SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.37Educação para as Relações Étnico-Raciais e a formação de professores de História nas novas diretrizes para a formação de professores!O jardim do vizinho é mais bonito ou está mais longe de nossos olhos? Os conteúdos do passado recente na BNCC de História no Brasil e os NAP na Argentina índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educar em Revista

versão impressa ISSN 0104-4060versão On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 06-Set-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.76993 

DOSSIÊ - Bases Nacionais e o Ensino de História embates, desafios e possibilidades na/entre a Educação Básica e a formação de professores

Possibilidades na luta pelo ensino de histórias negras na era das bases nacionais curriculares no Brasil e nos Estados Unidos: a Lei 10.639/03 e os National History Standards

Amilcar Araujo Pereira* 
http://orcid.org/0000-0001-7781-6882

Jessika Rezende Souza da Silva* 
http://orcid.org/0000-0002-3895-020X

* Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: amilcarpereira@hotmail.com - E-mail: jessikasouza7@gmail.com


RESUMO

Iniciativas de implantação de bases curriculares nacionais têm se espalhado no mundo globalizado com o intento de efetivar modelos de conteúdos e habilidades que preparem os estudantes para responder a testes classificatórios e padronizados. Contrastando com essas políticas de homogeneização, movimentos sociais, como o movimento negro em âmbito transnacional, têm lutado para romper com o eurocentrismo e o racismo que historicamente tem estruturado tais padrões presentes na educação tanto no Brasil quanto nos EUA, investindo em propostas curriculares mais democráticas e inclusivas. Neste artigo, buscamos pensar o ensino de história em perspectiva transnacional, colocando em diálogo as experiências da Lei Federal 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003), no Brasil, e dos National History Standards [Padrões de História Nacional], da década de 1990 nos Estados Unidos, na luta pelo reconhecimento do protagonismo dos negros e a diversidade das suas trajetórias nos currículos escolares.

Palavras-chave: Ensino de História; Currículo; História Negra; Lei Federal 10.639/03; National History Standards

ABSTRACT

Initiatives to implement national curricular bases have spread across the globalized world, with the intention of implementing models of content and skills that prepare students to respond to classificatory and standardized tests. In contrast with these homogenization policies, social movements, such as the transnational black movement, have struggled to break with the Eurocentrism and the racism that have historically structured such standards of education both in Brazil and in the USA, investing in more democratic and inclusive curricular proposals. In this article, we strive to think of history teaching from a transnational perspective, putting into dialogue experiences of the Federal Law 10.639 of 2003 (BRASIL, 2003), in Brazil and the National History Standards of the 1990s in the United States, in the struggle for the acknowledgement of the role of black people and the diversity of their trajectories in school curricula.

Keywords: History teaching; Curriculum; Black History; Law 10.639/03; National History Standards

As histórias das populações negras, marcadas pela dor, pela violência, mas também pela criatividade e pelas estratégias de resistência, são uma parte imprescindível da história das Américas. O sistema escravista atlântico, produzido na modernidade, a partir do século XVI, estruturou as relações sociais e econômicas nos países em que foi praticado (MATTOS, 2003). Vários historiadores já demonstraram, através de suas pesquisas, que onde houve escravidão houve resistência, e de várias formas (REIS; GOMES, 1996). Conforme afirma Pereira (2012), se a escravidão foi estruturante nas sociedades americanas na modernidade e se onde houve escravidão houve também resistências, então podemos supor que as lutas contra a escravidão também foram estruturantes na formação social nesses países. Há diversos exemplos de pesquisas realizadas nas áreas de História e de Educação que vêm contribuindo nos últimos anos para um maior conhecimento sobre a agência da população negra na formação histórica das sociedades brasileira e estadunidense (LOVE, 2019; VIANA, 2016; PEREIRA, 2019). No pós-abolição, o continente americano continuou sendo atravessado pelas lutas antirracistas, de forma que o legado das lutas das populações negras na diáspora africana atinge a todas as pessoas. Contar a história desse continente, nos últimos 500 anos, não é possível de forma completa sem incluir as histórias das populações negras.

No entanto, ao examinar os currículos de História dos dois países com os maiores contingentes populacionais negros, o Brasil e os Estados Unidos, constatamos que nos currículos escolares, assim como nos monumentos e museus, ainda se reproduzem narrativas históricas calcadas no eurocentrismo e informadas pelo racismo que marginaliza e exclui as populações negras. Neste artigo, buscamos colocar em diálogo as tentativas de reformar os currículos tradicionais no Brasil e nos EUA e inserir em diretrizes curriculares nacionais narrativas históricas que abordem o protagonismo dos negros e a diversidade das suas experiências. Para tanto, discutiremos alguns dos impactos e possibilidades a partir da Lei 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003), que tornou obrigatório o ensino de história e culturas africanas e afro-brasileiras em todas as escolas do Brasil, e de propostas como o National History Standards [Padrões de História Nacional] nos Estados Unidos, entendendo o lugar do componente racial na elaboração dos currículos escolares elaborados em países marcados pelo colonialismo e pelo racismo.

Raça, currículo e colonialidade

A raça, concebida como construção política e social usada para justificar e tentar naturalizar a inferioridade dos traços fenotípicos e culturais dos povos colonizados, não-brancos, tem sido historicamente um elemento estruturante para políticas educacionais e diretrizes curriculares em países com passado colonial. Essa concepção curricular tem implicado na subordinação de inúmeras culturas e etnias, em prol da homogeneização em torno de um padrão branco e europeu-ocidental de conhecimento, consolidando um processo de esquecimento e silenciamento de outras formas de pensamento e epistemologias.

Em meio ao temor da violência racial no século XIX e da desordem revolucionária durante grande parte do século XX (SMITH, 2010) tanto as elites brasileiras como as estadunidense teriam buscado nas doutrinas de racismo científico, no darwinismo social e, em sua forma mais extremada, na supremacia racial dos brancos os modelos para manter a estabilidade política, financeira e social. Nos Estados Unidos se estabeleceu a eugenia mendeliana da imutabilidade das características genéticas e da dissociação entre as unidades hereditárias, enquanto no Brasil, teria sido adotado o neo-lamarckismo, que argumentava que as deficiências genéticas poderiam ser superadas em uma única geração (TELLES, 2003).

Na prática, o que se viu nos Estados Unidos foi a implantação de uma “linha de cor” policiada pelo Estado: as leis segregacionistas regulavam casamentos e relações sexuais, além da separação nos espaços públicos. A regra da única gota de sangue (one-drop rule), que estabelecia que existência de um único ancestral não-branco excluía o indivíduo da categoria dos brancos, não dava espaço para mestiços nem dúvidas sobre a qual grupo um indivíduo pertencia. O brasileiro, por outro lado, após o fracasso da política de branqueamento, nas primeiras décadas do século XX, investiu, especialmente a partir dos anos 1930, numa campanha de nacionalização, cujo objetivo era integrar culturalmente brancos, negros e indígenas sob o signo de uma “brasileiridade”, fixando a ideia de que o país fora constituído por uma “raça de mestiços”, a qual eram atribuídas características morais, políticas e sociais dotadas de positividade.

