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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.36  Curitiba  2020  Epub 02-Dic-2020

https://doi.org/10.1590/0104-4060.77554 

DOSSIÊ - Processos de privatização da educação em países latino-americanos

O curso Gestão para Aprendizagem da Fundação Lemann como processo de institucionalização do gerencialismo nas escolas de educação básica alagoanas: implicações para a democratização da educação

Vera Maria Vidal Peroni* 
http://orcid.org/0000-0001-6543-8431

Cristina Maria Bezerra de Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0002-6221-646X

*Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: veraperoni@gmail.com – E-mail: cristina.bezerra@uneal.edu.br


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as relações entre o público e o privado, mais especificamente a privatização na educação, por meio da parceria da Secretaria de Estado da Educação de Alagoas (Seduc/AL) com a Fundação Lemann - curso Gestão para Aprendizagem, direcionado aos gestores escolares, com foco na gestão de resultados, reforçando o modelo gerencial de gestão na escola e as implicações para a democratização da educação. Analisamos a relação público e privado na educação como parte de um processo de correlação de forças que ocorre na sociedade, não apenas como propriedade, mas como projetos societários em disputa, tanto no Estado, quanto na sociedade civil. O privado não é uma abstração, nossas análises apontam para redes de sujeitos individuais ou coletivos (THOMPSON, 1981) que se relacionam e defendem projetos com interesses de classe, vinculados ao mercado e/ou ao neoconservadorismo. A pesquisa é qualitativa, com análise documental do material das aulas do curso Gestão para Aprendizagem, vídeos e planilhas padronizadas. Os dados coletados nos levaram a identificar a ênfase na gestão gerencial, em detrimento da gestão democrática, como parte do pressuposto neoliberal de que o público vai mal e o mercado tem que ser o padrão de qualidade, nos permitindo afirmar que a gestão gerencial tem assumido a direção das escolas públicas de Alagoas, com a imposição de ações padronizadas e rotinas pré-estabelecidas, retirando da escola sua autonomia administrativa e pedagógica.

Palavras-chave: Gerencialismo; Parceria público-privada; Fundação Lemann; Rede Estadual de Alagoas; Curso Gestão para Aprendizagem; Gestão de resultados

ABSTRACT

This article aims to analyze the relationship between the public and the private, more specifically privatization in education, through the partnership of Seduc / AL. with the Lemann Foundation Course on Managerialism for Learning aimed at school administrators with a focus on Managerialism Based on Performance, reinforcing the managerial management model in schools and the implications for the democratization of education. We analyze the public-private relationship in education as part of a process of correlation of forces that occurs in society, not only as property, but as disputed corporate projects, both in the State and in civil society. The private is not an abstraction, our analyses point to networks of individual or collective subjects (THOMPSON, 1981) that relate and defend projects with class interests, linked to the market and/or to neo-conservatism. The research is qualitative, with documentary analysis of the material of the lessons of the Course on Managerialism for Learning, videos, and standardized spreadsheets. The data collected points to an emphasis on managerialism as part of the neoliberal assumption that the public is doing poorly and the market has to be the standard of quality. Managerialism has taken over the administration of public schools in Alagoas, with the imposition of standardized actions and pre-established routines, removing from these their administrative and pedagogical autonomy.

Keywords: Managerialism; Public-private partnership; Lemann Foundation; Course on Managerialism

Introdução

O tema deste artigo é a privatização na educação, quando, segundo Rikowsky (2017), não ocorre a mudança de propriedade, a escola permanece pública, no entanto, é o setor privado que assume o seu controle e define o seu conteúdo. Abordaremos a materialização desse processo na parceria entre a Secretaria Estadual de Educação de Alagoas (Seduc/AL) e a Fundação Lemann (FL), por meio do Programa Formar, que tem como uma de suas frentes de atuação o curso Gestão para Aprendizagem. A FL tem uma proposta de gestão para resultados que está inserida em uma concepção de gestão gerencial, diversa da proposta constitucional de gestão democrática.

Este artigo tem como base pesquisas que apresentam como tema a relação entre o público e o privado e as implicações para a democracia, pois entendemos que a educação exerce importante papel na construção de uma sociedade democrática. Neste sentido, ressaltamos que a democracia é entendida não como uma abstração, mas como a “materialização de direitos em políticas coletivamente construídas na autocrítica da prática social” (PERONI, 2013, p. 1021). Este conceito de democracia é importante para discutirmos o material padronizado e replicável que chega nas escolas via parcerias com instituições privadas e, no caso deste artigo, mais especificamente a Fundação Lemann.

Outro ponto teórico-metodológico de análise em nossas pesquisas é que os processos de privatização do público ocorrem via execução e direção, em que o setor privado opera diretamente na oferta da educação, ou quando a atuação do privado ocorre na direção das políticas públicas ou das escolas, sendo que a propriedade permanece pública. Neste sentido, a relação público-privada tem como concepção não apenas a propriedade, mas também os projetos societários em disputa em uma perspectiva de classe (PERONI, 2018). No caso brasileiro, é importante, ainda, ressaltar que essa relação não inicia nesse período particular do capitalismo; historicamente, foram muito tênues as linhas divisórias entre o público e o privado (PIRES; PERONI, 2019).

