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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 26-Abr-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.70432 

Artigos

Ascensão na carreira docente e diferenças de gênero1

Mariana Kubilius Monteiro* 
http://orcid.org/0000-0002-2531-9195

Helena Altmann** 
http://orcid.org/0000-0002-9617-339X

*Instituto Federal de Santa Catarina. Jaraguá do Sul, Santa Catarina, Brasil. E-mail: marikubilius@gmail.com

**Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: altmann@fef.unicamp.br


RESUMO

Este artigo analisa diferenças entre mulheres e homens na ocupação da carreira docente, área considerada feminina, mas cuja carreira demonstra diferenças de gênero. Noções como a divisão sexual do trabalho de Helena Hirata e Danièle Kergoat (2007) e a existência do glass escalator de Christine Williams (1992, 2013, 2015) em carreiras feminizadas levam ao questionamento sobre quais diferenciações estão presentes na área da educação. A partir de dados quantitativos e entrevistas realizadas com diretoras e diretores, analisamos as diferenças de gênero na ascensão na carreira docente. Os resultados da pesquisa revelam a presença de vantagens para homens na carreira, sejam no que se refere à primeira experiência vivenciada na gestão escolar - idade mais jovem e menor tempo de manejo de sala de aula -, sejam relacionadas aos tipos de incentivo recebidos e à forma de provimento do primeiro cargo na gestão escolar. O provimento por concurso público possibilita uma aparente igualdade entre mulheres e homens no que se refere à idade de ingresso nos cargos de especialistas, embora não garanta uma igualdade na distribuição de mulheres e homens entre os diversos cargos. Os homens estão percentualmente mais presentes em cargos relacionados mais especificamente à face administrativa da gestão - vice-direção, direção e supervisão - do que naqueles dedicados mais diretamente à face pedagógica - orientação e coordenação pedagógica -, o que evidencia uma relação entre gênero e escolha na ascensão na carreira docente.

Palavras-chave: Carreira Docente; Gênero; Gestão Educacional; Concurso Público

ABSTRACT

This article analyzes differences between women and men in the occupation of the teaching career, an area considered feminine but which career demonstrates gender differences. Notions such as the sexual division of labor of Helena Hirata and Danièle Kergoat (2007) and the existence of the glass escalator of Christine Williams (1992, 2013, 2015) in feminized careers lead to the question of what differentiations are present in the education area. Based on quantitative data and interviews with female and male principals, we analyze gender differences in the rise of the teaching career. The research results reveal the presence of advantages for men in their career, regarding the first experience in school management - younger age and shorter time of classroom management -, related to the types of incentives received and the form of provision of the first post in school management. The provision by public contest enables apparent equality between women and men concerning the age of entry into specialist positions, although it does not guarantee equality in the distribution of women and men among the various positions. Men are more present in positions related more specifically on the administrative side of management - vice direction, direction, and supervision - than those devoted more directly to the pedagogical side - pedagogical guidance and coordination -, which evidences a relationship between gender and choice in the rise in the teaching career.

Keywords: Teaching career; Gender; Educational management; Public contes

Introdução2

As desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho sofreram alterações no decorrer da história recente no Brasil e observa-se tanto conquistas quanto permanências na distinção da valorização da força de trabalho relacionada a gênero. Um exemplo de mudança positiva é a redução da diferença entre os rendimentos de mulheres e homens, constatada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao se comparar os anos de 2005 e 2015 (IBGE, 2016). Por outro lado, a diferenciação na duração da jornada de trabalho de mulheres e homens e na ocupação de cargos de gerência ou direção permanecem. Enquanto em 2015 6,2% dos homens com idade igual ou superior a 25 anos ocupavam cargos diretivos, apenas 4,7% das mulheres na mesma faixa etária exerciam tais funções. Além disso, as mulheres que ocupavam tais posições recebiam, em média, 68% da remuneração média ofertada aos homens ocupantes de cargos diretivos (IBGE, 2016).

Essas diferenças evidenciam hierarquizações estabelecidas pela divisão sexual do trabalho, as quais levam à criação de um sistema de gênero entre as profissões, no qual tanto os sexos quanto as atividades são diferenciados e hierarquizados. Assim, a partir de dois princípios organizadores - o da separação e o hierárquico - são estabelecidas distinções entre “trabalho de homem” e “trabalho de mulher” e valorizações diferenciadas, que relacionam o primeiro ao maior e o segundo ao menor valor (HIRATA; KERGOAT, 2007)3.

Nessa perspectiva, tecemos inferências acerca do campo da educação: a docência é associada ao âmbito do feminino a partir do princípio da separação. Ao mesmo tempo, pelo princípio da hierarquização (HIRATA; KERGOAT, 2007), se comparada a outras profissões cuja exigência para ingresso é o ensino superior, é um campo desvalorizado socialmente.

Pesquisas anteriores, como as de Alessandra Arce (2001), Luciano Faria Filho et al., 2005, Guacira Lopes Louro (2010) e Mara Isis de Souza (2010), já evidenciaram alguns aspectos associados à área da educação e gênero: a sua construção como profissão feminina, uma área desvalorizada socialmente, a depender da etapa da educação a que se refere, menos valorizada quanto menor a faixa etária que atende (BRASIL, 2009; SAPAROLLI, 1998; VIANNA, 2002). Verifica-se, portanto, o estabelecimento de novas hierarquizações e diferenças entre mulheres e homens no interior desse campo profissional.

