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Educar em Revista

versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.36  Curitiba  2020  Epub 26-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/0104-4060.76042 

DOSSIÊ - Cultura digital e educação

A virtualização do Ensino Superior: reflexões sobre políticas públicas e Educação Híbrida

Jamile Santinello* 
http://orcid.org/0000-0003-1136-2421

Maria Luisa Furlan Costa** 
http://orcid.org/0000-0002-4286-5892

Renata Oliveira dos Santos** 
http://orcid.org/0000-0002-8391-1568

*Universidade Estadual do Centro-Oeste. Guarapuava, Paraná, Brasil. E-mail: jamile@unicentro.br e jamilesantinello@gmail.com

**Universidade Estadual de Maringá. Maringá, Paraná, Brasil. E-mail: luisafurlancosta@gmail.com E-mail: re.mga@hotmail.com


RESUMO

Vivemos em uma sociedade cada vez mais conectada, na qual a vida parece se revelar apenas por meio de um click. Diante dessa realidade, estamos inseridos em uma cibercultura, que se estabelece por meio de uma cultura digital e da virtualização das relações humanas. Essa nova maneira de compreender a sociedade nos leva a pensar, também, sobre a educação e como as políticas públicas de educação estão sendo construídas e aplicadas em relação à modalidade de Educação a Distância para o Ensino Superior. Diante disso, por meio dos documentos legais da educação brasileira, realizamos uma análise crítica entre cibercultura, virtualização, ciberespaço, políticas públicas de Educação a Distância (EaD) e ensino híbrido. Tal intento, teve o objetivo de entender de que maneira essa sociedade virtualizada pode assegurar, por meio das ações do Estado, a inserção das tecnologias digitais em seu cotidiano, podendo ser propagadas por métodos e prática pedagógicas inovadoras, como é o caso do uso do ensino híbrido. No trabalho, averiguamos, que o uso desse tipo de metodologia já está sendo implementada em algumas Instituições de Ensino Superior (IES), em especial em IES privadas, que mediante ao aparato estrutural e financeiro que possuem, se apropriam rapidamente das legislações educacionais, inserindo em seu ambiente um tipo ensino e de aprendizagem que pode ser refletido tanto pelo seu caráter inovador quanto por um possível instrumento para uma maior mercadorização da Educação Superior nacional.

Palavras-chave: Cibercultura e virtualização; EaD; Ciberespaço; Políticas públicas; Ensino híbrido

ABSTRACT

We live in an increasingly connected society, in which life seems to reveal itself through a mere click. Given this reality, we are inserted in a cyberculture, which is established through a digital culture and the virtualization of human relations. This new way of understanding society leads us to think about education and how public education policies are being constructed and applied as well, in relation to the Distance Education for Higher Education modality. Therefore, through legal documents from Brazilian education, we carry out a critical analysis involvingcyberculture, virtualization, cyberspace, public policies for Distance Education (DE) and blended learning. This aimed to understand how this virtualized society could ensure the insertion of digital technologies in daily life through the actions of the State, being propagated by innovative pedagogical methods and practices, such as the use of blended learning. In this work, we have found out that the use of this type of methodology is already being implemented in some higher education institutions, especially in private Higher Education Institution, which, through the structural and financial apparatus they have, quickly appropriate educational legislation, inserting a type of teaching and learning in their environment, which could be analyzed both by its innovative character as well as a possible instrument for a greater commodification of national Higher Education.

Keywords: Cyberculture and virtualization; Distance education; Cyberspace; Public Policies; Blended learning

Introdução

O termo virtualização, no Ensino Superior, tem sido associado, de forma equivocada, à oferta de cursos a distância pelas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas do Brasil. Parece ser difícil conceber a possibilidade do uso das Tecnologias Digitais nos cursos presencias, pois ainda está muito presente em nosso país uma dicotomia entre as modalidades de ensino preconizadas pela Lei n.º 9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996).

Vivemos em uma sociedade cada vez mais conectada, na qual a vida parece se revelar apenas por meio de um click. Diante dessa realidade, estamos inseridos em uma cibercultura, que se estabelece por meio de uma cultura digital e da virtualização das relações humanas. Essa nova maneira de compreender a sociedade nos leva a pensar, também, sobre a educação e como as políticas públicas de educação estão sendo construídas e aplicadas em relação à modalidade de Educação a Distância para o Ensino Superior.

Diante disso, por meio dos documentos legais da educação brasileira, realizamos uma análise crítica entre cibercultura, virtualização, ciberespaço, políticas públicas de Educação a Distância (EaD) e ensino híbrido. Tal intento, teve o objetivo de entender de que maneira essa sociedade virtualizada pode assegurar, por meio das ações do Estado, a inserção das tecnologias digitais em seu cotidiano, podendo ser propagadas por métodos e prática pedagógicas inovadoras, como é o caso do uso do ensino híbrido.

Com isso, o intuito central do presente estudo é promover uma reflexão em torno da virtualização da sociedade, cujos efeitos também se revela em mudanças significativas na educação e que demandam o pensar e repensar da/na inserção de recursos, ferramentas e instrumentos, a partir das tecnologias digitais, que possibilitem um ensino e aprendizagem de maneiras inovadoras.

Para atingir os objetivos propostos, apresentamos, inicialmente, uma discussão teórica sobre os conceitos de virtualização que perpassam pela abordagem de outros termos comumente utilizados no cenário brasileiro, como o de cibercultura, cunhado por Pierre Lèvy e outros autores, os quais serão discutidos neste texto.

Na sequência, refletimos sobre as políticas públicas de Educação a Distância, decretos e portarias implementados nos últimos anos, os quais permitiram que os cursos presenciais pudessem disponibilizar até 40% de toda a sua carga horária para o uso de tecnologias digitais, métodos pedagógicos inovadores por meio das redes, mídias sociais, metodologias ativas, sala de aula invertida e tantos outros recursos a serem explorados com o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC).

Por fim, debatemos a relevância do ensino híbrido para uma educação cada vez mais conectada com a realidade da cultura digital, pontuando que o uso desse tipo de recurso pedagógico deve seguir a legislação proposta para EaD e não servir como um instrumento de mercadorização da Educação Superior no Brasil.

Cibercultura ou cultura digital: virtualização do Ensino Superior

A Internet se originou a partir da troca de informações criptografadas entre quatro computadores no período da Guerra Fria. No entanto, a rede mundial de computadores alcançou, nas primeiras décadas do século XXI, espaços e dimensões inimagináveis, em se tratando da sua ideia original. Em 2017, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTA ) emitiu um relatório indicando que o Brasil tem aproximadamente 120 milhões de usuários, ocupando o 4.º lugar no ranking mundial de acessos, perdendo para Estados Unidos (242 milhões), Índia (333 milhões) e China (705 milhões), reflexos estes relacionados aos possíveis efeitos da globalização no contexto mundial (RELATÓRIO..., 2017).

Tais transformações globais repercutem nas formas de comunicação e nas relações sociais entre as pessoas, em cujos espaços e tempos das interações e das interatividades, por meio virtual - o ciberespaço - resultam a cultura digital, caracterizada pela cibercultura, dos quais os conceitos e contextualizações estarão dispostos a seguir.

O ciberespaço é um espaço de comunicabilidade virtual, no qual as formas de interação entre as pessoas estão se modificando, constituindo-se novos meios de conexão e interconexão, hiperconectividade e hibridez nos usos e apropriações das tecnologias digitais, o que resulta em uma cultura virtual, isto é, uma cibercultura.

Segundo Lèvy (2000b), o espaço de conectividade global entre as pessoas faz com que o conceito de tecnologias da inteligência seja propagado nos meios tecno-digitais, possibilitando a circulação de mensagens e de representações em vários formatos, vias e canais virtuais, resultando na abertura de certos campos de possibilidades da cultura digital.

Neste sentido, Lèvy (2000b, p. 187) ressalta que “[...] designa as tecnologias intelectuais como um terreno político fundamental” no pensamento coletivo a partir de novas possiblidades, considerando-o

[...]como lugar e questão de conflitos, de intepretações divergentes. Pois é ao redor dos equipamentos coletivos de percepção, do pensamento e da comunicação que se organiza em grande parte a vida da cidade no cotidiano e que se agenciam as subjetividades dos grupos[...] (LÈVY, 2000b, p. 187).

saindo da ideia de tecnociência autônoma (individual), para tecnologia intelectual. Essa tecnologia proporciona mobilidade permanente às pessoas e às coisas, sendo uma reabsorção de espaço-tempo social flexível com fluxo contínuo de dados conduzidos pela rede.

Sendo assim, o conceito de “virtual” torna-se uma questão a ser discutida no contexto educacional, em se tratando de que retrata o não estar presente, novos espaços, novas velocidades de percepções e reconstruções sócio-digitais. Portanto,

O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objetivo ou uma entidade qualquer, e que se chama um processo de resolução: a atualidade (LÈVY, 2001, p. 16).

A virtualização é dinâmica, pois, considerada como “passagem do atual ao virtual, em uma elevação à potencia da entidade considerada” (LÈVY, 2001, p. 17), não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objetivo considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma solução), a entidade passa a encontrar sua consciência essencial num campo problemático. Virtualizar uma entidade de Ensino Superior qualquer consiste em descobrir uma questão geral a qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular.

Para Lèvy (2000b), o ciberespaço foi a condição para a unificação da humanidade; cada nó pertence a grande teia mundial de computadores, formando um grande cérebro, de espaço-tempo não territorial no qual a comunicação se dá de todos para todos, ampliando-se a conectividade e a hipertextualidade nos usos dos recursos da rede.

O ciberespaço, na concepção de Britto (2009, p. 166), potencializa o “re-ligar” social e não deve meramente copiar a mídia tradicional, que “manipula esses impulsos e carências”, mas ser um caminho para a regeneração de espaços públicos de discussões, do estar junto virtualmente, auxiliando na constituição de vínculos sociais e fortalecendo as relações humanas na atual sociedade.

Diante disso, Britto (2009) explica que o ciberespaço não tem como objetivo impor um único ritmo e um único tempo de conexão, como nas mídias tradicionais, mas potencializar a “diversidade e a pluralidade temporal, apesar de ter em si o potencial e de operar essencialmente pela instantaneidade” (BRITO, 2009, p. 183).

Portanto, o ciberespaço projeta a consciência humana em um nível superior, permitindo a conectividade na rede mundial, e tal comunicação se constitui pela transmissão e recepção da cultura, perpassando por convergências, interações e espacialidades midiáticas de aspectos relacionais à sociabilidade.

No entendimento de Lèvy (1999), a cibercultura é uma reconfiguração da cultura em curso no planeta, a qual se dá por meio da interação permeada pelo ciberespaço, que consiste em mudanças e alterações da cultura a partir da internet, em um movimento de generalizar condutores específicos para a configuração do todo, isto é, renovação social. E, assim, “O universal da cibercultura não possui nem centro, nem linha diretriz. É o vazio, sem conteúdo particular” (LÈVY, 1999, p. 111), e essa universalidade sem totalidade seria a essência paradoxal da cibercultura.

Segundo Britto (2009, p. 183), a cibercultura “é, antes de mais nada, espaço de expressão dessa realidade, dessas contradições e tensões em que estamos submersos [...]”. E o tempo é visto de forma “plural, que permite desde a operação online que movimenta trilhões de dólares no mercado financeiro mundial, até o bate-papo filosófico e tranquilo entre amigos” (BRITTO, 2009, p. 183).

A cibercultura possui três princípios: Interconexão, comunidades virtuais e inteligência coletiva (LÈVY, 1999). A interconexão diz respeito, especificamente, à conexão, sendo um bem em si, alterando as noções de canais e de rede. As comunidades virtuais proposta é uma renovação social, potencializando as conexões entre as pessoas, independentemente de sua localização ou qualquer outra característica humana. A interação ocorre a partir do homem com a máquina, de forma híbrida, conectando o ser humano com o computador, criando uma simbiose coletiva, ao que Lèvy defende como Inteligência Coletiva (IC). Além de ser esta a distribuição “por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização das competências” (LÈVY, 2000a, p. 28), a IC tem início com a cultura, e cresce com ela, além de ser realizada pelas pessoas no espaço virtual, fazendo com que a rede disponha de diversas formas de acesso às informações, conectando pessoas de todas as partes do mundo, com navegabilidade de todos para todos. Assim, o ciberespaço, torna-se um espaço de mobilidade para as interações entre “conhecimentos e conhecedores de coletivos inteligentes desterritorizalizados” (LÈVY, 2000a, p. 29).

A cibercultura “não seria somente uma cultura especificamente produzida em termos de ciberespaço, mas de uma dimensão de cultura contemporânea que encontra no ciberespaço seu lugar de manifestação” (BRITTO, 2009, p. 172). Esta dialoga com as “práticas concretas e reais dos grupos em seu cotidiano, que caracterizamos como real cotidiano, e também com toda a cultura circulante nas mídias tradicionais, que em anda força excepcional, e que chamamos de real midiático” (BRITTO, 2009, p. 172).

Portanto, o uso da internet proporcionou transformações “no âmbito do trabalho, do estudo, do lazer e das relações pessoais, assim como a intensificação” de mudanças ocorridas pelas mídias tradicionais; o termo presença se tornou relativizado: antes, visto como indispensável para dar crédito aos processos sociais (BRITTO, 2009, p. 172) e, com o acesso ao ciberespaço, tomou outra dimensão, a da espacialidade e das conexões sistêmicas, reconstruindo o conceito de modo diferenciado, como presença virtual.

A virtualização não descaracteriza o indivíduo, tampouco negligencia as ações humanas, mas desestabiliza e faz com que o sujeito compreenda o espaço em que vive, bem como as características e necessidades de sobrevivência, além de discernir o papel do virtual, e não “o modo de existência de que surgem tanto a verdade como a mentira” (LÈVY, 1999, p. 148). E a interface homem-máquina “designa o conjunto de programas e aparelhos materiais que permitem a comunicação entre um sistema e seus usuários humanos” (LÈVY, 2000b, p. 176).

A virtualização, para Lèvy (2001, p. 148), “e a dinâmica mesma do mundo comum, é aquilo através do qual compartilhamos uma realidade. Longe de circunscrever o reino da mentira, o virtual é precisamente o modo de existência de que surgem tanto a verdade como a mentira”. Contudo, a

mediação digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais que envolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a imaginação inventiva. A escrita, a leitura, a escuta, o jogo e a composição musical, a visão e a elaboração das imagens, a concepção, a perícia, o ensino e o aprendizagem, restruturados por dispositivos técnicos inéditos, estão ingressando em novas configurações sociais (LÈVY, 1998, p. 17).

A forma de comunicabilidade virtual se tornou, com a propagação da Internet, uma forma de disseminação da informação de maneira rápida, haja vista a maneira de disposição de dados a partir de ambientes virtuais que proporcionam e disponibilizam o acesso de toda e qualquer pessoa, além de toda e qualquer informação.

Lucena (2016, p. 283), relata que se vivencia, além da cultura digital oriunda da década de 1970 e da cibercultura, a cultura da mobilidade, caracterizada pelos usos de dispositivos móveis, conectados em redes sem fio. Essas tecnologias podem ser carregadas para qualquer lugar, criando-se redes “móveis de pessoas e tecnologias nômades localizadas em diferentes espaços geográficos do planeta”, sendo: tablets, smartphones, netbooks e demais dispositivos que cabem na palma da mão.

As discussões atuais sobre o contexto educacional apontam para as possibilidades das relações do saber a partir dos usos e das apropriações de tecnologias digitais, questões estas que envolvem os aspectos sociais que permeiam as relações entre as pessoas, porque, sobretudo, segundo Lèvy

O espaço do saber começa a viver desde que se experimentam relações humanas baseadas nesses princípios éticos de valorização dos indivíduos por suas competências, de transmutação efetiva das diferenças em riqueza coletiva, de integração a um processo social dinâmico de troca de saberes, o qual cada um é reconhecido como uma pessoa inteira, não se vendo bloqueada em seus percursos de aprendizado por programas, pré-requisitos, classificações a priori ou preconceitos em relação aos saberes nobre e ignóbeis (LÈVY, 2000a, p. 28).

A partir da nova realidade permeada pelas tecnologias digitais, Quintanilha (2017) afirma que é importante entender que a Educação Superior também está sendo atingida por todas essas mudanças sociais e culturais. Assim sendo, os sujeitos que dela fazem parte, na grande maioria, já são provenientes de uma geração que tem na conexão uma extensão do seu próprio corpo e, por essa razão, os professores precisaram adaptar o conteúdo a estratégias e recursos pedagógicos de caráter inovadores que permitissem ao aluno o acesso ao conhecimento de diferentes maneiras, resultando em um processo de ensino-aprendizagem cada vez mais significativo para aqueles que estão imerso nessa nova cultura digital.

A compreensão de que vivemos numa realidade conectada revela que a inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em sala de aula tende a potencializar mais a produção de saberes, que poderão ser desenvolvidos de maneira coletiva e colaborativa, por meio de redes que possibilitem a comunicação, a interação e os mais variados tipos de relacionamentos em múltiplos ambientes virtuais cerceados pelo acesso à internet (LUCENA, 2016).

Assim, devemos sempre estar atentos, produzindo conhecimento nesses novos tempos com um olhar voltado à compreensão de que a cibercultura e a cultura digital nos apresentam uma realidade em que somos responsáveis, como educadores, por repensar as inovações para o campo da educação e a necessidade de olhar para o Estado como um norteador de políticas públicas de educação que possam acompanhar todas as mudanças sociais e culturais.

Neste sentido, e a partir das discussões apresentadas até o momento, entendemos que a cibercultura tem o delineamento das configurações sociais contemporâneas, gerada a partir do acesso ao ciberespaço, e tais questões são potencializadas pelo processo de virtualização do saber, oriundos do contexto social atual, e refletem de forma complexa nos processos educativos no Ensino Superior, o qual está imerso em contradições que precisam ser acompanhadas por políticas públicas de educação, atuando sobre o cenário cultural e educacional que vivenciamos na atualidade.

Aspectos legais e políticos para a oferta de disciplinas a distância nos cursos presenciais

O crescimento da Educação a Distância no Brasil é notório. Segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) consta nos dados do Censo de EaD de 2017, que as matrículas para cursos a distância chegaram no número de 1.073.497 alunos (ASSOCIAÇÃO..., 2018). Essa é uma realidade que atinge substancialmente as instituições privadas de Ensino Superior, as quais, muitas vezes, acabam por absorver, de maneira mais prática e rápida, as decisões e modificações das políticas públicas de educação destinadas a essa modalidade.

Segundo Azevedo (2003, p. 38), a “política pública é tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”, ou seja, implica em ações governamentais pensadas e implantadas mediante o bem comum que podem beneficiar a todos diante de uma necessidade, interesse coletivo expresso pela sociedade civil. De caráter redistributiva, distributivo e regulatório, elas são responsáveis pela organização, oferta, financiamento e execução das atividades e projetos do governo baseados na sua relação direta com o povo.

No caso das Políticas Públicas de Educação a Distância (PPEaD)1 elas são o resultado, primeiro, das políticas públicas de educação que tendem a regular e orientar os sistemas de ensino e, posteriormente, regulamentar, de maneira específica, as ações na modalidade a distância reconhecendo a necessidade de compreender os usos das tecnologias digitais, sua adoção na criação de cursos que implica nas decisões normativas para o credenciamento e recredenciamento das instituições de Ensino Superior (PIMENTEL, 2018).

O fato é que as PPEaD dependem de uma ação contínua e a longo prazo do governo, que leve em consideração três aspectos fundamentais para sua permanência: planejamento pedagógico/implementação, execução e avaliação dos cursos e isso deve ocorrer a partir de uma atuação governamental que implica em “[...] suporte pedagógico, financeiro e tecnológico que garanta a todos a educação” (PIMENTEL, 2016, p. 134).

A regulamentação das políticas públicas de EaD no Brasil tem como marco regulatório o Art. 80 da LDBEN (BRASIL, 1996), que imputou ao poder público o incentivo, o desenvolvimento e a veiculação de programas de Ensino a Distância para todos os níveis de modalidade de ensino, incluindo também a educação continuada. Ainda nesse artigo, ficou definido, em seus incisos, que a EaD: 1) seria oferecida por instituições de ensino ligadas a união; 2) teria regulamentação dos exames e registros de diploma dos cursos inseridos na modalidade a distância; 3) instituía responsabilidade aos sistemas de ensino sobre as normas para a produção, controle e avaliação, assim como autorização para sua implementação e, por fim, 4) receberia um olhar diferenciado no que compete aos canais comerciais de divulgação e de difusão da modalidade (BRASIL, 1996).

Ao refletir sobre as PPEaD, procuramos nos atentar, nesse momento, para alguns decretos e portaria importantes para o crescimento exponencial da EaD nos últimos anos, em especial no que tange à dicotomia entre ensino presencial e a distância nos cursos universitários. O recorte proposto não diminui o valor dos demais marcos regulatórios, mas nos ajuda a entender como, atualmente, as tecnologias digitais estão sendo implementadas no cotidiano das instituições de Ensino Superior do país, por meio da utilização de recursos didáticos-pedagógicos como, por exemplo, o ensino híbrido.

O Art. 80 da LDBEN (BRASIL, 1996) passou a ser regulamentado com a publicação do Decreto nº 2.494/98 que define em seu Art. 1º que a Educação a Distância pode ser entendida como uma forma de ensino que proporciona a autoaprendizagem por meio de recursos didáticos sistematicamente organizados, presentes em variados suportes de informação que poderiam ou não fazer uso de diferentes meios de comunicação (BRASIL, 1998).

O documento possuía 13 artigos, que de maneira inicial, definiam os trâmites para o desenvolvimento da Educação a Distância no Brasil. Ele foi revogado em 2005, pelo decreto nº 5.622/05, que determinou, no Art. 1º, que a EaD deveria ser entendida como uma modalidade educacional permeada pelas TIC, as quais deveriam ser utilizadas como recursos didático-pedagógicos por professores e alunos, possibilitando o desenvolvimento de atividades educativas nos mais diversos espaços-tempo. Esse decreto determinou, ainda, todas as ações que deveriam ser implementadas ou realizadas para que a EaD fosse, de fato, uma modalidade presente em todo território nacional (BRASIL, 2005).

Em 2017, o decreto foi revogado, sendo totalmente reescrito e substituído pelo Decreto nº 9.057, com novos direcionamentos para EaD no Brasil, muito parecido com as especificidades do artigo primeiro anterior. A nova redação para esse novo documento inseriu algumas exigências, como a preocupação com pessoal qualificado, políticas de acesso, acompanhamento e avaliações necessárias para o desenvolvimento da modalidade. Outra mudança se deu na especificidade atribuída aos polos acadêmicos, que agora são entendidos apenas como espaços descentralizados de ação e não mais uma unidade acadêmica (BRASIL, 2017). Chama atenção, ainda, o apoio para a implementação da modalidade tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio, já previsto pela LDBEN (BRASIL, 1996), porém, sob novos contornos, principalmente, diante do governo Michel Temer e a política de educação implementada pelo então Ministro da Educação, José Mendonça Filho.

É importante ressaltar o contexto em que essa política estava sendo desenvolvida, pois nos sinaliza as propostas governamentais ali inseridas. O Governo Michel Temer chegou ao poder a partir de um golpe de Estado, como afirma Braz (2017). O autor ressalta que o impeachment da presidenta Dilma Rousself ocorreu por que ela não conseguiu atender às demandas do capital existente, sendo deposta por meio de uma farsa parlamentar-judicial descrita como “pedaladas fiscais”.

Mainardes (2006) descreve o quanto entender uma política educacional pela abordagem do ciclo de políticas, dos sociólogos Ball e Bowe (1992), tende a diferenciar a forma como podemos analisar as determinações pelos decretos, portarias, leis sancionadas em determinados governos. Para esses pesquisadores, em sua primeira etapa de investigações das políticas educacionais, é muito importante entender três contextos em que estão inseridas: da influência, da produção do texto e da prática. No caso aqui exposto, vamos nos ater ao contexto da produção do texto e de uma primeira reflexão.

Fato é que os trâmites, durante o governo Temer, sobre a educação, beneficiaram e muito a expansão da EaD, em especial, o crescimento dos polos privados, que se multiplicaram a partir do decreto nº 9.057 (BRASIL, 2017). Segundo os dados do Ministério da Educação (MEC), de 2018, estimavam-se a existência de 15.394 polos, entre públicos e privados em todo Brasil, um aumento de 133% após a promulgação do decreto (MARQUES, 2018).

Outro documento importante para a expansão da EaD, nesse mesmo período, foi a portaria nº 1.428 de 2018, que acentuou a inserção de disciplinas na modalidade a distância em faculdades e centros universitários de todo país. O Art. 2º determinou que as instituições de ensino, que tivessem pelo menos um curso de graduação reconhecido pelo MEC, poderiam oferecer, na matriz curricular de seus cursos até 20% da carga total, de disciplinas na modalidade de EaD.

Dessa determinação, destaca-se, também, o Art. 3º, salientando que esse limite poderia ser ampliado em até 40%, desde que a IES siga as seguintes recomendações: estar credenciada tanto na modalidade presencial, quanto a distância; possuir pelo menos um curso de graduação com conceito 4 e a IES precisa estar em dia com toda a documentação com o MEC (BRASIL, 2018).

A portaria determina o lugar das tecnologias de informação e comunicação no que compete à efetuação de seu uso como recurso didático-pedagógico. No Art. 7º ficou definido que deveriam ser incluído métodos e práticas de ensino-aprendizagem por meio das TIC, com o intuito pedagógico, material didático adequado e específico, profissionais da educação qualificados para as atividades, as quais deveriam estar previstas na carga horária do curso (BRASIL, 2018).

A portaria apresentada foi revogada no ano de 2019. Em seu lugar, instaurou-se a portaria nº 2.117, determinada pelo Ministro Abraham Weintraub, responsável pela pasta da educação no governo do presidente Jair Messias Bolsonaro. A nova portaria proposta acentuou ainda mais a possibilidade de a carga horária total dos cursos presenciais ser ofertada com disciplinas na modalidade a distância chegar a 40%. Em seu Art. 2º, definiu que as IES poderiam ofertar a carga horária na modalidade de EaD até esse percentual que deveria estar bem especificado no projeto pedagógico do curso - PPC, sendo explicitado, já na matriz curricular, qual será a porcentagem do curso oferecida em EaD, assim como, quais metodologias seriam utilizadas em cada curso, devendo ser apresentadas, tanto no processo da autorização, como no de reconhecimento ou renovação do curso nas instituições (BRASIL, 2019). Vale ressaltar, ainda, que qualquer mudança promovida nos cursos deveria passar por uma avaliação in loco do MEC, ficando restrita a aprovação.

No que tange ao uso das TIC, elas são novamente apresentadas, no Art. 4º do documento, como indispensáveis à inclusão das disciplinas em EaD nas IES. Isso significa que, além de constar no PPC dos cursos, era necessário que os objetivos pedagógicos, o material didático e a mediação qualificada por profissionais da educação fossem descritos e realizados de maneira coerente para a implementação das disciplinas nessa modalidade.

Diante deste cenário, muitas instituições de Ensino Superior privadas passaram a modificar as disciplinas de seus cursos, fracionando-as em presenciais e a distância; uma das propostas adotadas é o chamado ensino híbrido, em que vários recursos são utilizados para a formação do aluno.

Cenário de disputas entre duas modalidades de ensino: hibridização do ensino

Segundo Moran (2015, p. 27) o conceito de híbrido “significa misturado, mesclado, blended. [...] podemos ensinar e aprender de inúmeras formas, em todos os momentos, em múltiplos espaços”. Isso significa que podemos ensinar e aprender o tempo todo com diferentes ferramentas e contatos sociais, o uso das mídias e das redes que permeiam uma cultura digital tem nos revelado a necessidade de uma educação cada vez mais aberta, flexível que permita ao aluno produzir sua própria maneira de saber.

Em sua obra “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”, Freire (2017, p. 47) explica que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou construção”. Nesse sentido, o uso do ensino híbrido nos auxilia a pensar a modalidade de Educação a Distância como uma possibilidade da circulação cada vez maior de saber, seja de maneira presencial como também por meio das tecnologias digitais, um mix de busca, conhecimento, desconstruções e construções combinado com diversas áreas do conhecimento, que implica numa maior circulação de informação que precisam ser devidamente compreendidas por professores e alunos como uma maneira de associação entre a cultura pessoal e sociedade.

Moran (2015) salienta que as instituições de ensino poderão adotar uma forma mais branda ou radical para a inserção das chamadas metodologias ativas, aquelas que optarem por adição mais amena manterão o currículo disciplinar e priorizarão o ensino do aluno em projetos integradores, de caráter multidisciplinar, o uso de salas invertidas e o ensino híbrido ou blend. Já as IES que inovarem em seus currículos, irão dispensar as disciplinas e adotarão métodos que privilegiarão que cada aluno possa aprender no seu ritmo por meio de atividades, desafios, projetos que incentivem a pensar tanto de maneira individual como em grupo por meio de trocas de saberes com os professores.

O projeto de ensino híbrido mais inovador dá ênfase a três aspectos importantes para o ensino-aprendizado dos alunos. É representado, respectivamente, no projeto de vida de cada um reconhecido e determinado junto com o auxílio de um mentor; na valorização e no desenvolvimento de competências por meio de novos conhecimentos e apreensão de questões de cunho socioemocionais e, por fim, na harmonia entre as aprendizagens pessoais e de grupos: “Nosso maior desafio é aprender a nos transformar em pessoas cada vez mais humanas, sensíveis, afetivas e realizadas, vivendo de forma simples, andando na contramão de muitas visões materialistas, egoístas e deslumbradas com as aparências” (MORAN, 2015, p. 30).

Optar por um ensino híbrido radical é uma maneira de modificar a forma de educação que temos na atualidade reconhecendo que existe múltiplos caminhos para aprendizagem, entretanto essas mudanças não podem ser realizadas sem que haja um conhecimento e reflexão das políticas públicas de educação. Nesse caso, as que competem a Educação a Distância, pois podemos notar, hoje, que muitas instituições de Ensino Superior têm utilizado de decretos e portarias para fazer a inserção de um ensino híbrido. Mas, será que estão produzindo, de fato, uma educação misturada/blend ou apenas se apropriando dessas legislações para uma maior mercadorização do Ensino Superior?

Para tanto, pensar na mercadorização do Ensino Superior brasileiro, principalmente, na expansão cada vez maior das IES privada no país com caráter de EaD ou ensino híbrido nos permite refletir sobre as políticas públicas de Educação a Distância e como elas tem possibilitado esse aumento. A ideia de mercadorização pode ser entendida:

[...] como um modo de liberalização da oferta de ensino que pode ocorrer de diversas maneiras: expansão do ensino superior privado-mercantil privatização direta, desresponsabilização do Estado, criação de quase-mercado, estabelecimento de Parcerias-Público-Privado (PPP) estímulo à competição, performatividade, rankings, indicadores etc. (AZEVEDO, 2015, p. 87).

Neste sentido, a Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior (ABMES) ressalta a importância de se compreender o uso que as IES estavam fazendo da portaria nº 1428 (BRASIL, 2018), ao propagar, de maneira mercadológica, a existência de “cursos híbridos”(FAGUNDES, 2019). A ABMES faz uma crítica bem pontual, apontando que o uso dessa tipologia pode causar uma indução errada na busca e na matrícula por cursos superiores. É uma forma de marketing que tem por objetivo mostrar ao mercado uma oferta inovadora e moderna para a educação, entretanto, muitas vezes, sem seguir aquilo que é imposto pela legislação. Ela ainda reafirma que existem apenas duas modalidades regulares de Ensino Superior existente, a presencial e a distância, por isso o oferecimento de “cursos híbridos” é ilegal. Por isso, não é a forma do ensino híbrido que é errado, mas o não respeito de sua inserção mediante ao que a legislação educacional brasileira tem determinado nos últimos anos (FAGUNDES, 2019).

Ao refletirmos sobre a Portaria nº 2117( BRASIL, 2019), é possível perceber que, embora a proposta dos 40% permita uma maior incisão dos recursos tecnológicos digitais na maneira de repensar o processo de ensino e de aprendizagem nos cursos presenciais nas instituições de Ensino Superior brasileiras, Riveira (2019) nos chama atenção para os lados negativos dela, salientando que a medida pode ser vista como determinante para o aumento da oferta de disciplinas e cursos em EaD nas instituições de ensino, em especial nas privadas. Isso acarretaria não só um maior esvaziamento dos cursos presenciais, como também uma maior propagação mercadológica da modalidade, revestida de uma ideia inovadora de educação que poderá não cumprir as demandas aplicadas ao ensino híbrido.

A autora também ressalta o crescimento de polos e cursos de modalidade a distância também nos sinaliza para a diminuição dos quadros docentes, já que agora as aulas presenciais passariam a ser apenas em 3 dias da semana e a aula híbrida em dois dias. A portaria ainda mexe com a realidade de alguns cursos/áreas não contemplados anteriormente, como é o caso do Direito, Odontologia e Psicologia, que passaram a ter em suas cargas horárias a possibilidade das aulas até 40% a distância, com exceção apenas para o curso de Medicina.

O fato é que diante de uma sociedade cada vez mais envolvida com as tecnologias digitais pensar sobre a educação, nesse caso superior e a distância, é um exercício a ser feito diariamente pelos profissionais na área educacional, pois isso implica na maneira como eles deverão atuar por meio dessas novas dinâmicas.

A EaD é hoje uma realidade presente e muito propagada, em especial, pelas IES privadas que possuem meios mais rápidos e financeiros para se adaptar às novas propostas de recurso para o processo de ensino e de aprendizagem, de modo a proporcionar ao sujeito digital uma maior autonomia para a aquisição de saberes. Nesse sentido, a proposta do ensino híbrido se destaca pelo significativo incentivo à busca pelo conhecimento por meio de diferentes ferramentas, as quais podemos encontrar em apenas um click. No entanto, é salutar enfatizar que o uso inapropriado e mercadológico da proposta faz com que o processo de ensino e de aprendizagem se torne incoerente e acrítico, além de que a informação por si só não estabelece a construção do conhecimento, apenas a passagem de dados sem a reflexão devida.

Diante da cibercultura, cabe também à educação modificar as formas de pensamento e acesso ao saber, porém, sem deixar de ter sentido e significado aos acadêmicos e docentes. Por isso, o uso das tecnologias digitais perpassam por uma nova visão sobre educação, espaços físicos e temporais, e a partir do momento que somos capazes de entender que existem infinitas formas de aprender é que nos tornamos críticos em relação a inserção da virtualidade em nosso dia-a-dia, interpretando-a por meio das ações do Estado, ao refletirmos sobre as políticas públicas de Educação a Distância que valorizem a modalidade como sendo uma alternativa de aprendizado e não apenas como uma resposta às necessidades de um mercado educacional.

Portanto, a partir das reflexões supracitadas, buscou-se promover uma análise crítica entre cibercultura e virtualização no Ensino Superior, ciberespaço, PPEaD e ensino híbrido, haja vista que as proporções nos usos e apropriações dos saberes se tornam importantes para a construção do conhecimento, reconhecendo a necessidade de usabilidade da virtualização de forma qualitativa, e não mercadorizada para somente a visão sobre o lucro e banalizando o processo de ensino e de aprendizagem.

Considerações finais

Ao refletirmos sobre a sociedade atual, nos deparamos cada vez mais com uma cultura digital que promove uma maneira diferenciada de compreensão do mundo, da noção de tempo e espaço. Diante disso, a vida parece ser feita de acessos rápidos, conexões diversas e possibilidades múltiplas de saberes. Emerge dessa cibercultura um sujeito social que interage, de forma virtualizada com a realidade, isso não significa que ele esteja sozinho ou individualizado, pelo contrário à ideia de virtual é a sua realidade, a qual ele sente, vivência e se move pelo mundo. O sentido agora não está em ser fixo, linear, parado e sim em ser móvel, mutável, fluído.

Assim, tudo está se modificando na sociedade e não poderia ser diferente em relação a educação. Por isso, torna-se pertinente compreender que o processo de virtualização pode ser utilizado, também, como um aporte pedagógico para uma educação emancipadora, autônoma, crítica, colaborativa e cooperativa, não massiva e corporativista que se revela por meio de diferentes metodologias e práticas pedagógicas que se ancoram agora no uso das tecnologias digitais. O ciberespaço torna-se um local de que a troca de informações, de disseminação de dados ocorrem de forma ágil e flexível.

Em se tratando de educação, em especial, ao Ensino Superior compreender a inserção de alunos e professores nessa cultura digital faz se necessário, pois nos ajuda a entender de que maneira as políticas públicas de educação criadas pelo Estado brasileiro estão em consonância a nova forma que os sujeitos sociais encarram o mundo e seu processo de conhecimento. Por essa razão, a análise dos documentos legais das chamadas PPEaD, em especial, a reflexão sobre a portaria nº1428 (BRASIL, 2017) nos permitiu pensar de que maneira muitas IES, em destaque as privadas, tem se utilizado dessa resolução para ampliar a oferta de recursos tecnológicos como métodos e práticas pedagógicas inovadoras, como é o caso do ensino híbrido.

O fato é que a utilização da hibridez da educação faz com que, por um lado, haja a flexibilização dos processos de construção do saber, promovendo a virtualização do Ensino Superior de forma a contribuir para as transformações de pensamento, corroborando à conexão vista na sociedade atual de forma qualitativa.; por outro, que, se esta virtualização e a hibridização da educação for utilizada de forma mercadorizada, o ensino torna-se economicamente evidente, não visando a emancipação das pessoas, mas o lucro das IES nas quais este seja o objetivo.

1Sigla apresentada pela autora Nara Pimentel, no verbete sobre Políticas Públicas de Educação a Distância, do Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância (2018).

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Recebido: 24 de Julho de 2020; Aceito: 02 de Setembro de 2020

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