As pesquisas demonstram, ainda, que parcerias com instituições privadas trazem projetos que são padronizados em aulas prontas e formação de professores (ADRIÃO; PERONI, 2011; CARVALHO, 2018; CAETANO, 2018; PERONI; COMERLATTO, 2017). O material padronizado e replicável é utilizado para o controle através do monitoramento, o que provoca um processo cada vez maior de alienação do trabalho docente. O professor recebe o material pronto; ele não deve mais ser um intelectual que produz o conhecimento, o que tem profundas implicações para a democratização da educação.

O texto está dividido em duas partes. A primeira trata da gestão gerencial como parte da proposta de privatização na educação (RIKOWSKI, 2017), no contexto do novo neoliberalismo (LAVAL; DARDOT, 2017) e das reformas de segunda geração, que têm como base o Estado empreendedor (PUELLO-SOCORRÁS, 2008). A segunda parte do texto trata da Fundação Lemann, como se materializam as propostas de gestão gerencial na parceria, por meio do conteúdo da proposta do curso Gestão para Aprendizagem, na rede pública de educação básica de Alagoas.

Gestão gerencial como parte da proposta de privatização na educação, no contexto do novo neoliberalismo e das reformas de segunda geração que têm como base o Estado empreendedor

Rikowski (2017) ressalta que existem duas formas básicas de privatização. A privatização da educação, que se refere à propriedade e trata da conversão da receita do Estado em lucro privado, e a privatização na educação, que se refere a formas de controle sobre a educação por parte das empresas. Para o autor, a “privatização na educação não é essencialmente sobre educação. Trata-se do desenvolvimento do capitalismo e do aprofundamento do domínio do capital em instituições específicas (escolas, faculdades, universidades etc.) na sociedade contemporânea” (RIKOWSKI, 2017, p. 395). O gerencialismo em nossas pesquisas é parte da privatização na educação por dentro das instituições públicas.

Tratamos a privatização, também, como parte das redefinições do papel do Estado, que reorganiza as suas fronteiras entre o público e o privado. Para Wood (2014), o Estado nacional no período de financeirização tem um papel ainda mais importante para o capital do que tinha antes, análise contrária ao Estado mínimo, o diagnóstico neoliberal de que a crise está no Estado e o mercado é parâmetro de qualidade.

Para Puello-Socorrás (2008), o neoliberalismo iniciou como um projeto de renovação do liberalismo que foi transformado em um sistema político institucional. Elementos do projeto inicial foram relegados, mas desde o início há um antidemocratismo natural com as regras de mercado orientando as políticas dos governos.

Lo que caracteriza la economía del neoliberalismo no es la pasividad de la esfera política, su carácter mínimo, su encogimiento; más bien al contrario, se trata de la constancia de un intervencionismo gubernamental productor de un orden nuevo. Este intervencionismo especial debe ser entendido como lo que es: un conjunto de políticas condicionadas y condicionantes, dependientes y creadoras de un sistema (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 55).

Para o autor, a institucionalização do novo neoliberalismo tem várias dimensões: a dimensão política, que envolve a concepção de Estado empresarial e governança corporativa; a dimensão econômica, que compreende a financeirização, a desassalariação e as reformas pensionistas; e a dimensão cultural, que propõe uma cidadania corporativa, a despolitização e dessolidariedade. E destaca que o foco principal desse processo de institucionalização é o empreendimento.

Estas tentativas al unísono pretenden la utilización de las herramientas gerenciales originadas o provenientes de la administración privada en el manejo de los asuntos públicos (algunos enfoques sin hacer ningún tipo de distinción entre las dimensiones públicas y privadas; otros, con algún tipo de matización) de tal modo que se pueda construir una gobernanza neoliberal (emprendedora) a la medida de sus intereses y, por supuesto, enarbolando al Mercado como el paradigma exclusivo en la producción de “lo social” (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 110).

Para o autor, a reforma estatal proposta pelo novo neoliberalismo é parte das propostas de segunda geração do Consenso de Washington, que têm como foco o protagonismo das organizações não governamentais (ONGs) e o papel do empreendimento:

Programas en relación con la “auto-suficiencia financiera” del emprendimiento regulada por los Gobiernos pero, esta vez, en manos de la banca comercial no convencional, es decir, Organizaciones No Gubernamentales del sector en lo que se denomina: “Fondos Financieros Privados” (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 103).

A proposta desvincula o público do estatal, propondo espaço público não estatal onde Estado e mercado sejam compatíveis e amigáveis (Market friendly policies), sejam concorrentes complementares. Para isto é necessário aprofundar a lógica mercantil no terreno do aparato estatal e na totalidade do social. O autor critica esta proposta e adverte que atinge todas as relações econômicas, políticas e sociais:

Esta forma pública no-estatal de intervención institucional, por supuesto, tiene grandes implicaciones. Pero, seguramente la más arquitectónica es su pretensión de profundizar la univocidad de la lógica mercantil en el terreno del aparato estatal y en las relaciones políticas que estructuran la totalidad de “lo social” actualmente (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 108, grifo nosso).

