com deficiência física; reabilitação; saúde da mulher

Abstract:

Although, in Brazil, women represent about half of people with disabilities, there is a lack of data on assistance and specific needs of this population in the reproductive phase, making it difficult do formulate public policies. The present study aimed to investigate the particularities of pregnancy - puerperal cycle of women with disabilities. Narratives were collected from six women with disabilities living in Santos, São Vicente and Praia Grande. From the results, it was possible to identify both positive and negative experiences in the delivery and postpartum care of these women, related to the type of assistance they received. The research demonstrated the need for more studies on this topic and brings important contributions to the areas of Rehabilitation and Women´s Health.

Keywords: Parenting; Visually impaired persons; Disabled persons; Rehabilitation; Women’s health

Resumen:

Aunque, en Brasil, las mujeres representan cerca de la mitad de las personas con discapacidad, faltan dados sobre la asistencia y las necesidades específicas de esta población en la fase reproductiva, lo que dificulta la formulación de políticas públicas. El presente estudio tuvo como objetivo investigar las particularidades del ciclo embarazo-puerperio de mujeres con discapacidad. Se recogieron relatos de seis mujeres con discapacidad que viven en Santos, São Vicente y Praia Grande. A partir de los resultados, fue posible identificar experiencias tanto positivas como negativas en la atención del parto y puerperio de estas mujeres, vinculadas al tipo de acogida que recibieron. La investigación demostró la necesidad de más estudios sobre este tema y trae importantes contribuciones para las áreas de Rehabilitación y Salud de la Mujer.

Palabras clave: maternidad; personas con daño visual; personas con discapacidad. Rehabilitación; salud de la mujer

Introdução

“Habitar um corpo com impedimentos físicos, intelectuais ou sensoriais é uma das formas de estar no mundo” (Débora DINIZ, Lívia BARBOSA; Wederson Rufino dos SANTOS, 2009, p. 65). Esta citação tem profunda relação com o tema do artigo proposto. Mulheres com deficiência enfrentam barreiras no processo de se tornarem mães e invisibilidade por parte da sociedade, devido à ideia de que são assexuadas e incapazes de cumprirem seu papel de gênero como mães e esposas.

O modelo social da deficiência redefine o significado de habitar um corpo que foi considerado, ao longo da história, como anormal. Para Diniz, Barbosa e Santos (2009), o modelo social avança ao romper com a compreensão de deficiência apenas como um conceito biomédico e propõe que se compreenda a deficiência e as condições corporais como condição, ressaltando que são as estruturas sociais que incapacitam a pessoa.

O campo de estudos sobre deficiência tem contestado o modelo biomédico e apontado a necessidade de estudos que coloquem a deficiência na interseccionalidade de gênero, raça, classe e sexualidade, rompendo com padrões binários de normalidade e anormalidade (Júlia Campos CLÍMACO, 2020).

Historicamente, o papel de mãe é associado como algo inerente à identidade da mulher. Ser mãe, muitas vezes, é apontado como objetivo final para a vida da mulher que, desde cedo, é preparada para este papel, considerado como justificativa para sua existência dentro da sociedade patriarcal. Mulheres que não são mães são vistas como incompletas, e aquelas que não desejam ter filhos são incompreendidas (Rosamaria CARNEIRO, 2019; Paula Rita Bacellar GONZAGA; Claudia MAYORGA, 2019). Por outro lado, mulheres com deficiência são vistas como assexuadas, ou como não mulheres, incapazes de cumprir com o papel que essa mesma sociedade designa para a mulher. A essas mulheres, cabe o papel de serem cuidadas e permanecerem à margem, já que seus corpos não correspondem ao padrão.

As atitudes negativas perante as mulheres com deficiência que decidem ser mães estão presentes nas famílias, na sociedade em geral e nos serviços de saúde. Elas são demonstradas, por exemplo, por meio da falta de acessibilidade física nas unidades de saúde e desconhecimento dos profissionais ao atendê-las (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009; Ilanit HASSON-OHAYON et al., 2018; Robyn M. POWELL et al., 2017).

No Brasil, o estudo de Erika Barbara Abreu Fonseca Thomaz et al. (2021), realizado em 606 maternidades brasileiras, concluiu que a grande maioria dos estabelecimentos não atendem aos critérios mínimos de acessibilidade física, auditiva e visual. Somente 4,3% das maternidades analisadas são acessíveis para mulheres com deficiência motora e 4% para aquelas com deficiência auditiva. Nenhum estabelecimento possui sinalização tátil adequada, sendo inacessíveis para mulheres com deficiência visual.

Segundo estudos citados por Barbara Schildberger, Cristoph Zenzmaier e Martina König-Bachmann (2017), mulheres com deficiência têm mais probabilidade de usar o sistema público de saúde, os serviços de emergência, de serem submetidas a cesarianas e a partos prematuros. Apesar dessas necessidades, estudos também apontam que essas mulheres têm pouco acesso a serviços de maternidade, opções limitadas de contracepção e serviços inadequados de saúde sexual e reprodutiva.