Estudos que se dedicaram a observar a carreira docente afirmam que, apesar de ser considerada uma profissão feminina, a carreira é de ascensão masculina. Na área da história da educação, Zeila Demartini e Fátima Antunes (1993) verificaram que, nas primeiras décadas do século XX, embora as mulheres já configurassem a maioria na docência na época, a maior parte delas continuava em sala de aula até o momento de sua aposentadoria. Ao mesmo tempo, os homens ascendiam rapidamente para cargos na gestão - com exceções relacionadas a diferenças na origem social. A ascensão, de maneira diferente para mulheres, era baseada em sua maior especialização ou proximidade do tempo de aposentadoria.

No mesmo sentido, Mirian Warde e Ana Cristina Rocha (2018) afirmaram que nesse período tanto postos de comando como o desenvolvimento intelectual na área da educação permaneceram predominantemente masculinos: “as mulheres que ocuparam lugares de direção escolar ou de autoria foram, em regra, chanceladas por homens em um terreno configurado masculinamente” (WARDE; ROCHA, 2018, p. 38).

Ao estudar a atuação de diretoras de colégios femininos mantidos por congregações religiosas no Rio Grande do Sul, Flávia Werle (2005) as considera pioneiras na gestão, pois diferentemente de instituições públicas da época, nesse espaço a predominância feminina ocorria também na gestão.

Dedicada a período mais recente em São Paulo, Vianna (2013) analisa que as vantagens para homens na carreira do magistério permanecem existindo, principalmente para homens brancos e heterossexuais:

As relações entre docentes demonstram claramente o exercício do poder dos homens sobre as mulheres, isso quando se trata de heterossexuais e brancos. Apesar da maioria feminina, esses homens são alçados às posições de controle e prestígio mesmo quando não possuem esse objetivo. Dentre professores e professoras por mim pesquisados (VIANNA, 1999), os primeiros - desde que heterossexuais - assumiram cargos com relativo poder, ocuparam postos de direção nas escolas e foram indicados como representantes e diretores da categoria no sindicato (VIANNA, 2013, p. 176).

A partir de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2003, Ângelo Souza (2006) afirma que, proporcionalmente ao percentual de docentes em cada etapa da educação básica, apenas nas séries iniciais do ensino fundamental o percentual de homens na direção era superior ao de homens na docência, mesmo com formação menos especializada do que a delas: o percentual de docentes do sexo masculino sem formação em nível superior era de 45,4%, e o das docentes era apenas 36% (SOUZA, 2006). O autor relacionou a diferença encontrada em sua pesquisa ao “domínio do sexo”:

Este domínio masculino na direção das escolas de 4ª série não se deve à presença de poucos homens com maior qualificação, mas possivelmente decorre do domínio do sexo. Isto porque o sexo é político, pois as tradicionais formas de se compreender o papel dos indivíduos no trabalho, na família e na sociedade são aparentemente neutras em termos de gênero, mas sabidamente são marcadas por um entendimento masculino desses mesmos papéis e que assim permanecem pelo poder que o domínio masculino tem nas relações mais cotidianas. Em universos com menor equilíbrio quantitativo entre os sexos, a marca política do sexo talvez seja mais marcante do que em universos mais equilibrados, como aqueles compostos pelas escolas de 8ª série e 3º ano do ensino médio (SOUZA, 2006, p. 65).

O pesquisador também encontrou diferenças de idade, tempo de experiência e remuneração entre diretoras e diretores e associa tais desigualdades à existência do fenômeno glass escalator na educação brasileira. Esse termo, traduzido como “escada rolante” se refere ao conceito elaborado por Christine Williams (1992) para se referir a incentivos invisíveis que fazem com que homens que atuam em profissões feminizadas subam rapidamente na carreira, sem necessidade de esforço para tal progressão. Ao mesmo tempo, mulheres em profissões com predominância masculina encaram o glass ceiling (teto de vidro) - barreira invisível que dificulta a sua ascensão na carreira (WILLIAMS, 1992). Em publicação mais recente, a pesquisadora ressalva que homens homossexuais e de minorias étnicas e raciais não contam da mesma maneira com tais vantagens (WILLIAMS, 2013, 2015).

Os resultados encontrados por Souza (2006) evidenciaram que os homens chegavam mais cedo aos cargos diretivos na rede pública no Brasil, seja no que se referia à idade, seja com relação ao tempo de experiência no magistério. Posteriormente, a pesquisa desenvolvida por Vanisse Corrêa (2010, 2011) - que se desdobrou da citada - analisou o provimento de cargos por meio de eleição no estado do Paraná a partir de dados da Prova Brasil de 2007 e do processo de eleição de direção e vice-direção de 2008 na rede municipal de Curitiba. Esse estudo, a partir desse caso específico em que o provimento de tais cargos ocorria por eleição, apontou novamente a existência de vantagens para homens na carreira do magistério.

Nesse contexto, apresentamos os dados de nossa pesquisa, realizada em uma rede municipal cujo provimento dos cargos mais altos na carreira - assim como os cargos docentes - ocorre por meio de concurso público e visamos evidenciar as diferenças de gênero existentes na ascensão na carreira docente e a sua relação com a forma de provimento desses cargos.

