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Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação

versión impresa ISSN 0104-4036versión On-line ISSN 1809-4465

Ensaio: aval. pol. públ. educ. vol.30 no.117 Rio de Janeiro oct./dic 2022  Epub 09-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s0104-40362022004000001 

Editorial

A Educação e os impactos da Covid-19 nas aprendizagens escolares

a Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

2Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.

b Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, Instituto de Estudos Avançados - Polo Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo- Ribeiro Preto, SP, Brasil


Nesse retorno à normalidade, buscamos aqui refletir sobre a Educação e a aprendizagem por conta do muito que se perdeu durante o período mais crítico da Covid-19 no Brasil e no mundo e o que é preciso fazer para reverter tais perdas. Ainda antes da pandemia, já se sabia sobre o grande esforço que o Brasil necessitava fazer no campo educacional para reverter os baixos índices de aprendizagens escolares, a fim de alcançar todos os alunos, em função dos elevados níveis de desigualdade. Posto isso, buscamos aqui refletir sobre a Educação e a aprendizagem, por conta das perdas, que foram acentuadas durante o período pandêmico. Para tal, vamos refletir sobre a noção de Educação, noção esta que pode ser muito ampla e que permite interpretações diversas - com práticas também diversas-, e da aprendizagem, tão necessária nesse “novo normal” quando já se é possível vislumbrar o fim da pandemia.

Segundo nosso entendimento, a Educação pode ser vista como uma prática social que tem como objetivo o desenvolvimento do ser humano, das suas competências e de suas potencialidades. Também pode ser vista como um direito, um direito fundamental que permeia e interfere no desenvolvimento humano por meio do Ensino e da aprendizagem, buscando potencializar a capacidade intelectual do ser humano. Ou ainda, a Educação pode ser vista como um processo, um processo único de aprendizagem associado à escola, à família e à sociedade. Se aceitarmos que a Educação é uma prática social, deliberada, submetida à permanentes questionamentos e conduzida a finalidades coletivamente instituídas, aceitaremos também que a prática da Educação é acompanhada por uma intensa atividade investigativa, de exame e reflexão. A Educação é o processo social que leva o ser humano a reconhecer, buscar, instaurar, hierarquizar os valores de modo a aprimorar-se como sujeito integrante da sociedade. E, se for entendida como processo de aperfeiçoamento e de humanização do sujeito, a Educação será sempre considerada como fundamental e indispensável ( WERNECK, 2019 ).

Já a aprendizagem pode ser entendida como um processo de mudança de comportamento através da experiência, o resultado da interação entre estruturas mentais e o meio ambiente. É também o resultado direto de como o sujeito interpreta e responde ao que aprendeu, por meio de sua própria reflexão e experimentação Tais conceitos nos ajudam a compreender e a analisar a aprendizagem dos alunos, no ambiente formal da escola, como podemos interpretar os números dos sistemas que avaliam esta aprendizagem no Brasil e quais os desafios a serem conquistados neste novo normal ( CRUZ, 2008 ).

Levando em consideração as últimas edições do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)1 , que tem sido usado como instrumento de avaliação da aprendizagem escolar, anteriores ao período pandêmico, ou seja, 2015, 2017 e 2019, educadores e gestores já sabiam o tamanho do desafio que seria melhorar a aprendizagem escolar no Brasil, especialmente, no que se refere aos anos finais do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio ( QEDU, 2020 ).

Isso se refletia claramente na dificuldade de o país alcançar as metas estabelecidas para essas duas últimas etapas da Educação Básica. Com o advento da pandemia, isso se tornou ainda mais complexo, como pode ser visto na Tabela 1 .

Tabela 1 Valores verificados e projetados (entre parênteses) do Ideb dos Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental (EF) e do Ensino Médio (EM) para o Brasil – rede pública. 