A comunicação é uma barreira citada por muitas mulheres em seus atendimentos de saúde. Mulheres com deficiência visual, por exemplo, necessitam de uma descrição detalhada do ambiente onde estão e dos procedimentos que estão sendo realizados para que se sintam mais seguras nas situações de consultas e procedimentos pré-natal e, principalmente, durante o parto (HASSON-OHAYON et al., 2018).

Em relação às mulheres com deficiência física, as mudanças no corpo durante a gestação geram insegurança, diminuindo sua autoconfiança e podendo levar a complicações obstétricas psicogênicas. A situação pode piorar com a falta de habilidade profissional ao lidar com o caso. Os sentimentos negativos vivenciados pela mulher aumentam o medo e, consequentemente, a tensão e a dor durante o parto. Esse ciclo negativo pode ser quebrado por um cuidado adequado (HASSON-OHAYON et al., 2018).

Powell et al. (2017) identificam as reações familiares perante a notícia da gestação da mulher com deficiência física. Os autores consideram que as reações negativas constituem fatores ambientais estressantes, que têm efeito na saúde perinatal. O estresse materno constitui um fator de risco e tem relação direta com desfechos negativos. As autoras também destacam a importância de médicos e outros profissionais de saúde estarem atentos aos fatores psicossociais no atendimento a essas mulheres.

Maggie Redshaw et al. (2013) conduziram um estudo no Reino Unido com a aplicação de um questionário a cinquenta mil mulheres, três meses após darem à luz, incluindo questões como acesso, informação, comunicação e escolhas referentes ao pré-natal, trabalho de parto, parto e cuidados pós-parto. Também foram coletadas informações sobre idade, etnia e características demográficas. O estudo comparou os cuidados recebidos por mulheres com e sem deficiência e demonstrou que mulheres com deficiência têm menos probabilidade de terem um parceiro nesses momentos; têm proporcionalmente mais chances de terem partos prematuros; passam por mais consultas de pré-natal; têm menor probabilidade de escolher o local do nascimento; têm maior probabilidade de serem submetidas à cesariana; maior tempo de hospitalização; têm menor taxa de aleitamento materno nos primeiros dias; recebem mais visitas de obstetrizes no pós-parto; recebem mais informações sobre contracepção após o parto; referem barreiras na comunicação com os profissionais; têm menos confiança na equipe e menor envolvimento nas decisões acerca de seu cuidado.

Em relação ao cenário brasileiro, a Pesquisa Nacional em Saúde (PNS) de 2013 (IBGE, 2013) apontou que aproximadamente 12,4 milhões de pessoas, o que equivale a 6,2% da população brasileira, reconhecem que têm, pelo menos, um tipo das quatro deficiências: intelectual, física, auditiva e visual. Não há diferenças significativas entre homens e mulheres. A deficiência visual foi a mais representativa na população, equivalendo a aproximadamente 3,6%. Embora aproximadamente metade da população com deficiência seja do sexo feminino, ainda faltam dados sobre mulheres em fase reprodutiva, o que dificulta a formulação de políticas públicas para a assistência a essas mulheres na gestação e pós-parto (Camila Fernandes da Silva CARVALHO; Rosineide Santana de BRITO, 2016).

Nesse sentido, esse artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que se voltou para a compreensão das questões vivenciadas pela mulher com deficiência na gestação, parto e pós-parto. É preciso considerar que há poucos estudos no Brasil a respeito e os poucos existentes limitam-se a um tipo somente de deficiência e/ou a um momento específico da maternidade.

Caminhos metodológicos

A pesquisa é exploratória e seguiu abordagem qualitativa. Segundo Maria Cecília de Souza Minayo (2014), o método qualitativo se aplica à história das pessoas, à percepção de como vivem, suas crenças, sua forma de agir.

O processo de investigação qualitativo supõe: a imersão na vida cotidiana do sujeito; a consideração da investigação como um processo interativo entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, como descritiva e analítica, privilegiando as palavras das pessoas e seus comportamentos como dados primários. Esse tipo de investigação se ocupa da vida das pessoas, suas histórias, comportamento e seus contextos sociais. Está baseado na comunicação, na recolocação de histórias, nas narrativas e descrições de experiências de outros (MINAYO, 2014).

Optou-se por utilizar a narrativa como instrumento de coleta das informações, pois ela traz a história do sujeito de forma mais ampla, incluindo suas próprias interpretações e significados que aparecem ao narrar sua experiência, trazendo um conteúdo mais rico para a análise dos dados. A narrativa também pode conter dados que não foram previstos na pesquisa, ampliando os resultados (Lilia Blima SCHRAIBER, 1995).

As narrativas foram produzidas a partir de encontros com as participantes da pesquisa, nos quais elas foram encorajadas a contar sua história de forma livre e de acordo com suas memórias. Os encontros foram agendados conforme a disponibilidade das participantes e ocorreram entre os meses de abril e dezembro de 2018. Para a construção das narrativas, foram realizados de um a dois encontros com cada participante, com duração média de quarenta minutos para cada encontro. Todas as conversas foram gravadas e transcritas na íntegra, o que gerou aproximadamente oito horas de material em áudio. Após a transcrição, as perguntas foram removidas, os erros gramaticais corrigidos e o texto reorganizado por ordem temporal e de temas para a construção das narrativas (SCHRAIBER, 1995).