É importante lembrar que o Brasil já materializava essa proposta em 1995, com o Plano Diretor da Reforma do Estado no Brasil, aprovado durante o governo Fernando Henrique Cardoso. As políticas sociais foram consideradas serviços não exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade pública não estatal ou privada, não pertencendo mais ao núcleo estratégico. Portanto, devem ser exercidas pela sociedade através da privatização de distintas formas: privatização, que é a passagem dos serviços lucrativos para o mercado; terceirização, que é o processo de transferência para o setor privado de serviços auxiliares ou de apoio; e publicização, que é a “transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (PEREIRA, 1997, p. 7-8).

O plano propunha, ainda, a administração gerencial baseada em princípios gerencialistas e da constituição de “quase-mercados” (PEREIRA, 1997, p. 8). É o que o autor chama de governo empresarial, que já não executa políticas públicas que materializam direitos, mas atende ao cliente: “El mercado - no el Estado ni el Gobierno - es quien mejor asigna los recursos; y, únicamente los individuos son quienes pueden ser ‘los mejores jueces de su propio bienestar’ dado que en su papel de clientes ‘conocen lo qué es importante’” (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 112).

Laval e Dardot (2017) também tratam desse momento particular do capitalismo destacando a retirada do papel do Estado para com as políticas sociais com profundas implicações para a democracia.

O novo neoliberalismo é a continuação do antigo de maneira pior. O marco normativo global que insere indivíduos e instituições dentro de uma lógica de guerra implacável, reforça-se cada vez mais e acaba progressivamente com a capacidade de resistência, desativando o coletivo. Esta natureza antidemocrática do sistema neoliberal explica em grande parte a espiral sem fim da crise e o aceleramento diante de nossos olhos do processo de desdemocratização, pelo qual a democracia se esvazia de sua substância, sem que se suprima formalmente (DARDOT; LAVAL, 2019, p. 11).

Para os autores, a crise existe, é estrutural, no entanto, ao invés de se fragilizar com a crise, o neoliberalismo se fortalece e avança nas restrições dos gastos estatais para com as políticas públicas:

[...] el sistema está en crisis y su crisis es tan crónica como total, se extiende a todos los aspectos de la realidad puesto que la lógica neoliberal no deja a salvo a ninguna dimensión de la existencia humana. Pero la fórmula significa también que el sistema se alimenta de la crisis y que se refuerza mediante la crisis [...] obligan a los gobiernos a someterse a las consecuencias de las políticas anteriores que ellos mismos han llevado a cabo (LAVAL; DARDOT, 2017, p. 31).

Não é sem razão que ressurge esse modelo de gestão para a educação, na verdade, o que se quer é uma forma para controlar as ações da escola, haja vista que estas também estão sendo concebidas, externamente, como aponta Puello-Socorrás (2008):

La mercantilización de los asuntos públicos trae, por una parte, el “adelgazamiento” y la reducción sistemática del aparato estatal (en su carácter empírico y cuantitativo) y, por otra, el aumento de la contratación externa o “por fuera del Estado” (contracting-out) mediante la reiteración de mecanismos como dijimos, del tipo outsourcing y complementarios (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 114-115).

Clarke e Newman (2012, p. 355) situam o conceito de estado gerencial: “Falamos a respeito de um estado gerencial porque queríamos localizar o gerencialismo como uma formação cultural e um conjunto distinto de ideologias e práticas que formavam um dos sustentáculos do novo acordo político que vimos emergindo”. Para os autores, a questão central era:

Romper e redesenhar o acordo político-econômico entre capital e trabalho, seja aquele inscrito no próprio estado de bem-estar, seja nas tradições de negociações salariais tripartite entre sindicatos, patrões e o estado. O que ocorreu a seguir incluía uma nova ênfase sobre abordagens mercadocêntricas, com um retorno à contratualização, separação comprador-fornecedor e mercados internos ou quase-mercados; uma economia mista emergente de prestação e financiamento de serviços; um processo complexo de reestruturação e desregulação da força de trabalho; e um privilegiamento retórico subsequente do cliente ou consumidor de serviços públicos (Clarke et al., 2007). Estas mudanças eram apoiadas tanto por uma crença ideológica no poder da gestão para produzir mudanças transformadoras como a dispersão do poder do estado para um quadro de agentes gerenciais empoderados (CLARKE; NEWMAN, 2012, p. 357-358).

O conceito de estado gerencial, para os autores, envolve o gerencialismo como ideologia e a gerencialização como o processo de estabelecimento de autoridade gerencial sobre os recursos corporativos (materiais, humanos ou simbólicos). O gerenciamento fornece coerência ideológica e organizacional para as reformas do Estado que, para os autores, são aparelhos de responsabilização e avaliação. O gerencialismo é essencial para o projeto de reforma, mesmo onde os serviços públicos não foram totalmente privatizados era exigido que tivessem um desempenho como se estivessem em um mercado competitivo.

A dispersão do Estado é a base para o gerencialismo. Ela ocorre via transferência de recursos para organizações não governamentais não eleitas e ocorre como lógica interna nas organizações, através da competição intraorganizacional. As instituições, ao mesmo tempo em que devem ser mais flexíveis, são menos autônomas, pois o controle ocorre através da avaliação de desempenho.

