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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.36  Curitiba  2020  Epub 26-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/0104-4060.76253 

DOSSIÊ - Cultura digital e educação

Narrativas dos professores nas redes: o percurso dos professores da Educação Básica1

Ana Beatriz Gomes Pimenta de Carvalho* 
http://orcid.org/0000-0002-2572-7383

Thelma Panerai Alves* 
http://orcid.org/0000-0001-5357-5869

*Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: anabeatrizgpc@gmail.com E-mail: tpanerai@gmail.com


RESUMO

A cultura digital favorece a comunicação e a integração de diferentes contextos, promovendo transformações na relação da sociedade com as tecnologias digitais. O objetivo deste artigo foi analisar o percurso realizado por professores da rede pública da Educação Básica, na construção das narrativas digitais em blogs, páginas com domínio próprio e redes sociais. A metodologia deste estudo foi de natureza qualitativa, na perspectiva dos Estudos Culturais, com a fundamentação de autores como Castells (2017), Jenkins (2008), Bruner (2002), Paul (2014) e Recuero (2016). Os dados foram coletados através de entrevistas realizadas virtualmente ou presencialmente, e foram criadas categorias de análise que emergiram da teoria e dos dados coletados. Os sujeitos da pesquisa foram 60 professores da rede pública da Educação Básica, que produziam e compartilhavam conteúdos com foco educacional, nas redes. Como resultados, encontramos que os professores entrevistados ficaram surpresos, inicialmente, com as respostas obtidas pelas narrativas criadas em seus espaços digitais. Os professores narraram que nem sempre recebiam apoio nas ações realizadas dentro das escolas, mas que, extrapolando os muros das escolas, se sentiam conectados a outras pessoas e acolhidos por elas. Neste sentido, os professores se deram conta da capacidade de influência que exerciam nas redes.

Palavras-chave: Narrativas; Cultura digital; Professores; Educação Básica; Espaços virtuais

ABSTRACT

The digital culture favors communication and the integration of different contexts, promoting changes in the relationship between society and digital technologies. The objective of this article was to analyze the journey taken by teachers from public Basic Education, in the construction of digital narratives on blogs, pages with their own domain and social networks. The methodology of this study was qualitative in nature, from the perspective of Cultural Studies, based on authors such as Castells (2017), Jenkins (2008), Bruner (2008), Paul (2014) and Recuero (2016). The data was collected through interviews conducted virtually or in person, and the authors created categories of analysis that emerged from the theory and data collected. The research subjects were 60 teachers from the public network of Basic Education, who produced and shared content focused on education on the networks. As a result, we found that the teachers interviewed were surprised, initially, with the answers obtained by the narratives created in their digital spaces. The teachers narrated that they did not always receive support in the actions carried out within the schools, but that they felt connected to other people and welcomed by them, going beyond the walls of the schools. In this sense, the teachers realized the capacity of influence that they exercised in the networks.

Keywords: Narratives; Digital culture; Teachers; Basic Education; Virtual spaces

Introdução

O objetivo desta pesquisa foi o de analisar o percurso realizado por professores da rede pública da Educação Básica, na construção das narrativas digitais, em blogs, páginas com domínio próprio e redes sociais. A importância deste estudo reside nas transformações que ocorrem na sociedade com o uso de tecnologias digitais, que favorecem a comunicação e a integração de diferentes contextos. Essas transformações ocasionam mudanças nas formas de refletir sobre a educação, provocando um rearranjo nas dinâmicas de ensino, aprendizagem, pesquisa e avaliação.

Neste sentido, as narrativas digitais criadas pelos professores da Educação Básica, em blogs e outros espaços digitais, surgem como forma de estruturar os diferentes discursos, no contexto da cultura digital, utilizando recursos multimidiáticos e favorecendo as possibilidades de interatividade, autoria, colaboração e compartilhamento de conteúdo. Como diz Jenkins (2008), nada mais humano do que o ato de compartilhar histórias, diante de uma fogueira ou através da nuvem.

Então, nesse cenário, é importante refletir sobre a capacidade do professor de construir e consolidar uma cultura digital efetiva. Cultura digital que deve promover inovação pedagógica, com o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), tanto em sala de aula como extrapolando os muros da escola e efetivando-se, também, na rede virtual.

Nos últimos anos, alguns professores da Educação Básica vêm se destacando nas redes através de seus espaços virtuais que apresentam práticas inovadoras realizadas em sala de aula. Os temas e ambientes são variados, mas esses professores (conhecidos como professores blogueiros, ativistas digitais, conectados, etc.) utilizam a interlocução como a sua principal estratégia de inovação. Através de seus espaços digitais, abertos aos comentários de colegas e alunos, e da participação em fóruns e listas de discussão, os obstáculos são socializados e o conhecimento é compartilhado.

Como resultados, encontramos que os professores entrevistados ficaram surpresos, inicialmente, com as respostas obtidas pelas narrativas criadas em seus espaços digitais. Os professores narraram que nem sempre recebiam apoio nas ações realizadas dentro das escolas, mas que, extrapolando os muros das escolas, se sentiam conectados a outras pessoas e acolhidos por elas. Neste sentido, os professores se deram conta da capacidade de influência que exerciam nas redes. É importante enfatizar que esses professores tinham como preocupação promover discussões mais aprofundados sobre os usos das tecnologias digitais, sobre incluídos e excluídos da cultura digital e sobre consumo crítico e consumo alienado de informações, entre outras ações.

As narrativas na cultura digital

Os professores são marcados pelas ações e reações do passado, que influenciam diretamente suas experiências do presente, refletindo em sua construção identitária. Neste sentido, Bruner (2002) assinala que a narrativa é uma maneira de dar sentido à própria vida e às experiências vividas. É desta maneira que se chega à compreensão da realidade.

Na atualidade, as narrativas, orais e/ou escritas, de acontecimentos reais e/ou fictícios, são produzidas em uma combinação de mídias que misturam textos, imagens, áudios e vídeos, favorecendo novas formas de criação de narrativas. É o que chamamos de narrativas digitais, que são criadas em diferentes telas e com possibilidades de produção, consumo e intercâmbio de conteúdo.

É importante assinalar que as narrativas digitais podem apresentar visões diferentes de um mesmo fato, desafiando a lógica hegemônica dos discursos. Neste sentido, Recuero (2016) enfatiza que a cultura digital pode ser considerada democrática, por integrar a pluralidade de formações discursivas/narrativas. Por outro lado, Jenkins (2008) aborda as narrativas digitais, vinculando-as à cultura participativa e à autoria. Ele considera a autoria como uma das principais competências a serem desenvolvidas pela educação contemporânea. Também Paul (2014) trata das narrativas e enfatiza a necessidade de serem observados recursos como a capilaridade nas redes e as possibilidades de interação.

Assim, numa época de cultura digital participativa, deixamos de ser consumidores passivos de narrativas e passamos a ser produtores delas, nas diferentes redes sociais e digitais. Neste sentido, precisamos estar atentos ao fato de que essas redes geram mudanças significativas na cultura, nas relações sociais, nos modos de buscar e gerar informações, na maneira de expressar o pensamento e a afetividade, na atribuição de significados e sentidos ao conhecimento e à própria vida (ALMEIDA, 2016). E é evidente que essas mudanças estão integradas ao nosso dia-a-dia, refletindo-se nas relações educativas, tanto nos espaços formais de ensino e aprendizagem, como nos espaços não-formais e informais.

Alguns autores assinalam que vivemos a era do acesso, da viralidade, da socialização e da mobilização social, favorecendo uma nova sensibilidade e uma nova cidadania, com a visibilidade e o empoderamento de vozes que nunca foram ouvidas antes e que, na atualidade, conseguem se destacar nas redes, rompendo com as narrativas políticas, econômicas, sociais e culturais que sempre dominaram o mundo. Assim, a apropriação social das tecnologias e as narrativas digitais da contemporaneidade são fontes de empoderamento pessoal e coletivo, que podem romper com a cultura do silêncio, mostrando situações sutis, encobertas, invisíveis, silenciosas, alcançando e representando pessoas sem autoridade, externas às estruturas de poder, ativando, dessa maneira, processos de transformação social (CARVALHO; ALVES; SILVA, 2018). Desta maneira, é possível perceber alguns princípios freirianos em processos que se referem à conscientização, participação e autoria dos sujeitos, em ações coletivas, para contrapor o cinismo político, o vazio cultural e a aflição econômica.

Diante disso, podemos afirmar que cultura digital influi diretamente no processo de formação continuada dos professores, que, através de blogs, sites próprios e redes digitais, passam a se inserir no que Jenkins (2008) chama de Cultura da Convergência, onde convergem tecnologias e mentes, para criar novos significados e dar um novo impulso aos processos educativos e às transformações sociais.

A inserção dos professores na cultura digital e da convergência favorece a elaboração de projetos coletivos e faz com que eles superem o isolamento profissional e pessoal, através das narrativas de suas experiências, em rede. Neste sentido, as redes permitem que os professores decidam seus caminhos, criem espaços de comunicação autônoma e representem seus valores identitários, num processo de divulgação/publicação de eventos e de momentos com os quais se identificam - e as respectivas emoções geradas -, com a avaliação do impacto de suas ações sobre os outros e sobre si (CASTELLS, 2017). Essa autonomia nem sempre é permitida em sala de aula, mas o simples fato de esses professores apresentarem curiosidade epistemológica em relação às possibilidades e potencialidades das tecnologias digitais, pode indicar uma abertura ao novo e à inovação, podendo repercutir em ações pedagógicas voltadas aos alunos e às salas de aula. Então, conhecer e analisar o percurso dos professores na construção das narrativas criadas em seus espaços digitais vai nos levar a compreender suas opções e ações, numa tentativa de relacionar as experiências de vida com os processos educativos vivenciados, mesmo sabendo que suas intenções não foram necessariamente pedagógicas.

Percurso metodológico

A presente investigação é de natureza qualitativa, com fundamentação teórica no campo dos Estudos Culturais. O discurso dos sujeitos da pesquisa e a análise do seu contexto foram fundamentais para alcançar os nossos objetivos. Como sujeitos da pesquisa, elegemos professores da rede pública da Educação Básica, com produção e compartilhamento de conteúdo nas redes. Foram pesquisados sessenta (60) professores que se destacavam em espaços digitais e com foco educacional. Para encontrar esses sujeitos, buscamos indexadores agregadores de conteúdo educacional, como listas de blogs educativos e educacionais, portal do professor, lista de blogs, espaços em redes sociais e páginas de professores. Os elementos necessários para o perfil de nossa pesquisa foram: 1. Espaço digital com tema educacional; 2. Foco do público em professores e alunos da Educação Básica; 3. Autoria de um professor da Educação Básica da rede pública; 4. Não apresentar período de inatividade superior a 12 meses. Analisamos os espaços virtuais de 60 professores e 18 concordaram em participar da pesquisa.

Como muitos professores moravam em locais distantes, o convite para a participação na entrevista foi apresentado de diversas formas: através de Skype, Messenger, Facetime etc. Realizamos 12 entrevistas a distância e 6 presenciais (com professores de Pernambuco), totalizando 18 entrevistas. O roteiro de entrevista foi estruturado de forma bastante aberta e permitiu a inserção de comentários, críticas e sugestões dos professores. Os dados coletados foram analisados com o software Atlas TI, um software proprietário para análise de dados qualitativos. As categorias de análise das entrevistas com os professores foram as seguintes:

QUADRO 1 CATEGORIAS DE ANÁLISE 

Categoria Descrição
Formação Trajetória acadêmica e profissional dos professores.
Pontes com a
cultura digital
Elementos que estabeleçam conexões entre a formação do professor e sua trajetória pessoal para explicar o interesse e familiaridade com tecnologia em geral e, especificamente, tecnologia na Educação.
Uso das TDIC Apropriação, uso e estratégias pedagógicas com o uso das tecnologias.
Motivação Propósito, objetivos e gatilhos que fizeram o professor publicar o seu material na rede.
Processo Como foi o processo de escolha, criação e operacionalização dos espaços digitais na rede.
Resultados Descrição dos resultados alcançados pela atuação do professor na rede.
Diferencial Elementos que diferenciam os professores que estão na rede publicando, compartilhando e interagindo dos demais professores.
Cenário atual Panorama do cenário atual e ações para enfrentar as mudanças com as plataformas e a própria dinâmica da rede nos últimos anos.
Tendências Análises e perspectivas para a rede e o uso das tecnologias digitais no futuro.

FONTE: Elaboração própria, 2019.

A análise das entrevistas foi bastante interessante, porque foi possível identificar não apenas o percurso profissional ou acadêmico do professor, mas, também, o seu percurso nas redes digitais, a construção da sua identidade digital e os desdobramentos que o percurso e a construção dessa identidade provocaram na vida dos professores.

Análise dos dados

A entrevista foi pensada como um momento de diálogo, com idas e vindas nas reflexões, percepções, análises e conclusões. Para fazer com que o discurso estivesse alinhado com a prática, foram elaboradas perguntas norteadoras, abertas, flexíveis e sempre com espaço para o entrevistado se colocar, ampliando as questões ou discordando/questionando a pergunta.

A formação e o percurso profissional dos professores

A primeira pergunta da entrevista solicitava o histórico da trajetória profissional do professor, que o levou até a posição que ele ocupa atualmente. A pergunta foi construída propositadamente aberta para que o professor relembrasse os seus caminhos e refletisse sobre o seu próprio percurso. Isso não aconteceu com todos, pois alguns apenas reproduziram os dados do seu currículo, mas a maioria dos professores relatou a sua trajetória pessoal e profissional, mostrando que os entroncamentos e bifurcações entre os dois elementos são bastante frequentes e importantes. Vejamos os recortes de alguns relatos:

“Comecei com o Curso Normal, por vontade da minha mãe (pobre tem que terminar o Ensino Médio com uma formação). Só fui gostar no final do curso, com o Estágio Supervisionado, em um primeiro ano do Ensino Fundamental. Terminei o Curso Normal e comecei o curso de Pedagogia, em uma instituição privada. Durante o primeiro ano do curso, trabalhei aos finais de semana numa central telefônica, de manhã numa imobiliária e de tarde tinha um estágio pelo CIEE, atendendo alunos e professores no Laboratório de Informática. No segundo ano do curso, fui contratada pela escola, onde trabalhei até me formar, 44 horas por semana”. (SUJ03)

A trajetória profissional da professora indica uma série de atividades anteriores ou paralelas à sua formação na área de Educação. A sua proximidade com a tecnologia é resultado das circunstâncias da sua vida, e não fruto da sua inquietação como professora. A experiência em empresas privadas pode tê-la ajudado no processo de apropriação tecnológica, que foi estendida aos espaços escolares, posteriormente. É uma situação diferente do SUJ01, que fez outro percurso:

Sou professora, desde os 17 anos de idade. Fiz Magistério e, em 1996, já estava atuando em uma escola privada. Fiz Pedagogia, pois minha paixão é trabalhar com os pequenos. Durante a graduação, comecei a me interessar pela Informática Educativa, cursando disciplinas eletivas nesta área. Em 2000, entrei na Rede Pública Municipal de Educação e passei a atuar tanto em sala de aula, com os anos iniciais do Ensino Fundamental, quanto em Laboratórios de Informática. Entre 2000 e 2011 participei de duas especializações na área da Informática, além de inúmeros cursos de extensão”. (SUJ01)

É interessante como a criação dos espaços digitais, sejam eles blogs, sites, páginas etc., influenciou na mudança de vida de alguns dos nossos sujeitos de pesquisa, através de novas demandas de trabalho, criação de projetos, ingresso em programas de pós-graduação ou até mesmo na desistência da profissão de professor. Durante as respostas da primeira pergunta, muitos professores perceberam como os elementos de suas vidas pessoais estavam relacionados com a sua trajetória profissional, evidenciando as suas reflexões nas respostas, como o caso do SUJ18.

“Minha história é engraçada, pois foram justamente acontecimentos pessoais que me impulsionaram a mudar de vida, de formação e até de cidade, questões que foram fundamentais para a posição que ocupo hoje. Minha primeira formação foi Licenciatura em Matemática. A tecnologia me chegou por meio de um convite para fazer a Especialização em Informática na Educação, que seria ofertada pelo MEC, para abertura dos NTEs pelo Proinfo”.(SUJ18)

Como podemos perceber, as trajetórias dos professores são diferentes e todos encontraram pontos em comum no seu interesse pelas tecnologias na Educação. O SUJ09, por exemplo, conciliou o seu interesse por filmes, documentários etc. com as discussões sobre os problemas na Educação, criando um blog que serve como indexador de filmes em diferentes formatos, variando de propaganda, documentários e até grandes filmes comerciais. A sua trajetória e formação é completamente diferente dos outros professores entrevistados.

“Minha formação inicial foi no Direito. Depois, ingressei no serviço público na área administrativa. Quando passei em concurso para a disciplina de Direito e Legislação (Ensino Médio), descobri que não tinha o complemento pedagógico e voltei a estudar. Primeiro fiz uma pós em História do Rio Grande do Sul, que acabou me levando ao Mestrado em Letras. E, nesse meio tempo, fiz 2 pelo trabalho (TIC na Promoção da Aprendizagem e Mídias na Educação, quando trabalhei em NTE, formando professores no uso das tecnologias na Educação)”. (SUJ09)

A diversidade de cursos e aproximações com a tecnologia educacional pode justificar também a diversidade de propostas no uso dos espaços digitais na rede. Cada professor enxerga, no conceito de tecnologia educacional e nos seus dispositivos, diferentes possibilidades de apropriação que refletem o seu próprio percurso. Vejamos o exemplo do SUJ20, a seguir:

“Sou formada em Magistério e Letras, bem como em Web Design. Finalizei minha formação de informática em 2001. Tenho conhecimentos de programação (Java), expert em Photoshop, Corel, Illustrator (tudo o que se refere à parte gráfica) e fiz uma pós-graduação em Tecnologia na Educação”. (SUJ20)

Em alguns casos, a identificação e interesse com as tecnologias e suas possibilidades de uso na Educação surgiram com o próprio processo de formação durante a pós-graduação e não antes. É o caso do SUJ24, que reconfigurou o seu percurso apenas após ter concluído a pós-graduação.

“Depois de tantas idas e vindas, depois de tantos receios e medos, resolvi entrar numa Pós Lato Sensu em Educação Tecnológica (2010). O mundo começou a se abrir, pois entendi que podia juntar áreas que tanto me identificava: História, Educação e Tecnologia. Ao mesmo tempo, iniciei a graduação em Licenciatura em Computação. Este curso proporcionado pelo Programa do Governo Federal chamado PAR. Na UFRPE, 2010, comecei a aprender a caminhar nesse mundo das novas tecnologias da comunicação e informação”. (SUJ24)

A diversidade nas trajetórias de cada professor e do seu processo de formação foi tão grande que utilizamos a marcação de palavras mais frequentes, como inquietação, curiosidade, desejo de conhecer, novidades, vontade de aprender, ingresso em cursos, novos desafios etc. Reunindo os aspectos semânticos das expressões mais utilizadas, todos apresentaram um elemento em comum: a curiosidade pelo novo e a busca constante caminhos diferentes do que já haviam trilhado.

Pontes com a cultura digital

Na segunda pergunta, aprofundamos a relação entre a trajetória pessoal e profissional para justificar o interesse e familiaridade dos professores com a tecnologia. Pedimos aos professores para construir pontes e as respostas foram muito interessantes.

“Desde a infância sempre tive muito interesse por recursos tecnológicos. Aos sete anos ganhei meu primeiro videogame (um Odyssey). Aos treze anos tinha aulas de informática na escola, onde comecei aprender a programar. Na graduação, na década de 90, encontrei espaços que oportunizaram a reflexão sobre o uso pedagógico da tecnologia, ampliando minha visão sobre as possibilidades que os recursos ofereciam. Desde então esses caminhos se fundiram: minha formação e atuação sempre andaram juntas, pois acredito e vivo o uso da tecnologia na educação. Minha constituição enquanto pesquisadora se deu nesse processo... Já no trabalho de conclusão da Pedagogia, comecei a pesquisar sobre Inclusão Digital, a partir das minhas experiências em sala de aula. Acredito que minha formAÇÃO se deu na ação efetiva do uso das tecnologias.” (SUJ01)

O SUJ01 deixa muito claro que a sua história foi determinante para o uso efetivo das tecnologias em sala de aula, mas, em outros casos, a formação profissional foi determinante para que o professor seguisse nesta trajetória, como é o caso do SUJ09.

“Sempre gostei de tecnologia, desde criança. Mas acabei atuando na área, quando fiz curso primeiro para técnico em informática para atuar em NTE e, ali, em parceria com professoras da escola pública estadual onde funcionava o Núcleo de Tecnologia, coordenei projetos de informática na Educação Especial, com noções básicas a alunos cegos, surdos, deficientes mentais e altas habilidades. Projeto que foi uma experiência que me marcou profundamente e me fez decidir trabalhar na área. Em seguida, fiz duas especializações em TIC e Mídias na Educação para atuar como multiplicador na formação de professores e coordenando o NTE, dando apoio a quatro municípios da região sul do RS”. (SUJ09)

Alguns professores sinalizaram claramente que o diferencial de sua prática pedagógica existiu antes e independente do uso da tecnologia. Para eles, o foco é a melhoria da aprendizagem e não necessariamente a inovação. Esse é um dado importante, porque as formações em tecnologia para professores no Brasil sempre focam no uso das ferramentas, mas a disposição do professor em buscar caminhos alternativos e sua imersão na cultura digital são elementos muito mais determinante do que a usabilidade de ferramentas.

“Penso que buscar os mais diversos caminhos para que meus alunos aprendessem foi o ponto central que me aproximou das tecnologias digitais. Dei aula utilizando jornais, música (sempre), poesia, mapas - não consigo entender um professor de História que não os utiliza mapas - charge, filmes (sempre). Passar a utilizar as redes sociais, o Twitter e o Facebook (em uma disciplina na EAD), o blog foi um pulo”. (SUJ24)

O começo de tudo: motivações, histórias e percursos

Em relação ao início do uso das tecnologias, os relatos possuem muitos aspectos semelhantes, sobretudo em relação ao elemento surpresa com os resultados obtidos ao usar a tecnologia na aprendizagem.

“Penso que um projeto no qual eu trabalhei na rede estadual chamado Travessia (Telecurso 2000) me estimulou a utilizar inúmeros recursos na sala de aula. Jornais, pinturas, trabalhos manuais em grupo, leitura de imagem e representação do que se tinha entendido, fala, escuta, representação, dinâmica, jogos, poesia, cordel. Hoje vejo que o não me acomodar com a mesmice dos recursos, que podem facilitar o aprendizado, favoreceu para que compreendesse que os recursos tecnológicos podem ser incorporados na sala de aula como um potencializador, amplificador do aprender”. (SUJ24)

Outro aspecto interessante é que nem todos os professores perceberam imediatamente o potencial do uso das tecnologias. Para alguns, foi um processo que se desenvolveu ao longo dos anos.

“No início, nos primeiros cinco anos, via a tecnologia como um recurso para potencializar os conteúdos do currículo. Só percebi as potencialidades da tecnologia para educação, de forma diferente, quando fui trabalhar numa escola de periferia, onde o acesso à informação tinha outro sentido, onde aprender a usar um editor de texto era um recurso que podia gerar uma oportunidade de trabalho para o estudante, ou mesmo para elaborar um currículo”. (SUJ03)

Podemos identificar alguns pontos de ruptura que foram ocasionados por diferentes elementos: para alguns, foi o contexto social; para outros, foi a questão da aprendizagem ou até mesmo a ruptura em função da insatisfação com materiais utilizados.

“Desde que entrei na educação notei que faz falta um material didático e complementar, rico, interessante, que prenda os alunos à matéria ensinada. Senti muita falta na minha área, e sinto ainda hoje. A tecnologia é uma ferramenta que, quando bem usada, é uma grande aliada aos professores em sala de aula e fora dela”. (SUJ19)

O importante para a nossa análise é que os pontos de ruptura estiveram presentes em todos os relatos dos professores e a tecnologia foi utilizada como um elemento de mudança. O passo seguinte foi compreender quais as motivações dos professores para a criação dos seus espaços digitais e que processos foram utilizados. O relato dos professores foi surpreendente e inesperado: encontramos elementos para a motivação, desde o desejo de ter voz e espaço para se colocar, até sentimentos menos nobres como a vaidade e o egoísmo. A necessidade de voz e diálogo esteve presente explicitamente na fala dos sujeitos 24 e 18, como podemos ver a seguir:

“Penso que a internet é mágica em relação a muitas questões: uma delas é proporcionar ao ‘anônimo’ a colocação no mundo. Ou seja, você pode, de qualquer lugar do mundo, com qualquer aparelho e internet, criar o seu espaço de diálogo. Sempre achei isso mágico e fascinante. Portanto, ter um instrumento em que posso me colocar, defender o que penso, e compartilhar com quem quiser meu conhecimento, é sem dúvida a luta por um espaço de fala. Sobretudo em um país altamente desigual, sobretudo no monopólio da informação por parte da grande mídia”. (SUJ24)

“Acho que o desejo de poder ler e ser lido, de ouvir e ser ouvido. De ter voz e vez...” (SUJ18)

A busca pelo compartilhamento e aprendizagem esteve presente na maioria das falas dos sujeitos entrevistados, todos eles preocupados com a colaboração em rede.

“No início, foi pelo retorno dos pais dos estudantes, primeiro com o falecido Orkut, depois com o primeiro blog, em 2003, para criação de uma história coletiva. Mas foi com a participação no grupo de blogs educativos e nas comunidades de Software Livre que percebi que poderia existir uma rede de colaboração, que partilha de informações me fazia aprender mais”. (SUJ03)

“Meu principal objetivo foi criar uma pequena rede social educacional, via blog e perfis no Twitter e Facebook, para trocas de ideias, experiências, descobertas, divulgando projetos próprios e de terceiros, como motivação de colegas e possibilitando mostrar aos meus seguidores que a educação pode propositiva, criativa e inovadora, através de ideias simples, pois a simplicidade é que permite a continuidade das ações...” (SUJ09)

Alguns revelaram as suas motivações pessoais que, embora possam ser associadas ao egoísmo (verbalizado durante a entrevista), vaidade ou interesses comerciais, foram transformadas ao longo do tempo, o que nos leva a supor que a rede opera nos dois sentidos: quem está navegando com autoria e compartilhamento influencia e é influenciado o tempo todo.

“Puro egoísmo. Parece incoerente, mas sempre publiquei para mim. Nunca imaginei que outras pessoas pudessem se interessar pelo que eu escrevia. Comecei a publicar para poder acessar minhas ideias em qualquer lugar, isso num período em que não tínhamos nuvens e eu transitava muito por diferentes espaços geográficos. Também, sempre gostei de escrever. Tenho um prazer enorme na escrita. E, depois, foi a tomada de consciência de que as pessoas não tinham a mesma facilidade que eu tinha em escrever e compartilhar minhas experiências. Estes três fatores me levaram a continuar postando. Além das experiências colaborativas que tive ao longo da vida, que fizeram eu acreditar que valia a pena continuar”. (SUJ01)

“A princípio, até a montagem da loja, tinha a vontade de mostrar que sou diferente, que os materiais de sala de aula devem ser inteligentes e não "mais do mesmo". Compartilhamento e colaboração vêm com um preço. Para manter todo o seu trabalho na internet é preciso que você tenha um salário e só é possível construir tudo isso quando se torna um negócio, embora meu negócio se encaixe na tendência de economia compartilhada”. (SUJ20)

Embora a motivação comercial esteja presente na minoria dos entrevistados, é importante considerá-la, para a nossa compreensão a respeito das características das narrativas digitais dos professores que encontramos em seus espaços na rede.

Os processos e os resultados

Em relação aos processos para a elaboração dos seus espaços, observamos que os professores vivenciaram percursos semelhantes para estruturar os seus espaços. A ideia presente em todas as respostas é organização e compartilhamento, como vemos nos dois relatos a seguir.

“O processo foi o de criação de um site onde pudesse organizar e disponibilizar todos os meus trabalhos e publicações, de modo gratuito, para quem tiver interesse em desenvolver atividades com o RPG em sua sala de aula”. (SUJ02)

“Primeiro ter um "lugar" para organizar os materiais, ainda que não use meu blog com muita frequência, os registros não se perdem como nas redes sociais. Segundo, para compartilhar, contribuir com outros professores, assim como tantos outros espaços virtuais de professores que fazem a mesma coisa me ajudam”. (SUJ03)

Ficou evidente no relato dos professores que o processo de publicação e manutenção dos espaços é trabalhoso e exige um tempo de dedicação considerável. Diante de tanto esforço, será que os professores consideram positivo o resultado do seu trabalho? As respostas não foram unânimes, pois cada professor tem uma percepção diferente sobre os resultados de sua ação. Predominou a avaliação de um resultado parcialmente positivo e uma certa decepção com o alcance e o poder de transformação efetivo da rede.

“Em partes sim, conheci muita gente boa, que efetivamente colaborou com a minha formação. Mas nem sempre consigo interagir nos espaços virtuais como gostaria. Pesquisar Educação a Distância não me faz ser uma boa professora virtual. É preciso muito esforço para existir no ambiente virtual, para ser presente, para que os estudantes saibam quem é você”. (SUJ03)

Outros foram mais otimistas e fizeram uma avaliação positiva dos resultados de suas ações na rede, principalmente em relação ao contato com outras pessoas e à capacidade de influência que exercem na rede.