A valorização da mestiçagem no Brasil, vista como um contraponto aos métodos da segregação racial no Estados Unidos, durante muito tempo, na literatura acadêmica e no senso comum, foi tomada como uma diferença marcante entre as relações raciais desenvolvidas nos dois países. Assim como foram diferentes as formas de articulação assumidas pelos movimentos negros. Andrews (1985), por exemplo, apontava aspectos que dificultariam a mobilização dos afro-brasileiros na luta antirracista, como a ausência de uma legislação segregacionista no Brasil, que tornaria a discriminação racial mais sutil e menos detectável, e o caráter substancialmente mais relaxado da hierarquia racial brasileira, que teria trabalhado para minar a mobilização política afro-brasileira de múltiplas formas. Todavia, entendemos que a educação, especialmente a educação pública, ofertada em ambos os países pode ser vista como algo com muitas semelhanças, algo fundamental para pensar as relações raciais tanto no Brasil como nos Estados Unidos (PEREIRA, 2019).

Se em termos eugenistas, as teorias raciais implantadas nos Estados Unidos e no Brasil soam radicalmente diferentes, em ambos os casos, tais teorias foram sistematizadas nos currículos escolares e nas narrativas históricas neles performadas, com vistas a delinear um perfil da nação em que os negros foram definidos e tratados como grupo de menor status e cujos estereótipos racistas foram fortalecidos de modo a criar as barreiras consistentes à sua integração na sociedade. Na disciplina de história, a América se convertera em um espaço para a prolongação do homem branco europeu e sua cultura ocidental, onde negros e indígenas seriam apresentados como meros apêndices no processo de aperfeiçoamento da hegemonia branca.

Essa concepção curricular era predominante em vários países do continente americano, entre os quais estão inclusos o Brasil e os Estados Unidos, que viveriam o que Hickling-Hudson e Ahlquist (2003) chamam de paradoxo das sociedades coloniais (settler societies). Nessas sociedades, mesmo após o fim dos impérios coloniais, o eurocentrismo continuou moldando o que seria reconhecido como conhecimento formal, e o que é branco e/ou europeu seguiu sendo visto como o padrão, como norma, enquanto os outros grupos são nomeados, performam o Outro, constituindo o que Quijano (2005) chamou de “colonialidade”.

No sistema educacional, a colonialidade tem se expressado no predomínio de brancos nas posições de poder, na falta de narrativas protagonizadas por negros e indígenas, bem como na desvalorização e exotização das suas culturas, perpetuando a falsa ideia de que foram “os homens brancos que fizeram história, descobriram outras terras, moldaram as histórias da ciência, das artes e das humanidades, fizeram as contribuições importantes para o mundo” (HICKLING-HUDSON; AHLQUIST, 2003, p. 85).

Novas concepções curriculares têm desafiado a colonialidade do saber nos currículos, como o pensamento pós-colonial, que nomeia e desafia os legados do colonialismo e sua continuação através de práticas neocoloniais e investiga os pressupostos subjacentes aos discursos do eurocentrismo, incluindo a “brancura”, e explora abordagens para a construção de alternativas ao discurso colonialista (HICKLING-HUDSON; AHLQUIST, 2003). Além disso, os estudos pós-coloniais enfocam processos de hibridismo e tradução, percebendo toda a colonização obrigatoriamente como uma negociação com o Outro. Conforme aponta Lopes (2013, p. 15):

O colonizador ao dominar o colonizado necessita admitir a possibilidade de negociação de sentidos: não posso colonizar quem eu destruo completamente. Há sempre relações de alteridade mediadas pelo poder que constituem as negociações catalisadoras das construções identitárias de colonizador e colonizado. Ainda que essas negociações não sejam capazes de instituir, por si só, a democracia nem eliminar o poder, também não são pura saturação cultural do colonizado.

O currículo se configuraria, então, como um conector entre diversos lugares epistêmicos, uma arena em que convivem, negociam, lutam as culturas locais dos variados pertencimentos e as culturas globais hegemônicas (MACEDO, 2006). Pensar o currículo nesta perspectiva nos possibilitaria visibilizar as lutas dos povos historicamente subalternizados e as epistemes invisibilizadas e inferiorizadas, e assim desmontar o discurso colonial, essencialismos e polaridades.

História é poder. Narrar a história é exercício de poder, por isso, a luta pelo resgate das histórias das populações negras, a partir de seu ponto de vista e não dentro do prisma do colonizador, tem sido uma constante reivindicação dos movimentos negros na diáspora africana. Ao longo do último século, é possível identificar iniciativas afro-brasileiras e afro-americanas que denunciaram as inadequações dos currículos bem como os seus diferentes mecanismos de subversão. Sabendo que nesse processo a negociação dos pertencimentos é sempre

de tradução contingente e de transferência de sentidos, enfocaremos a seguir nas estratégias antirracistas na educação e, mais especificamente, nos currículos de história, no sentido de incluir as narrativas subalternizadas e marginalizadas.

Ensino de histórias negras: uma luta transnacional

Definitivamente, “Vidas negras importam”. Essa frase, que circula na diáspora africana de diferentes maneiras há séculos - na medida em que a população negra lutou por sua humanidade, por igualdade mesmo em meio ao colonialismo e à escravidão -, desde o ano de 2012, com a criação do movimento Black Lives Matter, ganhou projeção mundial nas redes sociais. Essa projeção, possível em função da existência de uma luta histórica contra o racismo, foi potencializada recentemente, a partir de 25 de maio de 2020, em função do vídeo que viralizou rapidamente na internet com a cena do assassinato do George Floyd, um homem negro, morto por um policial branco da cidade de Minneapolis, nos EUA, que manteve o joelho sobre o pescoço de Floyd por mais de oito minutos, mesmo ouvindo suas súplicas pela vida. Milhares de pessoas foram às ruas nos últimos meses para protestar contra o racismo em diversas cidades, mundo afora. Essa luta contra o racismo, ultrapassando as fronteiras nacionais, sendo entendida como uma luta política transnacional, é histórica em sociedades como a brasileira e a estadunidense. O racismo que torna possível a desumanização de pessoas negras e, consequentemente, eventos como o assassinato do George Floyd também estrutura historicamente as desigualdades estabelecidas no Brasil e em muitos outros países. Há muito tempo, tanto no Brasil quanto nos EUA, militantes do movimento negro entenderam que se as vidas negras não importarem nos currículos e no ensino de História nas escolas, será ainda mais difícil realizar a luta contra o racismo nas sociedades como um todo. Por isso, a luta do movimento negro transnacional na área da educação e especificamente no ensino de História, para que vidas negras importem também nos currículos, tem sido uma característica marcante e fundamental há muitas décadas, tanto no Brasil quanto nos EUA (PEREIRA, 2019).

Os princípios racistas estiveram tão arraigados nas sociedades americanas que mesmo em sociedades socioeconomicamente tão diferentes como o Brasil e os Estados Unidos os currículos ainda hoje se assemelham na maneira em que tratam as populações afrodescendentes. Em consequência disso, em ambos os países identificamos livros didáticos e práticas pedagógicas que tratavam os negros como seres inferiores cujas experiências históricas tem sido marginalizadas ou totalmente invisibilizadas. No entanto, desde meados do século XIX, quando os currículos colonizados começaram a ser estruturados, muitos avanços foram conquistados no que diz respeito à história ensinada sobre os negros. Discursos racistas não passam mais desapercebidos e sem gerar rejeições em estudantes e professores em todos os níveis de escolaridade.

