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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 09-Abr-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.77147 

Dossiê - A dimensão biográfica como processo de formação e de compreensão de si e do mundo

Da condição à sociedade biográfica1

From condition to biographical society

Christine Delory-Momberger* 
http://orcid.org/0000-0001-5734-2771

*Université Sorbonne Paris Nord. Villetaneuse, França. E-mail: delory@univ-paris13.fr - Presidente do Centro Internacional de Pesquisa Biográfica em Educação (CIRBE) e Diretora científica da revista Le sujet dans la Cité. Revue internationale de recherche biographique.


RESUMO

Ao questionar as inflexões da “condição biográfica” e as transformações que afetam, por sua vez, os processos de biografização à luz da “sociedade biográfica”, este artigo mostra como a narrativa do eu experimenta atualmente uma revolução em seu status que ocorre em paralelo àquela que afeta a relação entre o indivíduo e o social. Os usos sociais feitos da narrativa biográfica nas sociedades da modernidade avançada contribuem para sua constituição como ato público e para o desenvolvimento de uma prática institucional externalizada e objetivante. Essas transformações da narrativa de si devem ser reinscritas dentro da estrutura mais ampla das evoluções sociais dos últimos quarenta anos. É nessa perspectiva mais ampla que se iluminarão os desafios paradoxais da injunção que parece ser uma das características da sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Condição biográfica; Processo de biografização; Sociedade biográfica; Narrativa de si; Capital biográfico

ABSTRACT

Questioning the inflections of the "biographical condition" and the transformations affecting in return the processes of biography at the time of the "biographical society", this article shows how the narrative of the self is today experiencing a revolution in its status parallel to that affecting the relationship between the individual and the social. The social uses that are made of the biographical narrative in the societies of advanced modernity contribute in fact to constituting it into a public act and to developing an externalized and objectivizing institutional practice. These transformations of the narrative of the self must be rewritten within the broader framework of the societal evolutions of the last forty years. It is in this broader perspective that the paradoxical stakes of the injunction to tell oneself, which seems to be one of the characteristics of our contemporary society, will be illuminated.

Keywords: Biographical condition; Biography process; Biographical society; Self-tale; Biographical capital

RÉSUMÉ

Interrogeant les inflexions de la « condition biographique » et les transformations affectant en retour les processus de biographisation à l’heure de la « société biographique », cet article montre comment le récit de soi connaît aujourd’hui une révolution de son statut parallèle à celle qui touche la relation de l’individu et du social. Les usages sociaux qui sont faits du récit biographique dans les sociétés de la modernité avancée contribuent en effet à le constituer en un acte public et à en développer une pratique institutionnelle extériorisée et objectivante. Ces transformations du récit de soi doivent être réinscrites dans le cadre plus large des évolutions sociétales des quarante dernières années. C’est dans cette perspective élargie que s’éclaireront les enjeux paradoxaux de l’injonction à se dire, qui semble être une des caractéristiques de notre société contemporaine.

Mots clés: Condition biographique; Processus de biographisation; Société biographique; Récit de soi; Capital biographique

Introdução

Ao questionar as inflexões da “condição biográfica” e as transformações que afetam, por sua vez, os processos da biografização à luz da “sociedade biográfica”, este artigo mostra como a narrativa de si experimenta atualmente uma revolução em seu status que ocorre em paralelo àquela que afeta a relação entre o indivíduo e o social. Os usos sociais feitos da narrativa biográfica nas sociedades da modernidade avançada contribuem para sua constituição como ato público e para o desenvolvimento de uma prática institucional externalizada e objetivante. Essas transformações da narrativa de si devem ser reinscritas dentro da estrutura mais ampla das evoluções sociais dos últimos quarenta anos. É nessa perspectiva mais ampla que se iluminarão os desafios paradoxais da injunção que parece ser uma das características da sociedade contemporânea.

A “condição biográfica”: perspectivas antropológicas

A pesquisa biográfica baseia-se na capacidade antropológica do indivíduo de biografar sua singular experiência do mundo histórico e social. Ela se encaixa no quadro geral de uma pesquisa sobre o papel e o funcionamento dos processos de biografização na constituição do ser individual. Por processos de biografização entende-se o conjunto de operações e comportamentos pelos quais os humanos trabalham para se produzir como indivíduos para si e para os outros, dando às suas experiências uma forma própria na qual eles reconhecem a si mesmos e são reconhecidos pelos outros.