Para realizar tal análise, partimos de dados quantitativos fornecidos pela secretaria municipal de educação a respeito do perfil de ocupantes de cargos de especialistas da rede municipal de Campinas/SP (CAMPINAS, 2017) e de entrevistas semiestruturadas realizadas com sete diretoras e oito diretores que atuavam em cargos efetivos na rede pesquisada. Para contextualizar os dados a respeito de especialistas na carreira docente como um todo, incluímos dados acerca da ocupação de cargos docentes a partir de dados da Sinopse Estatística da Educação Básica 2018 referentes ao município estudado (INEP, 2019).

A carreira docente na rede pesquisada: a ascensão por concurso público

Há diversas formas de provimento de cargos na carreira docente no Brasil e essa temática já tem sido discutida na produção acadêmica da área, por exemplo, nos estudos de Nadia Drabach e Theresa Adrião (2017) e Souza (2006), no que se refere ao cargo de direção. As diferentes formas de provimento do cargo de direção no Brasil envolvem a eleição, a eleição/seleção, a seleção, o concurso público, a seleção/indicação e a indicação, e o concurso público é a forma de provimento do cargo diretivo considerada intermediária, no que se refere ao aspecto democrático da seleção - a eleição é a mais próxima e a indicação política a mais distante desse aspecto (DRABACH; ADRIÃO, 2017).

A partir de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), Drabach e Adrião (2017) demonstraram que, em 2013, apenas 7,7% dos cargos de direção nas redes municipais e estaduais de educação básica eram ocupados por meio de concurso público. A principal forma de provimento era a indicação, que representava 45,4% do total, seguida pela eleição, que representava 20,8%, seleção (20,9%) e outras formas, que representavam 5,2%. Se para o cargo de direção temos esse percentual baixo, podemos inferir que, em outros cargos, mais altos na hierarquia e mais próximos da administração direta, tal percentual tende a ser ainda menor e, possivelmente, a indicação política maior.

Podem ser elencados argumentos favoráveis e contrários à forma de provimento do cargo de direção por concurso público. Por um lado, por ser amparado na meritocracia, contraria o apadrinhamento político, de forma objetiva e imparcial (PARO, 2003). Por outro lado, é uma forma de provimento ancorada na burocracia, na qual se destacam as regras impessoais, a rotina e a divisão hierárquica do trabalho e do poder de mando - uma vez aprovado no processo seletivo para o cargo, nele se pode permanecer indefinidamente (SOUZA, 2006). Além disso, o ingresso por concurso público em cargos de gestão também se distancia do caráter democrático, pois a direção não é escolhida por docentes e pela comunidade escolar, mas a partir de diversos critérios técnicos (PARO, 2003).

Na rede municipal de Campinas/SP o ingresso nos diversos cargos de maneira efetiva ocorre por concurso público, com requisitos mínimos estabelecidos por edital no que se refere à formação e ao tempo de experiência exigidos para ingresso, que constam no quadro 1. Além da aprovação em concurso para ingresso nos cargos de especialistas, na rede pesquisada, é exigida experiência prévia na docência, acrescida de experiência na gestão, no caso de ingresso nos cargos mais altos na hierarquia - direção educacional, coordenação pedagógica e supervisão educacional -, o que evita a entrada de profissionais sem experiência docente nos diversos cargos.

QUADRO 1 REQUISITOS EXIGIDOS PARA INGRESSO NOS CARGOS DE ESPECIALISTAS NA REDE MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP 

Cargo4 Formação mínima para ingresso Tempo de experiência exigido para ingresso
Vice-direção Graduação em pedagogia ou mestrado em educação ou doutorado em educação 06 anos de docência
Orientação pedagógica 06 anos de docência
Direção educacional 08 anos de docência ou 06 anos de docência + 02 anos de gestão
Coordenação pedagógica 08 anos de docência ou 06 anos de docência + 02 anos de gestão
Supervisão educacional 08 anos de docência + 02 anos de gestão ou 06 anos de docência + 04 anos de gestão

FONTE: Elaboração própria (CAMPINAS, 2011).

O tempo mínimo de experiência na área do magistério exigido para ingresso acompanha o nível hierárquico, ou seja, aumenta em dois anos a cada nível, o que totaliza seis anos nos casos de vice-direção e orientação pedagógica, oito no caso de direção e coordenação e dez anos no caso de supervisão. Dessa forma, a hierarquia segue também o tempo de experiência no magistério: ter mais anos na carreira possibilita almejar cargos mais altos, experiência essa que pode ter sido vivenciada em outra rede, pública ou privada.

Assim como a exigência de experiência aumenta de acordo com o nível hierárquico, a remuneração ofertada também é diferenciada, de forma crescente, como podemos observar na tabela 1. Assim, ocupam um mesmo nível hierárquico, mas com funções distintas, os cargos de vice-direção e orientação pedagógica, seguidos pelos cargos de direção educacional e coordenação pedagógica, seguidos pelo cargo mais alto, que é o de supervisão educacional.

TABELA 1 REMUNERAÇÃO INICIAL POR CARGO DE ESPECIALISTA PROPORCIONAL A QUARENTA HORAS SEMANAIS (EM REAIS) 

Cargo Remuneração
Vice-direção 6.894,14
Orientação pedagógica 6.894,14
Direção educacional 7.755,71
Coordenação pedagógica 7.755,71
Supervisão educacional 8.186,83

FONTE: Elaboração própria (CAMPINAS, 2018).