A valorização da educação foi mobilizada pelo movimento negro no Brasil para ascender socialmente e superar os estereótipos inferiorizantes, conforme assinala Gomes (2012b, p. 735):

Ela é compreendida pelo movimento negro como um direito paulatinamente conquistado por aqueles que lutam pela democracia, como uma possibilidade a mais de ascensão social, como aposta na produção de conhecimentos que valorizem o diálogo entre os diferentes sujeitos sociais e suas culturas e como espaço de formação de cidadãos que se posicionem contra toda e qualquer forma de discriminação.

Ao se deparar com um sistema de ensino que os desqualificava e excluía, militantes e intelectuais afro-brasileiros criaram instituições voltadas para a educação da população negra, passaram a subverter os currículos eurocêntricos e reivindicar junto ao Estado o estudo da história do continente africano, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade nacional brasileira. Uma das experiências escolares mais subversivas foi empreendida pela Frente Negra Brasileira, nos anos 1930, que criou uma escola que atendia milhares de estudantes negros com o lema: agrupar, educar e orientar. Tal experiência iniciaria um novo debate sobre a educação dos negros no Brasil ao introduzir uma narrativa alternativa da história do negro brasileiro a fim de combater o discurso colonialista da história oficial (GONÇALVES; SILVA, 2000).

A agenda do movimento negro teria se intensificado na esfera educacional em 1978, com a abertura política, no fim do regime militar. De acordo com Santos (2005), neste período suas reivindicações se concentravam nos debates sobre racismo, cultura negra, educação, trabalho, mulher negra e política internacional, e já havia uma crescente preocupação em reformular os currículos escolares visando a valorização do papel do negro na história do Brasil, propondo-se já a introdução do ensino de história da África e de línguas africanas. Essas demandas se fortaleceram simultaneamente ao processo de redemocratização no Brasil, e em 1982, em seu Programa de Ação, o Movimento Negro Unificado defendia a desmistificação da democracia racial brasileira e a luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares (DOMINGUES, 2007).

Às vésperas da promulgação da Constituição de 1988, sessenta e três entidades do movimento negro se reuniram na Convenção Nacional do Negro pela Constituinte a fim de pressionar a Assembleia Constituinte para que garantissem por lei a proibição de propagandas de preconceito de religião, raça, cor ou classe em livros, jornais e revistas, e a um processo educacional que respeitasse todos os aspectos da cultura brasileira (SANTOS, 2005). Em consequência dessas pressões, a nova constituição inaugurou um momento de progressiva aceitação da agenda reivindicativa do movimento negro, possibilitando o desenvolvimento de políticas de reparação em relação à escravização de africanos no Brasil através de titulação coletiva de terras a comunidades negras tradicionais reconhecidas como “remanescentes de quilombos” e o reconhecimento oficial de patrimônios imateriais relativos à herança de populações escravizadas.

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) tratou do direito à educação e a um ensino de história pautados pela valorização da diversidade e pelo combate ao racismo e discriminação racial. Em 1995, durante a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida, mais uma vez os movimentos negros reforçaram essas pautas, ao entregar ao então presidente Fernando Henrique Cardoso o Programa de superação do racismo e da desigualdade racial. Em resposta a essas mobilizações, nos anos 1990, várias leis foram sancionadas em níveis estaduais e municipais visando a não adoção de livros didáticos que disseminavam preconceito e a inclusão, por meio de disciplinas escolares, de espaços curriculares com as histórias dos negros no Brasil e a história do continente africano. Santos (2005) aponta como exemplos as Leis Orgânicas dos Municípios de Salvador, Belo Horizonte, Teresina, Rio de Janeiro e Porto Alegre alteradas para incluir a história dos negros nos currículos escolares.

Nos Estados Unidos, a segunda metade do século XX também foi marcada pela ebulição das lutas pela igualdade racial. Não nos aprofundaremos aqui no caráter complexo dos movimentos pelos direitos civis, do black power ou do nacionalismo negro, porquanto centraremos no campo da educação, onde uma das mudanças mais profundas foi a dessegregação das escolas. Na decisão do caso Brown vs. Board of Education, em maio de 1954, a Suprema Corte dos Estados Unidos tinha estabelecido que a segregação em escolas públicas com base apenas na raça era inconstitucional e negava às crianças negras a igualdade de oportunidades educativas. Na prática, Love (2019) expõe que os negros foram mantidos no isolamento racial e econômico na medida em que os brancos se mudaram para os subúrbios e asseguraram que as crianças negras nunca pudessem frequentar as mesmas escolas que seus filhos.

Cerca de trinta e oito mil professores e diretores afro-americanos perderam seus empregos devido ao fechamento das escolas negras e ao fato de que os pais brancos não os queriam ensinando a seus filhos. Todavia, se entre 1955 e 1970, enquanto lutava para destruir estrutura segregacionista, o movimento pelos direitos civis não conseguiu transformar totalmente as relações raciais nos Estados Unidos, ao menos teria ajudado os afro-americanos a ganhar mais poder no nível local, de forma que muitos conselhos escolares, comitês curriculares e departamentos de história do ensino médio passaram a incluir mais afro-americanos, e mesmo brancos que rejeitavam a ideologia da supremacia branca (LOEWEN, 1995).

As primeiras mudanças nesse sentido puderam ser vistas nas abordagens feitas pelos livros didáticos. Embora não tenham rompido totalmente com a visão da supremacia branca, esta se tornou menos explícita. Se na primeira metade do século XX, a escravidão aparecia nos livros como algo positivo e sob uma ótica otimista, segundo Loewen (1995), após a década de 1960, os livros didáticos de história puderam dedicar mais espaço ao tema da escravidão e passaram a abordá-la como principal causa da guerra civil, além de caracterizar a brutalidade desse sistema e seu impacto na vida dos afro-americanos. O período da Reconstrução também foi revisado1, trazendo discussões sobre integração e exclusão dos afro-americanos ao sistema econômico e político.

Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) e o National History Standards: lutas transnacionais pela emergência de histórias negras

A passagem do século XX para o XXI foi marcada pelo avanço nos debates internacionais sobre a questão racial e a educação, desde o I Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado em 1977 na Colômbia, que demandava a reescrita da história do negro e a difusão de sua participação na construção da América em todos os níveis de escolaridade, até a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban, que se tornaria um marco para decisões curriculares dos anos 2000. Vale destacar que a relatora geral da Terceira Conferência Mundial Contra o Racismo foi Edna Roland, militante do movimento negro brasileiro indicada para essa função pelo governo brasileiro (ALBERTI; PEREIRA, 2007). A participação do movimento negro brasileiro na Conferência de Durban, especialmente protagonizada pela ação das mulheres negras, como a própria Edna Roland, foi fundamental para os resultados obtidos em âmbito internacional na luta contra o racismo nas últimas décadas. Desde meados do século XX, as lutas por libertação nacional na África, especialmente com o fim do Apartheid e a eleição democrática de Nelson Mandela na África do Sul, em 1994, fortaleceram a luta antirracista na diáspora africana e, assim, a exigência dos movimentos negros nas Américas pelo reposicionamento de africanos e afrodescendentes na escrita da história.

