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Educar em Revista

versão impressa ISSN 0104-4060versão On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 11-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.75394 

ARTIGO

Infância e Educação Científica: perspectivas para aprendizagem docente

Childhood and scientific education: perspectives for teaching learning

Monique Aparecida Voltarelli* 
http://orcid.org/0000-0003-2605-0930

Eloisa Assunção de Melo Lopes** 
http://orcid.org/0000-0003-3058-2761

*Universidade de Brasília. Faculdade de Educação. Brasília, Distrito Federal, Brasil.

**Universidade Federal de Jataí. Unidade Acadêmica Especial de Ciências Biológicas. Jataí, Goiás, Brasil.


RESUMO

Este artigo aborda a relação entre a formação de professores e a importância da Educação Científica na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, de forma a trazer indicativos para a aprendizagem inicial docente no trabalho com as crianças. Para tanto se recorreu às narrativas dos estudantes do curso de Pedagogia de uma universidade pública brasileira, que após realizarem visitas a campo para observar a prática pedagógica de professores puderam ampliar as perspectivas acerca do ensino de Ciências atrelado às especificidades da infância. Ficou evidente a necessidade de atividades sensoriais e lúdicas pautadas na experimentação, com visitas e passeios externos como fundamentais para o ensino de Ciências para as crianças, bem como ficou claro que os sentimentos de participação e pertença atrelados à formação cidadã na Educação Científica favorecem a aprendizagem das crianças para desvelar os fenômenos do mundo de forma crítica e reflexiva.

Palavras-chave Educação Infantil; Ensino de Ciências; Formação Docente; Infância

ABSTRACT

This article addresses the relationship between teacher education and the importance of Science Education in early Childhood Education and early years of Elementary School, in order to bring indications for the initial teaching learning in working with children. To this end, a recourse was made to the narratives of students in the Pedagogy course, from a Brazilian public university, who, after making field visits to observe the pedagogical practice of teachers, were able to broaden the perspectives about Science teaching linked to the specificities of childhood. The need for sensory and ludic activities based on experimentation became evident, with visits and outings as essential for teaching Science to children, as well as it became clear that the feelings of participation and belonging linked to citizen education in Science Education favors the learning of children to unveil the phenomena of the world in a critical and reflective way.

Keywords Early Childhood Education; Science Teaching; Teacher Education; Childhood

Introdução

Aprender Ciências Naturais, suas linguagens e procedimentos, é compreender que a Educação Científica vai muito além de adquirir conhecimentos para obter êxito nas atividades escolares. É envolver-se com as particularidades da Ciência, observar, questionar, investigar e encantar-se com as descobertas.

Na Educação Infantil, experimentar esses processos e envolver as crianças pequenas com atividades investigativas é uma necessidade premente. Para Silva, Paniagua e Machado (2014, p. 2) proporcionar um ensino de Ciências “que ultrapasse a barreira do concreto e do diretamente perceptível à criança de Educação Infantil” demanda que o professor, cada vez mais, integre o pensar científico em suas atividades, já que “os conhecimentos científicos necessitam ser compartilhados, ensinados, mediados e construídos [...] de forma a enriquecer a experiência da criança, potencializando assim sua atividade criadora”.

Para que essas dimensões sejam contempladas nos processos de ensinoaprendizagem das crianças é necessário que, nos cursos de Pedagogia, a discussão sobre o ensino de Ciências Naturais esteja presente ao falar sobre a infância e as crianças, e que existam espaços de articulação entre a teoria e a prática docente, tendo em vista que a “aproximação do futuro professor com o campo do trabalho é importante porque há saberes da profissão docente que são desenvolvidos em contato com a atividade profissional, com a escola e com professores da Educação Básica” (RODRIGUES; PEREIRA; MOHR, 2020, p. 25).

Desse modo, compreende-se que se aprende sobre docência no momento em que são oportunizadas e vivenciadas experiências legítimas de participação no ambiente educativo e que, a sala, as crianças, o ensino de Ciências Naturais, bem como as reflexões sobre as interações que ali acontecem devem ser motivo de estudo e discussão, possibilitando um processo formativo dinâmico e coerente com os princípios da educação cidadã.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo1 é mostrar as potencialidades e desdobramentos de uma atividade de campo realizada em uma disciplina sobre ensino de Ciências e Tecnologia de um curso de Pedagogia de uma universidade pública brasileira, evidenciando as narrativas decorrentes da interação dos estudantes com o ambiente educativo e com observações sobre a Educação Científica para as crianças pequenas.

O ensino de Ciências para as crianças

A leitura do mundo precede a leitura da palavra”.

Paulo Freire (1989)

Pensar o acesso das crianças à cultura científica envolve proporcionar subsídios para que elas explorem e construam o conhecimento a partir da maior riqueza que o ensino de Ciências pode ofertar aos pequenos, que é a prática da pesquisa. Historicamente as crianças foram colocadas em posição de subordinação diante das relações geracionais e de aprendizagem. Neste sentido, verifica-se frequentemente a preocupação de formar as crianças para o futuro, projetando para a idade adulta competências que poderão ter a partir de aspectos trabalhados na infância, o que acaba por desconsiderar as crianças no presente. Diante dessa compreensão, acrescenta-se ainda que pouco se valoriza os saberes das crianças, os seus modos de pensar, de estabelecer relações e construir significados.