“Sim. Não apenas acredito como digo que ultrapassou a minha expectativa, pois imaginava ter um blog e perfis em redes sociais para agregar apenas colegas, amigos e conhecidos. Hoje o Educa Tube Brasil tem mais de 1.800.000 de visitas. No Twitter, tem mais de 4 mil seguidores e, no Facebook, também mais de 4 mil. Porém, mais que quantidade, o que me chama a atenção é justamente a qualidade das interações, de pessoas que nem conheço compartilharem comigo não apenas suas descobertas como suas reflexões. Muitos educadores já me enviaram mensagens dizendo que utilizaram diversas de minhas postagens em suas aulas, o que me fez manter ativo o blog, mesmo em pleno doutorado, que exige demais de um pesquisador, ainda mais quando da escrita da tese, em processo final”. (SUJ19)

Apenas dois sujeitos avaliaram negativamente os resultados de suas ações na rede e, curiosamente, um deles possui uma grande audiência, com muitos comentários registrados na sua página. O teor da resposta nos leva a concluir que o professor tem expectativas bem diferentes dos seus pares, em relação aos resultados que deseja alcançar. O outro professor avaliou negativamente, porque os seus alunos não reagiram como ele esperava inicialmente.

O diferencial

Buscamos questionar os professores sobre o seu diferencial no trabalho como usuários das tecnologias digitais e as respostas, mais uma vez, ficaram divididas entre os que acreditam que possuem um diferencial e que efetivamente melhoraram as suas práticas em sala de aula e os que não viram nenhuma diferença entre o seu trabalho e o dos colegas.

“Nem sempre. Atualmente trabalhando com o quarto ano do Ensino Fundamental, numa escola pública, me sinto impotente. A sala de informática fica fechada, os alunos só usam no meu dia de planejamento com a professora que me substitui e usam para jogar. Acredito que seja importante para as crianças jogarem, terem acesso a jogos educativos, se divertirem, considerando que a maioria não tem computador em casa. Mas a parte da produção, da construção de pesquisa, produção de textos, desenhos, histórias que poderiam oportunizar outro tipo de experiência com as tecnologias, não existe”. (SUJ03)

O SUJ09 não acredita que possua algum diferencial em relação aos colegas. O sentimento de frustração, indiferença e dificuldade de execução das propostas surgiu nos comentários, tanto entre os que acreditam no seu diferencial quanto nos que não percebem vantagens no seu trabalho.

“Acredito que sim, pois foi graças ao uso das tecnologias digitais, primeiro na área da educação e depois utilizando tais ferramentas como blog e perfis em redes sociais noutras áreas como da arte e cultura e da literatura, em especial, que passei a ter maior visibilidade e poder interagir com um grande número de pessoas. Assim como tenho consciência que influencio alguns colegas, sou também influenciado por eles, quando me indicam materiais preciosos que não teria tempo de descobrir por minha conta”. (SUJ09)

Em alguns relatos ficou evidenciado o peso que alguns professores sentem por não se sentirem apoiados e acompanhados por seus colegas, nas ações dentro da escola. É interessante observar, no discurso deles, a satisfação pelo diálogo com outras pessoas que estão na rede, porque elas possuem as mesmas dificuldades, angústias e estão abertas a esse diálogo e à troca de soluções e informações.

“Sim. Infelizmente, em 2016, o uso das tecnologias digitais não é uma realidade nas salas de aula da rede pública de ensino no meu município. Apesar das minhas escolas terem lousa digital, internet wifi, tablets, sala de informática, o uso fica restrito. Os professores, de um modo geral, ainda apresentam as inseguranças e resistências de três décadas atrás. Muitas vezes me sinto uma ilha, especialmente na escola onde sou professora de informática, pois se eu não fomentar, incentivar e subsidiar o uso, nada acontece”? (SUJ01)

Isso é importante, porque mostra que a rede, seja digital ou presencial, tem um papel fundamental na conexão entre as pessoas. Os professores podem se sentir isolados ou como uma ilha, como disse um deles, mas, nos espaços digitais, eles se sentem acolhidos, compreendidos e participantes de algo maior, que extrapola o espaço físico do seu local de trabalho e as dimensões limitadas de sua atuação docente.

O reconhecimento

Em relação ao reconhecimento do seu trabalho por colegas de trabalho, pais e alunos, as respostas foram unânimes: todos possuem a percepção de que seu trabalho é reconhecido, principalmente pelos alunos. O SUJ01 relatou de forma brilhante a relação dos seus alunos:

“Sinto o reconhecimento do meu trabalho. Todos valorizam e se interessam pelo que eu faço. Porém, os colegas acham tudo muito difícil e preferem delegar para mim tudo que se refere ao uso das tecnologias. Apesar de gostarem de conversar sobre as novidades tecnológicas, por exemplo, o seu uso fica no âmbito pessoal, não avançando profissionalmente. Em compensação, os alunos são meus maiores parceiros. Fazemos descobertas diariamente. Consegui estabelecer uma relação de respeito e confiança com as crianças (meus alunos têm entre 6 e 11 anos). Meu aluno Heitor, do 5º ano, resume muito bem nossa relação:

Heitor - Profe, tu confia em nós, né?

Eu - Por que tu acha isso?

Heitor - Porque tu dá umas coisas difíceis pra gente fazer e tu sabe que a gente vai conseguir”. (SUJ01)

O reconhecimento pode ser interpretado como positivo em perspectivas diferentes. Para alguns, poderia ser o reconhecimento profissional, com promoções na carreira ou com posições de destaque. Outra possibilidade é o reconhecimento que resulte em recompensa financeira, com aumento de salário, contratos com empresas, etc. No caso dos nossos entrevistados, o reconhecimento dos seus alunos foi o elemento considerado mais precioso, independente de resultar em melhoria na aprendizagem ou não. Os professores relataram a melhoria na sua relação com os alunos, na motivação da turma e na boa receptividade de suas ideias e ações. Vejamos outro exemplo:

“O que sinto é que nos aproximamos mais dos estudantes quando estamos no mesmo nível da cultura digital que eles. Posso até não jogar, não conhecer um aplicativo, mas como tenho um domínio mais amplo e denso sobre a rede, não me inibo nas conversas e trocas de experiências. Em relação aos colegas parece que continuo falando outra língua”. (SUJ24)

O reconhecimento na perspectiva financeira apareceu em apenas um comentário, assim mesmo sem ser apontado como um fator desestimulante ou um objetivo a ser alcançado.