Aprovada pela ONU em 1997, a Conferência de Durban foi precedida por quatro conferências regionais na Europa, América, África e Ásia, com o objetivo de discutir racismo e discriminação racial e formular planos para erradicá-los. Reunindo 173 países, a conferência atraiu atenção para o tema das políticas de reparação para África e afrodescendentes devido ao tráfico transatlântico de escravizados e seus desdobramentos. Em seu programa de ação para a erradicação de todas as formas de preconceito, os estados foram convocados a promoverem “a plena e exata inclusão da história e da contribuição dos africanos e afrodescendentes no currículo educacional” e revisão e correção de “livros- textos e dos currículos para a eliminação de quaisquer elementos que venham a promover racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata ou a reforçar estereótipos negativos, e para incluírem material que refute tais estereótipos” (DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO, 2001, p. 73-74).

Os debates em Durban ecoaram no continente americano e influenciaram a criação da Relatoria Especial sobre os Direitos das Pessoas Afrodescendentes e Discriminação Racial, em 2005, e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que deu origem ao grupo de trabalho “Convenção Interamericana contra o Racismo e Toda Forma de Discriminação e Intolerância”, cuja prioridade para as áreas americanas era a elaboração e implementação de conteúdos e materiais pedagógicos que combatessem preconceitos (VIANA, 2016,

p. 80). No Brasil e nos Estados Unidos, esse movimento orientou uma série de mobilizações com vistas a promover mudanças curriculares em níveis locais e nacionais ao longo dos anos 2000.

O Brasil, por ser signatário do Plano de Ação de Durban, reconheceu internacionalmente a existência do racismo em nosso país e se comprometeu a construir medidas para a sua superação. Em consequência de tal compromisso, somado às pressões e às articulações políticas realizadas pelo movimento negro, foi criada em 2003 a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e, em 2004, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD, no Ministério da Educação). De acordo com a ex- ministra da SEPPIR, Nilma Lino Gomes (2012b), a reivindicação histórica de articulação entre direito à educação e diversidade oriunda dos movimentos sociais e, particularmente, do movimento negro, ganhou visibilidade na estrutura organizacional do Ministério da Educação. A possibilidade de uma mudança curricular de grande porte veio através da implementação da Lei 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003) que modificou o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tornando obrigatório o Ensino de História e Cultura da África e dos afrodescendentes:

Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras [...]” (BRASIL, 2003).

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira, o passado dos descendentes de africanos precisava ser contado de outras formas. Não mais restringindo africanos e seus descendentes ao tema da escravidão e do ponto de vista da tutela ou submissão, a nova legislação incentiva a divulgação e estudo da participação efetiva dos negros na história do Brasil em várias áreas, como economia, política, cultura, ciência. A Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), que é um resultado direto da ação política do movimento negro brasileiro 2. em diálogo constante com processos ocorridos em âmbito internacional, como os mencionados acima, incide sobre toda a educação básica e diferentes disciplinas escolares, e busca superar a perspectiva eurocêntrica e promover a democratização no ensino na medida em que exige mudanças nas representações sobre os negros, questiona lugares de poder, problematiza a relação entre direitos e privilégios, abrindo caminhos para a descolonização dos currículos da educação básica e do ensino superior.

Mais do que a introdução de um novo componente curricular, a referida lei legitima a abordagem de temas ligados à história e cultura africana e afro- brasileira, propondo narrativas alternativas e emancipatórias, que se opunham à perspectiva eurocêntrica dominante historicamente. A legislação abriu caminhos para a construção de uma educação antirracista e para uma ruptura epistemológica e curricular, visto que a inclusão da experiência histórica e cultural africana e afro-brasileira permitiria elucidar a persistência do colonialismo e do racismo, bem como estabelecer histórias contextuais que, articuladas em rede, permitiriam uma visão ampla sobre o mundo (GOMES, 2012a, 2012b).

O potencial transformador da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), entretanto, não significa que não tenha havido oposições à maneira como tal dispositivo foi sancionado. O fato de não se estabelecerem metas e nem indicarem um órgão responsável para garantir a implementação da lei foi alvo de muitas críticas, visto que pô-la em prática nas salas de aula acabou ficando a cargo do interesse e do engajamento de professores e professoras. Não demandar a reformulação dos programas dos cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, para formarem docentes aptos a ministrarem o ensino de História e Cultura Afro- Brasileira foi considerado por muitos uma contradição que inviabilizaria o alcance dos objetivos da lei (SANTOS, 2005). Ainda hoje, mais de dezessete anos após a promulgação do dispositivo legal, há professores que alegam não ter a formação adequada para atender as demandas de uma educação menos eurocêntrica, embora já se tenha avançado muito na oferta de cursos de formação continuada e na produção de livros e materiais didáticos nessa área.

A notícia da formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi acompanhada com particular interesse pelos grupos e indivíduos comprometidos com a implementação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003). As expectativas eram que a versão que fosse aprovada garantisse a inserção das histórias africana e afro-brasileira nos currículos de forma mais efetiva. No entanto, também havia o temor de que a BNCC aprovada tivesse o efeito contrário. Ainda que o documento não pudesse anular a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), dependendo do planejamento curricular que apresentasse, poderia criar obstáculos na prática para a implementação da referida lei, uma vez que a produção de livros didáticos e a formação de professores, fatores que incidem diretamente na realidade da sala de aula, seriam baseados na BNCC. Por essas razões, houve um intenso embate sobre os conteúdos que constariam na BNCC e diversas versões foram elaboradas antes de se chegar a uma decisão final, conforme veremos adiante.

A luta pela recuperação das histórias das populações negras e sua inserção nos currículos também tem mobilizado historicamente o movimento negro nos Estados Unidos, conforme demonstram reportagens e artigos publicados na imprensa negra ao longo dos séculos XIX e XX. Pereira (2019, p. 131), ao analisar os arquivos dos jornais Chicago Defender e do New York Amsterdam News, afirma que a busca pelo ensino de história negra era vista como uma estratégia para elevar a autoestima dos afro-americanos, afirmar sua humanidade e incentivar o enfrentamento das opressões racistas que viviam na sociedade norte-americana.

O autor cita como exemplo um artigo3 publicado pelo Chicago Defender, em 9 de dezembro de 1939, em que o escritor John W. Tate Jr defendia que somente através do conhecimento de sua própria história, os negros conseguiriam romper os complexos de inferioridade, chegando a acusar políticos e professores negros de propagar currículos eurocêntricos mesmo em escolas negras. A defesa de Tate Jr pode exemplificar o anseio dos movimentos negros na diáspora que reconheciam no ensino de história um potente instrumento na luta contra o racismo: “Estude a história do negro - que este seja o lema do negro atual! E deixe-o estudar cientificamente estudando as biografias de seus grandes homens” (TATE JR, 1939 apudPEREIRA, 2019, p. 133).

Após a integração racial nas escolas, em meados do século XX, o movimento negro estadunidense se concentrou em pleitear a integração da black history nas histórias a serem ensinadas para toda a população, em termos de igualdade, sem as hierarquias influenciadas pelo racismo, uma vez que a história afro-americana seria fundamental para a compreensão da história nacional. Nas décadas seguintes, se intensificaram esses esforços, chegando a inspirar projetos de lei que visavam interferir nas diretrizes curriculares e garantir o ensino da história negra nas escolas, através de iniciativas como a do político afro-americano William Boyland, que propôs nos anos 1980 ao Senado Estadual de Nova York a inclusão da História Negra no currículo das escolas públicas afirmando que sem ela “a História dos Estados Unidos não é ensinada corretamente” (BOYLAND, 1983 apudPEREIRA, 2019, p. 138).