Trata-se de uma rede cuja remuneração na área do magistério se encontra acima do piso salarial nacional e que, em comparação com a rede estadual, oferta maior remuneração. Na mesma proporção, a remuneração ofertada pela rede estadual era, em 2018, de R$2.427,06 para os cargos que equivalem aos de orientação pedagógica e vice-direção; R$2.939,40 para o cargo de direção educacional e R$3.356,59 para o cargo de supervisão educacional (SÃO PAULO, 2018).

Desigualdades e hierarquias de gênero observadas na carreira

As mulheres representavam em 2017 bem mais da metade de profissionais da rede municipal pesquisada mesmo nos cargos de especialistas. No entanto, embora ainda minoritária, a presença masculina era mais acentuada nos cargos de supervisão educacional (28,0%), direção educacional (17,8%) e vice-direção (15,1%), como podemos observar na tabela 2 e no gráfico 1.

TABELA 2 ESPECIALISTAS NA REDE MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP EM 2017 POR CARGO E SEXO (EM % E EM NÚMEROS absolutos) 

Cargo % Masculino Feminino
Orientação pedagógica N 10 125
% 7,4% 92,6%
Vice-direção N 19 107
% 15,1% 84,9%
Direção educacional N 24 111
% 17,8% 82,2%
Coordenação pedagógica N 2 24
% 7,7% 92,3%
Supervisão educacional N 14 36
% 28,0% 72,0%

FONTE: Elaboração própria (PMC, 2017).

FONTE: Elaboração própria (CAMPINAS, 2017)5.

GRÁFICO 1: DISTRIBUIÇÃO DE ESPECIALISTAS NA REDE MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP EM 2017 POR CARGO E SEXO (EM %) 

Entre dois cargos no mesmo nível hierárquico e salarial - por exemplo, os cargos de vice-direção e orientação pedagógica, ou direção educacional e coordenação pedagógica -, a presença masculina é maior naqueles que são associados a aspectos administrativos em detrimento do envolvimento pedagógico como centralidade da atuação. Já dentre os diversos cargos de especialistas, em junho de 2017 o que contava com maior percentual de ocupantes do sexo masculino (28%) era o de supervisão educacional, localizado no topo da carreira, seja na perspectiva da remuneração ofertada, seja pela amplitude de influência na rede.

No gráfico 2 é explicitada a distribuição de homens e mulheres entre os diversos cargos docentes da educação básica no município pesquisado6. Percebe-se que os homens estão mais presentes nos cargos docentes dedicados à educação profissional (60,7%) e ao ensino médio (44,2%), em detrimento da educação infantil - creche (2,7%) e pré-escola (2,3%) - e das séries iniciais do ensino fundamental (8,9%), demonstrando que há hierarquias e desigualdades na carreira docente como um todo.

FONTE: Elaboração própria (INEP, 2019).

GRÁFICO 2: DISTRIBUIÇÃO DE DOCENTES EM CAMPINAS/SP (TODAS AS REDES) EM 2018 POR ETAPA E SEXO (EM %) 

A partir desses dados verifica-se as duas formas de hierarquização na carreira docente, que coincidem com a maior presença de homens nos locais mais valorizados socialmente e/ou melhor remunerados: a primeira hierarquia ocorre entre funções de docentes e especialistas, enquanto a segunda se dá entre as diferentes etapas da educação. Embora na rede municipal haja equiparação salarial entre os diversos cargos docentes, o mesmo não ocorre em outras redes - por exemplo da rede estadual de São Paulo (SÃO PAULO, 2018) -, o que causa um desprestígio de algumas etapas em relação a outras. Dentre os diversos níveis de ensino, a docência na educação infantil conta historicamente com menor prestígio social e, coincidentemente, é a mais feminizada. Ao mesmo tempo, na segmentação entre docentes e especialistas - que segue a lógica da separação entre o “fazer” e o “pensar”, a “prática” e a “teoria”, as segundas mais valorizadas em detrimento dos primeiros -, temos a maior participação masculina no cargo mais alto, que é o de supervisão.

As desigualdades de gênero observadas entre as profissões avançam, portanto, dentro do próprio campo da educação. Ou seja, no interior de uma profissão associada ao feminino, novas hierarquizações se estabelecem, com diferenças na ocupação dos cargos mais altos na carreira, proporcionalmente com maior ascensão de homens a tais posições.

Possibilitaria o concurso público maior igualdade de oportunidades de ascensão?

Ao se comparar a presença de homens e mulheres nos diversos cargos de especialistas, percebe-se a existência de hierarquias e desigualdades. No entanto, o mesmo não ocorre quando se compara o perfil de ocupantes de um mesmo cargo A partir de dados de idade de ingresso no cargo atual, faixa etária e titulação, organizados nas tabelas 3, 4 e 6.

