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Educar em Revista

versão impressa ISSN 0104-4060versão On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 26-Set-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.78223 

DOSSIÊ - Educação Ambiental e a Escola Básica: contextos e práticas

Educação Ambiental: aspectos que dificultam o engajamento docente em escolas públicas do Distrito Federal

? Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: valdivanferreira@gmail.com E-mail: claudiap@unb.br


RESUMO

Este estudo teve por objetivo compreender aspectos que dificultam o engajamento de professores nas propostas de Educação Ambiental (EA) a partir da percepção desses sujeitos. Participaram 17 professores de escolas públicas do Distrito Federal (11 mulheres), com média de idade de 34,6 anos, com tempo médio de 15,2 anos de atuação na educação básica da rede pública de ensino. Dentre os participantes, três exerciam o cargo de gestão, três eram propositores de projetos de EA e onze não estavam envolvidos diretamente em projetos de temática ambiental. Foram realizadas entrevistas individuais e coletivas (grupo focal e roda de conversa) com cada uma das categorias de participantes. As análises qualitativas baseadas na escuta sensível indicaram os seguintes aspectos desfavoráveis ao engajamento: a prerrogativa curricular transversal da EA, as relações de poder e conflito nas escolas, as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, os valores e a formação docente. Os valores pessoais e a formação específica em EA, com perspectiva crítica e humana, surgiram como possibilidades de reversão do problema. Esses resultados são congruentes com estudos sobre a temática e apontam contribuições importantes para fomentar o engajamento docente em projetos de EA nas escolas.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Escola pública; Engajamento; Formação docente; Valores

ABSTRACT

This study aimed to understand aspects that hinder the engagement of teachers in proposals for Environmental Education (EE) from the perspective of these participants. Seventeen public school teachers from the Federal District (11 women), with mean age of 34.6 years, and mean time of 15.2 years of experience in elementary education in the public school system participated as volunteers. Among the participants, three held management positions, three were proponents of EE projects and eleven were not directly involved in environmental-themed projects. Individual and collective interviews (focus groups and conversation circles) were conducted with each of the categories of participants. Qualitative analysis based on sensitive listening indicated the following aspects unfavorable to engagement: the cross-cutting curricular prerogative given to EE, power and conflict relationships in schools, difficulties faced in the school routine, values, and teacher training. Personal values and specific training in EE, with a critical and human perspective, emerged as possibilities for overcoming the problem. These results are congruent with studies on the theme and point out important contributions for fostering teacher engagement in EE projects in schools.

Keywords: Environmental education; Public school; Engagement; Teacher training; Values

Introdução

A Educação Ambiental (EA) é considerada estratégica para a conservação do meio ambiente e a construção da sustentabilidade da vida em suas múltiplas manifestações. Os processos educativos formais e não formais pretendem, em essência, transformar as relações das pessoas com o ambiente e contribuir para a mitigação e a adaptação da problemática ambiental. No âmbito da educação formal, escolar, espera-se que seja uma prática integrada, contínua e não disciplinar (BRASIL, 1999).

Há evidências, no entanto, de que projetos ou atividades de EA em escolas públicas não conseguem atingir seus objetivos por não serem inseridos em um debate que esteja presente nos espaços-chave da organização e do planejamento escolar. Esse é um impeditivo para ações que incidam na transformação e no aprendizado do indivíduo, do grupo e da estrutura institucional. Estudos realizados no Brasil vêm apontando a falta de envolvimento dos docentes em projetos de EA nas escolas, bem como a constatação de que as atividades de cunho ambiental acontecem comumente de maneira isolada, especialmente em datas comemorativas (OLIVEIRA, 2016; SANTOS, 2016; SOUTO, 2018). Ocorre, portanto, a falta de engajamento daqueles que, a priori, teriam o papel de inserir a temática ambiental de forma transversal, mediando e construindo, juntamente com os demais segmentos da instituição, conhecimentos capazes de promover o pensamento crítico e transformar a realidade socioambiental da comunidade escolar.

