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Educar em Revista

versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.35 no.76 Curitiba jul./ago 2019  Epub 23-Sep-2019

https://doi.org/10.1590/0104-4060.60446 

DOCUMENTOS

Da condição social da deficiência à liberdade: uma trajetória acadêmica1

From the social condition of disability to freedom: an academic trajectory

*Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: profpauloross@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-3000-7900.


RESUMO

Neste artigo, são analisadas as visões da sociedade sobre a pessoa com deficiência, tomando- se como sujeito e objeto da pesquisa a trajetória profissional e acadêmica, os enfrentamentos, as tomadas de consciência e decisão, os espaços e lugares ocupados, as oportunidades de docência, bem como a produção científica realizada pelo professor e escritor Paulo Ricardo Ross. Quando uma pessoa com cegueira congênita torna-se professor titular, pode oferecer subsídios para compreender as mudanças históricas sobre como as famílias, a escola e as políticas vêm educando e respeitando as crianças, os jovens, os idosos, as mulheres, as pessoas com diversidade racial, de gênero, de origem social e de crença. A trajetória do sujeito revela os aprendizados, os princípios e pressupostos construídos, as barreiras superadas, atuando para encorajar as pessoas, mobilizar as organizações, orientar os pesquisadores, formular novas políticas, estimulando a participação social, subsidiando os tomadores de decisão. Pequenas conquistas não resultaram apenas na alegria no corpo do Ross, mas se converteram em força gigantesca, que o fez persistir sempre, criando um sujeito dedicado a estudar todos os dias para ser melhor professor e contribuir para a formação e a dignificação do outro. As exigências de competitividade, a meritocracia, as diferentes formas de violência simbólica, os padrões de produtividade ainda se confrontam com os discursos da inclusão social, a diversidade, o direito à dignidade humana e a defesa da liberdade.

Palavras-chave: Memorial Acadêmico; Deficiência; Inclusão

ABSTRACT

In this article, the visions of society about the person with disability are analyzed, taking as a subject and object of research the professional and their academic trajectory, confrontations, conscience and decision making, spaces and places occupied, teaching opportunities, as much as the scientific production carried out by professor and writer Paulo Ricardo Ross. When a person with congenital blindness becomes head teacher, they can offer subsidies to understand the historical changes of how families, schools and policies have been educating and respecting children, young people, the elderly, women, and people with racial diversity, gender, social origin and belief. The trajectory of the subject reveals the learning, the principles and assumptions built, the barriers overcome, acting to encourage people, mobilize organizations, guide researchers, formulate new policies, stimulate social participation, and subsidize decision makers. Small achievements not only resulted in Ross' joy, but they became a gigantic force, which made him persist, creating a subject dedicated to study every day to be a better teacher and contribute to the formation and dignification of the other. The effort was never interpreted as suffering. Effort is the way to identify one's own abilities, for knowledge without individual and social transformation is not knowledge. Market laws, demands for competitiveness, meritocracy, different forms of symbolic violence, mechanisms for performance evaluation, productivity standards are still confronted with social inclusion discourses, respect for equity, diversity, right to human dignity, and the defense of freedom. Professor Paulo Ross explains that families, schools and institutions will be inclusive when the spirit of acceptance of the other, affective and dialogical exchanges, right to participation, manifestation and appreciation of differences have been enlivened.

Keywords: Academic Memorial; Deficiency; Inclusion

Introdução

Nos momentos iniciais de nossas trajetórias, fomos cativados pelo amor e confiança das pessoas que exerciam maior ascendência social. Não somos resultado apenas da racionalidade objetiva. Antes dela, ocupamos um lugar relevante no psiquismo de quem dedicou tempo, afeto e linguagem na primeira infância, até percebermos que já não estávamos mais sozinhos. Chegava o tempo do pertencer. A atenção continuada de nossos cuidadores, a palavra e a ação em conjunto nos conferiram a consciência do eu, logo, ganhamos a existência individual (ROSS, 2018).

Juntos, tornamo-nos professores, pai, mãe, marido, esposa.

O espaço nos afastou, mas as tarefas, os afetos, os compromissos nos uniram.

A tradição dos memoriais acadêmicos perpassa gerações de pesquisadores, refletindo a trajetória, as memórias, as intempéries e as conquistas, enquanto subsidia as respostas de mundo e alenta para uns, e para outros é instrumento de encorajamento, de empoderamento e bagagem para enfrentar as dificuldades que emergem do cotidiano. As narrativas presentes em um memorial fornecem uma rica fonte de experiências longitudinais, produtos da cultura, das relações de poder socialmente estabelecidas, dos diálogos firmados entre os pares, das mediações vividas, sendo concebido

[...] como um gênero acadêmico autobiográfico, por meio do qual o autor se (auto)avalia e tece reflexões críticas sobre seu percurso intelectual e profissional, em função de uma demanda institucional. O interesse de sua narrativa é clarificar experiências significativas para a sua formação e situar seus projetos atuais e futuros no processo de inserção acadêmica e ascensão profissional (PASSEGGI, 2008, p. 120).

Assim, a elaboração deste memorial traduz a essência deste pesquisador, seus anseios, impasses, obstáculos superados e perspectivas de pesquisa. Nas linhas a seguir, a trajetória pessoal confunde-se com a acadêmica, duas dimensões entrelaçadas e com fronteira tênue, narradas do presente sobre um olhar sensível em um passado que foi repensado, reconstruído, vivido e vencido, um presente que permite olhar para o futuro e fazer projeções pessoais, acadêmicas e sociais.

Docência e engajamento social: as mediações necessárias que nos constroem

Em 1992, fui aprovado em concurso público para assumir uma vaga como professor efetivo no Departamento de Planejamento e Administração Escolar (Deplae), do Setor de Educação, da Universidade Federal do Paraná. Vale lembrar que não havia cota de reserva para candidato com deficiência, mas cabe destacar a reserva de sensibilidade que dignificava aquela banca avaliadora do exame. Aqueles profissionais revelaram-se capazes de projetar esse professor que ora faz este relato, não como um sujeito incapaz, não em sua materialidade presente, ou apenas pelo tempo e pelo biológico, mas pela riqueza argumentativa, clareza didática, pela contextualização histórica do tema trabalhado. Não se tratava apenas de um novo professor aprovado. Tratava-se do rompimento de séculos e séculos de segregação da pessoa com deficiência. Era um símbolo de rompimento com o modelo da homogeneização da Educação, no qual o Estado aproxima-se das forças constituintes da diversidade que caracteriza a sociedade. Uma pessoa com deficiência visual assumia um cargo como professor na Universidade Federal do Paraná! Fomos educados para assumir o ônus e a responsabilidade para atender às expectativas da ordem social e da institucionalidade. Não nos era propiciado o instrumento da crítica à injustiça contra nosso próprio segmento social. Denunciávamos a opressão dos trabalhadores, mas não elaborávamos o desmonte das barreiras que obstaculizavam a participação social das pessoas com deficiência.

Entre 1985 e 1988, na Associação dos Deficientes Visuais do Paraná - Adevipar -, realizei um trabalho de formação profissional, identificação de postos de trabalho e de acompanhamento profissional de pessoas com deficiência visual no ambiente de trabalho, nas vagas oportunizadas por empresas localizadas na região metropolitana de Curitiba/PR.

Em 1989, com o ingresso no mestrado, aquela experiência profissional era convertida em necessidade teórica, em problema de pesquisa. Naquela pesquisa, a questão era investigar como a pessoa com deficiência era impactada pela parcelarização do processo produtivo e pelas visões fragmentadas do ser humano, as quais enxergavam o trabalhador a partir da função operacional que desempenhava. No interior da fábrica, a pessoa era reduzida à manualidade, que não proporciona atos reflexivos e conscientes sobre o processo, mas mimético. Há se que primar pela amanualidade (VIEIRA PINTO, 1960), que denota a relação entre a consciência e a realidade, ao manuseio do mundo pela percepção sensível, valendo-se da atmosfera sensorial, conferindo-nos a tomada de consciência sobre nós mesmos e aquilo que nos cerca, haja vista sermos sujeitos de nossas próprias histórias, corpo vivo, dotado de voz e um status quo.

Nas relações sociais mais amplas, inclusive na escola, a pessoa era considerada incapaz, dependente, improdutiva, cabendo-lhe pagar, sofrer individualmente o ônus pela exclusão social, pelo não acesso ao direito de conquistar a dignidade e a autonomia (ROSS, 1992).

Porém eu tomava como pressuposto que o sujeito com deficiência não é expressão apenas do corpo biológico. À medida que lhe são propiciados os recursos de acessibilidade, de mobilidade e de comunicação, cada vez mais são ampliadas as possibilidades de interações e de participação (ROSS, 1994). Por consequência, forma-se um novo ser social, nova consciência do eu e do outro. De um ser incapaz, ele converte-se em sujeito educador.

O mundo do trabalho, especialmente a indústria, reproduzia a visão organicista e biologizante da deficiência visual (ROSS, 1992). A pessoa era percebida como um corpo que possuía apenas as mãos. Não havia a perspectiva do aprendizado, não havia vontade, nem participação, nem negociação. Havia apenas a prática da repetição de movimentos mecanicistas, aplicado sem tarefas iniciais ou terminais do processo produtivo (ROSS, 1992). A deficiência era referida a um ser abstrato, incapaz de travar lutas pela transformação de sua realidade. A deficiência era enxergada como peso de um ser que estaria condenado à estagnação e à passividade.

Em relação aos aspectos teórico-metodológicos, fui seduzido pelos diferentes autores que representavam cientificamente o real com o método dialético. Karel Kosik tomou-me pela mão para ultrapassar a aparência do real, que ocultava a estrutura de fragmentação, culpabilização e naturalização da exclusão social e da incapacidade do outro. Na aparência, pousava a harmonia, a naturalização, a igualdade, a sincronia de pessoas e máquinas, espaços e funções encaixados e ajustados, para conferir estabilidade, permanência à ordem estabelecida. Naquela época, eu estabeleci relação com os estudos sobre orientação vocacional e profissional. Lá, eu aprendi:

- Havia que colocar a pessoa certa no lugar certo. Então, eu me perguntava:

- Quem é a pessoa certa?

- Qual é o lugar certo?

- Poderá uma pessoa permanecer sempre no mesmo lugar?

- A realidade, o lugar, nunca mudará?

- As pessoas com deficiência serão, algum dia, escolhidas como pessoa certa? Elas não serão sempre a pessoa errada?

Não. Eu era movido pela certeza sobre o papel histórico que exerciam as pessoas com deficiência. Aquelas que realizavam trabalhos de caráter meramente manual atendiam sim a uma necessidade daquele tempo, naquele estágio do modo de produção capitalista.

Então, eu percebia que ali se revelava a estrutura de opressão e de exploração do trabalhador. Pregava-se o discurso de ajustamento social, mas se negava a necessidade de superação daquele estado de fragmentação do humano. O trabalho da pessoa com deficiência, limitado aos aspectos sensoriais - as mãos, a audição -, expressava aquele momento de industrialização, mecanização da produção, divisão técnica do processo produtivo, implicando a necessidade da separação entre trabalho teórico e trabalho prático-manual. Assim, as pessoas com deficiência não seriam aquelas a ocupar postos cuja responsabilidade seria a de planejar, dirigir, organizar, modificar, orientar, liderar outras pessoas. Esse não era o lugar certo a ser ocupado pela pessoa com deficiência, segundo aquela lógica dominante (ROSS, 1992).

Contribuições teóricas ao modelo social da deficiência

A construção do conceito social da deficiência significa pensar a condição humana não no estado natural, nem imediato, nem separado das mediações sociais e instrumentais. A deficiência não é uma determinação biológica. A deficiência adquire valoração positiva ou negativa de acordo com as atribuições sociais e políticas (ROSS, 1992).

Vale resgatar as discussões e estudos, dirigidos pelas professoras Acácia Kuenzer e Selma Garrido Pimenta, sobre a relação dialética entre teoria e prática. A teoria é um processo formal que visa a colocar ordem discursiva ao real. Enquanto o conhecimento empírico encontra-se desarticulado, fragmentado, difuso, sincrético, o conhecimento científico deverá ser sistematizado, coerente, consistente, sintético, concreto, estabelecendo relações entre a parte e o todo, entre a teoria e o real.

Quando estruturava a teoria social e crítica sobre a deficiência, anunciamos: “o ser humano não vê porque tem olhos para ver. O ser humano não ouve porque tem ouvidos para ouvir. Ele vê e ouve com a experiência social acumulada” (ROSS, 1992, p. 27).

A posse dos instrumentos e signos permite às interações sociais a apropriação do conhecimento, a consciência de si, de suas capacidades, sua singularidade, a busca do que deseja se tornar. Entretanto, a construção discursiva da sociedade incumbia-se de distorcer a produção social do modelo de incapacidade e de inferioridade da pessoa com deficiência.

O postulado histórico e ontológico que pode contrapor-se à afirmação idealista é o seguinte: tudo nas mãos dos homens e mulheres pode ser humanizado, criado e transformado em seu benefício. Sua natureza e constituição transformam-se no curso da história, perdendo as características dadas biologicamente no nascimento, agregando os instrumentos, recursos e linguagens da cultura (ROSS, 1992).

Devo enaltecer a sensibilidade, o espírito acolhedor, o elevado grau de civilidade da professora Rejane Medeiros, coordenadora da pós-graduação no período de 1988 a 1990, a professora Lilian Wachowicz, o professor Lauro Becker, o professor Alvino Moser, a professora Maria Lúcia Moro, a professora Maria do Rosário Knechtel e a professora Acácia Kuenzer.

Com o professor Moser, aprofundei meus estudos sobre a dialética, desde os escritos de Álvaro Vieira Pinto, em Ciência e Existência, Kopnin, Lefebvre, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Gaudêncio Friggotto, Hegel e Karl Marx, tendo-me orientado para escrever e apresentar um trabalho sobre esse tema, naquela época.

Do professor Lauro Becker, resgato dois aspectos: os estudos sobre os passos da pesquisa, cujo texto de Becker replico em minha mente até os dias atuais; e, com as orientações do professor Becker, mergulhamos no estudo da psicopedagogia do adulto. Com a amável companhia e apoio da colega professora Sônia Haracemiv, escrevemos e apresentamos um trabalho na UFSC sobre os fatores psicológicos e existenciais que interferem no aprendizado do adulto.

Com a professora Rosário, escrevemos um trabalho sobre a educação permanente, vindo a apresentá-lo, posteriormente, na UFSC, em Florianópolis. Reitero a concepção de Vieira Pinto, guiada pelo método dialético: cada sociedade educa seus membros no embate com seus limites e suas necessidades. Presenciávamos, como sujeitos privilegiados, o esgotamento do modelo industrial de exploração do trabalhador. Ajudávamos a nascer e já propagávamos o princípio da “educação ao longo da vida”, hoje proclamada nos objetivos do milênio. Acumular conhecimento já não respondia às necessidades da sociedade em mudança permanente. O princípio da estabilidade dava lugar ao “aprender, aprender a ser, porque ciência e ética não podem separar-se”.