Não temos acesso direto à nossa experiência, só a alcançamos por meio da mediação das palavras e representações que construímos sobre ela, e essas palavras e representações ganham forma a partir das “histórias”. Quando decidimos nos apropriar da nossa vida, nós a contamos: de certa forma, só vivemos a nossa vida na medida em que a biografamos, em que lhe damos, no sentido etimológico do termo, a forma de uma escritura.

A narrativa parece ser a forma mais familiar desta escrita da experiência vivida: “histórias de vida” orais, autobiografias escritas, sejam expressas de forma excepcional, sejam provocadas, são bastante frequentes na nossa atividade narrativa. Essas múltiplas e incessantes intervenções constituem, sob a forma de fragmentos ou esboços de narrativa, o pano de fundo das nossas trocas diárias com os outros. Entretanto, a palavra biográfica, escrita ou falada, seguida ou fragmentada, é apenas o território emergente e espetacular de um continente maior, que está enraizado em uma atitude mais fundamental do ser humano: a representação da sua existência no tempo e a configuração narrativa da sucessão temporal da sua experiência. A “escrita da vida”, à qual a etimologia e o significado comum da palavra biografia referem-se, deve ser entendida como uma atitude primeira e específica da experiência humana: mesmo antes de deixar qualquer traço escrito da nossa vida, antes de qualquer discurso, oral ou escrito, feito sobre nós mesmos, escrevemos mentalmente nossa vida.

Esta capacidade antropológica segundo a qual os homens percebem suas vidas e ordenam sua experiência em termos de uma razão narrativa constitui o fato biográfico primeiro. Nele são construídos todos os espaços das histórias humanas: o da retrospecção da vida passada, o da antecipação da hora ou do dia que virá, o da projeção da vida futura, o das aventuras mais raras e singulares, assim como o mais cotidiano e rotineiro dos fatos. Na verdade, nunca deixamos de nos biografar, ou seja, de inscrever nossa experiência em padrões temporais orientados que organizam mentalmente nossos gestos, nossos comportamentos, nossas ações, de acordo com uma lógica de configuração narrativa. No cotidiano das nossas vidas, um grande número de operações de biografização é dotado de um relativo automatismo e pode não solicitar nossa consciência ativa, pois corresponde aos roteiros repetitivos das estruturas sociais e culturais que regulam nossa existência. Entretanto, elas estão constantemente presentes e garantem o sentimento que temos de nós mesmos através do tempo: elas nos conectam com o nosso passado, tanto aquele da infância, quanto do dia anterior, contribuindo assim para a construção da consciência de nossa identidade através do tempo; permitindo-nos estruturar e interpretar o que estamos vivendo, constituindo-se precisamente como parte de nossa própria experiência e dando-nos o sentimento da nossa própria forma. Enfim, elas desempenham um papel de regulação, organização, projeção do futuro próximo e distante, antecipando as horas, os anos, a vida futura.

As formas que os indivíduos usam para biografar suas vidas não são de sua própria autoria, não lhes pertencem e eles não podem decidir por si mesmos: são formas coletivas que pertencem à história, à cultura e à sociedade. Os modelos, padrões, roteiros e figuras que os indivíduos tomam emprestado são baseados em construções sociais e culturais que variam de acordo com o tempo e a sociedade. Em particular, os modelos narrativos que constituem os padrões das nossas construções biográficas variam com os tipos e modos de relacionamento que os indivíduos mantêm com a comunidade segundo as épocas e culturas: é tarefa da antropologia histórica descrever os tipos de narrativa e identificar os modos de construção biográfica em vigor em um determinado período da história e em uma determinada era cultural2.

Qual é a situação atualmente? A quais modelos de construção narrativa os indivíduos nas sociedades pós-modernas recorrem para biografar sua experiência? Estamos testemunhando uma transformação, uma renovação da narratividade biográfica em suas formas, suas estruturas, mas também em seu funcionamento e modos de ação?