O estudo pioneiro realizado por Ariès (1981) apontou que a infância é uma construção social e histórica e que se difere nas diversas sociedades, bem como fatores econômicos, políticos, culturais e geográficos influenciam na forma como as crianças vão viver suas infâncias, o que não é um fenômeno natural e universal (QVORTRUP, 2010, 2011). Assim, compreende-se que as crianças são atores sociais, que carregam consigo conhecimentos e saberes adquiridos cotidianamente na cultura em que estão inseridas, convocando os professores a considerar o que já sabem, bem como suas perspectivas, desafiando-os a conhecer as crianças com as quais trabalham, para então desenvolver atividades contextualizadas.

Falar de crianças, no plural, desafia as intencionalidades postas por bases curriculares que visam uma infância genérica, única, normatizada e pautada em um desenvolvimento linear a fim de convocar para o mundo educativo o olhar para a pluralidade da infância.

A curiosidade das crianças instiga e indaga os elementos presentes no mundo, bem como demanda buscas de respostas sobre os fenômenos naturais, sociais, geográficos, culturais, tecnológicos etc. Essas buscas de respostas vêm atreladas ao infinito uso do “Por quê?” pelas crianças, o que muitas vezes não é considerado pelos adultos. Quando as crianças perguntam “Por quê?” na verdade não estão em busca de respostas, mas sim procurando suporte e encorajamento para realizar suas pesquisas e construir significados sobre os elementos que querem descobrir (RINALDI, 2016).

Realizar pesquisas mobiliza interações com os pares e com outras gerações, atravessa o campo de investigação em suas diversas possibilidades, promove mudanças nas relações com a produção do conhecimento. Considerar as crianças pesquisadoras possibilita compreender como elas pensam, como organizam suas reflexões, quais saberes mobilizam para realizar suas investigações, sejam elas feitas de forma sofisticada, simplista, complexa ou brincante. As crianças aprendem de forma integral e não fragmentada, elas estão de corpo inteiro em tudo que fazem e convocam os adultos e professores para experimentar essa inteireza nos mais diversos processos de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, a postura de pesquisador é requerida tanto para as crianças quanto aos professores, para que juntos criem ambientes colaborativos para elaboração do saber, sustentado nas relações sociais e na cultura (MOSS, 2002), e para que também os professores possam elaborar ambientes desafiadores para as crianças, oportunizando a ampliação de experiências e o manuseio de materiais diversos que possam contribuir com a produção coletiva de significados.

Segundo Tiriba (2018), as crianças aprendem entre elas e demonstram para os professores possibilidades outras para o desenvolvimento da mesma atividade, sendo que ao promover encontros com a natureza amplia-se o universo de aprendizagens e faz-se com que os pequenos passem a adquirir noções sobre a realidade socioambiental, interagindo, preservando, conhecendo o meio em que vivem, para que possam agir localmente, aprendendo conceitos que irão contribuir para o entendimento e cuidado desse meio. Segundo a autora, os planejamentos pedagógicos costumam fragmentar a realidade, fazendo-se urgente explorar os ambientes externos das instituições educativas para que as crianças contemplem a natureza, familiarizem-se com o mundo natural e possam identificar elementos que necessitem ser analisados com mais profundidade.

Os objetos de pesquisa das crianças não são aqueles que aparecem nos livros didáticos, mas sim elementos que fazem parte do dia a dia e que despertam a curiosidade delas, a fim de que possam ir construindo, por meio do mergulho em suas pesquisas, percepções e significados sobre a realidade. Considerar as observações das crianças, a forma como exploram o ambiente e como iniciam os processos para compreender seu entorno fornece aos profissionais das creches e pré-escolas indicativos para explorar temas de interesse dos pequenos, entusiasmando as crianças a seguirem com seus processos investigativos para constatarem as transformações, os maravilhamentos com as novidades que serão por elas desveladas.

Cabe mencionar que além de investigar e de se encantar com as descobertas, as crianças também são capazes de formular suas próprias teorias. De acordo com Rinaldi (2016), buscamos criar teorias para explicar elementos que desejamos compreender, e assim como os adultos, as crianças também podem desenvolver suas teorias de forma a compreender e elucidar satisfatoriamente suas questões, além de compartilhar com os demais seus pontos de vista. A autora italiana acrescenta ainda que ouvir as crianças e documentar os processos e percursos por elas desenvolvidos para a construção do conhecimento possibilita tornar visível a aprendizagem, incentivando as crianças a compartilharem as soluções encontradas para explicar situações da vida, sendo que esses processos compõem a pedagogia da escuta.

