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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.36  Curitiba  2020  Epub 18-Ago-2020

https://doi.org/10.1590/0104-4060.69951 

Artigos

Em que medida a mídia jornalística aborda o financiamento educacional? Estudo de caso no Texas/EUA1

*Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: marianapviana@gmail.com.br

**Texas State University. San Marcos, Texas, United States. E-mail: straubhaar@txstate.edu


RESUMO

O trabalho investiga como a mídia jornalística televisiva trata sobre o financiamento da educação básica, com o objetivo de traçar elementos teórico-metodológicos capazes de analisar como os meios de comunicação podem influenciar a opinião pública sobre a escola e, consequentemente, balizar os debates legislativos e a implementação de políticas educacionais. Com abordagem baseada na metodologia da análise crítica do discurso, a pesquisa original realiza estudo quantitativo e qualitativo em cinco cidades do estado do Texas (Estados Unidos da América), utilizando como fonte as notícias de seus principais telejornais e jornais impressos locais, criando um banco de dados em série histórica, capaz de revelar os tópicos de maior cobertura jornalística no tocante ao financiamento da educação. No presente artigo, são apresentados os materiais e métodos utilizados pela pesquisa, enfocando os resultados quantitativos quanto à mídia televisiva. O trabalho visa contribuir com o debate sobre as matrizes ideológicas que permeiam a representação simbólica construída socialmente, por meio da mídia jornalística, acerca da educação pública e seu financiamento.

Palavras-chave: Política educacional; Financiamento educacional; Mídia jornalística; Análise crítica de discurso

ABSTRACT

This paper investigates how television news media deals with the financing of basic education, with the aim of tracing theoretical and methodological elements for analyzing how the media can influence public opinion about schools and, consequently, underpin legislative debates and the implementation of educational policies. With an approach based on critical discourse analysis methodology, this paper originated in a quantitative and qualitative study of news media data in five cities in the state of Texas (United States of America). The data comes from these cities’ primary TV channels and local newspapers, which was used to create a historical database capable of revealing the topics of greatest journalistic coverage regarding school funding. This article presents aspects of the materials and methods used in this larger research project, focusing on the study’s quantitative results about television news coverage. The paper aims to contribute to the debate about the ideological matrices that permeate the socially constructed symbolic representation of public education and its financing through the journalistic media.

Keywords: Educational policy; School funding; News media; Critical discourse analysis

Introdução: as políticas educacionais e sua relação com o discurso midiático

A pesquisa que originou o presente trabalho foi desenvolvida no estado do Texas, nos Estados Unidos da América (EUA), tendo como plano de fundo estudos ligados à área de políticas educacionais e, mais especificamente, de financiamento da educação, tencionando o seguinte questionamento: como a mídia jornalística se refere ao financiamento da educação básica?

A ideia é baseada na hipótese de que o discurso que prevalece na mídia sobre a educação básica influencia a opinião pública sobre a escola pública e, consequentemente, baliza as discussões que permeiam a agenda e a pauta legislativas na formulação e implementação de políticas públicas de educação.

A pesquisa original enfoca telejornais e jornais impressos locais e regionais do Texas, assim como um recorte temporal, baseado na escolha de uma temática local específica, ligada a um sistema de financiamento estadunidense polêmico, criado em 1993 e apelidado de Robin Hood2, cuja ideia central seria a transferência de recursos financeiros dos distritos economicamente mais ricos para os distritos mais pobres.

A contribuição do presente artigo se constitui principalmente em termos teórico-metodológicos, pois constitui uma proposta a ser adaptada para realização de estudos similares em relação aos meios de comunicação de outros países e temáticas diversas das políticas educacionais. O questionamento central que norteia o trabalho pode servir de referência para indagar sobre o papel da mídia na representação da opinião pública em outros contextos, acerca de diversos aspectos ligados à construção da imagem da escola púbica, seus projetos, seu financiamento, sua relevância social etc., que podem ser analisados em outros cenários.

No contexto brasileiro, por exemplo, pode-se vislumbrar sobre qual seria o discurso predominante na mídia televisiva e/ou impressa sobre diversas temáticas relativas ao financiamento da educação e às políticas educacionais, de forma geral, tais como: os debates que envolveram a aprovação do investimento equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação brasileira - no contexto da construção do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024; notícias à respeito da aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 (que altera a Constituição Federal de 1988 ao impor um teto de gastos sociais, incluindo a educação, durante vinte anos); sobre a aprovação da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - que também geraram diversas polêmicas e mesmo assim tiveram seus processos de construção interrompidos, com aprovação decretada em 2018; ou ainda sobre como a mídia jornalística se refere à divulgação dos resultados de exames nacionais e internacionais de desempenho de alunos; sobre como aborda o tema do projeto “Escola Sem Partido”; como apresenta a questão da militarização das escolas públicas, dentre outros tópicos, cujo discurso midiático pode, com efeito, direcionar a opinião pública e atingir a agenda política e o debate legislativo.

A pergunta principal baseia-se em aspectos teóricos norteadores, que direcionam os objetivos específicos da pesquisa, suas hipóteses e possibilidades metodológicas, apresentados a seguir.

Tyack e Cuban (1995), ao tratarem sobre a história das diversas reformas educacionais nos EUA, afirmam que elas são intrinsicamente políticas, explicando que grupos envolvidos com a política da educação se organizam e concorrem entre si para expressar seus valores e garantir seus interesses com relação à escola pública. Há desigualdades de poder entre estes grupos, com agentes de maior ou menor influência social, tal como aqueles que gerenciam a economia, que possuem acesso privilegiado à mídia e aos agentes políticos, e que geralmente compartilham uma visão comum de gestão e de organização do sistema de ensino, que controlam organizações de diversos tipos, ganhando autoridade desproporcional sobre a aprovação de projetos e políticas educacionais em relação a outros grupos sociais.

