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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.3 Florianópolis  2023  Epub 01-Sep-2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n392243 

Resenhas

Acesso ao feminismo: para além do que circula na internet

Access to feminism: further than circulates in internet

Acceso al feminismo: más allá de lo que circula en internet

1Universidade Estadual do Centro-Oeste, Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Comunitário, Irati, PR, Brasil. 84505-677 - ppgdc@unicentro.br

BRUM, Daniela Moraes. Feminismo pra quem?. Bauru: Astral Cultural, 2020. 160pp.


Um celular na mão e muitas ideias na cabeça - tudo pronto para ser externalizado nas redes sociais; neste espaço, os mais diversos assuntos têm sido discutidos, entre eles, os que tocam nos feminismos. Para algumas pessoas, este é, inclusive, o primeiro contato com o termo, seja a partir da problematização de um caso que tenha levantado pautas do movimento, seja através de uma influencer que se denomine feminista. Mas tudo que os feminismos abrangem não cabem em poucos caracteres de uma postagem nas redes sociais. Esse foi o motivo da ciberativista Daniela Brum escrever seu primeiro livro. Feminismo pra quem? propõe críticas ao “feminismo de telão”, aquele que é afirmado na tentativa de aparecer para ganhar likes, mas pelo qual “‘mulheres comuns’ não são se sentem representadas nem acolhidas por aquilo que aparece nas mídias” (Daniela BRUM, 2020, p. 11). Segundo a autora, em meio ao esvaziamento e à capitalização das pautas feministas na internet, urge a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre o tema e amplificar seu público-alvo para além daquelas e daqueles que possuem condições de ter acesso a uma conexão wi-fi.

Daniela Moraes Brum é criadora e administradora da página Feminiismo, no Instagram, que atingiu em torno de um milhão de seguidores. Mãe de dois meninos, sua percepção sobre a maternidade contribuiu para a popularização de suas contas em redes sociais. A publicação de uma foto grávida chorando no banho e uma legenda com um desabafo sobre as situações desconfortáveis de sua gestação promoveu a identificação com várias outras mães, que também relataram as dificuldades enfrentadas durante esse processo, para além da romantização em torno da gravidez. Ativista das pautas feministas na internet, mas também na vida real, Daniela é, ainda, presidenta do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) da cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, defendendo a igualdade de gênero em sua atuação política.

“Para todas as mulheres, inclusive, para aquelas que julgam não precisar dele”: a frase que aparece na capa do livro faz um convite provocativo, sugerindo que até mesmo quem acredita não se identificar com o movimento deveria dar uma chance para o debate. Outro detalhe que salta aos olhos para a investida na leitura é o prefácio escrito por Anielle Franco, atual ministra da Igualdade Racial do Brasil, irmã da vereadora da Câmara do Rio de Janeiro, Marielle Franco, que foi assassinada em um atentado que matou a tiros ela e o motorista Anderson Pedro Gomes em 2018.

Em Feminismo pra quem?, Daniela discorre sobre diversos tópicos da agenda feminista, articulando dados informativos e fatos históricos, e exemplificando situações a partir de vivências pessoais, fazendo jus ao que ela própria define como o objetivo do volume: “trazer não apenas o entendimento sobre o assunto, mas também maneiras efetivas de o transformar em uma prática diária, visando melhorias coletivas em nossa sociedade” (BRUM, 2020, p. 11).

No primeiro capítulo, “Afinal o que é feminismo?”, a autora define o termo enquanto “movimento social, político e filosófico que tem como objetivo libertar e emancipar todas as mulheres” (BRUM, 2020, p. 14), sugerindo formas de derrubar o patriarcado para que essa conquista seja plena. No segundo capítulo, “A importância da interseccionalidade”, o conceito é salientado para compreender as variadas reivindicações feministas, dadas as diferenças entre as mulheres. No terceiro capítulo, “Somos livres de verdade?”, a falsa ideia de liberdade é contestada com argumentos como a persistência do medo de andar sozinha na rua ou de ter seu corpo hipersexualizado pelo olhar de outrem. No quarto capítulo, “Maternidade”, a autora critica a imposição compulsória da sociedade para tal, desmistificando outras questões em torno da temática. No quinto capítulo, “É preciso estar organizado”, é enfatizada a importância de lutar coletivamente por mudanças efetivas, especialmente contra, conforme elenca, os três maiores problemas enfrentados por mulheres: a violência doméstica, o comprometimento de seus direitos trabalhistas e a falta de seriedade na garantia da saúde. No sexto capítulo, “Educação sexual”, Daniela argumenta sobre a necessidade de trabalhar o assunto com as crianças e de garantir à população o acesso à informação sobre direitos sexuais e reprodutivos. No sétimo e último capítulo, “Como a pandemia escancarou as diferenças sociais”, sublinha que durante o período evidenciaram-se as desigualdades de grupos que já eram desamparados pelos governos.

O livro tem uma proposta parecida com O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras, de bell hooks (2019), cujo objetivo é “levar o significado do pensamento e da prática feministas a um público maior, às massas” (HOOKS, 2019, p. 07). Com linguagem simples e narração alternada entre a primeira pessoa do singular e a do plural, Daniela Brum inclui, assim como bell hooks, o leitor e a leitora no “nós” que compõe uma luta feminista coletiva e inclusiva. A partir de uma prosa intimista, aproxima seu público ao apelar por sua sensibilidade em compreender o quanto o machismo causa danos às mulheres, mas também aos homens. O livro de Brum, a partir da crítica ao feminismo de telão, se aproxima ainda das obras brasileiras Feminismo em comum: para todas, todes e todos, de Márcia Tiburi (2018), e #MeuAmigoSecreto: Feminismo além das redes, do coletivo Não Me Kahlo (2016), que, também em linguagem acessível, buscam debater o movimento para além de um discurso que está na moda, resgatando o feminismo enquanto propulsor de mudanças nas maneiras de pensar e agir em sociedade.