Escutar as crianças permite desenvolver nelas a atitude científica, uma vez que suas perspectivas são consideradas. Encorajá-las a buscar respostas para suas indagações, consultar diversas fontes, interpretar, propor alternativas e buscar conclusões para compartilhar com os colegas é essencial para a aprendizagem e o desenvolvimento do comportamento investigativo. Essa atitude também contribui para potencializar a responsabilidade ética e cidadã diante de questões políticas, sociais, culturais e econômicas, por desenvolver o pensamento crítico e reflexivo nas crianças e na relação com os pares (BRASIL, 2013).

A exploração do mundo físico também é apontada pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), que por meio dos campos de experiências sugere o campo “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” para que as crianças explorem, manipulem as diversas texturas, cores, formas, materiais, cheiros, sabores e objetos que ampliem o repertório cultural, artístico, científico e tecnológico delas. O documento também indica que as crianças possam se colocar como sujeitos dialógicos que se expressam por meio de suas diversas linguagens, necessidades, emoções, dúvidas, hipóteses, opiniões, questionamentos e análises e que possam ter seus pontos de vista considerados.

Para Albano (2012) o exercício de conhecer as crianças demanda, primeiramente, saber ouvi-las, aprender a vê-las, observando-as enquanto brincam, movimentam-se, envolvem-se nas atividades, de forma a compreender suas expressões e diversas linguagens. Nesse sentido, Dahlberg, Moss e Pence (2003) ressaltam a necessidade de observar as crianças na tentativa de enxergar e entender o que está acontecendo no trabalho pedagógico e o que elas são capazes de fazer sem qualquer estrutura predeterminada de expectativas ou normas. Desta forma, cabe aos docentes acolher, confiar e transmitir segurança às crianças em seus percursos investigativos, dando suporte para que possam suprir suas curiosidades por meio da pesquisa e construção coletiva do conhecimento.

De acordo com Morais (2010, p. 136), a linguagem permite colocar o pensamento em movimento e (re)construir significados. Ao propor a pluralidade expressiva para trabalhar com as crianças oportunizam-se experiências com o saber por meio do uso de diversas linguagens, o que permite que as crianças, por meio do desenho, pintura, movimento, canções, brincadeiras, entre outras, testem suas hipóteses, manuseando diversos materiais e recursos que possam alicerçar suas ideias investigativas (GOBBI, 2010), na tentativa de solucionar seus problemas e ao mesmo tempo vivenciando o processo criativo em potência.

Trabalhar os acontecimentos que são significativos para as crianças é uma maneira de ensiná-las a usar as “fontes, os métodos, os recursos e a si próprio (pensamento, ação, intuição) na construção de conhecimentos. É estabelecer autonomia na relação intelectual e política na relação com o trabalho” (NOGUEIRA, 1993, p. 40) e ir tecendo cotidianamente os comportamentos científicos que instiguem o pensamento crítico e criativo nas crianças. Desenvolver habilidades investigativas, segundo Harrison (2014) possibilita tomadas de decisão, desenvolvimento do raciocínio crítico, aprender a lidar com as emoções diante dos acertos e erros, além de envolver as crianças em ações que demandam autonomia, participação, conclusões por meio do uso de argumentos racionais.

A formação de pedagogos para a Educação Científica das crianças

A formação de professores coloca-se como elemento essencial para o desenvolvimento da Educação Científica das crianças. Sabe-se que uma das grandes críticas referentes à formação docente é o ensino de forma fragmentada, conteudista e focalizado no desenvolvimento linear das crianças, como se fosse algo que ocorresse da mesma forma para todas elas.

De acordo com Kramer (2001), uma das problemáticas da formação dos professores no interior das universidades refere-se a sua natureza disciplinar, que tem efeitos contraditórios ao que se espera que seja desenvolvido na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, pois não têm levado o profissional a compreender que as crianças pequenas aprendem de modo integrado.

Nesse sentido, o conhecimento acerca da infância e das crianças também precisa ser revisitado, pois historicamente elas foram vistas como seres incompletos, imaturos, subalternos ao mundo adulto, que deveriam ser preparadas para serem cidadãs no futuro. Essa concepção marcou o modelo de transmissão de conhecimentos para as crianças na escola, que deveriam “receber” os conteúdos depositados pelos professores, pois eram consideradas desprovidas de pensamento próprio, como já criticava Paulo Freire a respeito dessa “educação bancária”. Entretanto, essa compreensão já vinha sendo questionada há muito tempo, assim como as atividades descontextualizadas que frequentemente são usadas para ocupar o tempo das crianças nas instituições escolares, em que não há preocupação e nem garantia em relação à aprendizagem delas.

Dessa forma, olhar para os espaços da Educação Infantil e identificar as possibilidades existentes pode ser um primeiro convite para buscar no universo infantil as diversas linguagens capazes de desvendar as questões que surgem com as experiências com o espaço físico institucional, compreendendo como as crianças estabelecem relações com a natureza, com os pares, com os adultos e com as suas diversas curiosidades.