Os autores afirmam que há disparidades econômicas, regionais, raciais, de gênero, além de contrastes entre comunidades rurais e urbanas, dentre outras questões sociais e culturais, que afetam profundamente a desigualdade social, mas que são ignoradas em detrimento de outras questões mais amplamente dissipadas e valorizadas entre a cultura dominante da sociedade.

Segundo eles, as opiniões das pessoas sobre o que é uma escola, ou sobre como deveria ser uma escola, mudam conforme o tempo, citando levantamentos e enquetes desenvolvidas no início e na segunda metade do século XIX que demonstram diferentes impressões das pessoas acerca da imagem da escola pública, citando exemplos de revistas e jornais, tais como Look, Life e New York Times, de grande alcance e destaque nos EUA, que já abordaram a escola do presente como “fracasso”, a escola do passado como pertencente aos “tempos de ouro”, além de realizarem e divulgarem enquetes sobre “quanto boa é sua escola?”, com itens para que pais ticassem em uma lista os tópicos que consideravam de excelência ou de precariedade, divulgando amplamente levantamentos restritos e sem embasamento científico metodológico, os quais afetam a representação do senso-comum sobre a escola pública. Compreende-se que a tendência destes discursos pode motivar sentimentos de depreciação, descrédito, desânimo e descrença quanto à escola pública, seus agentes, projetos, financiamento e quanto à sua própria função social.

Os autores mencionam que “muitos distritos escolares e associações educacionais criaram departamentos de publicidade para persuadir os cidadãos sobre o fato de que as reformas custam dinheiro” (TYACK; CUBAN, 1995, p. 21, tradução nossa), em referência aos embates legislativos sobre o possível aumento de impostos em relação à propriedade, por exemplo, para financiar as escolas públicas. Com base nesta afirmação, nos deparamos com alguns questionamentos: de que maneira departamentos de publicidade poderiam persuadir os cidadãos a apoiarem certos políticos e seus projetos? Teriam estes departamentos contato com editores e produtores dos meios de comunicação locais, como jornais e telejornais? Teriam os distritos e associações escolares ligações com poderes políticos capazes de influenciar a forma como os meios de comunicação dissipam notícias, escolhem temas, editam linguagens e aprovam conteúdos sobre a escola pública, a serem veiculados na mídia para a população?

Metha (2013) explora outro tema que corrobora com esta discussão, discorrendo sobre a construção de um “paradigma político”, que seria como “uma definição de um problema”, explicando que a forma como um problema social é definido e um paradigma é construído faz parte de uma maneira particular de compreensão da realidade, e sendo assim, “a maneira como esse problema é enquadrado traz implicações significativas para os tipos de soluções políticas que parecerão desejáveis” (METHA, 2013, p. 29, tradução nossa).

Segundo o autor, grande parte do argumento político, fazendo referência aos projetos educacionais propostos e debatidos nas casas legislativas, é travado ainda no nível da “definição do problema”, ou seja, quando se encontra ainda na fase de estabelecimento do assunto em pauta, de construção do paradigma. Quando a definição do problema é majoritariamente aceita, então ela pode ser chamada de “paradigma político”, isto é, quando visões dominantes impedem maiores discordâncias. Metha explica que, a partir de então, quando uma ideia ou uma representação construída pelas visões dominantes é constituída, na interseção de ideias hierárquicas, específicas e gerais ao mesmo tempo, é que “para o propósito de compreender a evolução de um domínio substantivo, a definição de um problema, ou um paradigma político, se torna uma unidade crítica de análise” (METHA, 2013, p. 29, tradução nossa).

Quando um problema se constitui como um paradigma político, pode também ser estudado como uma unidade crítica de análise, passível de ser enfocada epistemologicamente, a fim de compreender sua evolução constitutiva e investigar a forma como se transformou em uma ideia socialmente aceita e consolidada. Este é um aspecto norteador da pesquisa: como ideias socialmente aceitas foram construídas, como se deu o processo de definição destes problemas e de que maneira o discurso da mídia afeta este processo.

Dialogando com os autores, compreende-se que é na fase de definição de um paradigma político que entra em jogo a influência dos meios de comunicação na opinião pública, constituindo a base de apoio político a certos projetos e a determinadas políticas educacionais, em detrimento de outras.

A definição dos paradigmas que regem o debate acerca das políticas educacionais é constituída conforme uma visão dominante, a qual direciona a opinião pública por meio de agentes publicitários e meios de comunicação. Tais paradigmas podem ser investigados, a fim de buscar compreender sobre os elementos que integram o padrão constitutivo da representação social de um problema. Na opção metodológica da pesquisa, o problema enfocado é o financiamento da escola pública e políticas de transferências de recursos financeiros às escolas, como parte de campo de disputa política em relação a “solução” de questões econômicas e sociais.

Segundo Metha (2013):

Assim como os reformadores de hoje se apoiam em comparações internacionais ou relatórios de comissões nacionais como evidência da necessidade de reforma, os primeiros reformadores se basearam no trabalho de jornalistas críticos, que expuseram os piores aspectos do sistema existente. O modo como o problema foi definido delimitou os termos do debate, motivou novos atores a se juntarem à cruzada para reformar as escolas, construir apoio público por trás das reformas e marginalizar os críticos cujas visões não estavam alinhadas com a narrativa dominante. (METHA, 2013, p. 64, tradução nossa).