Feminismo pra quem? fornece um conteúdo introdutório a quem está começando a conhecer os feminismos. No entanto, é também uma oportunidade para quem já conhece - ou se identifica com o movimento - de revisar seu próprio feminismo, pensando-o de maneira mais coletiva e voltado para ações efetivas. A autocrítica da autora é, ainda, um ponto louvável, pois, a partir de seu lugar enquanto ciberativista, rotula o feminismo propagado na internet como raso, apontando também os perigos da desinformação sobre o tema neste meio através da intensidade de fake news que circulam a respeito. Para sair desse impasse, Daniela recomenda repetidamente que se amplie o assunto para outros ambientes, de maneira a possibilitar discussões mais aprofundadas sobre os feminismos.

Trata-se de um texto não acadêmico, mas que lembra, em certos trechos, conceitos conhecidos nos Estudos de Gênero que poderiam ter sido mencionados, mesmo que brevemente, através da indicação de pensadoras e teorias que já abordaram anteriormente os temas levantados. Desta forma, os assuntos poderiam ser incrementados para sair do raso, criticado pela própria autora - “estudar sobre teorias feministas, ler autoras consagradas e fazer análises de raça, classe e gênero são essenciais para levar a discussão para além do que está aparente” (BRUM, 2020, p. 30-31), resolvendo a questão com o uso, por exemplo, de notas de rodapé, para não carregar demais um texto que se pretende simples e com leitura mais fluida. Apenas para vislumbre de algumas possibilidades, quando argumenta sobre como o lugar que ocupa na sociedade é suficiente para pensar realidades diferentes da sua e se solidarizar com elas (BRUM, 2020), poderia incluir referência ao conceito de lugar de fala, sistematizado no já conhecido livro de Djamila Ribeiro (2019) ou quando comenta sobre “o que era dito para a maioria das garotas da minha idade: um dia, nós seríamos mães. Dar à luz e cuidar de outro ser humano é algo a que estávamos destinadas” (BRUM, 2020, p. 100), poderia embasar com os argumentos de Guacira Lopes Louro (1999) sobre pedagogia de gênero. O único conceito trazido de forma referenciada por Brum (2020) é o de interseccionalidade, atribuído à Kimberlé Crenshaw. Também seria uma opção elencar palavras-chave e trazê-las em um glossário ao final do livro com indicações de leituras complementares que permitam ampliar o conhecimento sobre os diversos assuntos que abrangem os feminismos e que são citados no livro de Brum. Ora, se a autora comenta que para ser feminista é preciso estudar sobre feminismo - “o movimento é uma mistura de teoria com prática. Se você não possui esse entendimento, pois não se aprofunda em leituras e estudos sobre e não coloca em prática a busca por mudanças, é complicado se autointitular como ‘feminista’” (BRUM, 2020, p. 79) - poderia, então, fornecer alguns caminhos para tal.

O livro aborda diversas questões já trabalhadas por outras autoras feministas, porém inova na crítica ao que circula na internet, chamando para a ação muitas pessoas que apenas problematizam questões neste espaço, mas não incorporam o movimento em suas práticas diárias. “A internet e as redes sociais podem ser uma porta de entrada para muitas mulheres conhecerem o movimento feminista, mas elas não devem ser o fim do processo” (BRUM, 2020, p. 81). Feminismo pra quem? traz, ainda, outras questões bastante atuais, considerando as condições de sua produção - durante a pandemia de covid-19. Não é à toa que a temática ganha um capítulo específico. As consequências da pandemia ainda estão sendo colhidas, sendo as mais prejudiciais voltadas aos mais vulneráveis - pessoas pobres, mulheres, não-brancas, como bem pontua a autora.

Ao final da leitura, a pergunta do título ecoa em nossa cabeça: afinal, “feminismo pra quem?”. Para todo mundo. Um feminismo anticapitalista, antirracista e anti-LGBTfóbico é, segundo a autora, essencial para combater as desigualdades de gênero e outras formas de opressão, buscando condições para que os sujeitos possam ser efetivamente livres.

Referências

BRUM, Daniela Moraes. Feminismo pra quem?. Bauru: Astral Cultural, 2020. [ Links ]

HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Trad. de Bhuvi Libâneo. 8. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019. [ Links ]

LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. [ Links ]

NÃO ME KAHLO. #MeuAmigoSecreto: Feminismo além das redes. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2016. [ Links ]

RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. [ Links ]

TIBURI, Márcia. Feminismo em comum: para todas, todes e todos. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018 [ Links ]

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: PIETA, Amanda Padilha. “Acesso ao feminismo: para além do que circula na internet”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 3, e92243, 2023.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 19 de Dezembro de 2022; Revisado: 03 de Abril de 2023; Aceito: 08 de Abril de 2023

Amanda Padilha Pieta (amndpieta@gmail.com) é doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Comunitário (PPGDC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Participante do Centro Interdisciplinar de Estudos de Gênero (CIEG) da Unicentro. Mestra em Letras (2019) e bacharela em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo (2016), pela Unicentro

Contribuição de autoria: Não se aplica.

Conflito de interesses: Não se aplica

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