Los gerentes (o emprendedores) públicos más allá de sujetarse al seguimiento rígido de reglas y procedimientos burocráticos se guían por la creatividad, la flexibilidad y la maximización de ganancias y beneficios “no esperados”, la obtención de “resultados” (mensurables), la innovación flexible en su gestión y un supuesto altruismo hacia lo público que, al final de cuentas, se realiza en contextos de Mercado (PUELLO-SOCORRÁS, 2008, p. 114, grifo nosso).

Compreendemos que o Estado faz a opção de contratar o privado para trazer a lógica do privado para dentro da escola. O privado vende uma política educacional com uma lógica mercadológica (CLARKE; NEWMAN, 2012; PUELLO-SOCORRÁS, 2008), determinando a direção da proposta a ser implementada pelo sistema educacional. Essa forma de padronização no fazer pedagógico, com o estabelecimento de rotinas, tem retirado da escola sua autonomia, apesar dos discursos, tão difundidos, sobre gestão democrática, como é o caso da parceria público-privada entre a Seduc/AL e a FL.

Como se materializam as propostas de gestão gerencial na parceria da rede de educação em Alagoas e Fundação Lemann, por meio do conteúdo da proposta do curso Gestão para Aprendizagem

Com início de suas atividades em 2002, tendo como presidente o empresário Jorge Paulo Lemann, a Fundação Lemann se apresenta como uma organização familiar que se diz sem fins lucrativos. Seu foco de atuação abrange duas grandes frentes, educação pública de qualidade e liderança para o impacto social. Dentro da primeira frente, encontra-se o Programa Formar, que consiste em uma parceria da Fundação Lemann com os governos, implementado em todas as regiões do país como um curso de formação de gestores, para que estes se enquadrem em um novo modelo de escola, cujo conteúdo da proposta vem trazendo um novo paradigma para a educação, tanto no que diz respeito à prática dos gestores, como à prática pedagógica dos professores. Hoje, o Programa já conta com 25 redes de educação, em todas as regiões do país, beneficiando mais de 1 milhão de alunos (FUNDAÇÃO LEMANN, 2019, p. 15).

O começo de todo esse movimento deu-se a partir de edital público lançado pela FL para que as redes de ensino se candidatassem a tê-la como parceira, especificando características e exigências a serem cumpridas. Uma vez selecionada, os representantes oficiais, da rede, assinam, junto com a FL, um termo de parceria. No termo, a FL está denominada como instituto, sem fins lucrativos, enquanto a Elos Educacional, correalizadora, responsável por toda parte didática, curricular e de contratação de pessoal das formações, está denominada apenas como “Elos”, deixando em evidência sua característica de entidade com fins lucrativos, conforme excerto constante no seu sítio (ELOS EDUCACIONAL, 2019).

Alguns pontos do termo de parceria1 revelam a ênfase gerencialista, por meio do caráter fiscalizador sobre as ações dos gestores, para garantir o cumprimento dos conteúdos/atividades, padronizados, como condição para a certificação do curso. Reafirmando o modelo gerencial, uma outra cláusula visa garantir autorização para que os gestores possam, livremente, filmar a sala de aula a fim de observar a metodologia do(a) professor(a), pressupondo seu aperfeiçoamento (também consta no edital do Formar, FUNDAÇÃO LEMANN, 2020b, p. 13-4.c). Segundo o documento, a equipe de técnicos/as da Seduc/AL atuará como multiplicador nos “treinamentos” aos técnicos/as das Gerências Regionais de Educação (GEREs), preparando-os/as para acompanhamento in loco, nas escolas, onde fiscalizarão as atividades desenvolvidas, conforme plano de ação elaborado durante o curso.

Ainda, no modelo do termo de parceria fica determinado que, mensalmente, a Elos deverá informar à Seduc/AL, por meio de relatório, sobre o desempenho dos(as) cursistas, inclusive, das atividades práticas, aquelas que, sob orientação do curso, deverão ser realizadas na escola, com toda a comunidade, ou seja, atividades como reuniões pedagógicas, avaliação institucional, observação e filmagem de aula, o que sinaliza a pouca autonomia da escola para gerir suas ações.

Com duração de até dois anos, o Programa atua em quatro níveis da rede: as lideranças; a equipe técnica da secretaria; os professores; e a gestão da escola. Desse modo o Programa assessora a “criação de estratégias para que a secretaria de educação identifique seus grandes desafios e oportunidades” (FUNDAÇÃO LEMANN, 2020b, p. 6) e, assim, a FL mantém o controle sobre todos os movimentos desenvolvidos na consultoria, inclusive dos atores envolvidos, visto que primeiro se alinha o trabalho com os gestores da Seduc/AL, por meio da assessoria de gestão, com foco em resultados (parceria também firmada entre Seduc/AL e FL), e, depois, todas as diretrizes e encaminhamentos para garantir a implementação do trabalho são definidos entre os representantes da Fundação Lemann, Elos e Seduc/AL.

O Programa Formar tem características abrangentes do ponto de vista educacional, uma vez que influencia na definição de políticas educacionais dos sistemas públicos de ensino; articula a rede de internet banda larga, em parceria com o poder público, como forma de consolidar sua proposta de inovação; e promove a formação continuada para gestores das escolas da rede, para as quais a Fundação Lemann presta assessoria.