As participantes da pesquisa foram mulheres com deficiência física ou visual que são mães e moradoras de três municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS): Santos, São Vicente e Praia Grande. Esses municípios foram escolhidos por serem os principais da RMBS, e por contarem com serviços de reabilitação e com conselhos municipais da pessoa com deficiência, o que poderia significar uma facilidade maior para encontrar participantes para a pesquisa.

Inicialmente, foi realizada uma busca nos Conselhos Municipais de Saúde de Santos e Praia Grande e na Associação de Deficientes Físicos de São Vicente, porém as mães encontradas não se enquadravam nos critérios de inclusão por terem filhos mais velhos. Portanto, optou-se por uma busca em redes sociais e por indicação de conhecidos, utilizando a técnica snowballing, em que uma participante indicou a outra.

Segundo Juliana Vinuto (2014), a técnica snowballing é usada principalmente em pesquisas para fins exploratórios e consiste em uma forma de estudar populações difíceis de serem acessadas. Parte-se de pessoas-chave, também chamadas de sementes, que podem indicar outras pessoas dentro do grupo a ser estudado.

Foi realizada uma postagem em uma rede social pessoal da pesquisadora e em grupos de mães da mesma rede social. Assim, surgiram as primeiras participantes que indicaram outras, totalizando seis mulheres para este estudo.

Ao todo participaram seis mulheres, sendo três com deficiência física e três com deficiência visual. Os critérios de inclusão foram: mulheres com mais de 18 anos com deficiência física ou visual congênita ou adquirida, que fossem mães de crianças de zero a sete anos no período da pesquisa. No caso de deficiência adquirida, foram incluídas somente aquelas em que a deficiência ocorreu antes da maternidade. Segue abaixo breve apresentação das participantes. As siglas DF (Deficiência Física) e DV (Deficiência Visual) foram usadas devido às problemáticas específicas ligadas ao tipo de deficiência. Os nomes apresentados são pseudônimos escolhidos pelas próprias participantes.

  • - Diana, DF 1: Mulher negra de 43 anos, já tinha dois filhos (25 e 23 anos) antes de adquirir a deficiência física. Sofreu amputação em membro inferior por problemas circulatórios. Sua filha mais nova nasceu após a ocorrência da amputação e estava com sete anos na época do estudo.

  • - Eliana, DF 2: Mulher branca de 35 anos. Sofreu amputação de membro inferior em acidente de moto, quando tinha 22 anos. Tem três filhos, na época do estudo com nove e sete anos e a mais nova com dois meses.

  • - Talita, DF 3: Mulher branca de 26 anos, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) durante sua terceira gestação, que causou paralisia na metade direita do corpo e leve afasia (dificuldade de expressão). Seus filhos tinham nove, oito e sete anos e a mais nova estava com sete meses na época do estudo.

  • - Fátima, DV 1: Mulher branca de 37 anos com dois filhos, com sete e cinco anos na época do estudo. Apresenta deficiência visual congênita, cegueira total.

  • - Luana, DV 2: Mulher negra de 24 anos com um filho de um ano e seis meses na época do estudo. Apresenta visão subnormal desde o nascimento.

  • - Marta, DV 3: Mulher negra, 48 anos. Sofreu três perdas gestacionais. Tinha uma filha viva de oito anos na época do estudo. Apresenta deficiência visual congênita.

Após a construção da narrativa, foi agendado novo encontro com cada participante, quando o texto foi lido e sujeito à sua aprovação e modificação se necessário, de acordo com o desejo ou a necessidade da participante. Nesse momento, poderiam emergir novas memórias a serem consideradas ou novas interpretações das situações, pois o conteúdo das narrativas é subjetivo e diz respeito à visão de mundo de cada participante (Camila Junqueira MUYLAERT et al., 2014).

Posteriormente, as narrativas foram utilizadas para análise de conteúdo, seguindo os pressupostos de Laurence Bardin (2011). Desse modo, após a finalização das narrativas, teve início a organização e interpretação dos dados conforme: a leitura flutuante que, segundo a autora, consiste em estabelecer contato com os documentos, analisar e conhecer o texto. A partir dessa leitura, surgiram as seguintes categorias e subcategorias para a análise:

  1. 1. Gestação: dividida nas subcategorias

  2. 1.a. Planejamento e descoberta

  3. 1.b. Barreiras físicas e atitudinais

  4. 2. Parto: dividida nas subcategorias

  5. 2.a. Experiências positivas com profissionais e serviços

  6. 2.b. Experiências negativas com profissionais e serviços

  7. 3. Pós-parto: dividida nas subcategorias

  8. 3.a. Primeiros cuidados

  9. 3.b. Amamentação

O artigo aqui apresentado é parte de uma dissertação de mestrado cujo projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade sob o parecer 2.408.743.