Uma oportunidade de integração das narrativas históricas afro-americanas ao currículo nacional viria a ser formalizada nos Estados Unidos através de uma proposta de mudança curricular ainda na década de 1990: os National History Standards, Padrões Nacionais de História (NHS), que acreditamos que podem dialogar com a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) no Brasil, tanto em relação ao potencial transformador quanto nas polêmicas que gerou. Os NHS foram resultado dos Objetivos Nacionais de Educação (National Goals for Education), adotados em 1989 pelos governos estaduais, aprovados em 1992, pelo então presidente George Bush no contexto do lançamento do programa nacional curricular America 2000 (BUSH, 1991).

O America 2000 buscava implementar em cada comunidade do país objetivos nacionais de competência em aprendizagem, bem como de testes para avaliar seu progresso, até o final do milênio. Os seis objetivos estabelecidas pelo governo federal eram: Cada criança ingressar na escola pronta para aprender; a taxa de conclusão do ensino médio exceder 90%; garantir a proficiência dos estudantes em inglês, matemática, ciências, história e geografia; ocupar os rankings mundiais em matemática e ciências; promover a alfabetização de adultos para competição em uma economia global; livrar as escolas das drogas e violência4.

O alcance da terceira meta, que compreendia o ensino de história, exigia uma reforma curricular, pois envolvia o preparo para a cidadania responsável, considerada necessária e produtiva para a inserção dos estudantes na economia moderna. Buscando maximizar seu caráter democrático, a redação dos NHS envolveu professores de ensino fundamental e médio e historiadores numa força tarefa para criar os standards, além de submeter os rascunhos a um fórum nacional composto por 31 organizações nacionais que teriam contribuído para a criação das normas e revisão do penúltimo esboço (NASH, 1997). O projeto foi coordenado pelo National Center for History in the Schools [Centro Nacional de História nas Escolas] da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), e reuniu dezenas de organizações nacionais ligadas ao Ensino de História.

Depois de 32 meses de trabalho, em novembro de 1994, o conselho do NHS publicou 3 volumes, do jardim de infância até a 12ª série: National Standards for United States History: Exploring the American Experience (5th-12th grade) [Explorando a Experiência Americana (5ª-12ª séries]; National Standards for World History: Exploring Paths to the Present (5th-12th grade) [Padrões Nacionais para a História Mundial: Explorando Caminhos até o Presente (5ª-12ª séries] e National Standards for grades K-4 (from kindergarten to 4th grade): Expanding Children’s World in Time and Spaced [Padrões Nacionais para séries K-4 (entre o jardim de infância e a 4 ª série): Expansão do Mundo das Crianças no Tempo e no Espaço]. Os NHS não tinham força de lei e não representavam uma interferência federal direta nos conselhos de educação locais. Conforme afirma Nash, Cabtree e Dunn (2000, p. 275, tradução nossa), o uso das diretrizes eram de caráter voluntário e teriam sido elaboradas para “definir os entendimentos mais essenciais que os jovens americanos devem dominar até o final da quarta, oitava e décima segunda séries”.

Tendo em vista que um dos Objetivos Nacionais de Educação era que até o ano 2000 todos os estudantes tivessem conhecimento sobre a herança cultural diversa dos Estados Unidos e a comunidade mundial, os NHS propunham uma abordagem mais inclusiva e multicultural do que então se tinha visto na maioria dos currículos locais e nos livros didáticos:

Devemos visar, antes, um currículo de história que abarque e vá além do admirável objetivo de representar uma diversidade de grupos e culturas. Tal currículo visaria não apenas determinar quais grupos ou civilizações incluir e quanto tempo no ano letivo atribuir a cada um. Em vez disso, identificaria os desenvolvimentos, processos e transformações mais importantes que gostaríamos que os alunos compreendessem, formulasse as questões históricas que mais queremos que eles abordassem, elaborasse o vocabulário científico humanista e social que queremos que eles possam usar, e criar lições estimulantes que os levem a explorar as paisagens mais amplas em que grupos, sociedades e povos interagem. Se perseguido honestamente, tal abordagem produziria uma história inequivocamente inclusiva (NASH; CABTREE; DUNN, 2000, p. 275, tradução nossa).

No currículo proposto pelo NHS, foi diminuído o espaço dado à Europa e foram incorporados mais conteúdos sobre a história da África, da Ásia e da América Latina, bem como buscaram recuperar histórias de mulheres, afro-americanos, minorias religiosas, nativos americanos (indígenas), latinos, asiáticos-americanos e da classe trabalhadora, sem se furtar em expor conflitos, relações de poder e exploração. Além da mera inclusão de conteúdos sobre história negra, Nash, Cabtree e Dunn (2000) relata a preocupação com a qualidade da abordagem, de forma que não ficasse restrita a personagens negros ilustres e datas comemorativas, mas abrangesse o estudo da vida e cultura dos afro-americanos. As 10 fases sobre a História dos Estados Unidos, por exemplo, organizadas a partir do século XVII, apresentavam conteúdos sobre a escravidão, resistência dos escravizados, racismo, luta por direitos civis, fim da política de segregação racial nas escolas e políticas de ação afirmativa no país.

Ao trazer para a o currículo e, assim, para os livros didáticos e para as explicações produzidas em sala de aula os conflitos e as relações de poder, ou seja, de dominação, opressão e resistência, tanto os NHS como a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) acionam elementos chave para dar início ao processo de descolonização, pois, conforme analisa Gomes (2012a, p. 105), quando se visa estabelecer um diálogo entre as diferentes culturas e os sujeitos que as produzem, é necessário abordar os conflitos entre experiências históricas e visões de mundo distintas. O conhecimento sobre a construção dos discursos que hierarquizaram as diferenças culturais entre grupos humanos através da raça, pode desestabilizar os modelos epistemológicos dominantes e produzir em estudantes e professores “uma postura de inconformismo, as quais são necessárias para olhar com empenho os modelos dominados ou emergentes por meio dos quais é possível aprender um novo tipo de relacionamento entre saberes e, portanto, entre pessoas e entre grupos sociais” (GOMES, 2012a, p. 105).

O espaço menor reservado à história da Europa, aos triunfos da civilização ocidental, aos atos heroicos de ilustres homens brancos, e aos grandes eventos da história política provocou uma onda de críticas aos NHS, que tomou conta da televisão e dos jornais na época de seu lançamento. Acusados de serem politicamente corretos e multiculturais em excesso, os NHS estariam, de acordo com os críticos, menosprezando o Ocidente e promovendo uma história antiamericana, pois aprender sobre partes tensas da história americana, como a Ku Klux Klan e o macarthismo, poderia atrapalhar o amor ao país e constranger os estudantes.