Tais jornalistas, que “expuseram os piores aspectos do sistema existente”, afetaram o processo de “definição de problemas” no decorrer do debate legislativo sobre as reformas e políticas educacionais, como explica o autor, na medida em que animaram ou desencorajaram agentes em relação às reformas de políticas escolares, construindo ou desconstruindo apoio público, conforme priorizavam visões dominantes, isolando argumentos críticos ou opostos a estas visões.

Este processo pode ocorrer através da seleção de fontes, das pessoas escolhidas para serem entrevistadas, de recortes das falas, edições de dados e acontecimentos, com preferência, intencionalmente ou inconscientemente, de veicular elementos que se alinham com a visão ideológica do veículo de comunicação, omitindo ou ignorando perspectivas divergentes, revelando tendências de discurso por meio da fala, da escrita, especialmente de colunistas opinativos, de fotografias e/ou ilustrações.

O conceito de “poder simbólico” trazido por Pierre Bourdieu (1989, 1997) elucida sobre produções de sistemas simbólicos, construídos como instrumentos de dominação: as ideologias, como produto coletivo e coletivamente apropriado, conforme interesses particulares que tendem a se apresentar como interesses comuns ao conjunto do grupo (BOURDIEU, 1989, p. 13). O sistema simbólico ideológico é estrutural e estruturante, criado por um corpo de especialistas, ou melhor, por um campo de produção e de circulação relativamente autônomo, com instrumentos de conhecimento e de linguagem, que formam e inculcam um “habitus” social, ou seja, representações simbólicas e comportamentos legitimados e reconhecidos social e historicamente, conforme a construção de um mundo subjetivo e objetivo, através de meios de reprodução de padrões culturais dominantes, de conduta e formas de comunicação.

Apesar de Bourdieu tratar dos instrumentos dos sistemas simbólicos como sendo principalmente a arte, a religião e a língua, também faz referência ao campo jornalístico e aos meios de comunicação de massa como elementos de reprodução de poder e instrumentos de manutenção da ordem simbólica, de constituição do campo político, principalmente tendo em vista a abordagem trazida no texto “Sobre a televisão” (BOURDIEU, 1997), em que o autor discorre sobre como programas televisivos, tais como as notícias transmitidas nos telejornais, buscam por audiência, com edições e decisões sobre aquilo em que se escolhe ou não televisionar, se configurando como produtos de permissões e censuras, conscientes ou inconscientes, através do uso da língua, ocultando ou priorizando temas conforme interesses de agentes do campo econômico e político, que interferem no campo jornalístico. Deste modo, compreende-se que o campo jornalístico, por sua vez, também pode interferir no campo econômico e político.

Herman e Chomsky (2003) fazem um estudo sobre os grandes grupos controladores das corporações de mídia e de suas informações financeiras, expondo sobre os “filtros” que as informações veiculadas pela mídia passam desde o processo de orientação dos lucros e de audiência, às propagandas entre os horários de intervalo, até a escolha das fontes, dos locais de cobertura, da edição do material que será consumido, conforme orientações ideológicas dos proprietários destes meios de comunicação, sugerindo que o livre mercado não gera um sistema neutro, pois a escolha do comprador final é um fator decisivo, já que as opções dos anunciantes influenciam a sobrevivência da mídia.

Nessa perspectiva, a mídia de massa serve como um sistema para comunicar mensagens e símbolos à população em geral, com a função de divertir, entreter, informar e incutir nas pessoas os valores, credos e códigos de comportamento que as integrarão às estruturas institucionais da sociedade.

Com base na abordagem teórica minimamente elucidada, serão apresentados os materiais e métodos propostos pela pesquisa, sem perder de vista a discussão trazida pelos autores em questão, acerca do poder simbólico que permeia o discurso jornalístico, assim como os agentes que transitam neste campo, compreendidos como elementos que influenciam a (re)construção de paradigmas sociais e representações sobre a realidade, definindo demandas e, portanto, permeando o debate sobre as políticas educacionais.

Aspectos metodológicos

No trabalho de Baker (2012), é feita uma revisão crítica de literatura sobre o tema “O dinheiro importa para a educação?”, trazendo estudos de autores com diferentes visões sobre o tema, assim como falas de figuras políticas em comentários sobre o assunto, realizando uma análise da apropriação metodológica que sustenta argumentos (ou que tenta sustentar, com mais ou menos rigor e consistência empírica, segundo ele) a favor ou contra o aumento de investimentos financeiros como aspecto fundamental para a melhoria do sistema educacional.

Alguns comentários de figuras políticas são como deste governador da Flórida: “estamos gastando muito dinheiro em educação e, quando você olha para os resultados, não está ótimo” (BAKER, 2012, p.9, tradução nossa). Ou ainda, como o discurso de uma representante legislativa da Virginia: “Sócrates treinou Platão em uma rocha e, em seguida, Platão treinou Aristóteles, falando grosseiramente sobre uma rocha. Portanto, um enorme financiamento não é necessário para alcançar as maiores mentes e os maiores intelectos da história” (BAKER, 2012, p. 9, tradução nossa).

Tais comentários, amplamente divulgados na mídia jornalística, difundem ideias de que “já se gasta muito dinheiro em educação”, “podemos cortar e tornar o gasto mais eficiente”, sem mencionar o montante em questão e sem realizar simples traços comparativos, tais como: “muito” quanto e em relação a quê, ou à qual realidade? Afinal, são comentários sobre a discrepância entre o valor gasto e os “maus resultados”, como se houvesse uma relação causal direta de simples análise sobre isso, sem tencionar outras variáveis que interferem nos indicadores e sem refletir sobre as diversas limitações dos exames em que esses resultados são baseados, por exemplo.