A “sociedade biográfica”, uma mudança de regime na relação entre o indivíduo e a sociedade

A importância da narrativa de si e, por meio dela, do biográfico nas sociedades da modernidade avançada está ligada ao amplo movimento de individualização e subjetivação que essas sociedades vivenciaram desde os anos 1970 e à consequente “mudança de regime” na relação entre o indivíduo e o social. Essa década inaugurou o desenvolvimento de formas de “individualização do social” nunca antes alcançadas, para usar uma expressão cunhada por Pierre Rosanvallon (1995), cuja característica fundamental é a de massificação ou, se preferirmos, da democratização dos processos que ela envolve. De fato, populações inteiras, e não apenas alguns privilegiados, têm acesso a essas formas de individualização social, mesmo que esse acesso varie obviamente e seja “desigual”, dependendo das posições ocupadas na sociedade. Poderíamos falar, nesse contexto, de “individualismo societal” para significar que essa forma de relação entre indivíduos e sociedade diz respeito aos membros de toda a sociedade e que essa relação é o produto de uma gênese social particular ligada às próprias condições de vida em uma sociedade na qual as principais instituições reguladoras (família, escola, empresas, sindicatos, partidos, etc.) são menos influentes, em que as tarefas sociais e profissionais estão se tornando mais flexíveis, em que as existências e as trajetórias individuais são menos estritas e diretamente determinadas pelo exterior e adquirem uma dimensão de singularidade. Essa individualização das trajetórias pessoais e essa diversificação dos itinerários biográficos podem, além disso, ser consideradas como uma das características mais marcantes deste período e começam a receber formas de reconhecimento institucional (introdução da formação profissional em 1971, provisão de licenças individuais de formação em 1978) que prefiguraram o movimento de biografização da sociedade que iria marcar as décadas vindouras.

Tais fenômenos sociais não estão obviamente isentos de consequências para as representações que os indivíduos têm de si mesmos, para a forma como veem o curso de suas existências, para o grau de iniciativa e autonomia que reconhecem no exercício de suas atividades sociais e para o sentimento que têm sobre o poder de ação sobre si mesmos e sobre suas vidas. Este é o segundo significado que pode ser dado à noção de “individualismo” como sendo de um retorno que os indivíduos fazem sobre si mesmos e que os constitui como sujeitos capazes, a partir das suas atividades reflexiva e interpretativa, de dar forma pessoal às suas inscrições sociais e no decorrer das suas vidas. Esse individualismo “reflexivo” (GIDDENS, 1991) traduz-se em uma aspiração de realização pessoal e em uma visão diferente sobre o desenvolvimento e o significado da existência: cada vez menos os indivíduos veem sua própria trajetória como o desenvolvimento linear de uma identidade pré-determinada; ao contrário, eles veem as múltiplas identidades possíveis construídas a partir de sua ancoragem em ambientes sociais plurais e variados como o material para uma descoberta experimental de si mesmo.

Embora não exista uma correlação sistemática entre individualismo “social” e individualismo “reflexivo”, pode-se dizer, no entanto, que existe uma conjunção favorável entre o aumento dos traços individuais da atividade social e a intensificação da própria atividade do sujeito. Pode-se afirmar, em termos gerais, que a consciência social individual, ou seja, a consciência que os indivíduos têm de seu próprio papel no exercício da sua atividade social e na condução da sua existência pública e privada, aumentou coletivamente. Observa-se, desde os anos 1970, o advento e a forte extensão de formas diversificadas de “cultura de si”: iniciações e itinerários espirituais ou religiosos (na forma de aprofundamento pessoal de crenças tradicionais ou do “empréstimo” de correntes filosóficas ou religiosas), abordagens e técnicas de desenvolvimento pessoal, formações e terapias de vários tipos. Mais uma vez, o que deve ser observado aqui é o movimento em direção à relativa “democratização” dessas formas de exploração e de trabalho sobre si mesmo, é o seu caráter público, e muitas vezes coletivo, que contrasta fortemente com as formas cultivadas e aristocráticas de cultura de si tradicional, reservadas a alguns poucos indivíduos privilegiados de estratos mais estreitos e altos da sociedade. Os anos 1970 marcaram a entrada no que se pode designar e descrever como uma “sociedade do trabalho sobre si mesmo” (VRANCKEN; MACQUET, 2006).

A narrativa de vida como experiência de (re)conhecimento e (re)apropriação de si mesmo e da sua história é um componente essencial de “abordagens de exploração pessoal”, a saber: os métodos de desenvolvimento pessoal e as práticas de treinamento profissional que recorrem à narrativa de si sob modalidades variadas e com objetivos próprios. Os primeiros usados para explorar a história íntima do sujeito, para pesquisar seus antecedentes psíquicos e emocionais, para liberar suas potencialidades e, as segundas, para apreender um perfil de aprendizagem, para estabelecer uma avaliação de competência, para definir um projeto de formação. Sem serem sempre verbalizados ou explicitados, os temas da identidade pessoal, desenvolvimento individual e da realização pessoal estão presentes na consciência individual e agem no sentido de uma singularização das trajetórias e de uma apropriação da história individual. A narrativa que cada pessoa faz da sua vida deve ser capaz de fazer dela “o sujeito” e “o ator” da sua própria história.

No entanto, é esta mesma narrativa que, nas décadas seguintes, irá se mostrar como um verdadeiro desafio social e será colocada no centro nevrálgico do que devemos agora chamar, segundo alguns sociólogos, a “sociedade biográfica” (ASTIER; DUVOUX, 2006). Um simples olhar sobre o período imediatamente contemporâneo revela a extensão das transformações ocorridas. As tendências individualistas, que reconhecemos no período anterior, tornaram-se mais pronunciadas e invadiram todos os estratos da população, inclusive os menos favorecidos, os afetados pela precariedade e pela exclusão. Mas a verdadeira inversão que testemunhamos consiste na recuperação pelas instituições, pelas autoridades e organizações que enquadram a vida social e econômica, do princípio da realização pessoal, do individualismo “reflexivo”. Existe agora uma injunção social para o cumprimento individual, transmitida por todos os órgãos que são os portadores do discurso coletivo, sejam eles escolas, empresas ou a mídia. Cada um é chamado a afirmar sua subjetividade e singularidade, a ser o autor e ator da sua própria vida, a desenvolver um projeto de vida, estabelecendo seus próprios princípios de ação e avaliação. A cultura do si, análise de Axel Honneth, tomou o caminho do individualismo normativo e foi transformada em uma ideologia da realização pessoal: o que eram aspirações individuais foram transformadas em padrões e modelos instituídos que os indivíduos encontram como demandas vinda de fora (HONNETH, 2006).

Essa mudança que afeta as sociedades modernas tem sido objeto de análises generalizadas, que mostram que o indivíduo se tornou a instituição central da sociedade3 e que cabe a ele ser, usando a fórmula de Ulrich Beck, “a unidade de reprodução da esfera social” (BECK, 2003, p. 280). A socialização concebida como integração das normas sociais e o cumprimento dos papéis sociais está sendo seguida por novas formas de societização, que se baseiam cada vez mais na experiência individual e que levam os indivíduos a se colocarem no centro da sua própria existência4. Referi esta mudança na relação histórica entre o indivíduo e o social como uma condição biográfica (DELORY-MOMBERGER, 2009), na qual as consequências das restrições sociais, econômicas e das dependências institucionais sobre as vidas individuais são percebidas como uma questão de responsabilidade individual e “destino pessoal”. As disfunções na organização econômica e social, tais como interrupções de trabalho, períodos de desemprego e até mesmo episódios de exclusão profissional, são vividos pelas vítimas desses processos como situações individuais que devem imputar a elas mesmas. A partir de então, cada pessoa é instada a encontrar dentro de si mesma a força motriz por trás da sua conduta e ação, cada um é levado a uma construção reflexiva da sua própria existência, à sua biografia - entendida aqui não como o curso real e efetivo da vida, mas como a representação construída que os atores fazem dela - e à sua capacidade de biografização5 dos ambientes sociais.

O paradoxo da condição pós-moderna é de ter recolocado ao indivíduo o cuidado de produzir nele mesmo o elo social que a extrema diferenciação e complexidade da sociedade parecem ter desatado. O “indivíduo socializado” da era industrial tornou-se o “indivíduo societizado” (GEULEN, 1977) da modernidade avançada, que é responsável por “fazer sociedade” em si mesmo: “o que é institucionalizado [escreve o sociólogo alemão Martin Kohli] não é mais uma estrutura de comportamento, mas uma estrutura de auto reflexão” (KOHLI, 1989). Assim, o “curso da vida” tende a se estabelecer como o local dos processos de seleção, de organização e de integração através dos quais os indivíduos inscrevem-se no mundo social e trabalham a sua própria socialização. O discurso sobre si mesmo, particularmente sob a forma narrativa, encontra assim sua função e seus usos no processo conjunto de biografização da sociedade e de societização das biografias características da modernidade avançada. Como tal, segundo as palavras de Michael Rustin, “as biografias fazem a sociedade e não são simplesmente feitas por ela” (RUSTIN, 2006).

A narrativa de si como um objeto público e um instrumento de reconhecimento social

Consequentemente, as formas biográficas nas quais os indivíduos trabalham em sua socialização e que participam da produção dos espaços sociais e das relações adquirem um novo significado social. As construções biográficas não aparecem mais apenas como uma questão de realização pessoal, elas são, ao mesmo tempo, uma questão social e política.

No mundo do trabalho e dos negócios, esta intimação coletiva de ser “o ator da própria vida” transforma-se em injunção a autogestão: cabe agora a cada indivíduo encontrar em si mesmo os recursos para sua integração social, sua empregabilidade e seu sucesso profissional; cabe a cada indivíduo ser o melhor e o mais eficiente, tornar-se “o empreendedor de si mesmo”, como disse Alain Ehrenberg (1991), ou como disse Ulrich Beck, desenvolvendo a fórmula alemã de “Ich-AG” (literalmente e significativamente: “Empreendo-Me”), sendo “o local de estudo da sua própria existência” (BECK, 2003, p. 291). Este discurso da autogestão encontra seu ponto de atração na noção de empregabilidade, entendida como a capacidade do indivíduo de mobilizar seus recursos e suas competências para convencer quanto a sua adequação às condições de emprego que lhe são oferecidas ou para atrair a oferta à qual ele postulará de maneira ideal. A figura do gerente nos anos 90, que Luc Boltanski e Eve Chiapello (1999) caracterizaram como sendo capaz de dar respostas pessoais à mudança e encontrar em si mesmo os recursos para sua empregabilidade, de certa forma, se democratizou para se tornar uma norma geral da existência.

Essa autogestão não poupa aqueles que, à margem do mundo do trabalho, incham as coortes de candidatos a emprego (jovens em busca do primeiro emprego, desempregados de mais ou menos longa duração, idosos vítimas da “reestruturação econômica”, etc.), todos aqueles que sofrem de precariedade social e econômica e que são alvo de políticas de integração social. Para aqueles que, às vezes, não têm experiência ou habilidades profissionais, alguns dos quais não conseguiram se integrar à sociedade depois de fracassarem na escola, demanda-se uma prova pessoal - não de sua capacidade efetiva e imediata de integração, não de sua empregabilidade, pois lhes falta precisamente isso - mas da sua vontade de entrar em um processo de elaboração de um projeto de inserção, da sua capacidade de se engajar em trabalhos de (re)construção de si mesmos, da sua vontade de agir sobre si mesmos e de se transformar pessoalmente para se adaptar e se ajustar às limitações do sistema econômico e do mercado de trabalho.

Essa individualização do social, que tende a considerar não os indivíduos anônimos, mas as individualidades singulares, corresponde a uma profunda transformação da ação social e dos princípios que a orientam (ASTIER, 1997; 2007). Em contraste com o sistema tradicional de proteção social, que se baseia na implementação de disposições gerais destinadas a amplas categorias de titulares de direitos reconhecidos por seu posicionamento estrutural no espaço social, as políticas sociais atuais estão multiplicando medidas destinadas a públicos cada vez mais estreitos e específicos, definidos por suas características individuais. Por outro lado, eles implementam um princípio de inserção ativa: os beneficiários da ação pública - que se tornaram usuários significativos - são categoricamente obrigados a expressar sua individualidade, a declarar suas necessidades e dificuldades e a participar contratualmente do processo da sua integração.

Nesse contexto de tratamento individual do social - que abrange todo o espaço social, mas que é particularmente relevante para os mais precários e desfavorecidos - os órgãos e instituições coletivos apoiarão fortemente sua intervenção no conhecimento das trajetórias individuais e submeterão a assistência fornecida (sistema de apoio, treinamento, estágios) e os benefícios alocados (anteriormente o RMI, hoje RSA) ao exame detalhado das biografias individuais. A biografia tornou-se assim um dos instrumentos e critérios da ação social. Enquanto o modelo tradicional republicano postulava a igualdade de direitos a todos os cidadãos e tinha como princípio não querer saber nada sobre as particularidades individuais, a sociedade biográfica quer saber tudo sobre as singularidades da existência e da trajetória de cada indivíduo: não apenas reconhece essas singularidades individuais, mas incentiva sua publicidade desenvolvendo uma demanda biográfica muito forte e tornando a história de vida um material institucional e uma ferramenta para a tomada de decisões públicas. O fim da era das “grandes narrativas”, em que cada indivíduo poderia relacionar sua existência à matriz narrativa coletiva proporcionada por seus laços políticos e sociais (a narrativa republicana de igualdade e mérito, a narrativa marxista ou comunista da ascensão da classe trabalhadora, etc.), termina em uma multiplicação indefinida de narrativas individuais em que a existência de cada indivíduo diz respeito apenas a si mesmo. A sociedade biográfica vê-se assim como a adição e o acúmulo de biografias individuais: “a sociedade é produtora tanto quanto tende a se tornar produto de biografias individuais” (ASTIER; DUVOUX, 2006, p. 15).

Tendo se tornado pública e institucionalizada, a narrativa de si torna-se parte de um sistema contratual no qual se adquire um status de contrapartida e de moeda de troca (Astier, 1997, p. 239): dê-me sua história e eu lhe darei treinamento, estágios, um subsídio de assistência à inserção, um primeiro emprego, um reconhecimento de nível ou de diploma, etc. (ASTIER, 1997, p. 239). Dê-me sua história e eu lhe darei solidariedade e reconhecimento social. Essa contratualização da narrativa biográfica é evidentemente acompanhada por restrições explícitas e muito mais implícitas que codificam e fixam rigidamente sua forma e seu conteúdo. A narrativa da vida, do percurso de formação, da trajetória profissional, deve se ajustar às exigências e a uma coerência que lhe são externas (econômica, administrativa, contábil) e deve atender às expectativas codificadas e às projeções formatadas de um empregador potencial. O sucesso de uma entrevista de emprego, além da avaliação de habilidades puramente técnicas e profissionais, está em grande parte ligado à capacidade do candidato de se apresentar e se autopromover, de “colocar-se no palco” e “vender-se”, de ser reconhecido como “empregável” no mercado de trabalho e dentro da empresa.

“Capital biográfico” e novas desigualdades

A biografização do social está gerando novas desigualdades. Não apenas aquelas causadas pela distribuição desigual dos recursos econômicos e bens materiais ou resultantes de diferenças de posição na sociedade, mas aquelas diretamente ligadas à capacidade dos indivíduos de se desenvolverem e se expressarem em uma linguagem que lhes seja aceitável, de terem acesso aos meios de expressão e de afirmação que lhes permitam ser reconhecidos socialmente6. O poder de sustentar um discurso sobre si mesmo, de construir uma representação de si mesmo e da própria existência de acordo com as exigências sociais e institucionais, é um capital biográfico distribuído muito desigualmente. O domínio dos códigos da narrativa pública, o distanciamento que o manuseio de tópicos narrativos exige, a capacidade de ajustar a trama da própria existência com base em critérios externos não são compartilhados igualmente por todos: pressupõem pelo menos um conhecimento implícito, um uso relativamente dominado das “fitas cassetes preparadas para tocar”7 da narrativa pública, que já não têm nada a ver com os valores da sinceridade, autenticidade ou mesmo verdade que a representação espontânea da narrativa de si. E muitas vezes são precisamente esses valores que fazem falta àqueles que mais carecem deles, aqueles que Robert Castel, usando um termo cunhado por Hannah Arendt, chama de “trabalhadores desempregados”, os “excedentários”, cuja narrativa de vida é a única moeda que ainda podem trocar, porque estão na situação de não poder fazer nada além de pagar por sua pessoa, em outras palavras, de contar a história de seus fracassos e faltas (CASTEL, 1999, p. 767).

As desigualdades das condições de vida, tanto materiais quanto sociais, são assim tecidas a partir das desigualdades de recursos linguísticos e representações do eu e, com elas, a distribuição desigual das formas de construção de si mesmo. Não é apenas uma questão de posicionamento na sociedade, pois diz respeito ao complexo de relações que ligam recursos econômicos, sociais, culturais às possibilidades de construção e expressão de si. O capital biográfico e suas reservas de um si possível aumentam em quantidade e em variedade com a multiplicação e a diversificação das experiências, eles se reduzem a algumas figuras quando as condições socioeconômicas e o ambiente cultural não permitem a pluralidade e a diversidade da experiência. Abre-se assim, segundo Jean-Claude Kaufmann (2004, p. 201) “um novo espaço de desigualdade: o da representação do eu, das imagens e emoções que ele transmite”. O impacto pessoal da recepção pública da narrativa biográfica também está em jogo. A narrativa de si, independentemente da formatação e das reificações a que tem que se submeter na esfera social, não é um objeto do qual o narrador (que é ao mesmo tempo ator) possa facilmente se manter à distância: ainda mais se ele tem um uso primário e ingênuo para isso, estando de acordo com sua vida e consigo mesmo. Talvez muito mais do que recursos materiais ou a posição social, que em certa medida podem ser dissociados da pessoa, a narrativa da vida funde-se com o sentimento de si mesmo; no momento em que a tomo, sou o que sou para mim mesmo e o que permito que os outros vejam de mim. A instrumentalização social da narrativa biográfica submete ao escrutínio e julgamento públicos (e, portanto, potencialmente à desconfiança e à suspeita) esta dimensão da pessoa na sua relação consigo mesma e com os outros. A forma como a narrativa é recebida, por meio dos efeitos pessoais e públicos que produz, coloca diretamente em jogo um conjunto de modalidades de reconhecimento, tal como Axel Honneth as reconheceu: da autoconfiança mediante o amor que as pessoas esperam dos mais próximos, do respeito via pertencimento a uma comunidade de membros iguais em direito, da autoestima enquanto sujeitos capazes de contribuir para a vida comum por meio das suas práticas, (HONNETH, 2000). Por ser ao mesmo tempo a trama de uma identidade pessoal singular, o lugar onde se formam filiações socialmente identificáveis e o instrumento desigualmente compartilhado de um posicionamento na sociedade, a narrativa de si é sempre e indissociavelmente parte de uma tripla busca - afetiva, jurídica, social - a partir da qual um sujeito reivindica ser reconhecido. Mas é também no contexto de tudo o que ele cristaliza e para o qual ele mesmo é a aposta, que a narrativa de si é exposta a todas as feridas da dignidade e do reconhecimento.

Centralidade social da narrativa de si e injunção de sentidos: a “grande narrativa” do indivíduo

Nesse contexto, a narrativa de si adquire uma centralidade social que provavelmente nunca teve antes: não é mais apenas uma forma de expressão pessoal, um lugar de exploração da intimidade e interioridade, um suporte para o autoconhecimento ou de descobrimento de si; ela passa resolutamente para a esfera pública, torna-se um instrumento essencial de mediação, reconhecimento, contrapartida social; mas é também o lugar onde esta “reprodução da esfera social” é elaborada, da qual o próprio indivíduo se tornou a unidade, retomando a formulação de Beck.

A narrativa de si traz assim as marcas inevitavelmente ambivalentes dos usos a que é submetida e das funções a que é levada a assumir: ora um suporte para a construção pessoal, ora um objeto público formatado e reificado; ora um lugar para a elaboração da experiência singular, ora um lugar de conformação; ora um ato de resistência, ora um ato de lealdade; ora uma narrativa que faz um sujeito tornar-se um “sujeito”, ora uma narrativa que subjuga. A narrativa de si parece estar sempre presa numa tensão entre assujeitamento e subjetivação, entre biopolítica como gestão dos corpos e da vida, como poder de “conduzir as condutas” (FOUCAULT, 2001, p. 1056), e auto-bio-grafia como esforço do sujeito para se constituir e dar forma à sua experiência.

Mas para além dessas polaridades, o que deve ser retido é esta centralidade social ou societal da narrativa biográfica, quando - para colocá-la em uma fórmula - o homo socius é constituído como homo narrans. Em uma sociedade de “relações sociais de autoprodução” (FRANSSEN, 2006, p. 75), na qual os indivíduos são obrigados a produzir o mundo social a partir de suas experiências singulares, as construções narrativas - que dão forma às suas experiências - participam da produção do espaço social assumindo um novo significado e adquirindo uma dimensão societal.

Podemos pensar que esta injunção dirigida a cada indivíduo e interiorizada por cada um para “construir uma história da própria vida”, que esta transformação da narrativa de si como um imperativo moral e social, marcam um ponto de inflexão que ainda não compreendemos plenamente. O que é necessário, pois, com este imperativo da narrativa é também a injunção de sentido, a injunção de ter que encontrar e formular o significado da própria existência sob a forma da própria história e experiência. Trata-se de um fato inédito na história das sociedades: nenhuma sociedade jamais exigiu que todos os seus membros “produzissem” (tanto no sentido de fabricar, como de tornar visível) individualmente o significado da sua existência. A carga de significado que pesa sobre os indivíduos hoje em dia é considerável: crianças em idade escolar, estudantes, trabalhadores, empregados, etc. são solicitados a dar conta do significado que eles dão à sua situação, seu trabalho, sua carreira, seu futuro; a mesma demanda reflexiva é dirigida aos “homens e mulheres”, aos pais, mães, avós, etc., bem como aos eleitores, consumidores, cidadãos.

A mesma carga de significado pesa sobre a comunidade. As sociedades reflexivas produzem um conhecimento regulador sobre si mesmas, mas também questionam seu próprio significado e a dimensão desse significado em seu funcionamento. Tal reflexividade não parece ter sido possível em formas anteriores de sociedade, seja em sociedades primitivas, seja em sociedades antigas, seja em sociedades da primeira modernidade. O questionamento do significado e a demanda pela produção de sentido a que as sociedades da modernidade avançada dirigem a si mesmas é sintomático da mesma revolução, como testemunha a injunção biográfica e a carga de sentido dirigidas aos indivíduos.