Essa perspectiva da EA não tem encontrado o referido espaço, tendo em vista a adoção de abordagens mais naturalistas ou conservacionistas/recursistas, em que as preocupações estão mais centradas em aspectos da relação com a natureza e da gestão ambiental. Comumente, as atividades se concentram no plantio de hortas, coleta seletiva de resíduos e redução do consumo de água e energia. Inegavelmente, essas ações contribuem significativamente para a inserção da temática ambiental na comunidade escolar e produzem resultados importantes. No entanto, de forma isolada e pontual, a limitação do debate pode comprometer transformações socioambientais mais profundas, especialmente nos aspectos mais centrais, que envolvem o sistema de valores e crenças dos atores sociais. Guimarães (2013) questiona as abordagens homogeneizadas e superficiais do discurso ambiental, em que há perda do caráter crítico e o direcionamento a uma educação hegemônica, remetendo ao que chama de corrente conservadora da EA. Para ele, a corrente crítica é a que traz à tona aspectos que tratam das relações de poder na sociedade, além da politização das ações humanas relacionadas ao meio ambiente. Para Jacobi, Tristão e Franco (2009), há também a necessidade de uma compreensão complexa e politizada da temática ambiental. Os autores consideram a participação como eixo norteador das práticas de EA, com a articulação de saberes e fazeres. As referidas práticas devem ser baseadas em uma atitude contextualizadora e problematizadora da realidade, o que implica, portanto, a necessidade de estímulo ao diálogo e participação mais ativa da sociedade (JACOBI; TOLEDO; GRANDISOLI, 2016).

Engajar-se em projetos ou atividades de EA em uma perspectiva crítica, contemplando a temática ambiental de forma transversal na sua prática pedagógica, pode parecer algo óbvio a ser desempenhado pelo docente. No entanto a realidade tem demonstrado que não é tão óbvio e nem tão fácil assim de se concretizar essa concepção, como esperado. Se há evidências de que não tem acontecido plenamente nessa perspectiva, e se há a convicção de que se trata de uma questão complexa, emergem questionamentos e diferentes dimensões do problema: o que dificulta, na percepção do professor, a sua atuação nos projetos de EA em escolas públicas, tendo a transversalidade como prerrogativa curricular? Como a (não)formação docente em EA se apresenta na receptividade a iniciativas de atividades que tratam de meio ambiente? De que forma a escola contribui, enquanto contexto da prática pedagógica do professor, com aspectos que dificultam tais atividades? Assim, o objetivo deste estudo foi compreender os aspectos que dificultam o engajamento de professores nas propostas de EA em escolas públicas do Distrito Federal (DF), a partir das percepções desses sujeitos.

Transversalidade: novas possibilidades de organização do conhecimento

O caráter transversal do tema meio ambiente se constitui como fruto de um debate epistemológico em que se discutem as transformações paradigmáticas. Morin (2007, p. 59) conceitua o paradigma simplificador como o que “põe ordem no universo, expulsa a desordem” e no qual o conhecimento científico tem por missão desvelar a “simplicidade escondida” dos fenômenos. Tal simplificação é buscada a partir do pensamento disjuntivo e redutor, enquanto o pensamento complexo tem como princípios a disjunção, a conjunção e a implicação. A fragmentação, a racionalização, a ordem e a certeza como princípios da ciência moderna são questionadas pelo paradigma da complexidade, para o qual a religação dos saberes é fundamental.

Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade diz respeito a um espaço de mediação entre conhecimentos e articulação de saberes, “[...] no qual as disciplinas estejam em situação de mútua coordenação e cooperação, construindo um marco conceitual e metodológico comum para a compreensão de realidades complexas” (CARVALHO, 2017, p. 96). A transdisciplinaridade vem como uma proposta de articulação e intercâmbio das disciplinas, mas, segundo Basarab Nicolescu, não se limita a isso por “[...] estar ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento” (NICOLESCU, 1999, p. 53, grifos do autor). Diante da complexidade da questão, não por acaso, observa-se uma grande dificuldade de inserção de propostas pedagógicas que intentam algum tipo de articulação/integração das disciplinas nas escolas. Por ser algo que foge aos padrões tradicionais de ensino, são vistas com desconfiança pelos professores. A EA, por sua inserção curricular transversal e, obviamente, quando abordada criticamente, já enfrenta tal desafio nas escolas, haja vista a dificuldade de conferir-lhe um espaço central na prática pedagógica docente. Talvez seja algo que ocorra exatamente por seu caráter renovador e multidimensional, possivelmente chocando com a tradição da racionalidade moderna que tende a ser disciplinar e fragmentadora.