TABELA 3 IDADE DE INGRESSO NO CARGO OCUPADO ATUALMENTE POR ESPECIALISTAS DA REDE MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP EM 2017 POR CARGO E SEXO (EM % E EM NÚMEROS ABSOLUTOS) 

Cargo Sexo % Idade de ingresso no cargo atual Total
20-29 30-39 40-49 50-59 60-69
Orientação pedagógica Masculino N 0 5 4 1 0 10
% 0,0% 50,0% 40,0% 10,0% 0,0% 100,0%
Feminino N 9 64 44 8 0 125
% 7,2% 51,2% 35,2% 6,4% 0,0% 100,0%
Geral N 9 69 48 9 0 135
% 6,7% 51,1% 35,5% 6,7% 0,0% 100,0%
Vice-direção Masculino N 1 6 11 1 0 19
% 5,3% 31,6% 57,9% 5,2% 0,0% 100,0%
Feminino N 16 62 22 5 2 107
% 14,9% 57,9% 20,6% 4,7% 1,9% 100,0%
Geral N 17 68 33 6 2 126
% 13,5% 54,0% 26,2% 4,7% 1,6% 100,0%
Direção educacional Masculino N 1 13 8 2 0 24
% 4,2% 54,2% 33,3% 8,3% 0,0% 100,0%
Feminino N 2 61 36 12 0 111
% 1,8% 55,0% 32,4% 10,8% 0,0% 100,0%
Geral N 3 74 44 14 0 135
% 2,2% 54,8% 32,6% 10,4% 0,0% 100,0%
Coordenação pedagógica Masculino N 0 2 0 0 0 2
% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%
Feminino N 2 9 9 4 0 24
% 8,3% 37,5% 37,5% 16,7% 0,0% 100,0%
Geral N 2 11 9 4 0 26
% 7,7% 42,3% 34,6% 15,4% 0,0% 100,0%
Supervisão educacional Masculino N 0 4 9 1 0 14
% 0,0% 28,6% 64,3% 7,1% 0,0% 100,0%
Feminino N 0 10 21 5 0 36
% 0,0% 27,8% 58,3% 13,9% 0,0% 100,0%
Geral N 0 14 30 6 0 50
% 0,0% 28,0% 60,0% 12,0% 0,0% 100,0%

FONTE: Elaboração própria (CAMPINAS, 2017).

TABELA 4 FAIXA ETÁRIA DE OCUPANTES DE CARGOS DE ESPECIALISTAS DA REDE MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP EM 2017 POR CARGO E SEXO (EM % E EM NÚMEROS ABSOLUTOS) 

Cargo Sexo % Faixa etária Total
30-39 40-49 50-59 60-69 70-79
Orientação pedagógica Masculino N 2 6 1 1 0 10
% 20,0% 60,0% 10,0% 10,0% 0,0% 100,0%
Feminino N 28 51 38 8 0 125
% 22,4% 40,8% 30,4% 6,4% 0,0% 100,0%
Geral N 30 57 39 9 0 135
% 22,2% 42,2% 28,9% 6,7% 0,0% 100,0%
Vice-direção Masculino N 2 5 11 1 0 19
% 10,5% 26,3% 57,9% 5,3% 0,0% 100,0%
Feminino N 21 42 36 7 1 107
% 19,6% 39,3% 33,7% 6,5% 0,9% 100,0%
Geral N 23 47 47 8 1 126
% 18,3% 37,3% 37,3% 6,3% 0,8% 100,0%
Direção educacional Masculino N 4 9 7 4 0 24
% 16,7% 37,5% 29,2% 16,7% 0,0% 100,0%
Feminino N 9 47 49 5 1 111
% 8,1% 42,3% 44,1% 4,5% 0,9% 100,0%
Geral N 13 56 56 9 1 135
% 9,6% 41,5% 41,5% 6,7% 0,7% 100,0%
Coordenação pedagógica Masculino N 1 1 0 0 0 2
% 50,0% 50,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%
Feminino N 4 6 12 2 0 24
% 16,7% 25,0% 50,0% 8,3% 0,0% 100,0%
Geral N 5 7 12 2 0 26
% 19,2% 26,9% 46,2% 7,7% 0,0% 100,0%
Supervisão educacional Masculino N 0 4 10 0 0 14
% 0,0% 28,6% 71,4% 0,0% 0,0% 100,0%
Feminino N 0 12 20 4 0 36
% 0,0% 33,3% 55,6% 11,1% 0,0% 100,0%
Geral N 0 16 30 4 0 50
% 0,0% 32,0% 60,0% 8,0% 0,0% 100,0%

FONTE: Elaboração própria (CAMPINAS, 2017).

TABELA 5 FAIXA ETÁRIA DE DOCENTES DE EDUCAÇÃO BÁSICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS/SP (TODAS AS REDES) EM 2018 (em%) 

Cargo Sexo 20-29 anos 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60 anos ou mais
Docente Masculino 9,3 34,8 26,5 22,4 7
Feminino 10,5 30,7 30,7 22,7 5,4
Geral 10,2 31,6 29,9 22,6 5,7

FONTE: Elaboração própria (INEP, 2019).

TABELA 6 FORMAÇÃO E TITULAÇÃO DE OCUPANTES DE CARGOS DE ESPECIALISTAS DA REDE MUNICIPAL DE CAMPINAS/SP EM 2017 POR CARGO E SEXO (EM % E EM NÚMEROS ABSOLUTOS) 

Cargo Sexo % Formação e titulação
Graduação Especializ. Mestrado Doutorado Não informado Total
Orientação pedagógica Masculino N 4 2 1 1 2 10
% 40,0% 20,0% 10,0% 10,0% 20,0% 100,0%
Feminino N 18 66 29 7 5 125
% 14,4% 52,8% 23,2% 5,6% 4,0% 100,0%
Geral N 22 68 30 8 7 135
% 16,3% 50,4% 22,2% 5,9% 5,2% 100,0%
Vice-direção Masculino N 5 10 3 1 0 19
% 26,3% 52,6% 15,8% 5,3% 0,0% 100,0%
Feminino N 10 84 10 1 2 107
% 9,3% 78,5% 9,3% 1,0% 1,9% 100,0%
Geral N 15 94 13 2 2 126
% 11,9% 74,6% 10,3% 1,6% 1,6% 100,0%
Direção educacional Masculino N 6 10 4 0 4 24
% 25,0% 41,6% 16,7% 0,0% 16,7% 100,0%
Feminino N 8 72 14 6 11 111
% 7,2% 64,9% 12,6% 5,4% 9,9% 100,0%
Geral N 14 82 18 6 15 135
% 10,4% 60,7% 13,3% 4,5% 11,1% 100,0%
Coordenação pedagógica Masculino N 0 0 2 0 0 2
% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 100,0%
Feminino N 0 4 9 4 7 24
% 0,0% 16,7% 37,5% 16,7% 29,1% 100,0%
Geral N 0 4 11 4 7 26
% 0,0% 15,4% 42,3% 15,4% 26,9% 100,0%
Supervisão educacional Masculino N 2 4 4 4 0 14
% 14,2% 28,6% 28,6% 28,6% 0,0% 100,0%
Feminino N 2 10 15 8 1 36
% 5,5% 27,8% 41,7% 22,2% 2,8% 100,0%
Geral N 4 14 19 12 1 50
% 8,0% 28,0% 38,0% 24,0% 2,0% 100,0%

FONTE: Elaboração própria (CAMPINAS, 2017).

A partir dos dados da tabela 3, verifica-se que a faixa etária de ingresso no cargo atual predominante nos cargos de especialistas é de 30 a 39 anos, com exceção do cargo de supervisão educacional, situada na faixa de 40 a 49 anos. Nos cargos de orientação pedagógica e direção educacional não se observam diferenças significativas entre homens e mulheres, mas no cargo de vice-direção a maior parte de mulheres (57,9%) ingressou em idade mais jovem - de 30 a 39 anos - do que o mesmo percentual de homens (57,9%), que ingressou na faixa de 40 a 49 anos. No cargo de supervisão educacional, embora o maior percentual de ingresso se encontre na faixa dos 40 aos 49 anos para ambos os sexos, percebemos uma diferença de seis pontos percentuais de mulheres que ingressam mais tarde em tal cargo. Na faixa de 50 a 59 anos encontram-se 7,1% deles e 13,9% delas.

Na tabela 4 observamos que, em 2017, a maior parte de ocupantes de cargos de especialistas na rede municipal se encontrava nas faixas de 40 a 49 e de 50 a 59 anos. No cargo de orientação pedagógica, a idade predominante era de 40 a 49 anos (42,2%), enquanto nos cargos de vice-direção e direção educacional as faixas de 40 a 49 e de 50 a 59 anos empatavam - representavam 37,3% cada uma, no caso do primeiro cargo e 41,5% no caso do segundo. Nos cargos de coordenação pedagógica e de supervisão educacional predominava a faixa de 50 a 59 anos - 46,2% no primeiro cargo e 60% no segundo. Ao se comparar as faixas etárias de homens e mulheres que ocupam tais cargos verifica-se diferenças apenas nos cargos de vice-direção e direção. No primeiro, o maior percentual de homens está em uma faixa etária mais avançada do que o maior percentual de mulheres - predominam as faixas de 50 a 59 anos e 40 a 49 anos, respectivamente. No cargo de direção educacional, tal situação se inverte: o predomínio deles está na faixa de 40 a 49 anos e o delas na faixa de 50 a 59 anos.

Entre ocupantes de cargos de especialistas na rede municipal pesquisada observa-se faixa etária mais avançada do que a observada no cargo de docente no município de Campinas/SP. Em 2018, predominavam entre docentes desse município as faixas de 30 a 39 anos (31,6%) e de 40 a 49 anos (29,9%), diferença que pode ser associada à exigência de formação e experiência prévias na carreira docente para ingresso nos cargos de especialistas. Entre as funções docentes, o maior percentual de homens se encontrava na faixa de 30 a 39 anos (34,8%) e o de mulheres empata entre essa faixa e a de 40 a 49 anos, cada uma representando 30,7% do total, conforme pode ser observado na tabela 4.

Assim como a faixa etária, a titulação declarada por ocupantes de cargos de especialistas na rede se diferencia de acordo com a hierarquia. Enquanto entre os cargos que atuam no âmbito escolar - vice-direção, orientação pedagógica e direção - predomina como maior titulação a especialização, nos cargos de coordenação pedagógica e supervisão educacional predomina o mestrado, conforme podemos verificar na tabela 6.

Na comparação entre cargos docentes e de especialistas, a titulação se mostra maior proporcionalmente ao lugar do cargo na hierarquia. Como observamos na tabela 7, que considera as diversas redes - e não apenas a rede municipal -, a maior titulação predominante é a especialização (23,6%). Ao compararmos com o grupo de especialistas da rede municipal pesquisada, podemos perceber que o avanço aos cargos mais altos na hierarquia é acompanhado de maior investimento na formação, com aumento de pessoas com mestrado e doutorado nos cargos mais altos.

TABELA 7 FORMAÇÃO E TITULAÇÃO DE DOCENTES DE EDUCAÇÃO BÁSICA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS/SP (TODAS AS REDES) em 2018 (em %) 

Cargo Formação Titulação
Ensino Fundamental Ensino Médio Graduação Especialização Mestrado Doutorado
Docente 0,1 8,1 91,8 23,2 3,9 0,8

FONTE: Elaboração própria (INEP, 2019).

O fato de não encontrarmos diferenças significativas entre homens e mulheres que ocupam cargos de especialistas na rede pesquisada a partir de dados a respeito da idade de ingresso no cargo atual, faixa etária e titulação sinaliza que o provimento de cargos de especialistas por concurso público pode ser um fator que possibilite maior igualdade de oportunidades de ascensão na carreira docente entre homens e mulheres, embora essa forma de provimento não tenha esse objetivo explícito. O concurso público é uma forma de ingresso aos cargos mais altos que apresenta um caráter mais objetivo e impessoal de ascensão na carreira, em comparação com a eleição e a indicação política. No entanto, ressalvamos que essa igualdade observada entre ocupantes de cargos no município pesquisado não leva em conta as experiências anteriores vivenciadas em outras redes e cargos.

Diferenciações de gênero e ascensão na carreira: o caso do cargo de direção educacional

Como os dados quantitativos não permitiam que verificássemos a experiência anterior ao ingresso no cargo atual, foi a partir de entrevistas com diretoras e diretores que atuavam na rede municipal que observamos outras diferenças de gênero na ascensão na carreira docente.

O cargo de direção foi escolhido por ser aquele que, no âmbito escolar, exerce maior influência e conta com o maior percentual de ocupantes do sexo masculino. Na seleção das pessoas entrevistadas buscou-se abranger um perfil variado e, dessa forma, contamos com pessoas de ambos os sexos, na faixa etária de 37 a 60 anos, com um a quinze anos de atuação no cargo atual e quinze a 36 anos de tempo total na carreira do magistério.

A partir das entrevistas foram observadas desigualdades de gênero na primeira experiência na gestão educacional, com diferenças no tempo prévio de manejo de sala de aula, na idade em que mulheres e homens tiveram essa primeira ascensão na carreira, na forma de provimento do primeiro cargo de especialista e nas influências e incentivos recebidos.

Dois terços das pessoas entrevistadas vivenciaram experiências em cargos de especialistas em outras redes antes de assumirem a direção na rede municipal estudada. Essa experiência teve início nas funções de coordenação pedagógica, vice-direção, assistência de direção, assessoria técnico-pedagógica, ou no próprio cargo de direção. Uma dessas experiências prévias foi observada no relato de Alexandre, convidado a assumir a coordenação pedagógica pouco tempo após a conclusão do curso de licenciatura.

Concluindo a graduação em história, eu retorno para a escola em que eu havia estudado desde criança, e ali eu começo uma vida de professor substituto, professor de classe. Sou convidado pela diretora, que coincidentemente é essa diretora que eu cito, que era muito conservadora, ela ficou por volta de 25 anos na escola, e vendo o meu trabalho, acredito que ela tenha consciência de que tinha que ter uma outra conduta, e eu envolvido com movimentos culturais, fazia teatro na época, e ela me convidou a ser coordenador da escola (informação verbal, ALEXANDRE, 2016).

Enquanto a maioria dos diretores vivenciou outras experiências na gestão antes do ingresso no cargo atual, com uma exceção, mais da metade das diretoras entrevistadas (quatro casos) iniciou a experiência como especialista após aprovação no concurso público para o cargo que ocupa atualmente, como no caso de Manuela, que viveu sua primeira experiência na gestão no cargo atual - ingressou aos 36 anos, após 14 anos de experiência no magistério.

[Pesquisadora:] E você já pensava em ser diretora, assim?

[Manuela:] Não, porque eu nunca nem trabalhado tinha, como professora, então, assim, eu não tinha essa vivência de escola. [...] [Trabalhava] como professora, aí depois, em 2002, eu prestei outro concurso - porque é tudo cargo público, professor é um cargo, diretor é outro cargo -, então em 2002 eu prestei um concurso para diretora, porque aí eu já tinha onze anos de Secretaria Municipal de Educação de Campinas, e aí surgiu esse concurso, os filhos já tinham crescido, porque até então eu trabalhava só meio período, o que era bem legal para ter os filhos, enfim, o horário que eles iam para a escola eu também ia, a gente conseguia fazer as outras coisas juntos, aí eu prestei esse concurso porque teve para vice-diretor, diretor, orientador pedagógico, coordenador pedagógico e supervisor. [...] E o meu perfil, eu acho que era mais para diretor mesmo (informação verbal, MANUELA, 2017).

Os homens entrevistados ascenderam, em média, após menos tempo na carreira docente e o fizeram, em geral, mais novos do que elas. Enquanto eles ascenderam após em média 9,7 anos de manejo de sala de aula e aos 32 anos, na carreira delas isso ocorreu após em média 15 anos de carreira e aos 36,3 anos de idade.

Outra diferença encontrada foi na forma de acesso ao primeiro cargo na gestão. Enquanto a maior parte das mulheres entrevistadas ascendeu por aprovação em concurso público - como relatou Manuela -, a maior parte deles ascendeu por indicação - como relatou Alexandre - e, em menor número, eleição.

O caminho para ascender na carreira contou com diferentes tipos de influência, os quais classificamos como incentivos verticais ou horizontais, além da visão espontânea de ascensão. No caso dos homens, predominaram os incentivos verticais, enquanto a maioria das mulheres entrevistadas revelou uma visão espontânea de ascensão na carreira.