Ou ainda, as falas supõem, como a da legisladora da Virginia, que não é necessário um grande financiamento para “alcançar as maiores mentes”, como se para haver professores como Sócrates, dando atenção para um Platão por vez, não seria necessário questionar: quanto custaria para formar e pagar professores com alto nível de formação? Quanto custaria para que cada professor pudesse ensinar um aluno por vez?

Sem realizar questionamentos críticos simples como esses, tais afirmações passam como argumentos de peso nos debates legislativos, sendo também sustentadas por argumentos acadêmicos, de consistência metodológica duvidosa, baseados mais no ponto de vista econômico do que no ponto de vista da complexidade social que envolve área da educação. De acordo com Baker, “o crescente consenso político de que o dinheiro não importa está em nítida contradição com o corpo substancial de pesquisa empírica que se acumulou ao longo do tempo, mas que praticamente não recebe atenção em nosso discurso público” (BAKER, 2012, p.2, tradução nossa).

Baker conclui que as evidências científicas deixam pouca dúvida: recursos financeiros suficientes são uma condição subjacente necessária para fornecer educação de qualidade. O autor reconhece que mais dinheiro, por si só, não é uma solução abrangente para melhorar a qualidade da escola, pois afirma que o dinheiro pode ser gasto de forma deficiente e ter pouca influência em sua qualidade (dependendo do que é considerado qualidade educacional), por outro lado, o dinheiro pode ser bem gasto e ter uma influência positiva substantiva. No entanto, conclui: “dinheiro que não está lá não pode fazer nem uma coisa nem outra” (BAKER, 2012, p.28, tradução nossa). Além disso, ainda afirma que os discursos de “eficiência” (ligados à qualidade versus quantidade, por exemplo) e os de “inovações educacionais” (sobre tecnologia e educação à distância), quando desacompanhados de discursos sobre aumento do investimento, são suspeitos, pois também demandam pesquisa e grande dispêndio financeiro.

Baker explica que o Departamento de Educação dos Estados Unidos, que seria equivalente ao Ministério da Educação no Brasil, criou um sítio na internet sobre “como melhorar a produtividade educacional”, com intenção específica de informar sobre políticas governamentais e práticas locais, sendo que “as fontes listadas na página de 'recursos' do site são relatórios especulativos e documentos relacionados que não incluem ou nem mesmo citam os tipos de análises que precisariam ser conduzidas para chegar às suas conclusões e recomendações políticas” (BAKER, 2012, p. 23) conforme citado por Baker; Welner (2011, p.1, tradução nossa).

Tendo em vista a contribuição de Baker e as falas apresentadas anteriormente, o trabalho aponta para os conhecimentos da análise crítica do discurso, como campo epistemológico, que consiste em examinar a estrutura de um texto, ou de uma fala, para compreender as matrizes ideológicas que o constituem.

Na base das elaborações sobre o significado do discurso, Fairclough (2001) e Gee (1999) constroem uma metodologia para análise de discurso que focaliza nas relações de poder entre os participantes (ou ouvintes) e nas formas de discurso. Esta metodologia, chamada análise crítica de discurso (GEE, 1999; FAIRCLOUGH, 2001; VAN DIJK, 2001), é usada para examinar os significados implícitos e suposições inerentes em interações discursivas, os quais revelam as ideologias e estruturas sociais que as informam. Essa metodologia baseou o estudo desde o início, pois o propósito da pesquisa é de tentar revelar as ideologias e suposições do discurso midiático, para então ver qual a influência que tais ideologias têm no pensamento comum sobre financiamento de educação.

Mesmo que o presente artigo focalize em um estudo quantitativo sobre o nível de cobertura que a mídia televisa faz do financiamento da educação no Texas, o trabalho é situado em pesquisa maior, baseada nesses conceitos de análise crítica de discurso.

Foucault (2007, 2010) trata do discurso como uma representação culturalmente construída pela realidade, conceituado como uma construção social em razão das relações de poder na sociedade, tendo como base as práticas e contextos político-sociais, (re)produzindo poder e conhecimento. Nesse sentido, todo elemento que faz parte de um discurso está atrelado às características sociais de um dado contexto e às relações de poder entre o emissor, receptor e o sentido atribuído a uma dada questão, atentando-se para a complexidade de fatores que permeiam o enunciado que atravessa a linguagem e constitui uma rede de significados.

Sobre as contribuições de Foucault quanto à análise de discurso, Revel (2011) aponta sobre o controle dominante de grandes aparelhos políticos e econômicos, como a mídia, sobre o discurso:

As análises de Foucault procuraram, em particular, focalizar as características de nosso próprio regime de verdade. Esse regime possui, com efeito, várias especificidades: a verdade está centrada no discurso científico e nas instituições que o produzem; ela é permanentemente utilizada tanto pela produção econômica quanto pelo poder político; é amplamente difundida, tanto por meio das instâncias educativas quanto pela informação; ela é produzida e transmitida sob o controle dominante de alguns grandes aparelhos políticos e econômicos (universidade, mídias, escrita, forças armadas); ela é a forma de “lutas ideológicas” (REVEL, 2011, p. 148,149).

O trecho anterior evidencia sobre como o “regime de verdade” da sociedade é produzido e transmitido, conforme as relações de poder dos campos político e econômico, sendo a mídia um exemplo dos meios de sua produção e difusão.

Segundo Fischer (2001), Foucault ensina aos pesquisadores um modo de investigar o enunciador, ou seja, o autor, quem fala, a fonte de seu discurso, a posição do sujeito incitador e produtor de saberes, como se relaciona hierarquicamente com outros poderes além do seu, não apenas na perspectiva de analisar o que “está por trás” dos textos e documentos, nem “o que se queria dizer com aquilo”, mas buscando descrever quais são as condições de existência de um determinado discurso, tratando-o na rede de relações em que está imerso, sendo possível levantar um conjunto de enunciados, com acontecimentos singulares, e indagar: afinal, por que essa singularidade acontece ali, naquele lugar, e não em outras condições? (FISCHER, 2001, p.221).