IDEB 2015 2017 2019 2021
Anos Iniciais (EF)
  • 5.3 (5.0)

  • Δ = +0.3

  • 5.5 (5.2)

  • Δ = +0.3

  • 5.7 (5.5)

  • Δ = +0.2

  • 5.5 (5.8)

  • Δ = -0.3

Anos Finais (EF)
  • 4.2 (4.5)

  • Δ = -0.3

  • 4.4 (4.7)

  • Δ = -0.3

  • 4.6 (5.0)

  • Δ = -0.4

  • 4.9 (5.2)

  • Δ = -0.3

Ensino Médio (EM)
  • 3.5 (4.0)

  • Δ = -0.5

  • 3.5 (4.4)

  • Δ = -0.9

  • 3.9 (4.7)

  • Δ = -0.8

  • 3.9 (4.9)

  • Δ = -1.0

Fonte: resultados do Ideb a partir do INEP (2021)2

Na Tabela 1 o Δ (delta) é a diferença entre duas variáveis, a do valor verificado e a do valor projetado. Um valor positivo de Δ significa que o Brasil alcançou a meta daquela etapa escolar naquele ano. Dessa forma é possível verificar que o Brasil não conseguia alcançar as metas projetadas para o Ideb, mesmo antes da pandemia, para os Anos Finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio (2015, 2017, 2019), que se reflete nos valores negativos de Δ ( INEP, 2021 ).

Com o advento da pandemia, o impacto na queda da aprendizagem foi enorme, o que se refletiu inclusive nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, não batendo a meta prevista para 2021, com uma diminuição do Ideb, que é calculado com base no aprendizado dos alunos em português e matemática (Prova Brasil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação). A título de exemplo, o Ideb, desta etapa escolar em 2019, de 5.7 foi o resultado de 6.02 (aprendizado) multiplicado por 0.94 (aprovação). Em 2021, esses dois componentes foram, respectivamente, 5.64 e 0.97 que produziu um Ideb de 5.5. A queda da aprendizagem foi 6.02 para 5.64 ( INEP, 2021 ).

Outro aspecto importante foi o crescimento artificial do Ideb, de 2019 para 2021, para os Anos Finais do Ensino Fundamental, de 4.6 para 4.9, como resultado da taxa de aprovação, já que houve por parte do Conselho Nacional de Educação (CNE) a recomendação para não reprovar os estudantes nesse período pandêmico. Assim, em 2019, o Ideb de 4.6 foi resultado do produto 5.21 (aprendizado) por 0.89 (aprovação); em 2021, esses componentes foram, respectivamente, 5.12 e 0.95. No Ensino Médio, ocorreu um comportamento similar aos Anos Finais do Ensino Fundamental ( INEP, 2021 ).

Olhando esses números do Ideb de 2019 e 2021, a queda mais significativa se deu para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, naquilo que as primeiras avaliações diagnósticas já apontavam que o impacto maior da pandemia na aprendizagem escolar ocorreu entre as crianças menores ( SÃO PAULO, 2021 ).

O advento da pandemia, por sua vez, provocou mudanças bruscas no processo de Ensino e de aprendizagem, não só nas escolas brasileiras, mas em todo o mundo. O fechamento dos prédios escolares foi uma necessidade imposta pela pandemia, e, como resultado, os sistemas escolares viram no Ensino remoto o caminho mais viável para assegurar aos estudantes o direito à Educação ( DIAS, 2021 )3 . Todavia, o número de dias com escolas fechadas variou muito entre os países. O Brasil, por exemplo, foi um dos países que mais tempo passou nessa situação, além de ter apresentado grandes limitações para o uso do Ensino remoto, já que boa parte de suas escolas públicas não tinham conectividade digital adequada a essa modalidade, o país também foi um dos mais afetados no campo das aprendizagens escolares ( BARTHOLO et. al., 2022 ). Esse impacto começou, de fato, a ser aferido com mais precisão a partir da abertura dos prédios escolares ainda em 2021.

Como já antecipamos, esse impacto se verificou em todos os países diretamente afetados pela pandemia. Porém, uns foram mais fortemente afetados do que outros. Em média, os alunos em todo o mundo estão oito meses atrasados em relação ao que estariam na ausência da pandemia ( DORN et al., 2021 ). Esse impacto, como esperado, foi menor nos sistemas educacionais de alto desempenho, como os da América do Norte e da Europa; nesse caso, os alunos estão, em média, atrasados de um a cinco meses. Por outro lado, nos países que já apresentavam déficits importantes de aprendizagens mesmo antes da pandemia, como os da América Latina, o atraso escolar encontra-se na faixa de nove a quinze meses. O Banco Mundial estima que, antes da pandemia, mais da metade dos estudantes em países de baixa e média renda viviam em “pobreza de aprendizagem” – ou seja, alunos eram incapazes de ler e entender um texto simples aos 10 anos de idade. Esse número pode subir até 70% devido às interrupções escolares relacionadas à pandemia ( UNESCO; UNICEF; WORLD BANK, 2021 ).

Outro aspecto preocupante é o maior impacto da pandemia nos estudantes historicamente vulneráveis e marginalizados, que, portanto, correm o risco de ficar ainda mais para trás. A relação entre o nível socioeconômico dos alunos e o sucesso escolar é tema recorrente na sociologia da Educação, porque a origem social tem um peso no desempenho dos alunos em comparação com os fatores escolares. Estudos indicam que a força da relação entre o nível sócio econômico e o sucesso escolar apresenta grande variação entre países e sistemas educacionais ( KOLINSKI et al. , 2022 ). Com a pandemia essa desigualdade só se agravou. Por exemplo, nos Estados Unidos, os alunos da maioria das escolas de estudantes negros estavam meio ano atrasados em matemática e leitura no outono de 2021, enquanto os da maioria das escolas de estudantes brancos estavam apenas dois meses atrasados ( DORN et al , 2021 ). Já na Etiópia, os alunos das áreas rurais alcançaram menos de um terço do aprendizado esperado de março a outubro de 2020, enquanto os das áreas urbanas aprenderam cerca de metade do aprendizado esperado ( KIM et al., 2021 ).

Quadros como esse só fazem ampliar ainda mais as desigualdades sociais e econômicas em decorrência da aprendizagem escolar. Como já é bem conhecido, níveis mais baixos de aprendizagens se traduzem em menos potencial de ganhos futuros para os alunos e menor produtividade econômica para as nações. Estima-se que até 2040 o impacto econômico decorrente dos atrasos de aprendizado relacionados à pandemia pode levar a perdas anuais de US$ 1,6 trilhão de dólares em todo o mundo, ou 0,9% do produto interno bruto (PIB) global total ( BRYANT et al ., 2022 ).

Para mitigar esse legado deixado pela pandemia nas aprendizagens escolares e para o enfrentamento do aumento das desigualdades, no caso do Brasil, o Conselho Nacional de Educação (CNE) propôs um conjunto de medidas ( BRASIL, 2021 ), entre as quais trabalhar no contexto de um continuum curricular para os anos de 2020-2022, entendendo que a Base Nacional Comum Curricular ( BRASIL, 2017 ) pode ser de grande utilidade como orientadora das aprendizagens essenciais que precisarão ser desenvolvidas por todas as escolas públicas e particulares de Ensino. A BNCC assume assim um papel estratégico para a recomposição das aprendizagens, ao tempo em que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco (2022) recomendou aos países de todo o mundo um forte trabalho de cooperação e colaboração para o sucesso dessa recomposição e o enfrentamento das desigualdades educacionais.

Refletindo sobre todos esses temas, o novo número da Ensaio, traz no seu bojo, artigos sobre avaliação, aprendizagem, financiamento, Educação para cidadania, Educação como direito social, políticas públicas para jovens, internacionalização do Ensino Superior, justiça social, gestão educacional e o papel da Arte na escola.

O primeiro bloco de artigos, trata, respectivamente, da avaliação educacional no Brasil, da Educação para cidadania, das práticas avaliativas e das políticas públicas para a juventude.

No primeiro texto, intitulado “Avaliação educacional: um olhar sobre a produção acadêmica na revista Ensaio (2009-2020) ”, as autoras Maria Araújo, Hérica Oliveira e Ana Santos, fizeram uma pesquisa - tipo estado da arte-, sobre os mais de 130 artigos publicados pela Ensaio, no período de 2009 a 2020, que abordam especificamente aspectos gerais da avaliação educacional, avaliação de programas, projetos e políticas públicas sobre avaliação.

Em seguida, temos o texto “A (re)interpretação e a implementação das políticas educativas de cidadania pelos professores”, no qual as autoras portuguesas Maria José D. Martins e Ana Margarida Veiga Simão fizeram uma investigação para compreender como os mais de 100 professores do 1º ciclo do Ensino Básico – semelhante ao nosso Fundamental I –, que fizeram parte da pesquisa, entendiam as políticas educativas sobre cidadania, que constam nos documentos oficiais, e quais as estratégias e práticas pedagógicas para educar os seus alunos para a cidadania, o viver em sociedade.

No terceiro artigo, de professores de universidades públicas do Rio de Janeiro e de uma universidade corporativa da Marinha, os autores Andréa B. de Almeida, Rodrigo P. da Rocha Rosistolato e Diana Gomes da Silva Cerdeira, analisaram concepções e práticas avaliativas de professores do Ensino Fundamental I da rede municipal do Rio de Janeiro, procurando entender as concepções e discursos dos professores e suas práticas avaliativas. No decorrer da pesquisa viram que os discursos se alinhavam à perspectiva da avaliação formativa, mas na prática, a avaliação em uso era somativa, voltada para o treino dos alunos para as provas bimestrais e para as avaliações externas.

A seguir, temos o ensaio do professor Clóvis Trezzi, intitulado “O acesso universal à Educação no Brasil: uma questão de justiça social” no qual o autor discute o direito à Educação no Brasil. Educação que é vista como um direito social, a partir da perspectiva de uma escola justa. O autor fundamenta sua argumentação em Dubet e seu objetivo principal é discutir a escola justa, tendo como ponto de partida, a realidade brasileira.

O quinto artigo, vem da Argentina, é da professora María Eugenia Vicente, e, intitula-se “ Aportes para ampliar la mirada en el diseño de políticas públicas sobre jóvenes, Educación y trabajo en América Latina ”. No texto, a autora procura compreender as políticas públicas voltadas para a juventude e toma como base o relatório de perspectivas econômicas da América Latina da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a fim de contrapor as propostas que reduzem tais políticas a demanda do mercado, a programas de treinamento e as questões socioeconômicas, sugerindo políticas que se ancorem nos direitos dos jovens que deve ser visto como um cidadão, que faz parte de um coletivo, dinâmico e heterogêneo.

Faz parte da tradição editorial da Ensaio, o intercâmbio acadêmico no âmbito nacional e internacional, em que as vivências e as experiências de outros espaços escolares auxiliam na compreensão do nosso contexto educacional. Desta feita, no segundo bloco de artigos, temos as pesquisas que tratam do gasto público com a Educação, a Educação Superior no Canadá, e políticas de internacionalização do Ensino Superior no México e no Brasil.

O texto dos pesquisadores Jonatas Dutra Sallaberry, Edicreia Andrade dos Santos, Pedro Henrique da Silva Melo Pereira e Débora Larissa Brum, intitulado “Determinantes do gasto público em Educação nos municípios do estado do Mato Grosso do Sul” discute o investimento público em Educação, em 79 municípios do Mato Grosso do Sul, no período de 2010-2018. Inferem que fatores como o tamanho da população, o PIB per capita e o ano eleitoral municipal são relevantes para o aumento ou limitação do gasto com a Educação, e esses fatores apresentam implicações para os gestores públicos, para a sociedade e para os educadores.