A possibilidade de se adotar uma perspectiva histórica nos currículos escolares que não fosse centrada no paradigma branco europeu foi considerada inaceitável. Para os neoliberais e neoconservadores, seria uma diretriz curricular distorcida, tanto que, em 1995, os NHS foram condenados pelo Senado dos Estados Unidos por 99 votos a 1, iniciando uma batalha entre políticos de centro-esquerda e a extrema direita em tornos dos NHS e da adoção de standards em todas disciplinas. Enquanto no Brasil, a possibilidade de uma ruptura com a tradição eurocêntrica na educação tem sido resultado da mobilização dos movimentos sociais negros por implementações de leis e de intervenções governamentais, em menor proporção, no caso estadunidense a tradicional autonomia estadual e mesmo distrital na educação, por si só, geraria resistência a qualquer interferência federal nos currículos. Nesse sentido é importante salientar que o alcance dos NHS foi limitado na realidade nacional, especialmente se comparado aos desdobramentos que a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), tem tido no Brasil. A discussão proposta pelos NHS não chegou em muitos estados do país, e em alguns estados eles foram completamente rejeitados, de forma que na maior parte das escolas estadunidenses, o currículo permaneceu eurocentrado.

Os avanços do neoliberalismo na década de 1990 contribuíram ainda mais para aumentar a desconfiança no NHS e endossou o clamor dos críticos da extrema direita pela redução do envolvimento federal na educação. Os responsáveis pela redação dos NHS, Nash, Crabtree e Dunn (2000), no entanto, relataram anos depois que apesar desse clima de tensão, todos os estados da União, com exceção de Iowa, estavam abertos a desenvolver padrões acadêmicos para suas escolas públicas e os educadores que analisaram as diretrizes dos NHS as teriam considerado inteligentes, abrangentes e úteis. Nesse sentido, entendemos que houve reflexos em políticas curriculares posteriores nos EUA.

Políticas nacionais de educação criadas a partir dos anos 2000, como No Child Left Behind5 (NCLB, Nenhuma criança deixada para trás), de 2001, e o Common Core State Standards Initiative6 (Iniciativa de Padrões Estaduais de Núcleo Comum), de 2010, segundo Love (2019) e Lewis-McCoy (2016) teriam dificultado a integração da história dos negros nos Estados Unidos e na diáspora nos currículos escolares. Nessas propostas, o sucesso das escolas passou a ser medido pela pontuação anual de leitura, matemática e ciências e os educadores tem sido responsabilizados pelos resultados acadêmicos dos alunos, e punidos com cortes no financiamento escolar caso os resultados sejam negativos. Pressionados a garantir o bom desempenho nos testes padronizados, e visando otimizar a preparação dos alunos, muitos professores tem optado por não abordar os temas que não são cobrados em tais testes, o que acaba por marginalizar conteúdos referentes aos africanos e afrodescendentes. Além disso, devido ao Common Core, muitos estados tem aderido ao uso de livros didáticos que atendem aos padrões, mas não representam as populações negras de forma crítica e integrada a narrativa histórica principal.

Nos últimos anos o Brasil tem se especializado na adoção de avaliações de desempenho estudantil em todos os níveis de ensino, com exames de larga escala como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). O próximo passo será a implementação de uma Base Nacional Comum Curricular, a BNCC. A construção da BNCC no Brasil, especialmente no que diz respeito à área de História, foi um processo recente e difícil, repleto de avanços e retrocessos, no que diz respeito à incorporação das agências históricas de populações negras e indígenas nos currículos. Houve uma primeira versão elaborada por uma Comissão de Especialistas formada por especialistas em Ensino de História, tanto docentes universitários quanto docentes da Educação Básica indicados pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Educação (Consed), além de professores das universidades convidados pelo Ministério da Educação (MEC). Esta comissão apresentou sua primeira versão da BNCC para o debate público ainda em 2015. Os avanços políticos em termos de democratização da Educação no Brasil e documentos curriculares construídos como resultados das lutas históricas do movimento negro, como a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (BRASIL, 2004), potencializaram a elaboração de uma primeira versão da BNCC na qual ficava evidente a perspectiva de rompimento com o eurocentrismo no ensino de História e o consequente aumento de espaços curriculares destinados à agência das populações negras e indígenas na História do Brasil. Um bom exemplo de avanço impulsionado pela Lei 10.639/03 presente na primeira versão da BNCC no Componente Curricular de História, é a sequência de procedimentos de pesquisa indicados para o 1° ano do Ensino Médio, na parte dedicada aos chamados “Mundos Ameríndios, Africanos e Afro-Brasileiros”:

(CHHI1MOA013) - Valorizar o protagonismo de ameríndios, africanos, afro-brasileiros e imigrantes em diferentes eventos da história do Brasil. (CHHI1MOA014) - Interpretar os movimentos negros e quilombolas no Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre esses movimentos e as trajetórias históricas dessas populações do século XIX ao século XXI (BRASIL, 2015 apudBRAZÃO, 2017, p. 8).

Essa primeira versão foi completamente abandonada, já que o próprio Ministério da Educação, que formou a comissão responsável pela elaboração do documento, não teria concordado com o resultado do trabalho da comissão, como se pode observar em reportagens publicadas à época na imprensa7. Mesmo o debate público realizado sobre essa primeira versão acabou sendo ignorado e a segunda versão apresentada em 2016 já era completamente diferente da primeira, restituindo o aspecto eurocêntrico tradicionalmente presente nos currículos de História elaborados no Brasil desde o século XIX (SILVA; MEIRELES, 2017). O processo de desqualificação das inovações e avanços apresentados na primeira versão da BNCC, de 2015, foi semelhante ao ocorrido nos EUA em relação aos NHS nos anos 1990.

Entre os anos de 2017 e 2018 foram homologadas pelo Ministério da Educação a BNCC do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, que foram elaboradas por uma nova comissão de professores indicados pelo MEC, completamente diferente da comissão que realizou o trabalho de elaboração da primeira versão, em 2015. Segundo consta no seu website, a BNCC “deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil” (BRASIL, 2018) . Embora a BNCC de História, homologada pelo MEC, tenha incorporado aspectos do que está preconizado na Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), o que reconhecemos como um avanço no sentido de democratização do ensino de História no Brasil, o documento curricular atualmente em vigor continua marcado pelo eurocentrismo. Por exemplo, no Componente Curricular de História voltado para o 8° ano do Ensino Fundamental, quando trata da “Unidade Temática” dedicada aos “processos de Independência nas Américas”, ao indicar os “Objetos de Conhecimento”, embora contemple “A revolução dos escravizados em São Domingo e seus múltiplos significados e desdobramentos: o caso do Haiti”, enfatiza no item seguinte “A tutela da população indígena, a escravidão dos negros e a tutela dos egressos da escravidão” e as seguintes “habilidades”: “(EF08HI14) Discutir a noção da tutela dos grupos indígenas e a participação dos negros na sociedade brasileira do final do período colonial, identificando permanências na forma de preconceitos, estereótipos e violências sobre as populações indígenas e negras no Brasil e nas Américas” (BRASIL, 2018, p. 425).