A ascensão por incentivos verticais - também exemplificada pelo relato de Alexandre - ocorreu a partir de convites realizados por pessoas que ocupam cargos hierarquicamente superiores - direção educacional, supervisão, direção de ensino - para que docentes passassem a assumir funções na gestão escolar, ou em instâncias externas à escola - como a diretoria de ensino no caso da rede estadual. A forma de provimento nesse tipo de ascensão é a indicação e não depende de uma qualificação superior à de colegas para ocorrer. Vários diretores do sexo masculino que relataram esse tipo de incentivo foram docentes formados em outras licenciaturas e poucos haviam recentemente concluído o curso de pedagogia como segunda formação quando receberam tal convite.

Os incentivos horizontais para ascensão têm origem em espaços fora do local de trabalho - família, colegas de curso universitário -, ou partem de colegas que ocupam o mesmo nível hierárquico, propondo a realização de concurso público para o cargo de direção escolar. O relato de Cláudia a respeito da decisão por atuar na gestão escolar exemplifica esse incentivo recebido de colega que a levou a investir na formação na área pedagógica e, posteriormente, inscrever-se no concurso público.

Olha, foi meio que ocasional. Por que eu falo isso? Porque, assim, eu nunca tinha pensado em ser diretora, mas aí um amigo meu me convidou para fazer pedagogia: Vamos, Cláudia, fazer pedagogia - isso foi antes do mestrado -, e como eu estava meio parada na época, e eu sentia que eu precisava fazer alguma coisa, porque eu achava que estava na hora, eu falei: ah, tá bom, então eu vou fazer esse curso de pedagogia com você. E fiz, mas assim meio que por fazer. Aí, quando saiu o concurso de Campinas, ele me ligou falando: Cláudia, vamos prestar! Então está bom, vamos prestar, mas assim, tudo de última hora. E aí eu prestei para direção, e entrei, aí estou até hoje. Mas eu gosto muito (informação verbal, CLÁUDIA, 2016).

Apesar de demonstrarem uma visão acerca da carreira docente que não pressupunha necessariamente ascender em algum momento, a oportunidade proporcionada pelo concurso público e os incentivos recebidos levaram essas pessoas a buscar tal caminho e, assim, ingressar pela primeira vez em um cargo na gestão escolar.

Na visão espontânea da ascensão na carreira, não se observa uma interferência externa, pois tal decisão é atribuída a interesse e esforço individuais. Na maior parte dos casos relatados - exemplificados pelo relato de Manuela - esse tipo de ascensão ocorreu pelo concurso público que realizaram para ingresso no cargo atual ou por outro concurso que o antecedeu.

Pudemos perceber, a partir dos relatos de diretoras e diretores, a existência de diferenças na carreira docente entre mulheres e homens, com a existência de vantagens na ascensão na carreira docente para eles em detrimento da maior parte delas. Enquanto os primeiros contaram, principalmente, com incentivos verticais para ascensão, a qual ocorreu em vários casos antes dos trinta anos de idade, a maior parte delas dependeu de uma iniciativa individual, quase espontânea, para ascender. Em alguns casos, a ascensão das diretoras relacionou-se, ainda, ao cansaço e ao avançar da idade, após vários anos de atuação na carreira docente.

Considerações finais

A docência, embora seja uma área profissional considerada feminina, permanece uma carreira com privilégios masculinos. A partir de dados da rede pesquisada, observamos que o maior percentual de homens ocupa exatamente os cargos mais altos na hierarquia, embora ao compararmos em um mesmo cargo variáveis como a idade de ingresso no cargo atual, a faixa etária e a titulação, por sexo, não tenham sido encontradas diferenças significativas.

A partir das histórias de diretoras e diretores, identificamos que eles ascenderam mais cedo para cargos na gestão escolar - seja pela idade mais jovem, seja pelo menor tempo de carreira enquanto docente - e contaram com incentivos diferenciados das mulheres. Enquanto elas ascenderam principalmente por concurso público e a partir de uma iniciativa individual, eles contaram com a indicação e, consequentemente, incentivos provenientes de pessoas hierarquicamente superiores.

1Este artigo foi baseado nos dados da pesquisa de doutorado de Monteiro (2019), que recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 54943415.4.0000.5404.

2No texto buscou-se utilizar linguagem inclusiva de gênero, com exceção de citações diretas e trechos de entrevistas, que foram mantidos conforme original.

3Na articulação dos conceitos de gênero e divisão sexual do trabalho, concordamos com as considerações elaboradas por Carolina Alvarenga e Cláudia Vianna (2012). Ao mesmo tempo que os estudos de gênero nos possibilitaram perceber gênero como construção social (SCOTT, 1995), a noção de divisão sexual do trabalho nos permite verificar as desigualdades que permeiam o trabalho remunerado e não remunerado, considerando socialmente construída a desvalorização do trabalho feminino (KERGOAT, 2009).

4Os cargos de orientação pedagógica, vice-direção e direção têm atuação no âmbito escolar, e os de coordenação pedagógica e supervisão educacional visam atuação no âmbito municipal.

5Mês de referência: junho/2017.

6Os dados sobre docentes abrangem todas as redes de ensino do município estudado, além da rede municipal

REFERÊNCIAS

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Recebido: 02 de Janeiro de 2020; Aceito: 20 de Novembro de 2020

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