Da professora Kuenzer, faço ecoar as vozes, que falam em mim, contra a injustiça, contra todas as formas de exploração do outro. Com os estudos orientados por ela, sobre a formação humana, o dualismo entre pensamento e ação, as contradições entre dominantes e dominados, os processos de reprodução do poder na sociedade, senti-me desafiado a investigar e escrever sobre o trabalho das pessoas com deficiência. Esse tema tornou-se objeto da pesquisa do curso de mestrado e primeiro projeto de pesquisa apresentado no Departamento de Planejamento e Administração Escolar - Deplae.

No curso de mestrado, eu recebia a materialidade na forma de tempo e de bolsa, para concentrar os estudos sobre a produção humana.

No mestrado, foi-me permitido dialogar com parte das obras e o conhecimento de Álvaro Vieira Pinto, Karl Marx, Dermeval Saviani, Stevan Mézaros, Agnes Heller, Leontiev, Henrique Dussel, Gramsci, Pierre Furter, além dos clássicos da filosofia e da educação. No doutorado, foi-me permitido conhecer Maffesoli, Edgard Morin, Bourdieu, Vygotsky, Pszeworski, Claus Offe, Antonio Joaquim Severino, Luis Antonio Cunha, Marcos Masetto, Cecilia Cortez, Pablo Gentili, Friedrich Hayek, além dos clássicos da Psicologia, da Filosofia e da Educação.

O pesquisador, ao buscar produções anteriores, vale-se do método para elaborar o novo conhecimento, respeitadas as normas de rigor conceitual, coerência, consistência, fundamentação, argumentação, contra-argumentação e provisoriedade. O conhecimento não poderá ser propalado como verdade absoluta, nem como convicção. As convicções nos aprisionam ao estabelecido, fecham-nos para o outro. Ficamos presos às nossas ideias, não permitindo abertura ao outro, o novo, o que nos colocará em situação de diálogo e de trocas.

O conhecimento é ao mesmo tempo o diálogo e o conflito entre o ser e o dever ser.

Quais são as faces da exclusão presentes no paradigma da Educação Inclusiva?

O confronto de posições é a marca das relações sociais. A harmonia, ao contrário, é apenas uma idealização (ROSS, 1999).

Na segunda metade dos anos 1990, no doutorado, o contexto histórico da educação especial indicava-os a pesquisar as contradições, os avanços e limites das políticas da educação inclusiva e da inclusão social. Tratava-se de analisar as contradições entre os postulados teóricos, os princípios e as condições pedagógicas propiciadas às pessoas com deficiência nas escolas e nas outras estruturas da sociedade.

Sobre isso, em 1993 e 1994, escrevi dois artigos (ROSS, 1993; ROSS, 1994): um relacionado ao processo de humanização e de desumanização, face às condições sociais e políticas produzidas nas relações de trabalho. Estavam plantadas as bases do modelo social da deficiência, que compõem, hoje, o conceito de Pessoa com Deficiência, conforme Art. 22 da Convenção de Nova York e na Lei Brasileira de Inclusão, Lei 13.146, de 2015. O outro artigo versava sobre a historicidade do corpo, das funções sensoriais, do processo de percepção de si e do outro, da cognição e dos afetos. O que era tomado como natural, nos anos de 1980, como a ausência de acessibilidade, por exemplo, hoje é motivo de intolerância. O isolamento do estudante com deficiência é tomado, hoje, como ofensa à dignidade humana. O ser humano vem sendo elevado à condição de respeitabilidade, não como menos, nem como incapaz, nem como indigno de tomar decisões. Essa historicidade confere-lhe o direito à decisão como sujeito de direitos, inclusive o direito à decisão apoiada por um tutor nomeado por um juiz (BRASIL, 2015).

Em 1998, em capítulo do livro Um Olhar Sobre a Diferença (ROSS, 1998), sob organização do Prof. Lucídio Bianchetti, analisamos a precarização e o caráter emancipatório do trabalho das pessoas com deficiência.

Em 2002, em trabalho apresentado na Associação Nacional de Pesquisadores em Educação - Anped -, analisamos as contradições entre as proclamações da educação inclusiva e as implicações sobre a aprendizagem e sobre a prática social da pessoa com deficiência (ROSS, 2002).

Em 2004, em artigo publicado na Educar em Revista (ROSS, 2004), em dossiê sobre educação especial, organizado pela professora Maria Augusta Bolsanello, foi apresentada uma proposta inicial de pedagogia inclusiva, como alternativa ao paradigma da homogeneização, o qual é centrado na prática de lecionamento do professor, no espírito da meritocracia e da classificação individual e competitiva de alunos. Naquele momento histórico, estabeleciam-se dois fundamentos para viabilizar a educação inclusiva: a aprendizagem cooperativa e a valorização das diferenças, das manifestações dialógicas de cada estudante (ROSS, 2004).

O pressuposto é que novas demandas, novas interações humanas, novas concepções de conhecimento produzirão um novo ser. O reconhecimento da diversidade determinará a construção de novos currículos e novos processos de formação docente.

Em 2005 e 2006, sob coordenação da professora Maria Augusta Bolsanello, escrevemos o volume sobre avaliação da aprendizagem do aluno com deficiência visual, publicado na coleção “Educação Especial e Avaliação da Aprendizagem”, volumes 7 e 8 (ROSS; BOLSANELLO, 2005; ROSS; BOLSANELLO, 2006).

Nos fins dos anos 1990, eu ocupava o lugar de observador privilegiado dos primórdios das Políticas da Educação Inclusiva, no Brasil e no mundo. Em 1995, fazia um estágio de estudos, por dois meses, na Universidade de Múrcia, Espanha, com a orientação da professora Nuria Illan Romeu. Em Múrcia, investigamos a organização da educação especial da Espanha, observamos a estrutura pedagógica das chamadas escolas inclusivas e, paralelamente, conhecemos as estruturas de atenção específica às pessoas cegas. Fizemos aulas sobre as tecnologias faladas, utilizadas pelas pessoas cegas. Aprendemos a trabalhar com um equipamento de voz sintetizada, chamado “Braille Speek”, o qual tem o tamanho de 15 cm por 7 cm por 3 cm, com um teclado semelhante à máquina Braille.

Colhemos daquela experiência a hipótese que: a tecnologia poderia proporcionar às pessoas com deficiência a magnífica ampliação das possibilidades de acesso ao conhecimento, ao mundo do trabalho, da cultura e das trocas sociais. A tecnologia tornaria a pessoa com plena capacidade de exercer autonomia no desempenho do trabalho. Com as mediações simbólicas, as adequações de toda natureza, a pessoa com deficiência poderá não só ter acesso à produção humana, mas se apropriar, reelaborar, questionar a lógica vigente, os critérios e os valores que selecionam os escolhidos, os fundamentos dos programas, as prioridades nos currículos e o desempenho produtivo no mundo do trabalho.

No ano de 2000, fui consultado para avaliar a acessibilidade de diferentes tipos de lajotas, que seriam utilizadas para a instalação de um piso podotátil, na Rua XV de Novembro, um geossímbolo (BONNEMAISON, 1981), posteriormente transformado em pesquisa (ROSS; SILVA, 2013). Visitamos fábricas e consideramos o piso tipo trilho, adequado para o deslocamento da pessoa cega, com autonomia e liberdade, bastando deslizar a bengala entre os trilhos. Orientei os técnicos responsáveis quanto à necessidade de instalar aquela pista com 80 cm de largura (duas lajotas de 40 cm), com pequena elevação de 1 a 2 cm para segurar melhor usabilidade e fácil localização do usuário de bengala. Estas duas medidas não foram realizadas. O piso contém apenas 40 cm de largura e está no mesmo plano em relação ao piso lateral. Confesso que, por várias vezes, senti-me muito mal varrendo o solo com os pés, para localização da referida pista. Em 2012, ao lado de Paulo Tosin, pesquisamos a percepção dos usuários cegos em relação à usabilidade de dois modelos de pistas (ROSS; SILVA, 2013).

No final dos anos 80, fui consultado para confecção em Braille das nomenclaturas de ruas, avenidas e praças da cidade de Curitiba/PR. Foi escolhido um tipo de alumínio, rígido suficiente para que os pontos Braille não fossem apagados facilmente. Foi planejada uma reglete aumentada para adaptar-se à placa de alumínio. Ofereci-me voluntariamente à compilar 200 placas em Braille. Em dois meses demos cabo à essa tarefa. Na época, as pessoas cegas julgavam desnecessária a nomenclatura em Braille das ruas. Na minha concepção, porém, quando o sistema Braille rompe a fronteira dos livros, das escolas especiais e invade as ruas, escancarado nas placas, diante dos olhos das pessoas, transmite uma mensagem fundamental: as pessoas cegas são cidadãs que possuem direito à leitura, à informação e ao trânsito livre onde quer que desejam frequentar. O sistema Braille representava um indício de emancipação social, portanto um valor que passava a educar o cidadão curitibano nos fins do século XX.

O sujeito não é resultado apenas dos estímulos. As respostas humanas não são sempre idênticas se os sujeitos forem submetidos aos mesmos estímulos. A pessoa não é possuidora apenas de receptores sensoriais, os quais atuariam para captar informações, relacionadas às sensações.

Entre o estímulo e a resposta, haverá o sujeito humano, seu psiquismo, suas interações e seu processo perceptivo. Nas interações, haverá a especificidade da mediação, a interferência dos aspectos emocionais, o processo comunicativo, dialógico, as ações responsivas, os limites e os controles ambientais, as condições materiais, as estruturas de natureza física, sensorial, intelectual e mental, que poderão configurar diferentes percepções dos sujeitos (ROSS, 2018).

Em 1996, realizei um novo estágio de estudos, de um mês, na Universidade de Valência, Espanha. Nosso objetivo era investigar os componentes curriculares do paradigma emergente da educação, a educação inclusiva. Em Valência, entrevistamos pesquisadores sobre currículo e educação, como Jose Gimeno Sacristan, Manoel Torrijo, Antonio Correa. Com o professor Torrijo, estudamos e fui orientado a pesquisar sobre o processo de formação dos cuidadores (parentais ou não) de pessoas com deficiência.

Em 1996, eu estava em busca de novas fontes teóricas, pesquisas publicadas ou em execução, sobre a emergente educação inclusiva. Tratava-se de trabalho radicalmente adverso à condição de pessoa cega. Naquela ocasião, recordo-me da iniciativa voluntária da psicóloga María Isabel Ros, de um Instituto de Educação Secundária da cidade de Múrcia, a qual solicitou licença do trabalho, para acompanhar-me na pesquisa, por meio de visitas e entrevistas no Ministério da Educação, em Madri, no Instituto de Inserção Social, no Centro de Documentação, na Organização Nacional de Cegos Espanhóis-Once.

Naquela época, em 1996, foi-me oportunizado conhecer o Royal Institute for The Blind, de Londres, Inglaterra. Em Múrcia, escrevemos com a professora Nuria Illan Romeu um projeto de pesquisa sobre os fundamentos necessários à formação de professores para a educação dos estudantes com deficiência nas classes regulares de ensino.

Em 1997, o estado do Paraná implantou a política das escolas proativas destinadas à promoção da Educação Inclusiva, semelhante à proposta implementada em Múrcia, Espanha. Desde então, venho pesquisando quais são os elementos constituintes da Educação Inclusiva que realizam a promoção das capacidades de cada um dos alunos.

Esse foi o projeto que se configurou na tese de doutorado (ROSS, 2000), realizado na Universidade de São Paulo - USP -, entre 1995 e 1999.

Da minha experiência em Múrcia, em 1995, com a professora Nuria Illan Romeu, elaboramos juntos um instrumento baseado na Escala Likert para investigar a percepção dos professores acerca do trabalho inclusivo com crianças com e sem deficiência, as condições de aprendizagem, a concepção de avaliação, os recursos de acessibilidade, a linguagem, as adaptações curriculares, a concepção de educação, de ser humano, de mundo de inclusão etc. Aplicamos esse instrumento a duas centenas de professores do interior do estado do Paraná. Com os dados levantados, reunimos elementos suficientes para escrever o trabalho da tese doutoral. Esses 200 professores pesquisados apontavam para a existência de várias contradições entre as proclamações da inclusão escolar e as condições pedagógicas para a implementar. As salas de recursos representavam, na época, apenas unidades pedagógicas isoladas nas escolas. Não havia a política articulada, como a existente atualmente, na forma do Atendimento Educacional Especializado - o AEE (ROSS; SILVA; BUDEL, 2018).

Minha orientadora, a professora Roseli Baumel, foi generosa em acolher meus escritos, que denunciavam os riscos da decantada autonomia dos indivíduos constante na ideologia neoliberal que se replicavam nos projetos de educação inclusiva.

Entre 1995 e 1999, resultou a tese de doutorado sobre o caráter contraditório das ideologias proclamadas inclusivas, que acabavam de compor o ideário pedagógico no Brasil.

Aquele trabalho teórico não pretendia responder a todos os problemas que caracterizavam a educação especial, e mesmo a educação brasileira, mas constituir um referencial para reflexão diante do real existente e das transformações consideradas necessárias, quer no âmbito das políticas educacionais, quer na prática de professores e de outros profissionais.

Partia-se do pressuposto que o respeito às necessidades, o desenvolvimento das capacidades de cada sujeito, a conquista da autonomia e a independência das pessoas acontecerão à medida que seu poder pessoal, sua liberdade de fazer escolhas e sua capacidade de exercer o controle de seus interesses e necessidades estiverem refletidos nas políticas de Estado e nas práticas organizativas de toda a sociedade. São trabalhados os aspectos ideológicos que permeiam os processos de integração e de inclusão das pessoas com deficiência e das pessoas com necessidades especiais. O processo de inclusão escolar é confrontado com as novas formas de expressão do individualismo, as exigências de competitividade, a meritocracia, as diferentes formas de violência simbólica, os mecanismos de avaliação de desempenho, as exigências dos padrões de produtividade. Os discursos da inclusão conflitavam-se com as leis de mercado, os valores da liberdade e da autonomia, a minimização e flexibilização das estruturas dos serviços sociais. No plano da ética, proclamavam-se os valores da tolerância ao erro, a aceitação do outro, o direito de pertencer, o respeito à diversidade e a celebração das diferenças. O campo discursivo não apresentava práticas educacionais, nem oportunidades de participação nas relações de trabalho que se adequassem para as modificações nas formas de convivência.

Trocas discursivas: a aula inclusiva dos meus sonhos

Da pesquisa sobre a obra de Vygotsky, iniciada com a orientação da professora Sahda Marta Ide, na Universidade de São Paulo, em 1995, partindo de Fundamentos de Defectologia, Pensamento e Linguagem e Formação Social da Mente, escritos por Lev Semenovich Vygotsky, resultaram fundamentos e pressupostos de análise, presentes em textos produzidos em 2008, 2015 e em 2017. Passamos a considerar a linguagem e a afetividade como elementos fundantes dos processos perceptivos, contribuindo para a formação do autoconceito e o conceito de alteridade.

A aula é uma construção discursiva de dialogicidade, de conflitos entre professor, conhecimento e alunos, texto e o contexto. Na aula dialogada, expressam-se as dimensões da cognição, a afetividade, a ontogênese, a filogênese, a alteridade, a arte, a ética e a estética. O conhecimento não é apenas cognitivo, mas interativo; não é apenas objetivo, mas subjetivo, ético; não é apenas formal, mas revestido de significados. O conhecimento expressa-se por meio das narrativas, as lembranças do que somos, que compõem o acervo de nossas memórias (ROSS, 2016). No conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, Vygotsky denominou essa dimensão como “Conhecimento Real”. Nessa perspectiva, o conhecimento exerce a função de constituir identidades. Quando tomamos consciência do que sabemos e de quem somos, estaremos empoderados, ricos de sentido, nutridos pela necessidade e pela possibilidade de conhecer o novo. Com a mediação do professor, afirma Vygotsky, poderemos nos apropriar do conhecimento proximal ou potencial (VYGOTSKY, 2007).

Com efeito, os instrumentos, signos e outros elementos de comunicação materializam as políticas educacionais. Mas é fundamental avaliara qualidade das mediações organizadas para ultrapassar a condição aparente limitada e alcançar as possibilidades da autonomia, sociabilidade, consciência comunicativa dos sujeitos.

A educação escolar, nesse sentido, ao vincular-se ao desenvolvimento tecnológico e social, não pode desconsiderar as necessidades e as capacidades responsivas, as diferenças, a condição de sujeitos. Se são tomados como sujeitos, então, poderão fazer escolhas para compartilhar um aprendizado, dialogar, confrontar um ponto de vista, comunicar-se por meio do aparelho celular ou outro recurso de tecnologia assistiva.

A organização escolar, os currículos e práticas avaliativas confrontam-se com as capacidades de apropriação dessas pessoas, descolando-se dos seus processos comunicativos. Como afirma Marx:

[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral (2008, p. 28).

O Estado brasileiro passa contemporaneamente por uma revisão do seu papel quanto às exigências cada vez maiores de democratização da sociedade. As organizações da sociedade, por sua vez, lutam cada vez mais para obter o direito à educação, o que compreende o acesso às condições de acessibilidade, de apropriação do conhecimento, de percepção de si e do outro e recursos para estabelecer interações significativas na escola e fora dela. Cabe a reflexão: o que configura, o que move e o que resulta das políticas públicas relativas à educação e no processo de humanização das pessoas em situação de diversidade funcional? Como a pessoa, ante o conflito de autopercepção, vem se apropriando dos símbolos linguísticos e do pensamento e estabelecendo intercâmbio social?

A democracia, em vez de ser tomada como instrumento de garantia para diminuição das desigualdades sociais, passa a ser utilizada como estratégia de falsear a liberdade individual, a autonomia, a individualidade e a própria independência das pessoas com deficiência. A Educação Inclusiva não representa abandono dos sujeitos a suas forças individuais. Educação Inclusiva escancara os limites dos modelos tradicionais, fundados na relação linear entre ensino do professor e a resposta do estudante. Não há mais modelo homogeneizado, nem isolamento em relação às formas específicas de comunicação de cada sujeito. Venho realizando uma pesquisa de longo alcance que visa a compreender como as pessoas com diversidade funcional e linguística são concebidas social e historicamente. Desde os anos 1990, venho investigando como elas se humanizam ou se desumanizam, a partir do usufruto ou do não usufruto dos bens e serviços culturais produzidos pela humanidade.

No momento histórico em que os homens superam as relações imediatas com a natureza e passam a constituir suas vidas predominantemente nas relações com outros homens, institucionaliza-se a segregação intencional das pessoas com deficiência. Sua marginalização deixa de apresentar um caráter natural e assume um caráter social.

A era da razão utiliza-se de preceitos medievais para reinventar o internamento como uma estratégia para a construção da imaginada ordem social. A crença na educabilidade das pessoas com deficiência propaga-se paradoxalmente ante o conflito com as crenças segregacionistas, rotuladoras e reducionistas do humano: à incapacidade e à inferioridade.

A Educação Especial foi constituída, primordialmente, para desenvolver habilidades nas pessoas com deficiência, tomando-se como referência os modelos estabelecidos de comportamento da sociedade. Contraditoriamente, apresentava um caráter emancipatório. O conhecimento da escrita e da leitura era aprendido. O ser humano era transformado de sua aparente incapacidade. Hellen Keller, Louis Braille e muitos outros são exemplos do modo como algumas sociedades, dos séculos XIX e XX, emancipavam-nas, conferindo-lhes a posse da língua, o poder de comunicação e a participação social. Cumpria-se assim, a função educativa e transformadora do humano.

Os estudos sobre os paradigmas do conhecimento contribuíram para a análise das diferentes perspectivas e concepções sobre a Educação, a Educação Especial, a pessoa com deficiência, o conceito de diversidade, do eu, do mundo, do outro, da singularidade (ROSS; URBANECK, 2011).

A deficiência foi desnaturalizada, retirada da dimensão biológica, do determinismo de incapacidade, do ônus individual. Do mesmo modo, foram explicitadas as origens das desigualdades, analisando como a cultura pode produzir as diferenças, as capacidades, o poder individual, tal como pode manter as barreiras sociais. Se somos criadores da história, então tudo poderá ser modificado por nós. A própria educação poderá ser adequada, flexibilizada, tornada propulsora do humano.

Merecem destaque os estudos, a pesquisa e as reflexões produzidas com a professora Selma Garrido Pimenta, de quem eu trago a lembrança da competência, do elevado grau de civilidade no trato com o ser humano, a amorosidade, alta respeitabilidade com minha condição humana e profissional. É fundamental registrar aqui meu reconhecimento a todas as pessoas que valorizam o outro e lhe conferem atenção, indicando problemática, categorias teóricas, método e fontes primárias de pesquisa.

Com a professora Selma Pimenta, aprendemos a identificar o caráter prescritivo da didática, o que me inspirou, daquela data em diante, a pesquisar a dimensão educativa da participação do aluno, a dialogicidade, a problematização, a pesquisa como princípio educativo. Passei a conceber o fenômeno aula como um espaço de interações, de trocas, de aprendizado do professor e dos estudantes e de pesquisa (ROSS, 2015, 2018). Acredito que a aprendizagem relaciona-se com a atenção, a leitura, as trocas e conflitos de pontos de vista, a percepção de si, do outro e a produção individual e em equipe. Não há conhecimento sem a valorização da autoria, a reelaboração, a tomada de consciência sobre o texto e sua relação com o contexto. Não há conhecimento sem a compreensão para si do significado do que se aprende (ROSS, 2014).

No período que sucedeu o doutorado, passei a investigar a formação de professores a partir da relação entre professor e os estudantes com deficiência, fazendo recortes por área específica, a saber:

- Deficiência visual (2002, 2003, 2006, 2008);

- Deficiência intelectual (2002,2003, 2004, 2005);

- Avaliação da aprendizagem de estudantes com deficiência visual (2006 e 2007);

- Conhecimento, educação e trabalho na Educação de Jovens e Adultos (2008 e 2009);

- Implicações educacionais dos Conceitos de alteridade e de Diversidade (2008-2011);

- Acessibilidade e o senso de pertencimento à cidade (lugar): deficiência visual (2012- 2014);

- Contribuições do conceito social da deficiência para o professor diante do estudante com deficiência visual (2014, 2015).

À conquista da liberdade

Enfrentar a situação de necessidade, tornada consciente, foi uma decisão. Se houvera problemas, quer de natureza acadêmica, quer de natureza social e pessoal, eu fora imbuído pelo caráter da responsabilidade. Havia que responder ao que me era demandado. Não optamos pela negação do problema, nem o desqualificamos. Não nos recusamos de apropriar-nos tanto de nossas capacidades intelectuais, linguísticas, sociais e acadêmicas, quanto ao exercício das atividades de ensino, pesquisa, extensão, administração, orientação e produção científica. Valemo-nos da dialogicidade, para promover o trabalho de ensino, com os estudantes de graduação e pós-graduação. Valemo-nos da capacidade de analisar, argumentar, categorizar, reelaborar, sistematizar, para o trabalho de orientação acadêmica, a pesquisa, a produção científica. Optamos por resolver cada problema, obedecendo às normas preestabelecidas.

Se fôssemos educados para a construção da democracia, lutaríamos contra a desigualdade de condições de educação e de participação social e política.

Para construir a democracia, não basta a afirmação do direito à igualdade, nem o direito à liberdade de fazer escolhas. Construir a democracia depende das medidas que assegurem o respeito às diferenças, a intolerância a toda forma de preconceito e de discriminação, a defesa das oportunidades adequadas de comunicação e de participação social dos diferentes segmentos humanos. Quando houver conflitos na democracia, que o outro seja respeitado como força singular que me permite conhecer e apropriar-me dos elementos que nos fazem semelhantes e os elementos que nos distinguem e nos individualizam. Na democracia, o outro atua para impulsionar minhas agregações com as forças semelhantes, não para estabelecer fronteiras, anular as oportunidades de trocas, nem determinar a inferiorização e a vitimização, relacionada ao gênero, à condição de deficiência, étnico-racial, ciclo de vida, sexual e outros. Se não é o biológico que define o que somos, então temos de eleger tarefas, responsabilidades a partir de nossas afinidades e preferências.

1Este memorial foi apresentado, originalmente, como memorial acadêmico para progressão de Paulo Ricardo Ross para a categoria de professor titular, no Departamento de Planejamento e Administração Escolar (Deplae), da Universidade Federal do Paraná, no dia 19 de junho de 2017. Compuseram a banca examinadora como membros titulares: Prof.ª Dr.ª Maria Augusta Bolsanello (UFPR) - presidente da banca de defesa -, Prof. Dr. Osíris Canceglieri Júnior (PUCPR), Prof.ª Dr.ª Maria de Lourdes Gisi (PUCPR) e Prof.ª Dr.ª Maria Elizabeth Black Miguel (PUCPR).

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Recebido: 11 de Julho de 2018; Aceito: 14 de Março de 2019

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