A análise do contexto atual

Na parte final das entrevistas, perguntamos aos professores sobre a análise que eles faziam do uso das tecnologias e das ferramentas mais utilizadas pelos professores, no contexto atual; sobre as suas preocupações; e sobre as tendências que poderiam surgir nos próximos anos. Surpreendentemente, foi a parte da entrevista na qual eles foram mais críticos e incisivos em suas repostas. Todos os professores criticaram a atuação dos professores no uso das tecnologias. As críticas enfocaram desde a falta de uso por desconhecimento até o uso inadequado ou limitado. Um dos sujeitos entrevistados, com mais de 20 anos de experiência em Educação, afirmou que nunca encontrou um grupo significativo de professores engajados no uso das tecnologias.

“Estou passando por uma fase pessimista... logo, minhas perspectivas não são nada positivas. Depois de mais de vinte anos atuando na Educação, usando e pesquisando tecnologia, tenho observado grandes retrocessos em todas as áreas. Como relatei anteriormente, tenho observado que ainda há inseguranças e resistências por parte dos professores. E, apesar dos avanços em relação ao acesso, parece que pioramos na utilização. Percebo que os professores que usam as tecnologias procuram ferramentas mais voltadas para o conteúdo. E temos uma abundância de empresas vendendo isso hoje em dia, com Portais que oferecem conteúdo “multimídia”, recheados com atividades de múltipla escolha, que reforçam uma pedagogia positivista. As redes sociais são encaradas como vilãs, sendo negligenciadas ou subutilizadas. Assim como os dispositivos móveis. Temos alguns professores ousados, mas são uma minoria. Mas pensando bem... parece que sempre foi assim. Nunca tivemos um grande grupo de professores engajados no uso das tecnologias. Sempre há aqueles que se interessam, ousam experimentar, assim como sempre há os que não acreditam ou preferem manter suas práticas. Apesar disso, tenho percebido um novo movimento em direção a programação. Muito tímido dentro das escolas, mas com potencial de crescer...” (SUJ01)

Apesar de se considerar pessimista, a nossa entrevistada finaliza a sua resposta com uma frase esperançosa que reflete muito mais o seu desejo de ver a tecnologia realmente inserida nas escolas do que o resultado de sua vivência.

Outra análise interessante surgiu com a professora que considerou diferentes contextos, não apenas a sua experiência em sala de aula, mas também considerando a participação dos professores no seu espaço virtual. A dificuldade dos professores em comprar os materiais vendidos no seu site foi considerada um exemplo do nível de apropriação tecnológica e letramento digital dos seus leitores:

“É muito discrepante o uso de estado para estado, cidade para cidade, até escola para escola. Não adianta a escola adotar tecnologia se o professor não ficar aberto a ela. Ainda estamos muito longe de um bom desempenho nesta parte e depende mais do professor do que de qualquer outra coisa. Há professores que entram na minha loja, por exemplo, e me enviam mensagens do tipo: faz um orçamento dos materiais e me manda, que faço um depósito para você. Imagine só que tenho mais de 600 títulos, de infantil até nono ano e que as compras são feitas somente na loja virtual. Muitos não sabem nem que aquilo é uma loja, embora eu a mantenha padrão, exatamente para não haver dúvida. Imagine que este professor nunca fez uma compra online, provavelmente. Como seria a relação dele com a tecnologia? Entende onde quer chegar? Não há relação e isso é preocupante. Certamente há escolas avançadas, nas quais os professores usam tablets (ainda não da maneira correta) e outros recursos como robótica e Arduíno, mas ainda longe da realidade total do país”. (SUJ20)

Os professores não restringiram suas análises apenas ao uso da tecnologia em sala de aula. Também encontramos reflexões importantes sobre a capacidade de compartilhamento e autoria nas redes, mesmo entre aqueles professores que usam ferramentas digitais específicas para as suas disciplinas, mas que não conseguem ir além disso.

“Percebo que os professores utilizam mais as tecnologias. Os de Matemática, por exemplo, incorporaram alguns programas como Geogebra em seu cotidiano. Na Gerência de Ensino Médio, houve várias formações para professores, com o Geogebra. No geral, observo o uso de vídeos do Youtube, músicas, slides (Power Point, preponderantemente). Poucos conhecem e utilizam o Prezi (falo dos professores formadores da Secretaria de Educação). Não vejo nos momentos de compartilhamento das experiências exitosas das escolas, a utilização de jogos, celular, redes sociais, vídeos criados com celular, aplicativos, REA, Moodle, ou outros recursos”. (SUJ24)

O SUJ09 identificou diferentes níveis de apropriação entre os professores (incluindo os seus leitores) e ressaltou a importância da autoria e criatividade e a necessidade continuidade das ações. É muito importante ressaltar que os professores ampliaram as suas análises, quando usaram, além da sua vivência em sala de aula e com os colegas, a sua experiência com os seus leitores, seguidores e visitantes.

“Vejo que existem três grupos de professores atuando com as tecnologias na educação: os iniciantes, que tentam usar estas ferramentas espelhados no que outros colegas fazem; aqueles que produzem um material autoral; e os que procuram ser inovadores, no sentido de incorporar as novas tecnologias dentro de novas metodologias. Não apenas o novo, pela novidade, mas pela transformação das relações entre professor e aluno, através da coautoria, da criatividade, da sustentabilidade e continuidade de ações”. (SUJ09)

A crítica ao uso das tecnologias não foi restrita aos professores da Educação Básica. Os professores e formadores da modalidade a distância também foram lembrados na análise dos professores, indicando que os problemas em relação ao processo de consolidação da cultura digital não é exclusividade de um grupo ou nível de ensino. “Na EAD também, tem muitos professores que deixam a parte das ferramentas do Moodle para os tutores organizarem. São poucos os professores que têm independência no uso das ferramentas” (SUJ03).

As críticas que os professores fizeram aos colegas, em relação ao uso das tecnologias e ao próprio sistema que não facilita ou incentiva de forma efetiva o seu uso, estão muito alinhadas com alguns estudos acadêmicos mais recentes, embora não ratifiquem os relatórios mais amplos que indicam um crescimento significativo nas práticas dos professores com o uso de tecnologias em sala de aula.

A perspectiva para o futuro

Na última pergunta da entrevista, pedimos aos professores entrevistados que projetassem um cenário para o futuro, descrevendo as tendências que eles vislumbravam para o uso das redes como espaços de democratização do conhecimento e acesso à informação. As respostas foram bastante pessimistas, mas retrataram exatamente as preocupações que os maiores pensadores da cultura digital vêm expressando nos últimos anos. A preocupação com a violência, falta de privacidade, desigualdade, consumo, etc. foi recorrente em todos os relatos.

“Me preocupa a vigilância da internet, a censura, o controle. A tecnologia em si não me preocupa, é resultado da nossa época, mas a produção de desigualdades que pode ser facilmente visualizada na internet com os discursos de ódio, a incapacidade de interpretação de textos, a seleção de postagens que constituem os grupos sociais são para além da tecnologia. A tecnologia nos faz perceber isso sem sair de casa, mas a desigualdade social é um sintoma da nossa sociedade que para mim está doente. O bom uso da tecnologia da internet é um item, mas não o principal para que ela seja bem aproveitada pelas pessoas. Uma consciência crítica, cidadã e participativa na esfera pública é construída primeiro no presencial”. (SUJ03)

A preocupação com o uso da tecnologia na perspectiva do consumo também apareceu na fala dos entrevistados e, mais importante ainda, a questão da mudança nos percursos metodológicos e pedagógicos. A proposta de caminhos alternativos é diferenciada, pois temos professores que acreditam no ensino de programação como uma estratégia válida e outros acreditam na tecnologia móvel como um diferencial para o futuro.

“Vejo que nos tornamos grandes consumidores: das novidades tecnológicas, dos novos equipamentos, novos aplicativos etc. Isso me preocupa: professores e alunos vêm consumindo tecnologia indiscriminadamente, sem clareza nos seus objetivos ou potencial pedagógico. Na contramão, temos o movimento a favor da programação. É a luz que vejo no final do túnel. É um caminho para superarmos esta condição de meros consumidores e passarmos a sermos produtores. Tive uma grande expectativa com o movimento da web 2.0, que possibilitou que produzíssemos e publicássemos com facilidade. Só que isso não se efetivou na educação. Tenho a mesma expectativa em relação a programação... e venho investido nessa área com os meus alunos”. (SUJ01)

A preocupação com a necessidade de mudanças na metodologia utilizada surgiu de forma explícita em quase todos os relatos, sendo um elemento presente e consolidado nas análises dos professores. Os questionamentos e possíveis soluções foram muito bem construídos na fala dos nossos sujeitos.

“Minha preocupação é de quem a metodologia seja a locomotiva deste processo e que as TIC e mídias sejam os inúmeros vagões de possibilidades e não a inversão disto. O professor do século XXI precisa ser de certa forma um mídia-educador e um arte-educador, pois é uma geração audiovisual que adentra a escola, que utiliza toda essa tecnologia fora do ambiente escolar, e que dentro dele ainda sofre restrições. As tecnologias são substituídas cada vez mais rápido, mas as metodologias precisam se adequar à nova realidade que é convergente, dinâmica, interativa e móvel”. (SUJ09)

As considerações dos demais professores sobre o assunto foram praticamente idênticas. Todos consideraram que é preciso refletir e fazer alguma coisa efetiva em relação ao uso das tecnologias digitais e que a escola tem um papel essencial para estabelecer as relações do cidadão do futuro com as tecnologias em benefício da sociedade. O alerta é bem claro: se não houver uma discussão mais profunda, a escola poderá aumentar o abismo e as diferenças entre os incluídos e excluídos, entre a violência e a tolerância, entre o consumo crítico e o consumo excessivo e alienado. Ao refletirem sobre os seus espaços nas redes, os professores compreendem muito bem os desafios que estão colocados e como podem aprender, influenciar, contribuir e participar das novas configurações que as redes sociais digitais propiciam no cenário de aprendizagem do século XXI.

Considerações finais

As entrevistas mostraram que os professores apresentam percursos bastante variados na sua formação e no uso das tecnologias digitais. A inquietação e desejo de construir novos caminhos são elementos comuns a todos. Os professores apresentam dificuldade em refletir a sua própria prática na rede e frequentemente afirmam coisas que não praticam, evidenciando que o discurso não é traduzido na prática na maioria dos casos. Porém, ao analisarem o contexto do seu trabalho nas escolas e a prática de outros professores em relação ao uso das tecnologias, eles são críticos e precisos em suas afirmações.

O mais importante na conclusão desta pesquisa é a consolidação de percursos acadêmicos já realizados e a indicação de novos caminhos que precisam ser seguidos. A pergunta que esteve presente durante todo o período de análise dos dados foi: por que os gestores das políticas públicas de formação tecnológica para os professores não escutam os professores? Como disse um dos nossos sujeitos de pesquisa, existem muitas realidades distintas e temos a clareza de que todas precisam ser atendidas. A proposta de uma aprendizagem única, com seu modelo homogêneo, nunca funcionou para as crianças e jovens e, certamente, não funciona para os professores.

Este estudo mostra que o professor precisa de seu espaço de fala, de participação e de contribuição efetiva com a Educação. Todos têm histórias para contar, seja sobre a sua prática, sobre seu trajeto na vida ou sobre a sua percepção de mundo. Ouvir e compreender os professores, em todas as suas dimensões, traz respostas mais elucidativas que a busca incessante da confirmação de nossas teorias, nas quais os sujeitos de pesquisa são apenas o meio para obter os resultados. Uma boa pesquisa é aquela que não nos ensina apenas sobre o campo pesquisado, e sim aquela que nos ensina mais sobre nós mesmos.

1Pesquisa financiada com recurso da Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior (CAPES) obtido através de edital.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 01 de Agosto de 2020; Aceito: 09 de Setembro de 2020

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