Esses espaços, que acolhem as crianças na primeira infância, podem ser vistos como lugares em que as crianças têm possibilidade de concentrar energias investigativas por meio de observações, levantamentos de hipóteses, testes e experimentações para desenvolver possíveis conclusões. O processo de aprendizagem na Educação Infantil relaciona-se aos princípios de fazer ciências, pois desde bebês vão conhecendo o método científico, fazendo suas observações, formulando hipóteses, realizando experimentos, analisando os dados, reportando as descobertas e convidando outras pessoas para verificar os resultados. As crianças desde seu nascimento usam os sentidos para se relacionar e apreender como as coisas do mundo funcionam. Quando um bebê leva para a boca algo que passou um tempo observando, busca maneiras de explorar o objeto, compreendendo o funcionamento a sua maneira e depois convidando as pessoas ao seu redor para visualizar suas descobertas, seja por meio dos risos, choros, balbucios, se lambuzando, sujando, misturando e experimentando as diversas possibilidades e, assim, eles se colocam como verdadeiros pesquisadores.

A atividade de pesquisa pode ser considerada como princípio educativo, metodológico, que oportuniza que as crianças sejam protagonistas da construção do conhecimento. Desta forma, o comportamento científico pode ser desenvolvido desde a Educação Infantil como disparador do senso crítico em relação aos saberes já acumulados e aos que ainda podem ser construídos sobre a vida na Terra, bem como no universo, de uma forma mais ampla. Nesse sentido é que a formação de pedagogos para a Educação Científica se faz necessária.

Na Educação Científica, as experimentações, acertos, erros, ajustes e retomadas de ações contribuem para que as crianças se familiarizem com o método científico e construam sentidos sobre o mundo ao seu redor. Cabe aos docentes desafiá-las em suas buscas, registrando os percursos traçados por elas e construindo memórias das pesquisas realizadas pelo grupo de crianças, por meio de diversos tipos de documentação pedagógica, para que juntos possam superar desafios e avançar na construção do saber (RINALDI, 2012; OSTETTO, 2012).

Compreende-se aqui que a construção do saber acontece quando as crianças, em seu processo de ensino-aprendizagem, são incentivadas a dialogar participando e expressando seus pontos de vista, e que o diálogo intrínseco e necessário ao processo educativo só acontece quando há comunicação democrática e participativa em que todos tenham o direito de se expressarem e de serem ouvidos. Afinal, é por meio do diálogo que são expressas as concepções e compreensões das crianças, ou seja, as representações que integram o mundo delas e que devem ser consideradas nos processos de ensino-aprendizagem.

Para Carneiro (1992, p. 45, tradução nossa), as representações das crianças “devem ser consideradas não somente como um ponto de apoio para o processo de ensino e aprendizagem, mas também como um dos elementos do processo de interação” entre professores e crianças; por isso, a consciência do diálogo deve estar presente nos momentos de formação dos pedagogos.

Dessa forma, nos cursos de Pedagogia, é necessário problematizar o ensino de Ciências para as crianças pequenas e oportunizar aos professores em formação diálogos e interações com as crianças, bem como a ação-reflexão sobre a prática docente. Para que isso aconteça é necessária a ampliação dos espaços formativos e das parcerias entre instituições, pois a universidade sozinha não dá conta de proporcionar todas as interações, vivências e reflexões necessárias à formação de professores. É necessário buscar outros espaços que potencializem essa formação e a escola é um deles.

Procedimentos metodológicos

Em uma universidade pública do Centro-Oeste brasileiro, uma disciplina sobre ensino de Ciências e Tecnologia é ofertada para o terceiro período do curso de Pedagogia. Nela os estudantes são solicitados a realizar atividades de saída de campo em ambientes educativos, a fim de acompanhar a Educação Científica das crianças na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Dentre os objetivos da disciplina estão: refletir sobre questões relativas ao ensino de Ciências e relacioná-las com a prática pedagógica; evidenciar o valor pedagógico das representações dos estudantes; e elaborar materiais didáticos voltados às séries iniciais.

O intuito da saída de campo é que os estudantes entrem em contato com as diferentes realidades educativas, dialoguem com as crianças sobre assuntos referentes ao ensino de Ciências da Natureza e busquem temas interessantes para a escrita e elaboração de materiais didáticos que devem ser entregues no final da disciplina, a qual também conta com oficinas de produção audiovisual e experimentação.

Neste trabalho, nos deteremos em analisar, por meio da Análise Textual Discursiva (ATD), a reflexão final decorrente da atividade de observação com as crianças, na qual a professora da disciplina solicitou aos estudantes que escrevessem de maneira crítica e reflexiva sobre as visitas nas instituições levando em consideração as ações desenvolvidas por cada um deles com as crianças e as contribuições dessas ações para o processo formativo no curso de Pedagogia. Assim sendo, foram analisados 64 documentos de registro de observação em que os estudantes relataram sobre a Educação Científica em instituições educativas públicas e particulares de uma cidade da Região Centro-Oeste do país. Após a leitura dos documentos, foram elaboradas três categorias de análise que permitiram compreender aspectos que perpassam a formação dos estudantes de Pedagogia em relação à Educação Científica para crianças pequenas, os quais serão apresentados na seção a seguir. Para preservar a identidade dos estudantes, eles foram retratados pela ordem das fichas de observação entregues.