A frente de políticas educacionais tem como principal objetivo apoiar a melhoria contínua, desenvolvimento e implementação de políticas educacionais, dessa forma, os trabalhos estão mais diretamente ligados às lideranças e equipes técnicas da Secretaria para, a partir de um diagnóstico, melhorar processos pedagógicos e de estruturação interna dela a fim de garantir a aprendizagem dos alunos, tendo como principais eixos de trabalho: Planejamento estratégico e melhoria da estrutura organizacional; Currículo; Avaliação da aprendizagem em nível de rede; Acompanhamento pedagógico; Formação continuada de professores, gestores e técnicos; Tempo de planejamento coletivo nas escolas; Observação de aula com devolutiva formativa; Fortalecimento da liderança escolar; Comunicação e engajamento na Secretaria e com as escolas; Otimização de processos internos; Diagnóstico da gestão financeira e recomendações de melhoria, segundo consta no Edital/2020 do Programa Formar da FL (FUNDAÇÃO LEMANN, 2020b, p. 6).

O curso Gestão para Aprendizagem e a consolidação da gestão gerencial em Alagoas

A rede estadual se divide em Gerências Regionais de Educação (GEREs) que funcionam como articuladores da Seduc/AL, recebendo as orientações, determinações e encaminhamentos a serem desenvolvidos no âmbito de sua responsabilidade regional. Vale ressaltar que nem sempre essas regionais foram chamadas de gerências, antes eram reconhecidas como Coordenadorias Regionais de Educação (CREs); a mudança do nome aconteceu em 2015 no primeiro mandato do governador Renan Filho, tendo como Secretário de Estado da Educação o seu vice-governador, Luciano Barbosa, ambos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Além disso, na mesma época, os cargos de gerentes regionais, anteriormente indicados pelo poder executivo da pasta, passaram a ser preenchidos por meio de bônus para o diretor de escola pública que alcançou o maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ou seja, a cada dois anos muda-se a liderança regional para “premiar” o dirigente escolar que garantiu destaque para sua escola. Assim, a política de bonificação por desempenho, de certa forma, gera uma competição entre as instituições escolares.

Ao tratar como “gerentes” os responsáveis pelo funcionamento das secretarias, transporta-se para o setor público a lógica empresarial, tornando os serviços públicos semelhante a negócios. Além do mais, a figura do gerente assume uma personificação oposta à figura do político, do profissional ou do administrador (CLARKE; NEWMAN, 2012, p. 359).

Na perspectiva gerencial, prevalecem as práticas verticalizadas e centralizadas, levando a sociedade a cumprir determinações impostas, no caso desta pesquisa, a equipe gestora das escolas, que passa a ser controlada pela Seduc/AL, por meio dos/as técnicos/as de apoio pedagógico das Gerências Regionais de Educação, que fazem o monitoramento sistemático das ações planejadas/desenvolvidas pelas escolas.

O estado de Alagoas, em 2017, apresentou matrícula de 503.322 alunos no ensino fundamental e de 118.933 no ensino médio. Vale ressaltar que, 95% da matrícula dos anos iniciais do ensino fundamental e 75% dos anos finais do ensino fundamental estão na rede municipal, motivo pelo qual levou o estado, por meio da Seduc/AL, a firmar parceria com todos os municípios do estado, por meio do programa denominado “Escola 10”, criado pela Lei Estadual nº 8.048/2018 (ALAGOAS, 2018), em que cada escola, a partir de um diagnóstico realizado, assina um termo de compromisso para cumprimento de uma meta determinada pela Seduc/AL, sempre superior à meta projetada no IDEB da escola, que alcançada, será premiada com uma bonificação, desta feita, para todos da escola é garantido o 14º salário pela Lei Estadual nº 8.224/2019 (ALAGOAS, 2019). Este programa foi uma iniciativa da Seduc/AL com a finalidade de melhorar o IDEB do estado.

Dessa feita, se reascende a polêmica sobre as bonificações ou premiações para a gestão e docentes que alcançarem as metas de desempenho, como forma de responsabilizar a escola pelos resultados obtidos. Essa política de responsabilização na educação vem dividindo opiniões quanto à sua viabilidade: de um lado, os gestores, que consideram um reconhecimento por seus méritos, por outro, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinteal) e os próprios docentes não beneficiados, que consideram que as escolas que mais precisam de incentivo a fim de melhorar seus indicadores são exatamente as que ficam sem investimento. A premiação acaba promovendo uma competição na qual as escolas buscam atingir suas metas para receber o reconhecimento, por meio do bônus, sinalizando a crítica de Freitas (2012):

[...] sob a forma de uma “teoria da responsabilização”, meritocrática e gerencialista, onde se propõe a mesma racionalidade técnica de antes na forma de “standards”, ou expectativas de aprendizagens medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo processo, bônus e punições), ancorada nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista, fortalecida pela econometria contemporânea (FREITAS, 2012, p. 383).

O conteúdo da proposta do curso Gestão para a Aprendizagem

No eixo “Formação Continuada”, a Fundação Lemann tem ampliado seu atendimento nas redes de ensino com foco na formação de gestores escolares por meio do curso Gestão para Aprendizagem (GPA). Vale ressaltar que a forma como o curso se apresenta, por meio de ensino a distância, tem causado controvérsias nas escolas, visto que o nível de exigências tem se sobreposto ao acompanhamento pedagógico inerente ao processo de ensino e de aprendizagem. Na mesma linha, também ocorre mudança de comportamento da gestão escolar, que tem deslocado o foco do processo apenas para o resultado de indicadores convenientes para atender aos objetivos da política educacional alagoana, ancorada na parceria público-privada, com a Fundação Lemann, e, com isso, distanciando-se da democratização da educação.

Analisando as condições impostas no edital, destacamos pontos que nos levam a identificar outras características gerenciais, a exemplo da imposição da FL quando estabelece que a Seduc deve estar de acordo com mudanças na estrutura organizacional do departamento pedagógico e atribuição funcional de seus servidores; a direção e os conteúdos da proposta de parceria, o caráter regulador de monitorar o cumprimento das ações estabelecidas pelos docentes, desrespeitando a autonomia pedagógica dos docentes e da escola.

Tal monitoramento vem trazendo inquietações nas relações pedagógicas que envolvem coordenação pedagógica e docentes, visto o acúmulo de planilhas e formulários que precisam ser preenchidos para garantir evidências das ações realizadas. Isso envolve, inclusive, a observação in loco de aulas ministradas e a elaboração dos planos de trabalho em consonância com os modelos indicados pela Seduc/AL, em reuniões coletivas dentro da escola, conhecidas como Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC).

Esse modelo proposto no curso traz profundas implicações para as mudanças nas fronteiras entre o público e o privado: “Esta forma de dimensión pública, desde luego, desestatizada, mercantilizada y coordinada hegemónicamente por el mercado, dictaría el patrón de organización y la regla principal de funcionamiento social con la subsunción del Estado”. Sendo uma “caja de herramientas derivadas de la Administración de Negocios (privada) que son aplicadas sin recelo al sector público” (PUELLO-SOCARRÁS, 2008, p. 113-114).

Essas características, identificadas pelo autor, sinalizam a transferência de responsabilidade do papel do Estado ao setor privado no direcionamento das políticas de educação. Com relação ao conteúdo, compondo o programa do curso, os participantes receberam da FL o livro norteador da primeira parte do curso, que serve como um provável manual para o desenvolvimento das práticas de planejamento estratégico na escola, O planejamento estratégico: um instrumento para o gestor de escola pública (DALCORSO, 2017), de autoria da coordenadora da Elo, Claudia Dalcorso. Na obra se observa uma linguagem progressista e um referencial teórico compatível com a visão de gestão democrática, no entanto, o que vamos observar na proposta do conteúdo do curso são termos como “decisões compartilhadas”, que seguem na contramão da gestão democrática, responsabilizando a própria comunidade pelo sucesso ou fracasso da sua formação, sem qualquer poder de decisão, deslocando o modelo de gestão democrática, duramente conquistada, para o modelo de gestão gerencial, que ora vivenciamos com o excesso de burocracia, competitividade, rotinas, padronização e busca de resultados, dentro e fora da escola.

Em suas conclusões, a autora evidencia questões como: “os conflitos que as instituições escolares vivem e sua busca constante para melhorar a qualidade do serviço oferecido”; “os mecanismos externos de avaliação estão, cada vez mais, expondo as fragilidades dos sistemas educacionais”, e que “as estratégias para alcançar melhores resultados devem envolver o maior número de agentes sociais possível”; “uso de ferramentas gerenciais, como o planejamento estratégico, para contribuir na organização das ações do cotidiano da escola” (DALCORSO, 2017, p. 66). O objetivo, portanto, é que a equipe gestora faça um cruzamento entre os itens apontados como relevantes para constarem no plano de ação inicial, confrontando e estabelecendo encaminhamentos que devem reverberar em ações a serem desenvolvidas, após a avaliação estratégica denominada FOFA.

Paula (2015) informa que a matriz FOFA é um instrumento de análise de negócio amplamente usada em espaços corporativos, cujo nome é um acrônimo para Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças, também conhecida como matriz SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities e Threats). Realizar uma análise FOFA leva a empresa a pensar nos aspectos favoráveis e desfavoráveis do negócio, dos seus proprietários e do mercado. Essa matriz está sendo utilizada no momento da avaliação estratégica, com a finalidade de detectar pontos fortes e fracos de uma empresa (escola?), com o objetivo de torná-la mais eficiente e competitiva, passando a vislumbrar os seus indicadores como objetivo maior do seu trabalho educacional a fim de alcançar metas pactuadas, o que resultará em bônus aos trabalhadores das escolas que as alcançam, negando a verdadeira função social da escola que é a de garantir o conhecimento sistematizado.

Nesse modelo de análise, são identificadas “vantagens e desvantagens diante da concorrência” (seriam as outras escolas?). A partir dela, os pontos fracos podem ser eliminados ou aprimorados, e os pontos fortes são desenvolvidos para se tornarem peças-chave do sucesso do negócio (o ensino? aprendizagem?), pois seus impactos podem ser medidos (avaliados?) com a matriz SWOT, que deixa a empresa (escola?) mais preparada para seus possíveis efeitos. Ou seja, o trabalho do gestor, entre outras coisas, será de controlar os indicadores das avaliações externas a fim de obter bom resultado no IDEB e poder garantir o bônus (14º salário) para todos que compõem o quadro funcional da escola, como ocorre na educação pública de Alagoas. Quando as questões se reverberam para as tomadas de decisões, bem sabemos que elas chegam prontas, porém, com a sutileza de quem está consultando ou sugerindo algo, levando os profissionais a abraçarem melhor “as sugestões”. A questão é que nem sempre se consegue desenvolver o que se propõe na rotina ou na padronização das ações, seja pelo tempo escasso para preenchimento de formulários e planos, seja pela falta de condições materiais ou humana.