Resultados e discussão

Aqui serão apresentadas e discutidas as falas das participantes referentes ao período de gestação, parto e pós-parto, considerando vários aspectos do que foi vivenciado pelas mulheres.

1. Gestação

1.a. Planejamento e Descoberta

A maior parte das mulheres entrevistadas desejou e planejou a maternidade que surge como uma consequência natural do relacionamento e parece não haver nenhuma interferência da deficiência nessa decisão. Embora o desejo da maternidade possa surgir em contraposição ao papel da mulher com deficiência que é atribuído pela sociedade: assexuada e incapaz de cuidar de outro. Assim, a maternidade surge como uma possibilidade de viver uma experiência que vá ao encontro do que é determinado socialmente como papel social da mulher e ultrapasse a questão da deficiência (DINIZ, 2012).

As falas de Marta e Diana expõem os desafios vividos para conseguirem engravidar:

Foi uma gravidez bastante desejada, mas eu perdi o bebê com três meses. Aí eu engravidei de novo, fiquei muito feliz, só que perdi novamente. [...] Fizemos exame e deu isso mesmo, o problema era mesmo no sangue, quando eu engravidava, meu organismo expulsava. Também tinha um problema na placenta que não colava, então, quando eu engravidasse eu tinha que tomar umas injeções (Marta - DV 3).

Diana conta que decidiu engravidar mesmo sabendo que seria uma gravidez de risco devido ao seu problema circulatório: “Antes de engravidar eu procurei saber com a ginecologista se eu podia engravidar já que tinha o problema da má circulação. A médica falava que eu era doida, que o risco era grande, mesmo assim eu fui lá e engravidei” (Diana - DF 1).

Nas falas acima, a deficiência não aparece como um fator que influenciou o planejamento da gestação ou a reação no momento da descoberta. Porém, uma das mulheres demonstra em sua fala uma rejeição à gestação, ligada ao medo de morrer por se tratar de uma gestação de alto risco. Foi a quarta gravidez da participante, mas a primeira desde que adquiriu a deficiência. A narrativa se deu quando sua filha estava com sete meses de idade. Talita sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no parto de seu terceiro filho e, desde então, passou a ter convulsões frequentes.

Eu não queria engravidar de novo porque o médico disse que eu não podia, que se eu engravidasse eu ia morrer. Quando eu descobri falei para o pai dela: “Tu me matou, eu vou morrer”. Ele falou que ia dar tudo certo, mas eu tinha medo porque tinha meus filhos pra criar, não podia ficar internada de novo (Talita - DF 3).

1.b. Barreiras físicas e atitudinais

Outro fator importante a ser considerado diz respeito às barreiras físicas e atitudinais que essas mulheres enfrentam. Barreiras são os fatores cuja presença ou ausência limitam o funcionamento de alguém e criam a deficiência. As barreiras podem ser físicas ou arquitetônicas, comunicacionais, atitudinais ou sociais (Gleice Azambuja ELALI; Rodrigo Pinheiro ARAÚJO; José de Queiroz PINHEIRO, 2010).

A gestação pode agravar algumas barreiras previamente existentes e marcar o aparecimento de outras. Sue Bertschy et al. (2015), em um estudo realizado nos Estados Unidos com mulheres com lesão medular, relata que mulheres com deficiência encontram dificuldades no período gestacional devido a barreiras físicas, falta de serviços especializados, além de barreiras comunicacionais, informacionais e atitudinais. A maioria das mulheres participantes do estudo relatou que recebeu pouca informação antes de engravidar.

Para Hasson-Ohayon et al. (2018), mulheres com deficiência são negligenciadas e/ou discriminadas com frequência durante a gestação. Encontram falta de conhecimento e atitudes negativas dos profissionais e membros da família, além da falta de acessibilidade nos serviços de saúde. Quando a gestante tem uma deficiência visível, também pode enfrentar comentários intrusivos de pessoas desconhecidas: “Já cheguei a ouvir coisas do tipo: ‘Quem fez isso com você?’ Ou ‘Caramba! Estupraram a garota! Que absurdo’. As pessoas falavam isso perto de mim, tem muita gente que acha que deficiente visual não enxerga, não fala, não anda e não é capaz de muita coisa” (Luana - DV 2).

A fala de Luana exemplifica como a pessoa com deficiência é estigmatizada. A partir de um rótulo, a sociedade idealiza a vida da pessoa com deficiência. Nesse caso, como alguém assexuado, que não é capaz de tomar suas próprias decisões. Logo, a gravidez somente seria possível como resultado de um estupro.

Essa concepção de que a mulher com deficiência é assexuada está presente, inclusive, em algumas teóricas do feminismo, que apontam que essas mulheres têm um corpo que diverge dos padrões normativos da contemporaneidade (ELALI; ARAÚJO; PINHEIRO, 2010).