Nos parece que embora a “participação dos negros” seja obrigatória em função da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) e esteja presente na BNCC, a ênfase no documento curricular está mais na escravidão, na tutela e na violência, como no exemplo citado, e não na agência, na produção e nas diversas lutas e formas de resistência protagonizadas pela população negra no processo histórico de formação da sociedade brasileira. Entendemos que o trabalho que será realizado a partir dessa BNCC, se ele potencializa o conhecimento em relação ao protagonismo histórico da população negra ou se permanece enfocando a “tutela” ou a escravidão, vai depender de cada professor/a. O fato que destacamos neste artigo são as possibilidades criadas para a democratização do ensino de História em função da existência da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), um resultado das lutas do movimento negro no Brasil.

Não se trata de responsabilizar professores/as pelo cumprimento da lei, mas sim de reconhecer seu protagonismo no âmbito das seleções curriculares. O mercado editorial de livros didáticos e os cursos de formação de professores nas universidades brasileiras já vinham sendo impactados por esforços realizados no sentido de obedecer à legislação vigente em nosso país nas duas últimas décadas, apresentando recursos e possibilidades para a formação e para a posterior ação de professores e professoras. O caminho para uma oferta satisfatória de materiais didáticos e de cursos de formação de professores que estejam em sintonia com a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) ainda é longo, mas deve prosseguir mesmo com a BNCC atualmente em vigor. Na ausência de materiais alinhados com tais perspectivas curriculares, professores e professoras são capazes de subverter e inovar, adaptando a produção de conhecimento histórico escolar à realidade em que atuam. Somente a obrigatoriedade dos conteúdos por si só não garantem novos enfoques, são professores/as que articulam contribuições da teoria da história, da historiografia, do campo curricular e do ensino de história, desenvolvendo o domínio sobre o seu fazer e rompendo com os estereótipos racistas.

Nesse movimento em torno da construção da BNCC, tanto idealizadores como críticos da base se embasaram, entre outras coisas, nos resultados do Common Core Standards e do NCLB nos Estados Unidos para defender suas posições. A implementação de bases curriculares nacionais, seguidas de testes e avaliações igualmente padronizados, que classificam, premiam e punem instituições educacionais, tem sido apresentada como a solução para os problemas na educação pela iniciativa “neoliberal” no mundo, representada seja por políticos, pelos grandes conglomerados empresariais na área da educação ou por fundações privadas8.

As propostas geralmente se baseiam na expectativa de que os padrões curriculares garantiriam a melhoria do desempenho de estudantes e professores, eliminando progressivamente as lacunas e as desigualdades educacionais.

Não é objetivo deste artigo avaliar os resultados reais de tais projetos, mas sim sinalizar que adoção de padrões curriculares empurra docentes para uma seleção entre o que seria uma “história de verdade / realmente importante”, que é aquela legitimada pela tradição e cobrada nas avaliações externas, e o que teriam sido “contribuições minoritárias / informações extras”, por isso dispensáveis, que quase sempre correspondem a narrativas de grupos subalternizados que ainda lutam pelo reconhecimento de seu protagonismo histórico. Esse tipo de seleção, orientada pelas teorias raciais que historicamente embasaram a construção das diretrizes curriculares, só vem a reforçar o eurocentrismo e o racismo nos currículos, tanto no Brasil quanto nos EUA. Ou seja, quando se trata de padrões, é preciso lembrar que em países que foram colonizados na modernidade, o padrão em geral é branco, ocidental, patriarcal e heteronormativo.

Promover o diálogo entre os NHS e a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), por sua vez, nos ajuda a demonstrar a transnacionalidade do movimento de militantes negros e profissionais da educação na luta pelo processo de descolonização dos currículos de História na diáspora africana, bem como no enfrentamento das reações por parte de setores mais conservadores da sociedade.

Considerações finais

Como escrevem Pereira (2019) e Lewis-McCoy (2016) sobre as histórias afro-brasileiras e afro-americanas, respectivamente, a introdução de conteúdos disciplinares sob uma perspectiva contra hegemônica tem acontecido historicamente de forma pontual e muito em função do engajamento de professores e professoras na luta antirracista. Pessoas comprometidas politicamente com o antirracismo e que buscam abordar questões que afetam seus alunos e suas comunidades, e assim, reimaginam e reescrevem currículos para fornecer exemplos e estratégias de resistência (LOVE, 2019). Entendemos que a sala de aula é um espaço de negociações de narrativas e, mesmo sob os mais rígidos currículos eurocêntricos, docentes espalhados por toda diáspora africana têm demonstrado, a partir de sua prática de ensino, que toda aula pode ser também uma aula sobre as histórias das populações negras.

Diretrizes propostas pela Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), no Brasil, e pelos NHS, nos EUA, nas últimas décadas abriram novas possibilidades na luta pelo ensino de histórias negras. Mas, como explicitado acima, sobre as lutas por educação e pela revisão sobre as histórias contadas sobre os negros, é importante ressaltar que ambas as políticas curriculares propostas foram resultados de mobilizações e intervenções de militantes negros/as, docentes e historiadores/as que, no exercício de seu ofício e/ou de sua luta política e social, buscaram brechas para construir narrativas históricas contra hegemônicas a partir das perspectivas e experiências das populações negras. Talvez o exemplo mais evidente, nesse sentido, seja o da professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, a primeira mulher negra brasileira a se doutorar em Educação e a primeira pessoa negra a compor o Conselho Nacional de Educação (CNE), indicada pelo movimento negro brasileiro, em 2002. A professora Petronilha foi a relatora responsável pela elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, publicadas em 2004, um ano após a promulgação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003).

Agentes da lei na luta antirracista, pessoas negras e brancas que trabalham com a Educação, criam espaços de negociação em documentos curriculares como a BNCC e os Common Core State Standards em uma dialética que não aceita hegemonias culturais e usam a “cultura de luta antirracista” (PEREIRA; LIMA, 2019), produzida pela ação do movimento negro transnacional, para construir visões de comunidade e versões de memória histórica que subvertem às posições minoritárias que lhes foram atribuídas pelo sistema colonial (BHABHA, 1998).

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar Araujo (org.). Histórias do movimento negro no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas: CPDOC/FGV, 2007. [ Links ]

ANDREWS, George Reid. O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Lua Nova, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 52-56, 1985. [ Links ]

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. [ Links ]

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm . Acesso em: 30 set. 2020. [ Links ]

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República , 2003. Disponível em: Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LE I&numero=10639&ano=2003&ato=431MTTq10dRpWTbf4 . Acesso em: 20 set. 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC, 2004. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ . Acesso em: 25 set. 2020. [ Links ]

BRAZÃO, Diogo Alchorne. A BNCC como um território de disputas de poder: As permanências e rupturas do pensamento eurocêntrico no componente curricular de História da Base Nacional Comum Curricular. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 29., 2017, Brasília. Anais [...]. Brasília, DF: ANPUH, 2017. p. 1-12. Tema: Contra os Preconceitos: História e Democracia. Disponível em: Disponível em: https://www.snh2017. anpuh.org/resources/anais/54/1502851740_ARQUIVO_BNCCcomoterritoriodedisputas- DiogoBrazao-ANPUH.pdf . Acesso em: 30 set. 2020. [ Links ]

BUSH, George. America 2000: An Education Strategy. Whasington, DC: ERIC, 1991. Sourcebook. Disponível em: Disponível em: https://www.files.eric.ed.gov/fulltext/ED327985.pdf . Acesso em: 20 nov. 2020. [ Links ]

DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO. Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, DF: MC: Fundação Palmares, 2001. Disponível em: Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_durban. pdf . Acesso em: 19 nov. 2020. [ Links ]

DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Revista Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. [ Links ]

GOMES, Nilma Lino. Relações étnicos raciais e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, [s. l.], v. 12, n. 1, p. 98-109, jan./abr. 2012a. [ Links ]

GOMES, Nilma Lino. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, 2012b. [ Links ]

GONÇALVES, Luiz Alberto; SILVA, Petronilha Beatriz. Movimento negro e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 15, p.134-158, 2000. [ Links ]

HICKLING-HUDSON, Anne; AHLQUIST, Roberta. Contesting the curriculum in the schooling of indigenous children in Australia and the USA: from Eurocentrism to culturally powerful pedagogies. Comparative Education Review, Chicago, v. 47, n. 1, p. 64-89, 2003. [ Links ]

LEWIS-MCCOY, R. L’Heureux. Our kids; whose history? Ebony, Louisville, KY, feb. 2016. [ Links ]

LOEWEN, James W. Lies My Teacher Told Me: Everything Your American History Textbook Got Wrong. [S. l.]: Touchstone Books, 1995. [ Links ]

LOPES, Alice Casimiro. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 39, p. 7-23, 2013. (Dossier Temático - Configurações da Investigação Educacional no Brasil). [ Links ]

LOVE, Bettina L. We Want to Do More Than Survive: Abolitionist Teaching and the Pursuit of Educational Freedom. Beacon Press, 2019. [ Links ]

MACEDO, Elizabeth. Currículo como espaço-tempo de fronteira cultural. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 11, n. 32, p. 285-296, 2006. [ Links ]

MATTOS, Hebe. O ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU, Martha; SOIHET, Raquel (org.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologias. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2003. p. 127-136. [ Links ]

MORENO, Ana Carolina. Currículo de história sem Tiradentes é criticado por ex-ministro da Educação. G1, 2015. Educação. Disponível em: Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/ noticia/2015/10/janine-diz-que-falta-de-repertorio-em-novo-curriculo-proposto-para- historia.html . Acesso em: 20 set. 2020. [ Links ]

NASH, Gary. Reflections on the National History Standards. National Forum, 1997. Disponível em: Disponível em: http://www-personal.umich.edu/~mlassite/discussions261/nash.html . Acesso em: 2 jan. 2021. [ Links ]

NASH, Gary B.; CRABTREE, Charlotte; DUNN, Ross E. History on trial: culture wars and the teaching of the past. [S. l.]: Vintage Books Edition, 2000. [ Links ]

PEREIRA, Amilcar Araujo. “Por uma autêntica democracia racial!”: os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história. Revista História Hoje, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 111-128, 2012. [ Links ]

PEREIRA, Amilcar Araujo. Black Lives Matter nos currículos? Imprensa negra e antirracismo em perspectiva transnacional. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 172, p. 122-143, abr./jun. 2019. [ Links ]

PEREIRA, Amilcar Araujo; LIMA, Thayara C. Silva de. Performance e Estética nas Lutas do Movimento Negro Brasileiro para Reeducar a Sociedade. Rev. Bras. Estud. Presença, Porto Alegre, v. 9, n. 4, p. 1-30, 2019. [ Links ]

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2005. [ Links ]

REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: histórias dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. [ Links ]

SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei 10.639/03 como fruto da luta antirracista do Movimento Negro. In: SANTOS, Sales Augusto dos (org.). Educação Antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília, DF: MEC/ XSECAD, 2005. (Coleção Educação para todos). [ Links ]

SILVA, Giovani José da; MEIRELES, Marinelma Costa. Orgulho e preconceito no ensino de História no Brasil: reflexões sobre currículos, formação docente e livros didáticos. Critica Histórica, Macéio, v. 8, n. 15, p. 7-30, jul. 2017. [ Links ]

SMITH, Joseph. Brazil and the United States: Convergence and Divergence. Athens, GA: University of Georgia Press, 2010. [ Links ]

TARLAU, Rebecca; MOELLER, Kathryn. O Consenso por Filantropia: Como uma fundação privada estabeleceu a BNCC no Brasil. Currículo sem Fronteiras, [s. l.], v. 20, n. 2, p. 553-603, maio/ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.curriculosemfronteiras. org/vol20iss2articles/tarlau-moeller.pdf . Acesso em: 30 ago. 2020. [ Links ]

TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Ford, 2003. [ Links ]

VIANA, Larissa Moreira. O Atlântico Negro: narrativas acadêmicas e questões para o ensino de história das Américas. Fronteiras & Debates, Macapá, v. 3, n. 2, p. 79-97, jul./dez. 2016. [ Links ]

1A Reconstrução (1865-1877) é como é chamado o período posterior à Guerra Civil norte- americana (1861-1865), quando os vencedores, do Norte, direcionavam seus esforços para a abolição da escravatura, para a eliminação da Confederação dos Estados do Sul e para a reconstrução do país e da Constituição dos Estados Unidos.

2Sobre o processo de lutas do movimento negro e da própria escrita do projeto de lei que seria aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República como a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), ver: Pereira (2017).

3“Raça deve aprender mais sobre sua história, diz escritor que coloca a culpa no currículo escolar atual”, no original: “Race Must Learn More Of Its History Says Scribe Who Puts Blame On Present School Plan”, publicado em 9 de dezembro de 1939 no Chicago Defender.

4Ver mais em: George Busch (1991).

5O programa federal No Children Left Behind foi lançado em 2001 pelo então presidente George W. Bush, aprovado pelo Congresso no mesmo ano e promulgado como lei federal em 2002. Segundo ele, todos os estados estavam obrigados a participar dos exames do NAEP - National Assessment of Educational Progress [Avaliação Nacional do Progresso Educacional] e a apresentar anualmente a variação das notas de seus alunos, com um cronograma estabelecendo quando e como todos os alunos alcançariam a meta de 100% de proficiência até 2014. As escolas que não alcançassem as metas seriam rotuladas como “em necessidade de melhoria” e enfrentariam uma série de sanções onerosas.

6Os Common Core State Standards, ou Padrões Estaduais de Núcleo Comum, voltados para matemática e língua inglesa, foram lançados em 2 de junho de 2010, durante o governo de Barack Obama. Eles foram formulados pela National Governors’ Association [Associação Nacional dos Governadores] e pelo Council of Chief State School Officers (Conselho de Diretores de Escolas Estaduais), que, tentando evitar controvérsias como as que envolveram os NHS, deixaram a decisão quanto à sua adoção ou não ao livre arbítrio dos departamentos de educação estaduais. Por outro lado, os estados foram incentivados a adotar os padrões através do fundo Race to the Top, Corrida pelo topo, um subsídio competitivo do Departamento de Educação de US $ 4,35 bilhões. Nele os estados competem por bolsas conquistadas em avaliações de eficácia de professores, diretores e estudantes baseadas nos padrões comuns. 45 estados dos estados da federação, mais o Distrito de Columbia, aderiram a tal política.

7Para um bom exemplo, ver: Moreno (2015).

8Sobre o papel fundamental das fundações privadas no estabelecimento da BNCC no Brasil, ver: Rebecca Tarlau e Kathryn Moeller (2020).

Recebido: 02 de Outubro de 2020; Aceito: 21 de Janeiro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons