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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.36  Curitiba  2020  Epub 09-Jul-2020

https://doi.org/10.1590/0104-4060.61627 

Artigos

A narrativa de ficção e o ensino de Ciências Sociais

Graziele Ramos Schweig* 
http://orcid.org/0000-0003-0590-9742

*Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: grazieleschweig@ufmg.br


RESUMO

O artigo apresenta reflexões oriundas de um projeto de pesquisa e ensino junto a estudantes do Ensino Médio de uma instituição de educação profissional. Busca-se discutir o papel da narrativa de ficção no ensino de Ciências Sociais como forma de operar um desvio com relação ao regime de conhecimento baseado no modelo da representação e na concepção de ensinar como transmissão de conteúdos. Parte-se da constatação de que este modelo se mostra insuficiente para dar conta da complexidade da atuação docente, especialmente frente a seus desafios contemporâneos. Para isso, é apresentada uma experiência pedagógica na qual os estudantes foram convidados a escrever narrativas de ficção e a terem contato com diferentes produções dentro das atividades curriculares da disciplina de Sociologia. Com essa prática, buscou-se produzir uma experiência de aprendizagem inventiva e em correspondência com as potencialidades de criação do território em que estes jovens vivem. A investigação tem orientação etnográfica, envolvendo elaboração de diários de campo e análise da produção escrita dos estudantes.

Palavras-chave: Ensino de Ciências Sociais; Ficção; Etnografia; Ensino-aprendizagem

ABSTRACT

The article presents reflections from a research and teaching project with high school students from a professional education institution. The paper discusses the role of fictional narratives in Social Sciences teaching as a way of enabling a shift away from a knowledge regime based on a representational model and on learning as the transmission of mental content. It sets out from the observation that this model is insufficient to account for the complexity of teaching practice, especially in face of its contemporary challenges. To illustrate this point, the article presents a pedagogical experience in which students were invited to write fictional narratives and to come into contact with different kinds of productions as part of the curricular activities of the Sociology course. This practice sought to induce an experience of inventive learning in correspondence with the creative potential of the territory in which these young people live. The investigation is ethnographic in orientation, involving the elaboration of fieldwork diaries and the analysis of students’ written production.

Keywords: Social Sciences teaching; Fiction; Ethnography; Teaching-Learning

Introdução

Durante uma aula de Sociologia no Ensino Médio, um estudante comentava com um colega que havia compartilhado um artigo em seu perfil no Facebook, mesmo sabendo que ele era falso. Tratava-se de um texto sobre a exposição de arte “Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, ocorrida em agosto de 2017 em Porto Alegre, no Santander Cultural1. Após acusações de apologia a pedofilia e zoofilia, potencializadas por uma profusão de postagens e comentários nas redes sociais, o museu resolveu encerrar a exposição antes do previsto. O texto repassado pelo estudante reproduzia a crítica, mas apresentava imagens de obras que não compunham o catálogo da mostra. Ao interpelar o jovem sobre o motivo do compartilhamento, ele disse saber que aquelas obras não tinham estado no Santander. Inclusive contou-me que achava absurdo o encerramento da exposição, pois a expressão da arte deveria ser livre. No entanto, decidira passar a matéria adiante de “zoeira, só por compartilhar”, pois tinha feito uma combinação com amigos de repassar um número determinado de postagens por dia.

A resposta do jovem coloca em xeque todo o esforço empreendido cotidianamente como professora de Sociologia ao apresentar evidências de pesquisas e conceitos teóricos para qualificar os debates e fazer os estudantes se posicionarem criticamente. Mesmo ciente da falsidade da notícia, para o jovem parecia ser mais importante pertencer ao grupo de amigos da rede social do que manifestar sua posição ou refletir sobre as consequências da disseminação de fake news. Contudo, antes de julgar sua suposta falta de compromisso com a verdade como um niilismo adolescente, o episódio aparece aqui como um disparador para refletir sobre o próprio papel das evidências no ensino de Ciências Sociais. Nota-se com o caso que nem sempre fake news são disseminadas porque os sujeitos acreditam nelas e falta-lhes discernimento para identificar a mentira. Se assim fosse, bastaria fornecer ferramentas para que os jovens buscassem dados e boas fontes de informação. Diferentemente, o ato de repassar essas notícias parece se relacionar com a afirmação de outros compromissos - ou de outras verdades, as quais necessitam ser mais bem compreendidas. Diante desse cenário, qual seria o atual papel educativo das Ciências Sociais e dos professores de Sociologia junto aos jovens do Ensino Médio?

Tal questionamento mobilizou a elaboração de um projeto de ensino e pesquisa, realizado ao longo de 2017, com estudantes do Ensino Médio Integrado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) - Campus Restinga, em Porto Alegre. Partiu-se da necessidade de conhecer de modo mais aprofundado a forma como os jovens lidam com a diversidade de narrativas e fontes de informações que permeiam seus cotidianos, articulada à demanda por criar estratégias de intervenção pedagógica que ultrapassem a simples apresentação de dados, teorias e conceitos. Tratou-se, portanto, de operacionalizar de modo inventivo os princípios de “estranhamento” e “desnaturalização” (BRASIL, 2006), bem como a “imaginação sociológica” (MILLS, 1959), bases do pensamento nas Ciências Sociais.

Para tanto, foi proposto um trabalho que envolveu a leitura e a produção de narrativas de ficção dentro das atividades da disciplina de Sociologia, ministrada a turmas do primeiro ano do Ensino Médio. A opção pela ficção como fio condutor do trabalho ocorreu, por um lado, por perceber a considerável presença dessas histórias na vida dos estudantes e pela potencialidade de dialogar por meio delas. Por outro lado, a ficção oportuniza complexificar noções de verdadeiro e falso, ao possibilitar conceber diferentes formas de construção da verdade, levando a problematizar modos hegemônicos de produção de conhecimento no âmbito das Ciências Sociais. Em termos metodológicos, seguiu-se a perspectiva antropológica, de orientação etnográfica, sendo o acompanhamento das atividades realizado por meio da escrita de diários de campo e da análise das produções dos estudantes. Tendo o compromisso com a investigação e ao mesmo tempo com a criação de estratégias pedagógicas, a proposta de unir pesquisa e ensino visa explorar o que Tim Ingold denomina como “caráter experimental” da Antropologia. Ou seja, além da mera descrição, objetiva-se estar junto “às pessoas entre as quais se trabalha em uma busca de respostas para as questões fundamentais da vida” (INGOLD, 2015, p. 44).

As reflexões e análises se dão em diálogo com autores que questionam o predomínio da política cognitiva da representação e da concepção de ensino como transmissão de conteúdos (INGOLD, 2010; KASTRUP, 2005; MATURANA, 2009). Esses pensadores ajudam a problematizar determinado regime de conhecimento - e sua consequente orientação pedagógica - do qual as Ciências Sociais são signatárias e que tem se mostrado insuficiente no cotidiano da docência diante de desafios como o relatado acima. O campo de estudos sobre o ensino de Ciências Sociais vem se constituindo recentemente, estimulado pelo retorno da Sociologia e da Filosofia ao Ensino Médio, desde a Lei 11.684/2006. Dado seu caráter emergente, esforços são ainda necessários no sentido de superar tendências reprodutoras de práticas pedagógicas universitárias para o contexto do Ensino Médio, sem levar em conta as especificidades deste público - retrato dos longos anos de “insulamento” das Ciências Sociais no mundo acadêmico (SARANDY, 2012).

As situações narradas formam parte de um contexto específico do Ensino Médio no âmbito da expansão e consolidação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cujo delineamento integra a história recente da educação pública brasileira (BRASIL, 2008). Além disso, as experiências dizem respeito a um campus particular do IFRS, o qual está situado a quase 30 km do centro de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul. O bairro Restinga, que dá nome ao campus, é um dos mais populosos da periferia da cidade, contando com mais de 60 mil moradores regulares, tendo sua origem relacionada a processos de remoção forçada de comunidades majoritariamente negras que habitavam a região central de Porto Alegre até os anos 1960 (ZAMBONI, 2009). É enraizado neste contexto, e diante dos desafios da efetivação do direito à educação, que o ensinar Sociologia pôde trilhar caminhos não óbvios, com a participação dos jovens estudantes do Ensino Médio, em sua maioria residentes nesse território.

A crise do modelo da representação e a abertura à ficção

Alguns pensadores têm denominado o momento em que vivemos de era da pós-verdade (DUNKER; TEZZA; FUKS; TIBURI; SAFATLE, 2017), na qual um ambiente de polarização crescente e fechamento coletivo em bolhas faria os sujeitos tenderem a receber e reiterar apenas opiniões similares às próprias, não se interessando pelo diálogo ou pelo contraditório dos fatos. Entretanto, pode-se também compreender esse fenômeno considerando o esgotamento de um determinado regime de conhecimento que tem base nas divisões operadas pela modernidade ocidental e no qual nos vemos enredados enquanto “sociólogos do social” (LATOUR, 2012, p.13). Uma expressão disso relaciona-se ao modelo representacional ou cognitivista. Tal modelo tem por base a metáfora da mente como um computador, pressupondo o conhecer como um processo de captação e processamento de informações (ou representações) oriundas de um mundo exterior e pré-existente. Neste esquema, conhecer seria a capacidade de receber informações exteriores (input), armazená-las, processá-las e fornecer respostas adequadas (output).

Desde diferentes correntes, métodos e preocupações, pensadores que tangenciam a questão da aprendizagem buscam operar um deslocamento com relação a este modelo - predominante na educação escolar. Virgínia Kastrup nomeia-o enquanto “política da recognição”, segundo a qual o conhecimento consistiria na manipulação de informações que chegam à mente advindas de um mundo já dado. À recognição, Kastrup propõe o exercício de uma “política da invenção”, que veria o si e o mundo como “co-engendrados pela ação, de modo recíproco e indissociável” (KASTRUP, 2005, p. 1276). Nessa última perspectiva, o ato de aprender não consiste apenas em representar uma realidade, mas refere-se a um processo de invenção do eu e do mundo.

Tim Ingold também se empenha na crítica ao cognitivismo e à ideia de transmissão de representações. Segundo ele, a aprendizagem ocorre por meio do engajamento prático com o entorno, envolvendo um processo de afinação do sistema perceptivo com o ambiente, ou seja, uma “educação da atenção” (INGOLD, 2010). Nesse sentido, o conhecimento não seria uma condição prévia à prática habilidosa, mas o resultado emergente do praticar, já que ele não existe enquanto um corpus de conteúdos a serem assimilados, independentemente da ação. Com essa visão, portanto, coloca-se em perspectiva a efetividade de práticas de ensino baseadas na exposição de conceitos, temas e teorias, sem levar em conta o engajamento prático implicado no processo de aprendizagem.

Por fim, Humberto Maturana soma-se à busca de alternativas ao modelo cognitivo ao desenvolver a ideia de “objetividade-entre-parênteses” para fazer frente a concepções transcendentes de objetividade (MATURANA, 2009, p. 55). Segundo esta, a validade de uma determinada afirmação não ocorre pela simples correspondência a uma realidade exterior. Ao concordar com uma explicação, o que aceitamos é uma reformulação da experiência a partir de elementos que satisfaçam critérios de coerência que nós mesmos propomos. Na ciência, inclusive, uma explicação só é válida quando aceitável para um determinado observador: "quem descreve o que vai explicar, descreve o que se tem de fazer para ter a experiência que se quer explicar” (MATURANA, 2009, p. 55). Ou seja, eu construo (e vivo) uma realidade na qual minhas explicações têm sentido. Desse modo, se compreendo a disseminação de fake news como falta de boas fontes de informação, associo-me à ideia de objetividade transcendente, “sem parênteses”. Isto é, parto da ideia de que pode existir uma realidade independente e de que eu - como cientista social ou professor - possuo meios mais adequados para acessá-la. Do contrário, com a “objetividade-entre-parênteses”, levo em conta as condições de percepção do observador, ou seja, qual é mundo o estudante habita e que, ao mesmo tempo, constrói a ele mesmo.

Nessa ótica, opor às fake news o que chamamos de “evidências” parece não ser o suficiente. Ao invés de insistir apenas em movimentos de oposição e desvelamento, o cenário nos convoca a operar alguns desvios. Argumento que um possível desvio pode se dar por meio do exercício da ficção. Ou seja, antes de lutar contra uma suposta mentira, a aposta é usar a ficção como recurso de aproximação ao conhecimento. Esse deslocamento, no entanto, não se traduz em um abandono do compromisso com a verdade, como atenta Juan José Saer:

"[...] não se escrevem ficções para eludir, por imaturidade ou irresponsabilidade, os rigores que o tratamento da 'verdade' exige, mas sim para evidenciar o caráter complexo da situação, complexidade esta em que o tratamento limitado ao verificável implica uma redução abusiva e um empobrecimento. Ao ir em direção ao não verificável, a ficção multiplica ao infinito as possibilidades de tratamento. Não nega uma suposta realidade objetiva, ao contrário, submerge-se em sua turbulência, desdenhando a atitude ingênua que consiste em pretender saber de antemão como essa realidade se conforma. Não é uma claudicação ante tal ou qual ética da verdade, mas sim a busca de uma ética um pouco menos rudimentar" (SAER, 2012, p. 3).

Segundo o autor, a ficção seria um meio para superar as dicotomias entre “falso” e “verdadeiro”, “objetivismo” e “subjetivismo” - Saer chega a definir a ficção como uma "antropologia especulativa" (SAER, 2012, p. 6). Ela nos ajudaria, portanto, a romper com a política da recognição, tornando possível uma “aprendizagem inventiva” (KASTRUP, 2005), operacionalizando a ideia de que não há uma realidade preexistente, nem um sujeito já pronto. Nesse sentido, a narrativa de ficção permite evidenciar o caráter processual do conhecimento - isto é, não se trata de representar um mundo fixo, acabado, mas de acompanhar um percurso de cocriação no qual o si e o mundo são produzidos. Com isso, pode-se vislumbrar uma noção de verdade menos estática e mais afeita ao movimento - mais propícia a sair da bolha. Como argumenta Luis Artur Costa:

“[...] a ficção seria mais uma ação criadora de realidades a qual nos permitiria complexificar a trama do real com a densificação (multiplicação) das relações que o constituem através das composições ficcionais e sua especial habilidade em apanhar o furtivo movimento das virtualidades. [...] passamos da mera descrição do já visto para a problematização do visível, a qual nos permitirá a multiplicação das relações possíveis com o mundo, já que não estamos mais no campo do dado, mas sim da criação, do devir do virtual [...]” (COSTA, 2014, p. 559).

Transpondo essas ideias ao debate educacional, podemos argumentar que, ao se centrar na exposição de conteúdos e na dicotomia sujeito e mundo, a educação escolar tende a apresentar uma realidade já pronta aos estudantes, propiciando poucos espaços de engajamento e invenção. Esse ambiente fragmentado reforça a ideia de desresponsabilização diante do mundo - pois, se ele está pronto, independe da ação dos sujeitos - corroborando com a adesão acrítica a narrativas explicativas simplificadoras. Diante disso, seguindo o desvio proporcionado pela ficção, ao invés de nos ocuparmos apenas em desenvolver meios para que os estudantes tenham um acesso mais apurado a uma realidade exterior, passamos a intervir pedagogicamente de modo que eles se percebam como coprodutores dessa realidade, inventando formas de habitá-la nesse processo e multiplicando relações possíveis com ela.

Ficcionalizando a vida

Alinhando-se a esse debate teórico, exercícios envolvendo ficção foram propostos no âmbito da disciplina de Sociologia a quatro turmas do primeiro ano do Ensino Médio, em aulas semanais de cinquenta minutos. De início, a proposta didática não estava formulada integralmente. Havia o projeto de investigar possibilidades do trabalho com a ficção relacionando-a a questões próximas ao cotidiano dos jovens e às formulações teóricas dos chamados autores clássicos da Sociologia - Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber - pensadores recorrentes nos programas da disciplina na escola. Inspirada em Tim Ingold (2012) e em pesquisa anterior, busquei “trazer a Sociologia à vida” (SCHWEIG, 2015), correspondendo aos movimentos que os estudantes iam fazendo e não levando um planejamento prévio a ser aplicado. Normalmente, o primeiro ano do Ensino Médio propicia o contato inicial dos estudantes com a Sociologia e as Ciências Sociais enquanto matéria escolar. Desse modo, como ponto de partida, temos a necessidade de desenvolver a “imaginação sociológica”, articulando a biografia individual com o que Wright Mills chama de “questões públicas da estrutura social” (MILLS, 1982, p. 14).

Logo de início, os estudantes receberam bem a proposta e acharam plausível o estudo da Sociologia por meio do recurso da ficção. Em um mapeamento inicial, descobri que muitos tinham o hábito de ler e escrever, sendo a ficção bastante presente em suas vidas. Era frequente entre eles a escrita de narrativas e de fanfics2, bem como seu compartilhamento em plataformas online. Ao elencarmos características de uma boa história, ouvi deles: “considerar a jornada do herói; criar um conflito; construir personagens complexos; e incluir reviravoltas” - aspectos que foram registrados como parâmetros de avaliação das histórias que eles produziriam. Após uma sensibilização inicial3, conversamos sobre socialização primária e secundária e os diferentes agentes de socialização que eles identificavam em suas trajetórias. Debatemos sobre os caminhos que deveríamos percorrer para produzir nossas histórias. Foram mencionados: “analisar bons personagens e boas histórias; pesquisa e vivência com pessoas que têm trajetórias interessantes; estudar arquétipos e o arco do personagem”4. Tínhamos, então, alguns elementos norteadores para produzir.

Iniciamos, então, com uma investigação sobre seus próprios processos de socialização, na busca por trajetórias interessantes. Eles foram convidados a escrever anonimamente, em uma folha, alguns elementos que marcaram sua vida. Depois disso, foi feita uma troca dos escritos entre as turmas, para que eles não identificassem a autoria. Redistribuídas as folhas aleatoriamente, em grupos, eles tinham como tarefa identificar diferenças e semelhanças nas trajetórias dos colegas. Essa etapa foi importante para discutirmos sobre os condicionantes do lugar onde moram e do período histórico em que vivem. Os estudantes perceberam a recorrência de eventos impactantes nas vidas analisadas - como a morte dos avós ou a separação dos pais - e a importância conferida à relação com os amigos e à mãe. Alguns relatos de situações de abandono paterno apareceram, além da importância da religião. Feita esta análise, o grupo deveria escolher uma das fichas - aquela que chamou mais atenção - para dar base à criação de um personagem. Com isso, eles escreveriam, em grupo, o primeiro capítulo de uma história, a qual seria composta por novas partes ao longo do ano. Combinamos que o tema do primeiro capítulo seria: O processo de socialização do personagem até os quinze anos de idade.

Padrões de narrativas hegemônicas e possibilidades de invenção

“No último soco, a melhor amiga do garoto machucado chegou, e não sozinha, mas com Harry e o diretor da escola. Finalmente alguém apanhou os garotos ‘perfeitinhos’ fazendo algo errado.” (História 1 - Capítulo 1)

“Marcos era meu colega de faculdade, o ‘nerd’ da turma. Sempre fazíamos bullying com ele por ser tão dedicado aos estudos” (História 2 - Capítulo 1).

Os hábitos de leitura e escrita dos jovens facilitaram o engajamento na tarefa proposta. As produções foram bastante heterogêneas e realizadas em diferentes complexidades e extensões. Em algumas narrativas chamou atenção a influência de padrões hegemônicos - o que entendo estar relacionado ao tipo de ficção que consomem e às formas de escrita a que estão acostumados. Dentre os livros que circulavam entre eles, eram comuns best-sellers internacionais5. Além disso, as fanfics, que vários estavam habituados a ler e escrever, são geralmente construídas em torno de personagens de histórias estrangeiras, sendo alguns desses cenários reproduzidos em suas criações. Assim, conflitos ou casos de bullying narrados em algumas histórias às vezes pareciam estar situados em escolas de filmes estadunidenses, reproduzindo estereótipos (os populares, o nerd), como visto nos trechos acima. Discutimos, então, sobre a necessidade de ir além desses rótulos de modo a tornar seus personagens mais interessantes.

Além disso, ao mapear seus hábitos de consumo no âmbito audiovisual, notei que a plataforma Netflix e seu cardápio de filmes, séries e documentários parecia dominar o tempo livre dos jovens. Em nossas conversas, boa parte deles reconhecia a tendência a ficarem acomodado na bolha da Netflix6 - já que se a produção não estivesse em seu catálogo, eles não buscavam conhecê-la. Além disso, cinemas com programação mais independente, localizados no centro da cidade, não eram de fácil acesso. Dessa forma, debatemos sobre como muitas das produções que consumiam seguiam determinados padrões que eram distantes da complexidade de suas vivências cotidianas. Foi importante fazê-los perceber como as narrativas com que lidam cotidianamente vão conformando seus universos e sua imaginação. Para provocar estranhamentos frente a isso, analisamos algumas produções audiovisuais independentes, em comparação com produções de massa, induzindo a que os estudantes se sensibilizassem a outras possibilidades estéticas e narrativas7.

Ademais, tivemos a construção de personagens que, dentro da proposta inicial, encarnavam interessantes elementos do que seria crescer no bairro:

“Meu nome é Marcelo, tenho 15 anos, nasci em Rio Grande e atualmente moro em Porto Alegre. Moro com minha mãe, numa casa atrás da casa da minha vó. Minha mãe se chama Tereza, ela tem 35 anos. Minha vó se chama Vilma e tem 63. Nunca convivi com meu pai. Na infância, minha mãe sempre me levava na igreja com ela, hoje em dia sigo os passos dela. Minha vó não opina sobre religião, então posso dizer que minha mãe seguiu esse caminho sozinha. O sustento de nossa casa vem do trabalho de diarista da minha mãe. Minha vó, que é aposentada, nos ajuda algumas vezes na dispensa. Na minha infância eu era muito arteiro, gostava de subir em árvores, quando eu pulava para descer delas sempre me machucava. Se pudesse voltar naquela época sempre olharia onde iria cair. (...)” (História 3 - Capítulo 1)

Outras histórias também exploraram a complexidade do ponto de vista do personagem, narrando suas dúvidas e anseios:

“(...) Talvez não fosse meu futuro ser médica. Deve ser por isso que recentemente havia escolhido começar meu curso de informática. Duas coisas bem diferentes, não é? Percebi a alguns dias que muito do que eu fazia podia ser não porque eu gostava, mas sim porque queria provar algo a mais, mas para quem? Porque eu queria ser médica? Só para dizer que sou? Só para dizer que passei no vestibular do concurso mais concorrido? Queria orgulhar minha mãe? Minha doce e guerreira mãe? Aquela que fizera de tudo por suas filhas mesmo depois que um tal de ‘pai’ achou que elas não eram mais suficientes? Ou queria mostrar para aquele cretino que nós éramos sim e que estávamos muito melhor sem ele? (...)” (História 4 - Capítulo 1)

Assim, problematizações sobre seus hábitos culturais e de consumo foram ocorrendo na medida em que suas próprias produções se tornaram nosso material de análise e estudo. No dia em que traziam um capítulo escrito, realizávamos uma avaliação coletiva. Cada grupo recebia o texto de um outro grupo para ler, juntamente com uma ficha contendo os critérios que eles haviam inicialmente sugerido, de modo que eles mesmos avaliassem e fizessem sugestões. Os grupos recebiam de volta o feedback dos colegas e ocorreu de alguns pedirem para refazer a tarefa e aprimorá-la. Essa dinâmica de análise e avaliação entre pares foi repetida quando da entrega de cada capítulo da história e foi importante para delinear os passos seguintes.

Contando histórias com os autores clássicos da Sociologia

Para inspirar o segundo capítulo da história, apresentei Émile Durkheim aos estudantes e centramo-nos no conceito de fato social. Considerando as características de coerção social, generalidade e exterioridade, cada grupo deveria escolher um fato social que achasse relevante para a continuidade da história do personagem. A proposta, então, era de que cada grupo fosse responsável por organizar um debate na turma a respeito do fato social escolhido. Como acordamos, a atividade tinha por objetivo reunir diferentes vivências e pontos de vista para tornar a história mais complexa e conectada com seus cotidianos, saindo do clichê. Assim, destinamos uma aula para cada grupo, sendo que dentre os fatos sociais escolhidos estavam: família, maternidade, religião, educação, gênero, bullying, entre outros. Os grupos realizavam uma pesquisa prévia e montavam um roteiro de questões para fazer aos colegas e suscitar troca de experiências. Ao final da rodada de debates, elaboraram o segundo capítulo da história: O personagem e o fato social, explorando a dimensão da pressão da sociedade sobre o indivíduo:

“Seu pai ficou extremamente irritado, despejou uma série de ofensas boca a fora, sobre como não havia criado um filho para ser uma “bichinha” e outras coisas do gênero. Sua mãe até tentou acalmá-lo, mas não deu muito certo. (...) Finalmente chegaram a uma solução, felizmente não houve violência física, mas o garoto teria que deixar sua casa naquela mesma noite, pois, nas palavras de seu pai, ‘não conseguiriam dormir com um pecador debaixo do mesmo teto’”. (História 1 - Capítulo 2)

“Decidi me colocar diante do assunto e contar a ela sobre o ocorrido com minha mãe e o que eu pensava sobre maternidade ou paternidade. Bom, contei a ela que por mim ser pai jovem não era um problema, minha mãe também pensava assim, tanto é que ela teve minha irmã cedo. Ela dizia que ser pai ou mãe cedo não era ruim como todos dizem, não tem por que esperar para estar preparado, porque esse tipo de coisa não tem receita, ninguém nunca vai estar preparado até isso ocorrer”. (História 5 - Capítulo 2)

No primeiro trecho, o grupo, que escolheu tratar gênero como fato social, havia levado ao debate questões sobre o preconceito relacionado à livre orientação sexual e aos papéis de gênero. Dentre outras questões, discutimos o aspecto construído do que seria feminino e masculino e de como o divergente tende a sofrer coerção social. No segundo trecho, o grupo havia escolhido a maternidade como fato social. Debatemos em aula sobre diferentes concepções de maternidade, sobre parto humanizado e os modos como viam ocorrer pressões para se ter ou não filhos em suas famílias. Os estudantes também ponderaram sobre o peso desigual quanto às expectativas de cuidado dos filhos que recai sobre as mulheres. A partir do conceito de fato social, compreendemos que essas concepções são aprendidas e interiorizadas a partir das relações sociais - aspecto que aparece enfatizado na história escrita pelo último grupo.

As ideias de Karl Marx seriam a inspiração para o terceiro capítulo. Introduzi sua problemática por meio de um exercício de comparação entre relatos de trabalhadores ingleses do período da Revolução Industrial e notícias recentes de situações de trabalho escravo no Brasil. Os estudantes identificaram semelhanças e diferenças entre os relatos quanto às condições de trabalho. Conversamos sobre como as permanências dizem respeito a uma estrutura subjacente, correspondente ao modo de produção capitalista. As diferenças foram lidas a partir dos avanços e retrocessos em termos dos direitos dos trabalhadores8 e os estudantes trouxeram relatos de situações na família com relação ao mundo do trabalho. A partir da introdução de conceitos como classes sociais, alienação e mais-valia, as ideias de Marx foram desenvolvidas por meio de textos, exercícios teatrais inspirados no Teatro do Oprimido de Augusto Boal, análise de quadrinhos e vídeos. Ao final, os estudantes produziram a terceira parte da história, que nomeamos Conflitos e desigualdades sociais.

Poucos capítulos abordaram conflitos implicados em histórias de amor nas quais personagens pertenciam a classes sociais distintas. A grande maioria das histórias narrou a inserção do personagem principal no mundo do trabalho, evidenciando desigualdades e diferenças sociais, como no exemplo:

“Esse ano me formei no Ensino Médio. Estava esperando a muito tempo para isso pois queria fazer uma faculdade, queria fazer administração. Eu percebi que só o salário da minha mãe não daria para pagar a faculdade (pois também tinha que sustentar a casa, a nossa avó e nós) então decidi buscar um emprego. Passei quase um mês procurando um emprego decente que suprisse minhas necessidades, mas consegui um que ficava no centro aqui de Porto Alegre. É um emprego que eu gosto, pois trabalha com informática e computadores, coisas que eu já queria trabalhar. O problema é mesmo a distância pois tenho que pegar seis ônibus por dia (três de ida e três de volta).

(...) Chegou a hora de eu ir trabalhar, TRABALHAR!! Pela primeira vez sai tão alegre de casa que não conseguia parar de sorrir. (...) Quando estava na frente do prédio achei ele maior do que era no dia da entrevista, mas pensei: isso é o medo querendo me dominar, vou em frente e assim fui. Chegando no andar do escritório vi muita gente, cerca de 50 pessoas sentadas em frente de computadores. Ali já me bateu uma ansiedade, mas segui em frente. Reparando enquanto uma atendente me levava até a sala do chefe, vi que havia somente uma cadeira no escritório, aí pensei: aquele é meu lugar. Chegando lá estava eu, Marcelo, e um guri de cabelo loiro e olhos verdes, com seu pai de terno, bem arrumado. Sentei ao lado dos dois em uma cadeira muito confortável e ali pensei: o que ele está fazendo aqui? Na entrevista falaram que só havia uma vaga. Nesse instante, o chefe começou a falar. Falou que bom que eu tinha aparecido, me apresentou ao tal de Ricardo (o guri ao lado) e falou que ele era o meu colega agora. Mas me veio a curiosidade e perguntei: na hora da entrevista não havia uma vaga só? Então ele falou: Sim, a vaga é do Ricardo e você vai ficar de assistente do meu pessoal, levando suas papeladas e servindo cafezinho. Na hora fiquei indignado. Mas pensei: esse é o único trabalho que eu consegui, então não posso desperdiçar.

(...) Passando manhãs na escola e a tarde no trabalho, estava me sentindo exausto, não tinha tempo mais para nada. Não via mais tempo para fazer as coisas que eu gostava, que eu me divertia. Ainda meu chefe não me dava muita atenção, pois eu era ‘novato’ e meu apelido lá no trabalho era ‘o muleke do café’. Ainda semana passada deu aumento para o Ricardo sem nem ainda ter recebido meu primeiro salário. Assim, eu pensando, acho que não vou trabalhar mais aqui. Entrei na sala do escritório e tive uma surpresa... (...)” (História 3 - Capítulo 3)

O último capítulo seria inspirado nas ideias de Max Weber. A partir do conceito de ‘tipo ideal de ação social”, desenvolvemos a noção de subjetividade e de como a sociedade é construída a partir da intencionalidade dos sujeitos. Dentre as atividades realizadas, fizemos uma pesquisa na qual cada estudante teria que indicar qual a porcentagem de sua motivação em estar na escola, distribuída nos quatro tipos weberianos de ação social. Em cada turma, fomos escrevendo no quadro e fazendo os cálculos para chegar à estatística da sala. Foi interessante notar que em todas as turmas, o tipo de ação mais referido foi racional com relação a fins - ou seja, a motivação em estar na escola se relacionava mais à busca por diploma e certificação dos estudos. Relacionamos isso à ideia de racionalização da vida no capitalismo. Para desenvolver a ideia de subjetividade, bastante estranha a alguns estudantes, assistimos vídeos e trabalhamos com fotografia, correlacionando a questão da intencionalidade com a discussão sobre enquadramento e edição. O último capítulo da história se chamou As motivações do personagem e ganhou elaborações como estas:

“Ao longo do tempo, Rafael foi percebendo que nem todas as pessoas eram iguais, e que elas tinham diferentes pensamentos sobre diversos assuntos. Ele aprendeu um pouco disso com Lucas, que era bem religioso e ligado à tradição familiar, enquanto Rafael não tinha religião definida (...)” (História 6 - Capítulo 4)

“Ana cresceu cuidando daqueles campos e jardins com seus pais, por isso se dedicava tanto ao jardim da escola. Havia muita história para ela ali. (...) Ela disse que o diretor da escola pretendia destruir o jardim para construir uma quadra de esportes. Era claro que não era para o bem da escola nem nada do tipo. Eles conheciam o cara. A quadra apenas iria lhe deixar mais rico. Ela seria usada pelo time de futebol do bairro, que lhe pagaria um belo dinheiro para usá-la” (História 7 - Capítulo 4)

Como se pode perceber, no capítulo de fechamento da história tivemos produções que tenderam a narrar situações nas quais diferentes pontos de vista eram colocados em perspectiva, mobilizando a questão do sentido da ação dos sujeitos. Alguns grupos aproveitaram esta abordagem para desenvolver o último conflito na história e construir um desfecho.

Considerações finais

Aprendi que até mesmo com histórias criadas, sempre vamos relacionar com a nossa vida.” (Estudante A)

“[Com a escrita das histórias], a gente aprendeu o que cada sociólogo (Marx, Weber e Durkheim) pensa, mas com o nosso ponto de vista.” (Estudante B)

Aprendi a me colocar no lugar de outra pessoa, mesmo que criada por nós. Consegui sentir as emoções e angústias dele.” (Estudante C)

Na minha história, por exemplo, foram fatos que acontecem na nossa sociedade, através disso, entendemos melhor as pessoas envolvidas.” (Estudante D)

Acho que a ideia é de mostrar que mesmo tão diferentes, estamos sempre ligados.” (Estudante E)

Similarmente ao modo como as Ciências Sociais oferecem instrumentos para ordenar e interpretar a profusão de informações recebidas diariamente, o ato de narrar também ordena o tempo e dá encadeamento às sucessivas experiências que nos ocorrem. Como afirma Mário Vargas Llosa, os romances conferem organização, causa e efeito; começo e fim: “através da mentira, eles exprimem uma curiosa verdade que só pode ser expressa de um modo velado e escondido, disfarçando-se com o que não é" (LLOSA, 1984). Dessa forma, as frases acima, retiradas da atividade avaliativa realizada ao final do ano, dão conta de alguns resultados da proposta pedagógica sob a ótica dos estudantes, os quais demonstram reconhecer as potencialidades da aprendizagem da Sociologia por meio das histórias de ficção. O exercício da escrita parece tê-los ajudado a colocar suas vidas em perspectiva relacional e em articulação com teorias e conceitos que auxiliam a compreender as relações entre indivíduo e sociedade. É possível identificar em suas produções e avaliações, conexões entre biografias e questões públicas da estrutura social (MILLS, 1982), além de movimentos de estranhamento e relativização, dada a possibilidade de se colocar no lugar do outro, oportunizada pela construção ficcional.