O termo ‘capacitismo’ é utilizado para nomear essa ideia ligada à incapacidade da pessoa com deficiência. Segundo Anahi Guedes de Mello (2016), esse termo deriva da ideia de que o corpo humano deve funcionar de acordo com regras muito bem definidas biologicamente. Sendo assim, um corpo que desvia dessa norma é visto como não apto. No caso da mulher com deficiência, ela seria inapta aos papéis socialmente atribuídos às mulheres: a sexualidade e a maternidade.

“Quando eu estava grávida, já cheguei a escutar a pergunta: ‘Como você engravidou?’. Aí, a gente é grossa... Eu falei: ‘Foi do método mais convencional que você possa imaginar e muito mais fácil que você porque eu tenho menos perna, então ocupa menos espaço” (Eliana - DF 2).

Existe também, entre os profissionais da saúde, uma visão paternalista de que a mulher com deficiência deve ser protegida. Essa queixa aparece nas participantes do estudo realizado por Bertschy et al. (2015) e em Schildberger et al. (2017), que falam que nos casos de mães com deficiência há uma linha tênue entre cuidado e intrusão, causada pelo desconhecimento dos profissionais em relação à deficiência.

Minha ginecologista também era uma pessoa que não tinha experiência com deficiência visual, então, também tive um pouquinho de problema. Ela me tratava com muito ‘não me toquezinho’, sabe? Não chegava a ter preconceito, mas uma preocupação excessiva do tipo ‘Como você vai embora?’ Ou ‘Quem vai te ajudar?’ (Luana - DF 2).

Além da representação social das mulheres com deficiências e as barreiras atitudinais, existem as barreiras físicas, que são fatores importantes para a inclusão das pessoas com deficiência. A presença de barreiras arquitetônicas constitui um desafio para a circulação das pessoas no meio social e, consequentemente, em sua visibilidade. Marivete Gesser (2010) aponta uma relação próxima entre barreiras arquitetônicas e preconceito. Segundo a autora, o preconceito produz indiferença em relação às necessidades das pessoas com deficiência, gerando mais barreiras que impedem a convivência entre as pessoas com e sem deficiência. Durante a gestação, essa questão pode se tornar mais evidente por ser um período em que as limitações físicas podem se agravar.

Eu tinha muito medo que batessem na minha barriga ou eu mesma bater em alguma coisa, como carro que colocam no meio da calçada, bicicleta essas coisas. Eu morria de medo de bater porque ouvia muita história de mulher que perde o bebê porque bateu a barriga, então, andava com a bengala na mão protegendo a barriga (Marta - DV 3).

A falta de acessibilidade e a ineficiência de políticas públicas podem ser responsáveis pelo agravamento de deficiências e aumento da vulnerabilidade (ELALI; ARAÚJO; PINHEIRO, 2010). Diana conta, em sua narrativa, sobre a ladeira que tinha que subir para chegar ao posto de saúde, esforço que aumentava sua pressão arterial e interferia no seu pré-natal. Na época, ainda não utilizava prótese e esse trajeto era feito com muletas:

Eu morava em Suzano e tinha que subir ladeira para ir para o posto de saúde, lá é tudo ladeira. Tudo o que você precisa fazer você tem que subir e descer. Eu subia todo o mês para fazer o pré-natal. Fiquei com pressão alta e passei a ir toda semana, aí eu subia e chegava lá com a pressão alta e tinha que sentar para normalizar e elas poderem medir (Diana - DF 1).

2. O parto

No momento do parto, as mulheres reconhecem fatores como acolhimento dos profissionais da saúde, presença de acompanhante e o respeito às suas vontades como aspectos positivos. Por outro lado, algumas experiências narradas explicitam o capacitismo por parte dos próprios profissionais de saúde, gerando condutas que podem ser caracterizadas como violência obstétrica.

2.a. Experiências positivas com profissionais e serviços

Na narrativa de Fátima, fica evidenciado o acolhimento do médico em relação à paciente.

“Meu médico ficou lá das cinco da manhã até duas e meia da tarde que foi a hora que a B. nasceu. Ficou lá só para me atender, me tratou ‘super bem’, eu me senti muito calma, faz muita diferença o jeito que tu chega no hospital” (Fátima - DV 1).

Ela diz que o profissional lhe transmitiu segurança durante todo o processo de sua segunda gestação. Seus desejos foram respeitados e lhe foi permitido ter um acompanhante durante todo o parto e trabalho de parto.

Na fala a seguir, vemos um exemplo de protagonismo da mulher durante seu atendimento em saúde, em que pôde negociar com o médico o tipo de parto e a assistência que gostaria de receber: “Meu parto foi tranquilo. Foi uma cesárea. Desde o começo eu já sabia que queria uma cesárea por conta do meu glaucoma. [...] Na hora conheci o médico e gostei dele, ele foi muito atencioso comigo e me colocou como protagonista” (Luana - DV 2).

Contudo, embora a maioria das mulheres queira ser acompanhada e tenha esse direito por lei, muitas não conseguem ser atendidas devido às características da unidade obstétrica onde recebem atendimento. Nem toda a equipe reconhece a importância do acompanhamento e do direito da mulher em opinar sobre seu parto, o que muitas vezes faz com que o médico seja figura central das decisões, colocando a parturiente em uma condição passiva, na qual os desejos do profissional acabam predominando.