Em seguida, o texto dos professores Marileide Gonçalves França, Douglas Christian Ferrari de Melo e Mariangela Lima de Almeida, intitulado “O financiamento educacional no Espírito Santo: o que dizem os gestores de Educação Especial”, nele, os autores investigam a percepção dos gestores de Educação Especial do Espírito Santo sobre essa modalidade de Ensino, sobre o financiamento da Educação Especial, bem como, o desafio que é a formação para esses profissionais que atuam nos municípios do Estado. A partir da pesquisa, os autores entenderam que os gestores ainda estão no processo de apropriação de saberes vinculados a essa área de conhecimento e, por isso, a formação profissional é um desafio que ultrapasse o aspecto pedagógico.

De Minas Gerais, temos o texto do professor Danilo de Melo Costa, intitulado “ Canadian Higher Education System: Evaluation of the HEQCO Agency for the development of Education in the province of Ontario ” que trata da Educação Superior na província de Ontário, no Canadá. Nesta província, há o maior número de matriculados nessa modalidade de Ensino. Devido à complexidade para gerir tal demanda, o governo canadense criou o Conselho de Qualidade da Educação Superior de Ontário, a fim de tratar de questões específicas, de uma forma mais eficiente. Por ter qualidades exclusivas, o conselho identifica os maiores desafios e consegue ser mais assertivo nas ações e políticas, auxiliando o desenvolvimento da Educação no Canadá.

Dentro da temática da Educação Superior, o artigo seguinte, intitulado “ La política de internacionalización de la Educación Superior. Efectos, brechas y asimetrías persistentes ” escrito por autores do México e Brasil, discutiu a política de internacionalização e alguns dos seus efeitos. Os pesquisadores Jaime Moreles Vázquez, Sara Aliria Jiménez García e Silvia Regina Canan, analisaram a forma como as universidades assumiram essa política, através dos documentos normativos e dos relatórios institucionais, demonstrando seus principais resultados e os aspectos que são medidos nos rankings das universidades. No estudo, os autores perceberam as lacunas existentes entre a concepção da política adotada no discurso institucional e a forma como tal política transcende os indicadores que medem sua eficácia.

Refletindo a política de pluralidade temática da revista Ensaio, apresentamos o terceiro bloco de textos, no qual temos artigos que analisam percursos e trajetórias de gestores, programa de avaliação na Educação básica, o conceito de Educação para a transição emancipatória e como a Educação Musical nas escolas auxilia na aprendizagem do respeito.

No artigo intitulado “Percursos e trajetórias: a identidade do diretor de escola negro nas escolas municipais da cidade de São Paulo”, os autores Douglas A. de Campos e Maria Angélica Chagas Ferreira, estudaram um fenômeno social no âmbito escolar, a trajetória identitária do diretor de escola negro, atuante em escolas municipais na cidade de São Paulo. Por meio da história oral, entrevistas e depoimentos, estabeleceram três categorias de análise: família e representatividade; formação docente e gestora; e identidade étnica e o fazer administrativo na escola. A partir da pesquisa concluíram que os diretores de escola conseguem desenvolver trabalhos relevantes para a comunidade onde atuam, e, a identidade étnico-racial torna-se um instrumento de luta para legitimar elementos de constituição de sua identidade profissional.

Em seguida, temos o artigo “Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo: repercussões nas escolas e no Ensino de Matemática”. Os pesquisadores Rosiane Lima e Lúcio Fassarella, partilham conosco a sua análise e reflexão sobre os impactos do referido programa nas escolas e nos processos de Ensino e de aprendizagem, com recorte específico na disciplina de matemática. Neste artigo os autores procedem a uma análise de referenciais normativos relevantes e realizam uma revisão da produção acadêmica que tomou o Programa de Avaliação da Educação Básica (Paes) como objeto de estudo. Para os autores, o programa tem ficado aquém das expectativas, tendo mesmo produzido alguns efeitos, aparentemente, não desejados, desvirtuando o processo de avaliação dos alunos, condicionando a seleção dos dispositivos pedagógicos, empobrecendo o currículo e não contribuindo para a profissionalização dos professores.

Da Espanha, temos o artigo “ Educación para la transición emancipadora: justicia social y ciudadanía global ”, dos investigadores Nieves Martín-Bermúdez e Olga Moreno-Fernández, no qual discutem o direito à Educação e os valores que fundamentam o processo educacional. Os autores reafirmam a relevância em tornar visível a diversidade das realidades socioeducativas e o conhecimento acerca do papel da Educação. Dessa forma, a perspectiva da Educação para uma transição emancipatória é apresentada ao leitor como uma alternativa pedagógica e um modelo de formação integral para o estudante, a partir de princípios que promovem uma cidadania global, emancipada e fortalecedora.

Fechando o número 117 da Ensaio, temos a seção Página Aberta, que traz o artigo “ Learning respect through Music Education in schools ” das autoras Cristina Silva Kreutzfeld e Maria Judith Sucupira da Costa Lins, no qual discutem o Ensino da virtude Respeito por meio da contação e da sonorização de história em aulas de Educação Musical. A pesquisa fundamenta-se na filosofia de Aristóteles, na premissa de que a ética pode ser ensinada, por meio das virtudes. O estudo foi realizado com alunos, entre 8 e 11 anos, da 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro, nas aulas de Educação Musical. O resultado da pesquisa demonstra que os alunos compreenderam o significado da virtude Respeito e a importância da prática de virtudes para o convívio social.

Esse conjunto de artigos, com uma grande variedade temática, demonstra que a pandemia não parou a produção científica no mundo e que a Educação continua a ser uma ferramenta para a transformação da sociedade. A leitura de artigos tão distintos, oriundos de quase todas as regiões do Brasil, da Argentina, do México, da Espanha e de Portugal, fará o leitor constatar que o Ensino Superior, o Ensino Fundamental, a avaliação educacional, a Cidadania e a Educação como direito social, constituíram-se como os fios condutores desse número, entrelaçando realidades nacionais e internacionais, trazendo à vista questões que são relevantes para os pesquisadores da Educação.

A Ensaio deseja uma boa leitura a todos e renova o compromisso de continuar a promover a reflexão, o debate e a difusão de estudos que contribuam para o avanço do conhecimento na área das Ciências Humanas.

Referências

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1O Ideb é a ferramenta para o acompanhamento das metas de qualidade do Plano de Desenvolvimento da Educação para a Educação Básica no Brasil, e os valores variam de 0 a 10. A meta para 2022 é que o Ideb do Brasil seja 6, 0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável aos países desenvolvidos. A média desses países em um índice similar, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), é 6.

2A nota do Ideb é calculada com base no aprendizado dos alunos: a soma de português e matemática dividido por dois, multiplicado pelo taxa de aprovação, resulta na nota do Ideb.

3A crise causada pela Covid-19, em 2020, levou ao encerramento das aulas em escolas e em universidades, o que afetou mais de 90% dos estudantes do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Informações sobre os autores

Érika Dias: Doutora em História pela Universidade Nova de Lisboa. Editora da revista Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação. Pesquisadora correspondente do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa. Contato: erikadias@cesgranrio.org.br

Mozart Neves Ramos: Doutor em Química pela Universidade Estadual de Campinas com Pós-Doutorado em Química pela Politécnica de Milão – Itália. Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco. É membro do Conselho Nacional de Educação (2018-2022) e faz parte da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, Instituto de Estudos Avançados - Polo Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

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