Ressalta-se que nas atividades desenvolvidas, o papel da ficção não se restringiu a representar ou ilustrar conteúdos, mas a desenvolver uma sensibilização, uma “educação da atenção” (INGOLD, 2010). Nesse sentido, a problematização de narrativas hegemônicas a que os estudantes têm contato surgiu como um movimento necessário para dar visibilidade às questões pulsantes de seus cotidianos, possibilitando, assim, a abertura à criação. De fato, se uma narrativa se reduz a repetir esquemas e fórmulas pré-moldadas, ela não efetiva seu “intento ficcional”: “ser real em sua falsidade” (COSTA, 2014, p. 559). Portanto, a proposta de trabalhar ficção e Sociologia não envolve qualquer história, mas aquelas que propiciem a conexão - seja pelo estranhamento ou no reconhecimento - com o território vivido e, a partir disso, lançar-se às experiências não-recognitivas e ao devir (KASTRUP, 2005).

Além disso, destaca-se que a introdução das teorias e conceitos das Ciências Sociais não teve por objetivo central apresentar minúcias dos argumentos dos autores clássicos, mas ocupou-se em trazer os conceitos à vida (SCHWEIG, 2015; INGOLD, 2012). Desse modo, fato social, classes sociais, tipos ideais de ação social ganharam vida ao se misturarem a exemplos próximos e servirem para a produção de novas interpretações e narrativas. Tratou-se de experimentar o que Ingold (2012) nomeia como “criatividade para frente”, isto é, buscar o sentido dos conceitos em seu movimento juntos aos jovens e não tanto “para trás”, ou seja, no rigor da reconstituição da elaboração teórica dos pensadores. Ressalta-se também que durante todo o trabalho com a ficção, o pensamento investigativo foi estimulado, mesmo que fora dos moldes da pesquisa acadêmica tradicional. Foram sendo propostos questionamentos aos estudantes a partir da análise de suas próprias experiências e produções, de modo que eles pudessem experimentar a potencialidade dos conceitos - estabelecendo relações, comparações, avaliações - não apenas reproduzindo suas definições.

Assim, neste texto busquei contribuir para pensar os modos como as Ciências Sociais podem andar junto aos sujeitos da escola, mesclando-se às suas especificidades e às demandas e desafios oriundos das transformações contemporâneas que afetam a educação. Em um cenário de supostas polarizações e de fechamento em bolhas de pensamento monolítico, ao invés de disputar quem tem melhor acesso à realidade em si mesma, a aposta aqui foi de ficcionalizar essa realidade para melhor conhecê-la. Por conseguinte, o trabalho pedagógico passou pela sensibilização por meio do confronto entre narrativas hegemônicas e contra hegemônicas. Esse movimento contribuiu para a compreensão de que elas ajudam a conformar o mundo em que habitamos e de que somos corresponsáveis por ele na medida em que inventamos e afirmamos nossas próprias versões.

1Mais detalhes sobre o caso podem ser acessados na matéria “Queermuseu: O dia em que a intolerância pegou uma exposição para Cristo” (MENDONÇA, 2017).

2As fanfics são narrativas de ficção criadas por fãs, consistindo na criação livre de cenários e enredos envolvendo personagens conhecidos da literatura, dos quadrinhos, do cinema ou da televisão, bem como músicos e outros artistas.

3Ocorrida nas primeiras aulas, envolveu jogos teatrais que tinham como foco a percepção da relação indivíduo-grupo e discussões a partir de produções audiovisuais.

4Uma importante referência de pesquisa nossa foi o site “Ficção em Tópicos” (SCHUTT, 2019).

5Dentre os mais lidos estavam: “As Crônicas do Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin (2010), e “A Culpa é das Estrelas”, de John Green (2012).

6 Alzamora, Salgado e Miranda (2017) demonstram a partir da análise da produção de uma série da Netflix como ocorre o mapeamento de preferências e hábitos de consumo dos usuários por meio de algoritmos. Esses fornecem recomendações que tendem a se aproximar de escolhas passadas dos usuários, criando um “efeito-bolha”. O uso de algoritmos se reproduz em todas as redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter.

7Foi interessante a experiência de assistir e debater sobre os filmes da produtora Filmes de Plástico, de Contagem (MG). Os jovens viram semelhanças e diferenças entre as imagens de Contagem e do próprio bairro Restinga, além de atentarem sobre como as histórias situadas nas periferias aparecem estereotipadas e simplificadas em novelas e filmes.

8Discutimos questões que estavam prementes à época como aprovação da reforma trabalhista.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 18 de Setembro de 2019; Aceito: 25 de Fevereiro de 2020

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