2.b. Experiências negativas com os profissionais e serviços

Fátima, ao relatar a experiência do nascimento do seu primeiro filho, refere o desrespeito à lei do acompanhante, que ela atribui ao fato de o seu marido também ter deficiência e à falta de incentivo da médica para o parto normal. Para Angela Mitrano Perazzini et al. (2017), a negação ao direito de acompanhante constitui uma prática abusiva por parte dos profissionais de saúde e representa a anulação simbólica de um direito conquistado pelas mulheres por meio das Políticas Públicas de parto e nascimento, vigentes no Brasil. Outro aspecto importante da fala de Fátima é a falta de incentivo ao parto normal, como preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (WHO, 2018).

A médica não deixou meu marido entrar no parto por causa da deficiência, acho que ela ficou com receio de que ele esbarrasse em alguma coisa, e queria que a minha amiga saísse também, mas eu falei que não, que ela ia ficar porque eu não queria ficar sozinha. Eu sabia que tinha direito de alguém para ficar comigo. No pré-parto, o homem não pode, mas pode uma mulher e na cirurgia também eu tinha direito. Eu estava nervosa, muito nervosa, com dor, a médica me assustou porque disse que ia demorar muito e perguntou se eu tinha certeza que não queria cesárea, aí eu aceitei (Fátima - DV 1).

Carvalho e Brito (2016) fizeram um estudo no qual mães com deficiência física foram entrevistadas a respeito da sua rede de apoio durante o período gestacional ao pós-parto. Uma das queixas principais entre as mulheres é a resistência que encontraram dos profissionais de saúde para permitirem um acompanhante durante o parto, o que foi justificado devido às políticas da instituição ou quanto ao ambiente físico que estaria inadequado para receber o acompanhante.

A fala abaixo deixa evidente o desconhecimento dos profissionais que assistem ao parto sobre a deficiência, além de denunciar um abuso de poder do profissional médico. Marta foi impedida de ter contato com a filha logo após o nascimento, porque foi sedada durante o parto. Sobre esse tipo de procedimento, Heloisa de Oliveira Salgado et al. (2013) classificam, de acordo com o preconizado pela OMS, como algo extremamente danoso e que pode prejudicar a formação de vínculo entre a mãe e a criança.

Como eu estava muito nervosa, eles me deram uma anestesia geral. Dormi que não vi nem minha filha nascer, nada. [...] Ninguém me explicou nada, simplesmente eu ouvi o médico dizendo que não iria aplicar anestesia local porque ia ser perigoso. Tudo isso porque eu ficava me mexendo na maca, tentando me ajeitar por causa da dor, então, eles falaram que eu machuquei a enfermeira, me chamaram de doida. [...] Deviam achar que eu sou surda também. Fui colocada na cama e fiquei sem minha filha porque ela nasceu e foi direto para a UTI neonatal porque nasceu antes do tempo e também disseram que ela estava dormindo também (Marta - DV 3).

Os estudos de Schildberger et al. (2017), Redshaw et al. (2013) e Chitnis Swati e Samant Padmaja (2017) apontam que há despreparo e desconhecimento dos profissionais em relação às necessidades das mulheres com deficiência. As mulheres com deficiência auditiva e visual que foram consultadas nesses estudos citam a comunicação como uma das principais barreiras. Marta exemplifica isso em seu relato, deixando clara a ineficiência dos profissionais ao se comunicarem com ela e perceberem a necessidade de formas de acolhimento diante de sua ansiedade por não saber o que estava acontecendo e a quais procedimentos seria submetida, gerando uma sensação de grande desamparo.

3. O pós-parto

3.a. Os primeiros cuidados

Após o parto, as mulheres apontam desafios relativos aos primeiros cuidados com seus filhos. É importante destacar que muitas dificuldades apontadas por elas não estão ligadas à deficiência, mas são dificuldades vividas pelas mães em geral, ligadas a uma assistência ineficaz à mulher nessa fase.

As dificuldades mais frequentes relatadas pelas participantes estão ligadas à alimentação e à higiene do bebê, do período do nascimento até um ano de idade da criança. Foram relatadas principalmente entre as mães com deficiência visual.

Os primeiros cuidados começam já no hospital. Com o intuito de promover o incentivo ao aleitamento materno, as maternidades disponibilizam o alojamento conjunto para que mães e bebês passem o tempo todo juntos até o momento da alta hospitalar. Assim todos os cuidados com o bebê podem já ser realizados pela mãe, se ela assim desejar. “No [nome do hospital], onde minha filha mais nova nasceu, a enfermeira queria fazer tudo e eu falava: Não, gente, eu posso fazer, eu ponho a perna, eu faço, se precisar eu dou banho sentada também, não tem dificuldade” (Eliana - DF 2).