Enquanto o sujeito moderno encontrava nas “grandes narrativas” (LYOTARD, 1979) das referências de significado e modelos de conduta de acordo com suas inscrições, filiações e pertencimentos, o indivíduo de modernidade avançada é redirecionado a si mesmo e à sua própria narrativa para produzir o significado da sua experiência. Cabe a ele encontrar seu lugar sozinho, tornando significativos os espaços sociais dos quais participa. Esta forma de encontrar sentido e lugar em si mesmo só pode ser realizada em uma relação reflexiva com a própria existência. A construção biográfica da experiência - isto é, a capacidade de integrar eventos e situações de existência no continuum de uma história - aparece assim como a mediação necessária de um mundo cujos pontos de referência e metadiscursos são obscuros ou desacreditados, um mundo que só pode ser ligado na reflexividade e na historicização da experiência que os indivíduos fazem dela.

É nesse sentido que podemos falar hoje de uma “grande narrativa” que não seria mais uma “narrativa do mundo” ou uma “narrativa da sociedade”, mas uma “narrativa do indivíduo” enquanto agente que produz sociedade e mundo, pois cabe a ele reproduzir a esfera social e mediar o mundo. É sem dúvida a esta redefinição do sujeito social que a narrativa de formação deve sua permanência mesmo em nossas representações e construções contemporâneas: ela encontra até mesmo uma exemplaridade e um vigor renovados, já que a figura que ela coloca em cena é a de um indivíduo que forma o mundo formando a si mesmo estando, de de certo modo, em consonância com a intuição original do Iluminismo e da Bildung Romântica. O que a diferencia decisivamente, entretanto, é que esta narrativa é válida para si mesma e dentro de si mesma, que não é mais apoiada pelos grandes discursos de legitimação (razão, progresso, emancipação) que a acompanham há muito tempo, fornecendo-lhe valores e justificações. Nesta nova grande narrativa, o indivíduo é obrigado a extrair de si mesmo as fontes da sua ação e os princípios da sua conduta, a construir os motivos e valores que dão sentido à sua ação, a estabelecer as “associações” que o prendem aos outros e lhe dão um lugar no tecido das comunidades. Igualmente “mítica”, mas com efeitos tão reais quanto os que a precederam, esta “grande narrativa da existência individual” é uma construção sócio histórica, uma das formas pelas quais a sociedade se representa e atribui a seus membros a tarefa e a forma de como ela deve ser preenchida. Em relação às grandes narrativas históricas da modernidade, é esta trama de uma individualidade, que extrai seus recursos e valores de dentro de si mesma, que hoje estrutura e dirige os modos de representação e construção das existências, é nesta figura de sujeito capaz de construir o mundo por si mesmo que a sociedade biográfica entra em vigor.

1Traduzido por Camila Aloisio Alves. E-mail: camila.aloisioalves@gmail.com

2A primeira parte do meu livro “Les Histoires de vie. De l’invention de soi au projet de formation” (As histórias de vida. Da invenção de si ao projeto de formação, 2004), desenvolve esta perspectiva de uma antropologia histórica da narrativa de si.

3“A individualidade é uma tarefa confiada aos seus membros pela sociedade dos indivíduos”, Zygmund Bauman (2006, p. 29).

4A socialização … “é hoje em dia e antes de tudo um processo no qual um indivíduo adquire e desenvolve sua capacidade a dominar a sua experiência, a ser sujeito da sua existência”, Michel Wieviorka (2008, p. 319).

5“Este neologismo significa que progressivamente as trajetórias de vida são interpretadas culturalmente como resultando de projetos biográficos pessoais e sua implementação. Elas são atribuídas à ação dos indivíduos sobre o desenvolvimento social de sua própria vida. Esta evolução corresponde a uma verdadeira invenção social da responsabilidade individual em matéria biográfica. Não somos mais integrados à sociedade enquanto membro de uma família, de uma localidade, de uma categoria profissional, mas enquanto pessoa individual” René Lévy (2001, p. 4-5).

6Desse ponto de vista, as análises feitas por Pierre Bourdieu (1982) da “língua legítima” são claramente transpostas à competência social da narrativa.

7Termo tomado emprestado de Danilo Martuccelli (2002, p. 359).

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Recebido: 29 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Outubro de 2020

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