O processo de avaliação deveria servir para poder gerir ações que efetivamente fossem capazes de minimizar os grandes entraves que impedem a aprendizagem de seus alunos. Ao contrário, temos visto mudanças na forma - mais enérgica e autoritária - de cobrar ações dos professores, que se sentem pressionados no cumprimento das tarefas impostas pela Seduc/AL, levando-os a um sentimento de culpabilização quando os indicadores educacionais não são alcançados.

As avaliações dos resultados buscam, simplesmente, identificar o desempenho dos alunos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), a partir dos resultados das proficiências em matemática e língua portuguesa, já que estas implicam em resultados para o IDEB. A partir daí todas as ações são pensadas e voltadas para suprir carências e resolver situações críticas, como, por exemplo, índices de evasão e reprovação. Urge enfatizar que da forma e no ritmo que são colocadas e cobradas as ações, as escolas não conseguem administrar e muito menos se comprometer com a causa da evasão, uma vez que precisam cumprir todo um ritual de tarefas, pré-determinadas pela Seduc/AL, e que são estudadas na segunda metade do curso, a saber: Conhecer a teoria do alinhamento construtivo; (Re)ssignificar elementos constituintes de uma pauta formativa; (Re)conhecer a metodologia de observação da sala de aula proposta no curso; Sistematizar características importantes para um feedback; Refletir sobre o valor do processo formativo em seu desenvolvimento profissional (FUNDAÇÃO LEMANN, 2020a); tudo com seu respectivo formulário, de modo a enfatizar a padronização das ações. Isso nos leva à reflexão, mais uma vez, de que o Estado transfere todas as responsabilidades para a comunidade escolar, de modo que esta sinta-se totalmente responsável por seus resultados, demonstrando mais uma característica de viés gerencial na administração das escolas.

O livro, Aula Nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência (LEMOV, 2011) é utilizado como a principal referência para os temas (ações) abordados. Nele, o autor deixa claro que o professor não tem domínio de técnicas apropriadas para passar os conteúdos necessários aos alunos. Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna (IAS), aponta para a mesma direção, quando diz que os professores não sabem, por isso os conteúdos devem ser fortemente estruturados:

Os materiais são fortemente estruturados, de maneira a assegurar que mesmo um professor inexperiente, ou com preparação insuficiente - como é o caso de muitos professores no Brasil -, seja capaz de proporcionar ao aluno um programa de qualidade, com elevado grau de participação dos alunos na sala de aula, na escola e na comunidade (SENNA, 2000, p. 146).

O que nos leva a concordar com D’ávila (2013, p. 11564), quando diz que “[...] Esse material é mais um manual didático, que expressa um receituário ao docente”, para que o professor faça consultas sempre que for trabalhar seus conteúdos de aulas, de forma padronizada e replicável, como se as turmas fossem homogêneas e todos os alunos estivessem no mesmo nível de aprendizagem, retirando do professor sua autonomia didática para decidir a partir do seu diagnóstico o que precisa ser trabalhado com o aluno, provocando o que Rikowski (2017) chama de “tomada de controle sobre a educação por parte das empresas, em oposição à sua privatização direta”.

Concordamos com Paro (2008, p. 61) que na gestão gerencial tudo é centralizado na figura do gestor e na necessidade de controlar todos os processos, particularmente a eficiência dos resultados. Este conceito de controle, no gerencialismo, considera que, no processo de produção capitalista, é inevitável, ao mesmo tempo, o “processo de valorização do capital e o processo de exploração da força de trabalho”, exatamente o que temos visto ocorrer, atualmente, nas escolas da rede estadual de Alagoas.

Considerações finais

Este artigo procurou trazer elementos que demonstram como a mudança na gestão da escola está vinculada a um projeto muito maior do que a mudança de gestão, ela está relacionada a projetos societários em disputa. E de como a gestão gerencial materializa uma proposta mais ampla de Estado empresarial.

A partir da análise dos documentos apresentados foi possível perceber que eles endossam não apenas a “ideologia do gerencialismo na educação, mas expressam também a conformação e produção de um novo ‘léxico’ educacional, um híbrido de pedagógico e gerencial” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 438). São também os documentos que nos evidenciam a centralidade da Fundação Lemann, no conteúdo e execução da política de formação continuada de gestores das escolas do Sistema Estadual de Educação de Alagoas, por meio do Programa Gestão da Aprendizagem.

Da forma como está sendo conduzido o curso Gestão para Aprendizagem, podemos considerar que os encaminhamentos estão levando a escola à perda de autonomia no modo de conduzir todo o processo pedagógico. Isto posto, ressaltamos que é o professor quem tem o conhecimento sobre os seus alunos e, portanto, é ele que juntamente com a equipe pedagógica e os conselhos podem definir estratégias para o processo de ensino e aprendizagem, objetivando a superação de abstrações que apenas visam resultados em práticas retóricas, corroborando com indicativos do gerencialismo.

Entendemos que estamos vivendo grandes retrocessos na educação e, entre eles, a volta da tendência tecnicista, em que os modelos são reproduzidos e os alunos só precisam garantir boas notas, dado todo o apelo que as fundações e institutos vêm fazendo para convencer a sociedade de que eles são a “salvação” para a educação brasileira. Não por acaso, seus discursos são de cunho progressista trazendo a linguagem tecnológica (e não apenas a linguagem, mas os produtos) com forte rigor científico, que ajudam a preencher as lacunas deixadas pelo poder público. Neste sentido, a rede estadual de Alagoas vive as contradições de uma correlação de forças silenciosa, de um lado, as portarias publicadas pela Seduc/AL para determinar o cumprimento das ações, antecipadamente direcionadas pela Fundação Lemann por meio do curso Gestão para Aprendizagem, por outro lado, docentes que se sentem reprimidos e pressionados para cumprirem as determinações em tempo hábil, conforme os gestores acompanham e cobram suas ações.

O que temos percebido é que essas mudanças vêm deslocando o foco da educação para um mercado competitivo que exige eficiência e competências específicas que levam a uma disputa, dentro e fora da escola. Nessa lógica, importa o produto a ser entregue à sociedade e não mais o processo de desenvolvimento do sujeito, como garante nossa Constituição Federal (1988). Ao mesmo tempo em que as parcerias aumentam, são reduzidas as políticas sociais, principalmente aquelas reconhecidas como direito universal - como é o caso da educação.

Entendemos que esse processo de privatização do público traz grandes implicações para a democratização da educação, o que é grave, dado o importante papel da escola na construção de uma sociedade democrática. Partindo do pressuposto que a democracia é um aprendizado, que ninguém nasce democrático e que as pessoas vão aprendendo acerca da democracia no conflito, nas relações, o papel da escola neste processo de construção é fundamental. Conforme Thompson (1981), a democracia nasce da experiência, é experienciando a democracia que nos constituímos em sujeitos democráticos.

A democracia é pedagógica, ela não é simplesmente um meio - gestão democrática -, mas um fim em si mesma. O aprendizado da democracia é um conteúdo da escola. Da mesma forma, não se constrói uma sociedade democrática sem o acesso ao conhecimento. As pessoas só vão participar efetivamente se souberem o que elas estão decidindo, se elas tiverem condições de ler, entender, tomar posição e relacionar. Elas não podem ler um jornal e achar que uma notícia de economia não está relacionada a uma notícia de saúde ou de educação. Mas elas só conseguem relacionar tendo acesso ao conhecimento, que é muito diferente do acesso à aprendizagem.

O acesso ao conhecimento é muito mais do que saber o número de pontos de matemática, de português; é poder ler, entender, relacionar e entender-se no mundo em que vive. Essa é a construção também de uma sociedade democrática, que não se constrói sem o conhecimento. As relações baseadas em princípios democráticos são construídas também no processo de coletivização das decisões. Vieira (1998) aponta que inexiste cidadania sem direitos e sem Estado. Os direitos de cidadania nascem historicamente na sociedade. Eles não constituem uma dádiva. As políticas sempre são o resultado de reclames populares. Elas foram lutas da humanidade. Assim, quando retrocedemos na democratização da educação, estamos retrocedendo em lutas históricas da humanidade.

Questionamos a retirada do processo de coletivização das decisões, pois, como está escrito na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e na Constituição, ele deveria ser papel da comunidade escolar. Uma instituição privada chegar para fazer o monitoramento, a formação de professores e a entrega do material pronto para que o professor seja apenas o executor, alienado de seu trabalho, separando aqueles que pensam daqueles que executam, não é constitucional.

Destacamos que as parcerias, e em especial a analisada neste artigo, trazem para a escola a gestão por resultados, que tem como parâmetro a gestão gerencial (SOUZA, 2009), em detrimento da gestão democrática. A gestão gerencial parte do pressuposto neoliberal de que o público vai mal e o mercado tem que ser o padrão de qualidade. Assim se privatiza (a ideia é o livre mercado) e o que fica no público passa a ter as regras do mercado, porque a ideia é a de que a qualidade está no mercado e não no público, portanto, a qualidade do mercado é o produto, a competição e a meritocracia, e não a democracia, o respeito pelo diferente, a solidariedade, a construção coletiva do conhecimento. É a ideia da meritocracia que predomina, que é preciso ser melhor que os outros; que é completamente contrária à ideia de gestão democrática (PIRES; PERONI, 2019).

Assim, presenciamos projetos societários e de educação em disputa. O conteúdo da escola é algo muito importante. Cerca de 80% da população brasileira que frequenta o ensino fundamental e médio está matriculada em escolas públicas. Não chega a 20% o número de matriculados em escolas privadas. A geração que está na escola e majoritariamente pública será a base de nossa sociedade. Então, quando tratamos da relação entre o público e o privado o foco está na disputa pelo conteúdo da educação, pela formação de professores, pela formação das novas gerações, pela construção da democracia no nosso país.

1Encaminhado pela Seduc/AL, em agosto de 2019. Porém, não tivemos acesso ao termo devidamente registrado.

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Recebido: 27 de Agosto de 2020; Aceito: 28 de Setembro de 2020

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