Apesar de sentir-se plenamente segura para cuidar de sua filha, Eliana demonstra desconforto em relação à abordagem das enfermeiras. Schildberger et al. (2017) afirmam a importância do apoio e assistência dos profissionais de saúde às mulheres com deficiência, porém a ajuda não pode ser imposta e nem ocorrer de forma arrogante. Se for percebida pela mulher como uma intrusão, ela poderá se sentir desconfortável e negar apoio no futuro, de forma a evitar interferência excessiva.

Por outro lado, a insegurança no cuidado com o primeiro bebê é comum de aparecer. E, no caso das participantes, ela é muitas vezes agravada pela deficiência. Além do suporte dos profissionais de saúde, a troca de experiência entre mães pode facilitar esse processo como exemplificado a seguir:

Eu limpava com algodão, aí eu passava e passava o algodão e passava a mão assim do lado para ver se estava limpo, mas ali eu tive um problema, quando ela tinha uns quatro ou cinco meses, ela teve infecção urinária, eu me senti bem culpada, eu achei que não estava limpando direito e depois disso, eu comecei a lavar. Aí, ela fazia cocô e eu lavava mesmo se estivesse frio. Dava mais trabalho, mas eu ficava mais tranquila. Eu punha numa bacia de água bem morninha, punha lá dentro, lavava e pronto. Foi uma amiga com deficiência visual que me falou para lavar porque ela fazia isso com a filha dela. Depois disso, não tive mais problema (Fátima - DV 1).

A rede de apoio familiar também surge como algo importante na fala dessas mulheres. A maioria delas teve suporte da mãe ou da sogra nas primeiras semanas com o bebê.

Pessoas que nasceram com deficiência ou que convivem com ela desde cedo tiveram apoio de familiares ao longo de sua vida e isso se estende à maternidade. A figura materna aparece como o suporte principal para as novas mães (REDSHAW et al., 2013). Mesmo as entrevistadas que moram longe da família puderam contar com as suas mães no período do puerpério.

Minha mãe veio pra minha casa e ficou comigo durante um mês. Ela me ajudava, lavava as roupinhas e eu dava banho. Ela tem um problema na mão e disse que tinha medo do bebê escorregar, então, eu dava banho sozinha. Era uma luta, mas eu já estava um pouco mais acostumada porque já tinha cuidado de outras crianças. Na hora de trocar, fazia tudo e depois pedia pra minha mãe olhar se estava bem limpinha e depois eu colocava a fraldinha (Marta - DV 3).

No caso de Talita, esse apoio ainda é necessário, pois ainda não se adaptou às limitações físicas impostas pela sua deficiência:

Eu só não achei jeito de adaptar de cuidar dela. Eu tenho bastante dificuldade, trocar é muito ruim com uma mão só, eu preciso de ajuda da avó dela. Eu pego a fralda, talco, pomada, roupinha, só isso que eu faço porque o resto não consigo. Pegar ela com um braço só é complicado (Talita - DF 3).

3.b. A amamentação

A amamentação costuma ser um fator que gera dúvidas e dificuldades logo após o parto. Entre as causas do insucesso do aleitamento está a insegurança materna frente à sua capacidade de amamentar seu filho. A amamentação sofre influência da família, da história de vida da mulher, do pai da criança e do apoio ou não por parte de pessoas próximas à lactante, além de aspectos biológicos (Emanuele Souza MARQUES et al., 2010).

O sucesso do aleitamento depende, entre outros fatores, da orientação adequada e do apoio de familiares, como exemplifica a fala de Luana (DV 2):

Eu sofri por causa do bico, acho que o Tiago fazia a “pegada” errada. Mas graças a Deus, a gente foi se virando, as moças da [nome da maternidade] ajudaram, o pai do Tiago comprou um bico de silicone que me ajudou e deu tudo certo. [...] Ele foi amamentado exclusivo com leite do peito até os seis meses e isso pra mim é motivo de muito orgulho porque foi muito difícil, todo mundo questionando, dizendo que o leite não é suficiente, que o bico é torto, que isso e que aquilo. Eu sempre insisti, sempre falei: eu vou conseguir sim.

Marta (DV 3) exemplifica o uso de fórmula artificial quando o aleitamento materno exclusivo não é possível. Nesse caso, ter que lidar com a preparação da mamadeira também constitui um desafio para as mulheres com deficiência visual:

Foi muito ruim para fazer o leite, lidar com a quantidade, as medidas. Eu tive que aprender na raça porque minha mãe também não sabe ler. Inclusive, o primeiro leite que minha mãe fez, ela não quis tomar e eu sei que ela estava com fome, mas acho que ficou aguado demais. [...] Eu fui me adaptando, mas foi difícil. Eu pegava a medida do copinho e perguntava para alguém quantos ml tinha e assim eu conseguia fazer. Mas, quando ela tomava tudo, era sinal de que precisava aumentar e aí era outra luta porque eu já estava acostumada com aquela quantidade.