Experiências de processos formativos iniciais: construções acerca da Educação Científica na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental

Atividades que relacionam teoria e prática são fundamentais para a aprendizagem docente. No referido curso de Pedagogia, os estudantes têm a possibilidade de visitar as instituições em diferentes oportunidades a fim de desenvolver trabalhos solicitados pelos professores das disciplinas. Nesta pesquisa, os estudantes passaram quatro meses do semestre realizando observações, escrevendo registros com reflexões sobre como as crianças aprendem Ciências e como os professores têm desenvolvido a atitude científica em sala.

Diante do material analisado foi possível localizar três categorias nos registros dos estudantes, referentes a: i) perspectivas dos estudantes de Pedagogia sobre as crianças; ii) ressignificação do trabalho com Ciências nas pré-escolas e escolas; iii) percepção dos estudantes acerca da prática docente.

No que tange à compreensão das crianças, mais da metade dos estudantes se impressionaram com a participação, comunicação e aprendizagem das crianças pequenas em relação aos conhecimentos científicos trabalhados na Educação Infantil, bem como nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Outro aspecto que chama atenção nos relatos dos estudantes refere-se à caracterização das crianças por meio de adjetivos como: animadas, dispostas, comunicativas, curiosas, participativas, acolhedoras, agitadas e questionadoras. Essa surpresa em relação à postura dos infantes demonstrou que os estudantes de Pedagogia pouco conheciam sobre as crianças pequenas e sobre a infância, principalmente ao se referirem ao que seria singular do período infantil.

Sobre as singularidades da infância, Kramer (2007) pontua que a imaginação, criatividade, os olhares curiosos diante do ambiente em que vivem, assim como a brincadeira e a ludicidade, retratam as formas das crianças serem e estarem no mundo. Conhecer as crianças pequenas com as quais se trabalha não seria a primeira tarefa do pedagogo ao planejar as atividades a serem desenvolvidas com elas? Quem são as crianças com as quais trabalhamos? Quais são seus interesses? Como elas interagem e se relacionam com o meio? Sabendo, pois, que as crianças aprendem brincando e exploram o ambiente na tentativa de descobrir o mundo e se descobrirem, ao menos dois aspectos precisam ser mencionados: primeiro, que as infâncias são plurais, o que implica diversas formas das crianças viverem a infância e se comunicarem, manifestarem-se em suas diversas linguagens; segundo, que as crianças já são competentes e têm saberes enquanto ainda são crianças, os quais divergem das expectativas adultas, mas demonstram sua bagagem cultural, sua produção cultural e como pela cultura são produzidos.

Os estudantes também destacaram percepções acerca das crianças enquanto crianças e das crianças que são vistas apenas como alunos, sendo desconsideradas em suas especificidades. Diversos relatos demonstram que quando as crianças se tornam alunas, principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental, aspectos como salas agitadas, indisciplinadas, medo de perguntar, receio em participar ou fazer constatações são vistos com frequência:

Os alunos se mostram bastante interessados em todos os conteúdos que a professora passa, [...], no entanto, percebi que os alunos parecem obedecer justamente por medo das represálias (bronca ou ficar sem parque). Parece, ainda, que há esse medo de ficar sem recreio, porque o momento do parque é bastante esperado pelos alunos, onde eles brincam entre si e inventam diversas brincadeiras e personagens (Ficha 5).

Enxerguei que às vezes os alunos só querem brincar, correr, contar histórias sem sentido – mas que para eles têm todo o sentido –, e isso não lhes é permitido, porque o professor não deixa, e o pior, ainda passa atividade (Ficha 48).

Quando lidamos com crianças, é preciso sempre se lembrar de quem eles são e que são pessoas que estão em formação [...] pedir que eles ficassem sentados, fazendo a atividade que ela sugeriu e em silêncio, para eles isso é muito difícil. Acho que faltava um pouco de compreensão da parte da professora em entender aqueles alunos como crianças e, além disso, seres com vontade própria e direito também, para que eles se sentissem mais confortáveis (Ficha 35).

As crianças no Ensino Fundamental continuam sendo crianças, mas, muitas vezes, são vistas pelos professores apenas como alunos que devem agir conforme uma cultura escolar que espera que elas aprendam sem movimentar o corpo, pensem sem as mãos, façam sem a cabeça, escutem e não falem, como já apontava Malaguzzi (1999) sobre o silenciamento das linguagens das crianças nas instituições educativas.

A Educação Científica demanda experimentos, movimentos, cheiros, observações de corpo inteiro e com todos os sentidos. E essa constatação esteve presente em praticamente todos os relatórios dos estudantes de Pedagogia, uma vez que ao observarem a prática docente tendo como foco a Educação Científica, apontaram que as Ciências despertam questionamentos e hipóteses acerca do funcionamento do mundo, e que as crianças, desde pequenas, mostram-se interessadas em investigar e desvelar essas estruturas. Conforme destaca o estudante:

Na nossa conversa ficou explícito o fato de que os alunos gostam bastante de aulas com experimentos e com o uso do laboratório. Pareceram gostar bastante das aulas de Ciências exatamente por isso, ter em algumas aulas a possibilidade de experimentar, ver e sentir o que estão estudando (Ficha 2).

As curiosidades e interesses das crianças também são apontados:

Na hora da explicação do conteúdo sobre o reconhecimento do corpo humano, suas funcionalidades, diversos órgãos e sistemas que o compõe, as crianças demonstraram grande interesse, ficaram bem agitadas e cheias de perguntas do cotidiano e que agora, mais do que nunca, queriam saber a resposta (Ficha 3).

O desejo de conhecer pode ser explorado pelos professores de forma a aproveitar as múltiplas linguagens das crianças para estimular o pensamento científico, além de introduzir elementos relacionados ao patrimônio construído pela humanidade de forma integrada, uma vez que as crianças na Educação Infantil não aprendem pela fragmentação das disciplinas e sim envolvendo diversos saberes para construir o conhecimento sobre uma temática. Elas observam o mundo o tempo todo e demonstram suas curiosidades e vontades de aprender sobre tudo, questionando de onde vêm as coisas, por que são construídas de um modo e não de outro.

Nos relatos também observam-se grandes críticas em relação ao ensino tradicional transmissivo, que fragmenta o conhecimento, restringindo as atividades pedagógicas ao livro didático, demonstrando preocupações em cumprir conteúdos e ameaçando a retirada do parque. Essa postura resultou no silenciamento e inibição das crianças, pois toda tentativa de participação era interrompida pelos docentes a fim de terminar a explicação. Também notaram que as crianças mantinham-se interessadas nos conhecimentos trabalhados em sala e seguiam instigadas em querer saber mais, sendo que encontravam poucas oportunidades de tirar suas dúvidas. Essas questões estiveram presentes em mais de uma instituição observada:

É importante ressaltar o conhecimento como uma construção, não um repasse de informações. Essa construção só é possível quando os alunos se tornam parte do processo, quando suas perguntas são levadas a sério, assim como suas explicações. Ir para a sala de aula esperando apenas respostas específicas é ignorar o pensamento dos estudantes e seus conhecimentos prévios, é afastá-los da possibilidade e ir além do que já foi posto [...]. Os alunos queriam chegar perto dos materiais, tocar, ver, sentir o processo das mudanças da água com seus próprios olhos, não apenas distante, sentado numa cadeira enquanto a professora diz um monte de informações (Ficha 5).

Infere-se desta constatação a origem das lacunas do ensino de Ciências: a visão do professor quanto ao que é Ciência e os passos para a formulação de hipóteses e raciocínios para que se chegue aos conceitos ou perguntas sobre o conteúdo a ser ministrado. Nada do processo científico entra em cena, apenas memorização. Para o professor que ministra a aula, mas não conhece ou não pesquisou sobre o assunto, o caminho mais fácil, certamente, será o de ditar o que está no livro didático, ignorando todo o processo científico (Ficha 23).

Assim pude perceber quão fundamental são as atividades experimentais e práticas para o ensino de Ciências, haja vista que tais atividades geram grande identificação e empatia, além do contato com conteúdos que podem ser de difícil compreensão por serem abstratos. Através da experiência tais conteúdos podem se tornar mais palpáveis, facilitando o entendimento das crianças. Assim, é fundamental reconhecer as opiniões e os conhecimentos das crianças ao apresentar novos conceitos, fazendo assim agregar sua vivência e identidade ao momento científico. Portanto, não se pode entender o ensino de Ciências somente sob uma perspectiva conteudista, mas principalmente pela perspectiva prática. Os alunos são cientistas potenciais e os conteúdos são suas possíveis dúvidas (Ficha 40, grifo nosso).

Ao final da aula estava claro que as crianças não estavam suportando mais ficar em sala de aula ouvindo a professora falar, e não haviam nem se engajado com o conteúdo e muito menos aprendido alguma coisa em sala. Observei uma falta imensa de ludicidade tanto nessa sala como na outra [...]. A professora utilizou métodos tradicionais para o ensino: uma aula expositiva e o uso do livro didático. O mais dinâmico que ela chegou a fazer foi mostrar um vídeo (Ficha 65).

Nos registros observou-se ainda a restrição de perguntas, por parte das professoras, para evitar a “proliferação de conversas” (Ficha 53) entre as crianças, bem como a necessidade de elaborar atividades que se pautassem nas interações e brincadeiras, que envolvessem as diversas formas de expressão, que proporcionassem a participação, considerando as perspectivas das crianças, suas bagagens culturais, seus pontos de vista e o questionamento em relação aos fenômenos a elas apresentados em sala.