Tendo em vista o norteamento teórico-metodológico sobre a análise crítica de discurso, a pesquisa pôde tecer alguns questionamentos, utilizados para traçar os materiais e fontes que seriam necessários para a realização do trabalho proposto:

  1. quais atores são identificados nas notícias sobre financiamento da educação?;

  2. quais são as características que constituem, configuram e mantém os meios de comunicação que serão utilizados pela pesquisa como fonte de notícias?;

  3. quais fatores contextuais são identificados nas notícias coletadas?;

  4. quais observações podem ser feitas sobre a escolha de palavras, expressões e conotações utilizadas pelos autores/jornalistas/editores?;

  5. como as questões levantadas pela análise de discurso se alteram ou permanecem ao longo do recorte histórico da pesquisa?

Materiais e métodos

Com intuito de responder os questionamentos apontados anteriormente e investigar sobre como a mídia se refere ao financiamento da educação no Texas, a pesquisa original elegeu cinco principais cidades do estado, em termos econômicos e populacionais, buscando cobrir seus mais reconhecidos meios de comunicação, de telejornais e jornais impressos locais, nas cidades de Austin (capital do Texas), Houston, San Antonio, Dallas e El Paso.

O primeiro passo foi a escolha das fontes em que seriam buscadas as notícias/artigos jornalísticos, elegendo cinco principais emissoras de telejornais e seus representantes afiliados locais, um em cada uma das cinco cidades escolhidas, conforme maior popularidade: 1) ABC; 2) CBS; 3) FOX; 4) NBC; e 5) PBS. A pesquisa original elegeu também jornais impressos, escolhendo cinco principais, de abrangência regional: 1) Fort Worth Star-Telegram; 2) Dallas Morning News; 3) D Magazine; 4) Dallas Observer; e 5) Community Impact. Além de outros três principais jornais de abrangência estadual: 1) Texas Monthly; 2) Texas Observer; e 3) Texas Tribune.

Uma proposta para o contexto brasileiro seria a escolha de emissoras de telejornais e jornais impressos de acordo com sua abrangência nacional, ou com a região geográfica do país, ou ainda conforme a popularidade, baseada na tiragem ou no índice de audiência, por exemplo.

A seleção de notícias (vídeos e artigos) foi realizada a partir da pesquisa de três palavras-chave nas barras de ferramentas de procura e de filtro, existentes no menu dos sítios da internet de cada canal televisivo e jornal selecionado.

As palavras-chave foram: school finance, school funding e Robin Hood, expressões que significam, respectivamente, “financiamento da educação”, “políticas de fundos para a escola” e “sistema Robin Hood de distribuição de recursos” (tradução nossa). Essa última, Robin Hood, foi escolhida por se referir a uma política de fundos destinados à educação pública, considerada controversa e em constante debate legislativo desde sua criação, em 1993, cuja proposta original seria destinar recursos financeiros dos distritos mais ricos para os distritos mais pobres, conforme cobrança de impostos sobre a propriedade, tendo sofrido diversas alterações ao longo dos anos. Sendo assim, o caráter disputável dessa política refletiria uma importante contribuição para análise de como a mídia aborda uma política educacional como essa, investigando, em série histórica, desde sua criação, se há tendências no discurso jornalístico e repercussões na agenda política.

No contexto brasileiro, a escolha de palavras-chave dependeria dos objetivos específicos da pesquisa proposta, podendo buscar por termos como “10% do PIB para educação”, “EC 95/2016”, dentre outras questões divulgadas pela mídia sobre o financiamento educacional e/ou políticas educacionais em geral, conforme sugestões apontadas na introdução deste trabalho.

Outro ponto definido pela pesquisa é o período histórico abrangido, ou seja, o recorte temporal a ser investigado, o qual depende dos objetivos do estudo e da disponibilidade das fontes de dados.

Por conta da escolha do sistema Robin Hood como palavra-chave, a pesquisa original optou pelo recorte temporal com início em 1990 - buscando artigos de jornais impressos que já se debruçavam em torno das discussões iniciais deste sistema antes mesmo de sua aprovação - até janeiro de 2019 (período até quando se estendeu a fase de coleta de dados), permitindo a construção de uma série histórica comparativa com banco de dados correspondente ao período de quase trinta anos.

Já em relação aos canais televisivos, infelizmente, a maioria não disponibiliza arquivo histórico anterior a 20123. Além disso, a busca das notícias televisivas detectou uma quantidade excessiva de resultados irrelevantes trazidos pela ferramenta de busca dos sítios da internet de cada telejornal (mesmo considerando que a maioria apresentava notícias apenas a partir do ano de 2012), pois a ferramenta filtra todas as palavras-chave exibidas em qualquer outro link presente na página, incluindo anúncios, outros títulos, tópicos relacionados etc. (por exemplo: de cerca de quase 30 mil resultados, apenas pouco mais de mil tinham de fato relevância para a pesquisa).

A coleta de dados ocorreu com registro em relatórios de rastreamento, da seguinte maneira: criação de quadro com número de notícias selecionadas em cada fonte de pesquisa (sítio da internet de cada canal, telejornal ou jornal impresso pesquisado), anotação dos títulos e descrições gerais de cada notícia, de forma a registrar em um arquivo chamado “rastreador” apenas aquelas que de fato estavam relacionados ao tópico em foco.