Segundo Marques et al. (2010), a assistência à lactante por profissionais de saúde é construída baseada nos significados que estes atribuem ao aleitamento materno. Assim como para as mulheres, esses significados são constituídos a partir de suas histórias pessoais e familiares e sobre ideias presentes no imaginário social. Entre elas, a de que a amamentação é um ato biológico e natural, negligenciando os aspectos sociais envolvidos. Uma boa assistência à lactante inclui incentivo à prática do aleitamento encorajando a mulher, se colocando à disposição para esclarecimento de dúvidas e ênfase no conceito de que toda mulher pode amamentar, reforçando que seu leite é o alimento ideal para a criança.

Considerações finais

Este estudo permitiu conhecer a experiência de mulheres com deficiência durante a gestação, parto e pós-parto e quais são as necessidades dessas mulheres nesse período.

Não foram encontrados dados específicos sobre mães com deficiência no Brasil, porém os estudos encontrados mostram que pessoas com deficiência, especialmente mulheres, encontram barreiras para o exercício dos seus direitos sexuais e reprodutivos. Uma parte importante dessas barreiras está justamente nos serviços de saúde: unidades de atendimento não acessíveis, equipes despreparadas e não sensíveis às necessidades das mulheres com deficiência. A ausência de dados na literatura torna essa questão invisível e dificulta a formulação de políticas públicas eficazes para o atendimento a esse público.

Embora a maternidade seja considerada socialmente como um dos principais papéis designado à mulher, corpos que desviam do padrão são interditados. Nessa linha de pensamento, a maternidade não cabe à mulher com deficiência, que é considerada alguém que deve ser cuidada e é incapaz de cuidar do outro. Até mesmo sua sexualidade é questionada, como aparece nas falas de algumas participantes do estudo.

O capacitismo fica claro também entre as equipes de assistência à saúde dessas mulheres. O reflexo do preconceito aparece nas barreiras físicas presentes nas unidades de saúde e hospitais, bem como nas atitudes dos profissionais de saúde. Também, fica evidente no relato de algumas mulheres o desconhecimento dos profissionais de assistência à saúde da mulher sobre questões referentes à deficiência.

A pesquisa realizada mostrou que esse é um campo ainda a ser explorado por pesquisadores devido à sua relevância nos estudos de gênero e deficiência. A interseccionalidade presente abre perspectivas futuras de pesquisa, mostrando ser fundamental mais estudos sobre essa temática, para que as mulheres ganhem mais visibilidade e que realmente passem a ser acolhidas em suas reais necessidades. É importante conhecer o ponto de vista de profissionais da assistência, investigar o que sabem e o que pensam a respeito das mulheres com deficiência e suas necessidades durante a gravidez e o parto. Também seria de grande importância um estudo com mulheres que tenham outros tipos de deficiência, como auditiva e intelectual, de modo a conhecer as suas necessidades e as particularidades relacionadas ao seu tipo de deficiência.

Espera-se que este estudo traga contribuições importantes para profissionais que atuam junto a pessoas com deficiência, mas também para profissionais da área de assistência à saúde da mulher, considerando a integração entre o conhecimento desses dois campos para uma assistência adequada às necessidades dessa população.

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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: CORRÊA, Vanessa da Costa Rosa; JURDI, Andrea Perosa Saigh; SILVA, Carla Cilene Baptista da. “Narrativas de mulheres com deficiência física e visual sobre suas Maternidades”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 3, e89510, 2023.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo para avaliação e cadastrado no Sistema Plataforma Brasil em conformidade com a Resolução 466/12, sob o parecer 2.408.743.

Recebido: 08 de Junho de 2022; Revisado: 21 de Maio de 2023; Aceito: 27 de Junho de 2023

vanessacrc.to@yahoo.com

a.jurdi@unifesp.br

carla.silva@unifesp.br

Vanessa da Costa Rosa Corrêa (vanessacrc.to@yahoo.com) é mestre em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da UNIFESP, campus Baixada Santista. Terapeuta Ocupacional formada pela Universidade de São Paulo (USP), em 2005. Realizou aprimoramento em reabilitação física no Hospital das Clínicas de São Paulo (2006). Tem experiência clínica nas áreas de saúde mental, saúde da família e reabilitação. Atualmente, atua como Professora Temporária no curso de graduação em Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7349959891557931

Andrea Perosa Saigh Jurdi (a.jurdi@unifesp.br) é Terapeuta Ocupacional graduada pela Universidade de São Paulo. Mestre e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Tem Pós-Doutorado em Estudos da Criança, especialidade Educação Especial pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho (Braga, Portugal). Docente do Curso de Terapia Ocupacional da UNIFESP e da Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4140547211703368

Carla Cilene Baptista da Silva (carla.silva@unifesp.br) possui Graduação em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (1992), Mestrado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (1996) e Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2003), incluindo curso Sanduíche em Sciences des Jeux, na Universitè Paris XIII. Tem Pós-Doutorado em Educação, pela Universidade de Aveiro, Portugal (2016), e é docente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde e do curso de Graduação em Terapia Ocupacional, Instituto Saúde e Sociedade. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7118155019861351

Contribuição de autoria: As autoras contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

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