Cabe mencionar que trabalhos desenvolvidos com os estudantes em campo não podem se reduzir às críticas em relação às práticas observadas, uma vez que elas servem para demonstrar os caminhos que podem ser evitados durante a atuação profissional e proporcionam outros entendimentos para o trabalho com as crianças. Além disso, é válido destacar que as práticas docentes observadas também inspiraram os estudantes do ensino de Ciências a desenvolver atitudes que sempre considerem as perguntas das crianças, por meio da pedagogia da escuta, com rodas de conversa, diálogos para tirar as dúvidas, ações que impulsionem as discussões científicas, ouvindo as hipóteses elaboradas pelas crianças, e no desenvolvimento de atividades que envolvam as sensações, sentidos, experimentações, investigações no espaço externo que sejam “lúdicas e livres de escolarização para poder ensinar às crianças diversas formas de ser, estar e compreender o mundo. Amei [...] entender um pouco desse processo de ensino-aprendizagem” (Ficha 39). Conforme apontando pelos estudantes, a exploração de diversos materiais e ambientes “deixa as crianças mais curiosas, fazendo com que prestem mais atenção e se envolvam com as temáticas [...] que possam colocar a mão na massa, fazer experimentos e conseguir de certa forma vivenciar o conteúdo sugerido.” (Ficha 50).

A necessidade de atividades pautadas na experimentação, uso de laboratórios, passeios e exploração de outros espaços para além das salas foi um aspecto destacado por todos os estudantes de Pedagogia, que evidenciaram a necessidade de relacionar as temáticas trabalhadas com elementos do cotidiano, criando atitudes científicas e promovendo atividades pedagógicas pautadas na observação, para que as crianças pudessem levantar hipóteses e demonstrar conhecimentos prévios. O sentimento de participação e pertença também foi destacado pelos estudantes ao demonstrar posturas docentes que envolviam as crianças durante os processos de ensino e aprendizagem:

A professora cria um ambiente em sala [...] que valoriza muito as pequenas descobertas das crianças. Na sala, é possível ver diversas plantas que foram plantadas e cuidadas pelas próprias crianças. A turma faz experimentos científicos em todas as unidades do livro utilizando o laboratório de Ciências e fazem uma visita ao jardim (plantação) periodicamente – inclusive, a turma plantou vegetais e acompanharam o crescimento destes até o momento da colheita para serem utilizados na cozinha. Esse foi um momento importante para as crianças, que sentiam muito orgulho de falar que participaram de um processo como esse. Após observar as aulas de Ciências e ter a oportunidade de conversar com as crianças sobre a disciplina e como elas se sentiam, percebi a importância que o professor tem nesse processo, bem como o incentivo. As crianças se sentiam parte das descobertas, não apenas observadores. As experiências científicas podem causar um grande impacto, tanto positivo quanto negativo, na vida das crianças (Ficha 56).

Além disso, todos ressaltaram a importância do trabalho com Ciências Naturais com as crianças pequenas, pois é uma maneira de proporcionar a elas “a compreensão do mundo, dos fenômenos e da vida, é dar significado aos porquês, que naturalmente já acompanham as crianças. É potencializar os talentos e a criatividade guardados em cada indivíduo” (Ficha 15). Dessa forma, trouxeram compreensões sobre as contribuições do ensino de Ciências Naturais para as crianças à medida que indicaram que “as aulas de Ciências são cercadas de muitas curiosidades e expectativas por parte dos estudantes” e que elas “precisam resultar na curiosidade, no querer investigar” (Ficha 49) e expressaram compreensões sobre ser “evidente que os alunos saíram transformados daquela aula” (Ficha 10), sobre ser “notável a apreciação dos alunos pelas Ciências Naturais”, e a consciência de que, a partir daquela aula de Ciências Naturais, “eles olharão para a sociedade de outra forma, com um novo olhar, e se espera que os mesmos tentem mudar suas atitudes, sejam mais sustentáveis e críticos ao assunto” (Ficha 10).

Diante de tantas percepções, cabe-nos questionar: onde e quando perdemos as crianças? Em que momentos as crianças pequenas deixam de estar motivadas diante do conhecimento? Como introduzir o comportamento científico sem apoiar-se em atitudes escolarizantes, que didatizam o lúdico e fazem com que as crianças deixem de construir conhecimentos a partir de suas curiosidades? Observar as crianças pequenas relacionando-se com os fenômenos do mundo e questionando o motivo e funcionamento de tudo que está ao seu redor requer do professor, não apenas daquele em formação inicial, mas também dos que já atuam com as crianças, encorajá-las em suas buscas a fim de que aprendam a construir teorias, encontrar respostas, descobrindo, assim, os mistérios do mundo. Tal procedimento demanda dos professores registrar e documentar os processos investigativos das crianças durante o percurso do trabalho das temáticas com os pequenos para que possam compreender como eles constroem conhecimento, assim como possibilitar que os próprios professores visualizem os caminhos escolhidos para o trabalho com as crianças, permitindo refletir sobre a prática.

Um dos caminhos na busca por respostas a esses questionamentos passa pela formação dos pedagogos e pela compreensão de que a formação de professores “deve assumir uma forte componente prática, centrada na aprendizagem dos alunos e no estudo de casos concretos, tendo como referência o trabalho escolar” (NÓVOA, 2009, p. 32). Nesse sentido, a contribuição da saída de campo e das observações e vivências proporcionadas por ela para a formação dos estudantes de Pedagogia fica evidente em narrativas, como a que expressa que “a sala de aula vai além de simples conteúdos e tem muito a nos ensinar” (Ficha 38), ou a que indica que “essa visita foi bem importante para meu processo formativo, pois pude perceber com clareza algumas coisas, o tipo de professor que quero ser, a relação que quero com meus alunos, como construir essa relação” (Ficha 6), ou ainda quando o estudante afirma:

Após levar em consideração todo o processo que já passei na formação do curso de Pedagogia, muitas das vezes nós graduandos nos deparamos com um pensamento intrigante de que aprendemos diversos tipos de conhecimentos/teorias/práticas, mas não os colocamos em ação. Por isso, visitas como essas são tão ricas para todo processo, não só de aprendizagem, como também o de ensino do futuro profissional da educação (Ficha 10).

São expressões que trazem a percepção dos estudantes acerca da prática docente e que demonstram a necessidade do estabelecimento de parcerias promovendo a interação e a participação dos pedagogos com seu futuro ambiente de trabalho e com os colegas mais experientes. Nesse sentido, Nóvoa (2009, p. 36) destaca que a “formação de professores deve passar para ‘dentro’ da profissão, isto é, deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos professores mais experientes um papel central na formação dos mais jovens”. A importância dessa relação fica evidente em narrativas como:

Conversei com a professora sobre essa questão e ela me contou da experiência dela, e uma coisa bem interessante que ela me falou foi que, na faculdade, não se ensina a dar aula, isso se aprende no dia a dia, na sala, pois você entra lá com tudo programado, mas quando chega na sala, uma pergunta de um aluno pode mudar tudo, então não tem uma fórmula de como dar aula, e isso me acalmou muito (Ficha 6).

Assistir de perto à rotina de um professor dentro de uma escola pública, no Brasil, é algo que teoria alguma ou uma disciplina de Didática poderia nos ensinar. A oportunidade de observar um educador, principalmente como aquele, aberto, solícito e esforçado foi única (Ficha 9).

Enfim, os momentos de interação no ambiente educativo e a disponibilidade de estar em sala disposto a aprender com o outro permitiram elaborações sobre a construção do conhecimento e o processo de ensino-aprendizagem em Ciências Naturais. Trouxeram também percepções importantes referentes à ação docente, aos desafios da profissão e possibilitaram a quebra de preconceitos, como se observa neste relato: “pois bem, essa visita me tirou todo medo, dúvida, questionamento que fazia a mim mesmo [...] eu agradeço muito a essa visita e à professora, pois quebrou um estigma que eu tinha sobre a profissão, e me deu grande motivação para amar mais ainda a profissão” (Ficha 6), assinalando que é necessário buscar espaços que potencializem a formação dos professores fora da universidade, a fim de ampliar os olhares sobre o trabalho educativo com as crianças.

Considerações finais

As narrativas aqui apresentadas evidenciaram o grande potencial que tem o contato dos estudantes com a realidade nas instituições educativas, e com o professor da educação básica, indicando que devem ser promovidos mais momentos de troca e possibilidades de diálogo entre os professores em formação e os professores em atuação, pois esse trabalho coletivo enriquece a aprendizagem inicial docente.

As instituições e a rede de seres humanos que as integram devem ser vistas como espaços coletivos de construção de conhecimentos, de trocas de experiências e vivências construtivas. O movimento de ir até as pré-escolas e escolas e se colocar aberto às perspectivas observadas é uma prática que todo curso de formação de professores deveria priorizar, para além dos estágios obrigatórios.

Conforme ressaltado pelos estudantes, a Educação Científica para a infância demanda considerar as crianças enquanto crianças e não alunas, em toda sua integralidade e singularidade, potencializando saberes, curiosidades e posturas investigativas, a fim de fornecer elementos que possibilitem que as crianças em suas empreitadas desvelem os fenômenos que perpassam suas vidas.

Promover Educação Científica no contexto da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental significa contribuir para a formação integral das crianças para que possam adquirir conhecimentos que as habilitem para o exercício de sua cidadania, compreendendo as questões que surgem em seu cotidiano, opinando, dialogando sobre pontos de vista, tomando decisões a fim de medir os riscos e benefícios que aí estão implicados.

As questões aqui apontadas fornecem indicativos para repensar as atividades com as crianças para que as observações, sensações e experimentações sejam priorizadas, a fim de que as respostas sejam construídas coletivamente com o grupo trabalhado. Apesar de ressaltar aspectos presentes nas instituições educativas, este trabalho busca instigar o seguimento de pesquisas e investigações nesta área a fim de promover avanços nas práticas educativas e despertar o maravilhamento das crianças e adultos nas relações travadas para perscrutar, conhecer e compreender os fenômenos do mundo.

1O presente artigo é uma publicação decorrente do projeto de pesquisa “Os Estudos Sociais da Infância e a Educação Infantil: Diálogos com Políticas Públicas, Sociedade e Cultura”, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação – Modalidade Profissional (PPGEMP/ UnB) pela Profa. Dra. Monique Ap. Voltarelli, que contou com o financiamento da Chamada Interna PPGEMP Nº 01/2020, ao qual registro agradecimento.

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Recebido: 23 de Julho de 2020; Aceito: 12 de Abril de 2021

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