Assim, foi criado um rastreador para cada fonte, a fim de organizar o material coletado conforme: a) Data da publicação; b) Link para a notícia; c) Autor/jornalista/editor que assinou a notícia; d) Resumo das menções de manchete/palavra-chave/assunto principal trazidas pela notícia. Desta maneira, o rastreador possibilitou a criação de um banco de dados visualmente mais prático para organização e sistematização das notícias coletadas.

Cada artigo/notícia foi salvo em um arquivo digital (em formato .pdf), usando a data de publicação como título do arquivo, em uma pasta compartilhada, dividida por cidade e por canal/jornal.

As notícias do rastreador foram registradas em sequência numérica, mas não em ordem cronológica, pois apenas alguns dos sites ofereciam a opção de organizar os resultados por data ou por relevância, sendo exibidos aleatoriamente. Entretanto, os arquivos acabam sendo organizados por data automaticamente na pasta onde são salvos (devido ao uso da data como o nome dado a cada arquivo).

A coleta de dados da pesquisa original teve como objetivo realizar uma busca exaustiva das fontes e dos artigos relacionados às três palavras-chaves escolhidas, possibilitando, conforme a disponibilização das fontes permitia, a criação de um banco de dados desde o ano de 1990 (com relação aos jornais impressos), o qual será utilizado como base para trabalhos futuros, se configurando como um material capaz de revelar os tópicos de maior cobertura jornalística no tocante ao financiamento da educação nos últimos trinta anos e evidenciar as matrizes ideológicas que permeiam a representação simbólica construída socialmente acerca da educação pública no Texas e seu financiamento, tornando a proposta metodológica deste estudo uma referência para desdobramentos em outros contextos.

Resultados e discussão: cobertura telejornalística sobre o tema (2012 a 2019)

De acordo com a observação do banco de dados referente às notícias dos telejornais, é possível apresentar alguns resultados quantitativos da investigação proposta, correspondendo à uma análise estatística das notícias sobre o financiamento educacional transmitidas pelos canais de TV investigados (do período de 2012 até 2019).

O Quadro 1 apresenta o número de resultados encontrados pela ferramenta de procura nos sítios da internet dos telejornais, conforme as três palavras-chaves utilizadas pela pesquisa, em cada cidade, assim como a quantidade de artigos coletados (aqueles que de fato eram relevantes para o tema), separados por cidade e por canal.

QUADRO 1 COBERTURA TELEVISA SOBRE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO, POR CANAL E CIDADE (2012-2019) 

Cidade N. resultados da ferramenta de busca N. de artigos coletados por canal de TV Média (2012-019)
ABC CBS FOX NBC PBS Total %
Austin 14.551 14 24 57 79 32 206 17% 29
49% 7% 12% 28% 38% 16% 100%
Dallas 4.560 0 55 18 134 125 332 28% 47
15% 0% 17% 5% 40% 38% 100%
El Paso 3.098 72 12 15 17 0 116 10% 17
10% 62% 10% 13% 15% 0% 100%
Houston 6.792 87 0 24 130 106 347 29% 50
23% 25% 0% 7% 37% 31% 100%
San Antonio 859 133 0 14 11 22 180 15% 26
3% 74% 0% 8% 6% 12% 100%
Total 29.860 306 91 128 371 285 1.181 100% 169
100% 26% 8% 11% 31% 24% 100%
Média (2012-2019) 4.266 44 13 18 53 41 169    

FONTE: Elaboração própria.

A primeira coluna do Quadro 1 faz referência à dificuldade relatada anteriormente, em relação ao número de resultados trazidos pelas fontes (total de 29.860), em comparação ao número de artigos coletados, de fato relevantes para a temática (total de 1.181).

Observa-se a diferença da cobertura televisiva, dependendo do canal e da cidade, identificando que algumas cidades tiveram maior quantidade de notícias transmitidas acerca do financiamento da educação, tais como Houston e Dallas, com 347 artigos (29% do total coletado) e 332 (28%), respectivamente. Austin e San Antonio corresponderam a 18% e 15%, respectivamente, sendo que a cidade que menos apresentou notícias televisivas sobre o financiamento da educação foi El Paso, com apenas 10% do total de artigos coletados.

Ao dividir o total de notícias de cada cidade entre os sete anos do período analisado, obtém-se uma média de 50 notícias por ano em Houston, 47 em Dallas, 29 em Austin, 26 em San Antonio e 17 em El Paso. Em ordem decrescente, percebe-se que a NBC foi a que mais abordou sobre financiamento educacional, com 371 notícias (31% do total), ou uma média de 53 por ano, seguida pela ABC, PBS, FOX e, por último, a CBS (com 91 notícias, 8% do total, ou uma média de 13 por ano).

O Quadro 1 demonstra que os telejornais e as cidades pesquisadas possuem diferentes quantidades de notícias sobre o tema, o que gera a seguinte pergunta: por que alguns canais de TV locais comparativamente cobriram o tópico sobre financiamento da educação mais ou menos do que outras grandes áreas metropolitanas? Esse é o caso de Houston e Dallas, com maior quantidade de notícias em comparação às demais cidades e com prevalência de notícias dos mesmos canais de TV, sendo a PBS em primeiro lugar e depois a NBC. Contudo, nas cidades de San Antonio e El Paso, esses canais não são os principais a tratarem desta temática, já que a emissora que mais apresentou notícias sobre financiamento da educação nessas cidades foi a ABC. Já em Dallas, não houve nenhuma notícia proveniente da ABC e em Austin (capital do estado, onde encontra-se a assembleia legislativa) foi minoria. Por que algumas emissoras parecem ter mais interesse nesse tema em certas cidades e em outras não?

A pesquisa tem buscado identificar o motivo dessas constatações, procurando informações sobre a formação dos jornalistas4 e das pessoas que compõe o corpo editorial desses meios de comunicação, assim como maiores detalhes sobre as instituições que os financiam.

O estudo também deu início a análise qualitativa do banco de dados referente às notícias televisivas, buscando identificar os enunciados que compõe a rede de significados do discurso midiático em foco, como sugerido pela orientação teórico-metodológica da pesquisa, elencando tópicos de assuntos que tiveram maior presença no material coletado e evidenciando trechos em que possíveis posicionamentos e tendências podem ser encontrados no discurso jornalístico, o que auxilia a pesquisa a traçar linhas de interpretação para a análise crítica pretendida.

A imagem geral transmitida pelas notícias e vídeos divulgados pelos telejornais é de que o sistema de ensino público estadunidense e/ou, mais especificamente, do estado do Texas, é decadente, majoritariamente apresentado com “más notícias”, sendo o financiamento da educação tratado como um tema difícil, conflituoso, sem acordo, características identificadas devido à prevalência de notícias que transmitem uma ideia negativa da escola pública e uma impressão tensa e polêmica acerca de seu financiamento.

Da análise preliminar qualitativa do material, é possível listar dez assuntos principais:

  1. A imagem do financiamento escolar na TV aparece comumente associada ao discurso de figuras políticas. A fala da sociedade civil é usada na figura de pais e famílias “pagadores de impostos”, para exemplificar que cidadãos não estão dispostos a pagar mais impostos por mais investimentos, citando, por exemplo, comentários de pessoas que, por não terem filhos, se colocam contra o aumento tributário;

  2. Reforma do sistema de financiamento escolar como conflituosa e polêmica. A falta de recursos para a educação parece ser mais socialmente aceitável do que a possibilidade de gerar receita alterando o sistema de arrecadação tributária;

  3. Outras possíveis fontes de receita para o financiamento educacional, que não sejam provindas de impostos sobre a propriedade, por exemplo, são pouco abordadas e possuem pequeno espaço de divulgação, mas identifica-se quantidade razoável de notícias em referência à cobrança de impostos ou taxação de vendas pela internet (de grandes redes como a Amazon), casinos e loterias ou ainda da regulamentação da produção, industrialização e a comercialização da Cannabis;

  4. A polêmica sobre os distritos ricos queixando-se do sistema Robin Hood, com uma visão neoliberal que tem mudado a caracterização desse famoso personagem para uma trama diferente, já que seu sistema foi considerado inconstitucional no estado do Texas, sofrendo diversas alterações ao longo dos anos, abrindo precedentes para que o fundo transfira recursos mesmo para distritos acima da média econômica, o que gera diversos debates controversos, amplamente divulgados pela mídia;

  5. Protestos e greves de professores por melhores salários: não apenas no Texas, mas em outros estados como Virginia, Kentucky, Nova Jersey, Illinois, Washington e Oklahoma (sem aumento salarial há mais de dez anos), causando fechamento de escolas durante alguns dias de greve, gerando repercussão negativa entre as falas das famílias, já que a ênfase observada nas notícias se dava quanto aos dias em que as crianças ficariam sem aula, devido à greve, em detrimento do destaque quanto à desvalorização docente e à questão salarial;

  6. Sobre atratividade do trabalho docente: grande quantidade de notícias sobre professores que necessitam buscar empregos complementares em supermercados para bancar seu custo de vida, ou mesmo comprar material escolar do próprio bolso para o trabalho com as crianças, com falas de professores que fazem rifas na internet para ajudar a financiar seus projetos pedagógicos;

  7. Sobre gastos com segurança escolar e saúde mental, após episódios de tiroteio em escolas públicas, incluindo propostas legislativas sobre posse de armas para professores dentro das escolas, com notícias que tratam desta proposta tanto como exagero, quanto solução;

  8. Vouchers, escolas charter e o discurso da school choice (escolha escolar)5: ênfase recorrente às falas de famílias que afirmam ser injusto matricular seus filhos em escolas públicas que consideram de baixa qualidade, preferindo buscar alterativas da administração privada. Por outro lado, observam-se também notícias sobre a precariedade de escolas administradas pelo setor privado, em relação à infraestrutura e até de limpeza das escolas, além de questões sobre a desconfiança quanto aos processos de seleção de professores e escândalos envolvendo o uso do dinheiro (público) da escola de administração privada;

  9. Cortes de gastos em merenda, aquecimento e transporte: escolas em cidades frias sem aquecedor nas salas de aula durante o inverno, causando cancelamento de alguns dias de aula; lanches frios substituindo o almoço das crianças; alertas quanto à precariedade na manutenção dos ônibus escolares;

  10. Embate político sobre uso de recursos públicos para reformar banheiros que não discriminam a identidade de gênero na escola, o que gerou longas sessões legislativas, trazendo mais foco e divulgação quanto a esse tópico do que ao próprio tópico da reforma do financiamento escolar como um todo, que seria debatida como pauta durante as mesmas sessões, mas era deixada de lado devido à polêmica levantada por certos legisladores quanto aos “banheiros transgêneros” nas escolas.

As categorias de análise ilustram os resultados quantitativos apresentados anteriormente e trazem uma perspectiva das discussões da dimensão qualitativa da pesquisa, servindo de base para comparar os resultados com a agenda legislativa, em cada localidade, norteando os caminhos a serem percorridos como desdobramentos futuros da pesquisa original.

Conclusões

Tendo em vista os aspectos teórico-metodológicos elucidados por esse trabalho, a abordagem apresentada pela pesquisa espera poder contribuir com estudos que busquem identificar as estruturas ideológicas veiculadas nos meios de comunicação de diferentes contextos, por meio de análise do discurso midiático jornalístico, traçando caminhos capazes de revelar a influência de jornais impressos e televisivos na formação da opinião pública sobre a escola pública e, mais especificamente, sobre seu financiamento, elucidando sobre como essas questões se relacionam com a demanda pela educação pública, com os debates legislativos e com a formulação e implementação de políticas educacionais.

Compreende-se sobre as limitações da pesquisa e a necessidade de adaptações devido aos diferentes contextos em questão, não se constituindo como objetivo do trabalho a realização de um estudo comparado entre EUA e Brasil, supondo também que outras abordagens teórico-metodológicas devem ser utilizadas para uma proposta comparativa.

No entanto, a proposta metodológica, as discussões e os dados apresentados pelo trabalho - especialmente sobre a cobertura dos jornais selecionados, a quantidade de notícias sobre o tema em cada localidade e o discurso predominante na análise qualitativa preliminar das notícias televisivas - esperam ter se mostrado relevantes para ajudar a compreender sobre como a construção e (re)produção da opinião pública acerca da educação pode definir problemas e constituir paradigmas sociais, os quais, por sua vez, geram demandas que requerem soluções concretas - a serem contempladas por medidas governamentais - e predispõem a pauta política, com maior ou menor peso, tencionada por diferentes agentes - com distintos interesses e posicionamentos ideológicos - nos debates legislativos que decidem sobre o planejamento, aprovação e implementação das leis que determinam e sustentam o sistema público escolar.

Compreender sobre os enunciados e significados que envolvem a análise crítica do discurso jornalístico também reforça a indispensabilidade da democratização da mídia, de maneira que os meios de comunicação não dependam predominantemente de recursos financeiros - e, portanto, dos interesses - do setor privado. Esse é um caminho necessário para a efetivação do controle social e da democracia, que dependem do acesso à informação e de um jornalismo independente, capazes de dar espaço, voz e visibilidade aos argumentos que podem trazer um equilíbrio de forças no debate das políticas educacionais e do financiamento da educação.

Finalmente, a discussão visa contribuir para a constituição de um paradigma sobre financiamento educacional, desde sua formação na opinião pública (sendo a mídia um dos aparelhos de controle e construção desse paradigma) até sua definição como uma demanda social, em que o financiamento da educação pública seja visto pela sociedade como elemento indispensável e imprescindível, sem o qual não é possível concretizar o direito à educação de qualidade social, aquela que vai além da formação profissional, baseada no projeto de educação cidadã e emancipatória, que seja ao mesmo tempo científica, tecnológica, artística e, essencialmente, humana.

1Pesquisa financiada pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PDSE-CAPES), desenvolvida entre novembro/2018 e abril/2019.

2Conforme o relatório da Intercultural Development Research Association, Robin Hood é o “nome atribuído erroneamente ao sistema financeiro da escola que exige que os distritos escolares ricos compartilhem seu dinheiro dos impostos de propriedade, gerados localmente no estado do Texas, para ajudar a pagar pela educação pública de todas as crianças. O nome é um mito porque o sistema financeiro não ‘toma dos ricos e dá aos pobres’, mas espalha os fundos dos impostos sobre propriedades em mais de 800 distritos escolares economicamente pobres, médios e alguns acima da média em todo o estado. O sistema de recaptura beneficia mais de 90% dos estudantes” (IDRA, 2009, p. 17, tradução nossa).

3Alguns dos canais de TV pesquisados mantinham notícias apenas de dois anos anteriores, o que limitou o estudo e impediu a concretização de seu objetivo de análise temporal completa. Contudo, isso se deu apenas em relação aos telejornais, pois o arquivo de acesso às notícias mais antigas dos jornais impressos cobria datas até mesmo anteriores a 1990.

4Com o intuito de buscar respostas aos questionamentos trazidos pelos resultados quantitativos, foi elaborado um levantamento dos jornalistas que mais frequentemente assinaram as notícias sobre financiamento da educação, criando um pequeno questionário e enviando eletronicamente para cinco deles. As perguntas tratam sobre a formação dos jornalistas, seus interesses ao abordarem o tema e opiniões sobre os resultados da pesquisa - constituindo material para compor a análise proposta pela pesquisa original.

5Voucher, ou “vale, cupom” (tradução nossa), faz parte de uma política pública em que o Estado transfere recursos financeiros diretamente para famílias, provenientes dos impostos que compõe a receita do orçamento destinado às escolas públicas, para que escolham escolas privadas para seus filhos e possam pagar pelas mensalidades. Uma política que, por um lado, beneficia sobremaneira o setor privado com recursos públicos que poderiam ser aplicados na escola pública, mas, por outro, permite que as famílias tenham opção de selecionar outras escolas. Charter Schools, ou “escolas de contrato, alvará” (tradução nossa), são escolas privadas, administradas pelo setor e pela lógica privada, mas financiadas com recursos públicos, seguindo normas organizacionais e de fiscalização financeira diferentes daquelas requisitadas às escolas públicas. Para maiores informações: ALLEN; CANDAL; EDEN (2017), que se colocam a favor destas políticas, e CHAPMAN; DONNOR (2015), que se colocam contrários.

REFERÊNCIAS

ALLEN, Jeanne; CANDAL, Cara; EDEN, Max. Charting a New course: the case for freedom, flexibility & opportunity through charter schools. CER (Center for Education Reform), 2017. Disponível em: https://www.edreform.com/wp-content/uploads/2017/06/Charting-a-New-Course.pdf . Acesso em: 27 out. 2019. [ Links ]

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Recebido: 29 de Outubro de 2019; Aceito: 26 de Março de 2020

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