Por uma Educação Ambiental crítica e humana

As abordagens pontuais, descontextualizadas e superficiais, que servem ao modelo no qual se pretende ter o consenso como premissa para a continuidade do modelo social vigente, constituem-se como reflexos da falta de aprofundamento do debate ambiental. Trata-se do modelo de EA que comumente é implementado nas escolas, sem uma análise crítica capaz de promover mudanças estruturais na relação entre ser humano e natureza (GUIMARÃES, 2013). O caráter consensual presente nos discursos e nas ações de EA nas escolas não contempla, em uma perspectiva crítica, o enfrentamento da crise ambiental vigente. E a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) parece colaborar ainda mais para esse caráter pontual, superficial, sem crítica e sem aprofundamentos do debate socioambiental, levando ao silenciamento do campo da EA no Brasil, conforme afirmam Silva e Loureiro (2020). De acordo com Layrargues (2018, p. 194), houve um processo de hegemonização da EA reprodutivista para não se encontrar, nos programas governamentais e escolares, “nenhuma reflexão que comprometa o modo de produção capitalista e a sociabilidade do capital”.

A perspectiva socioambiental aponta para a necessidade de uma visão complexa de meio ambiente, “em que a natureza integra uma rede de relações não apenas naturais, mas também sociais e culturais” (CARVALHO, 2017, p. 28). Para a referida autora, o sujeito ecológico é um ideal de ser que se estabelece em uma existência ecológica plena, pelas escolhas ecologicamente orientadas na sua vida cotidiana, e sustenta a utopia nos valores que fundamentem a luta por um projeto de transformação da sociedade. Assim, a religação do ser humano com a natureza e o sentimento de pertencimento, como espécie e ser social, são pressupostos importantes na conceituação de Ecologia Humana (EH), compreendida como enraizamento do ser humano tanto com a sua base biológica quanto com a sociocultural. Desse modo, a relação entre EA e EH permite a abertura de um campo epistemológico bastante amplo para a pesquisa “sobre conhecimentos, valores e vivências que influenciam a construção do sujeito ecológico, a percepção ambiental, a crise e sustentabilidade, e sobre a escola como espaço socioambiental de construção do conhecimento e produção de sentidos (CATALÃO; MOURÃO; PATO, 2009, p. 30, grifo nosso).

O enfrentamento dos problemas socioambientais, como a desigualdade, a exclusão social e a degradação do meio ambiente, não pode se limitar, portanto, à teorização de modelos econômicos, de processos de globalização ou de projetos imperialistas. Há que se enfrentar a crise também pelas ações cotidianas, pela conscientização e sensibilização de si e do próximo, assim como pela incorporação e disseminação dos ideais ecológicos. As transformações que surgem a partir de uma abordagem crítica e humana da questão ambiental são mais sólidas e duradouras se vislumbradas a partir dos pressupostos de participação efetiva dos cidadãos. Nesse sentido, percebe-se que há uma convergência entre a EA e a formação cidadã dos indivíduos, uma “ecocidadania” em que se inscreve a nossa humanidade na trama global da vida (SAUVÉ, 2017, p. 271).

Nessa perspectiva de EA, considera-se importante a prática pedagógica na escola, vislumbrada a partir da formação docente, aqui tratada de forma mais abrangente, não reduzida à formação acadêmica, mas considerando toda a sua trajetória de vida. Trata-se da formação de uma identidade pessoal e profissional que proporcione o diálogo com o mundo da vida dos professores. Entendida como espaço onde há o encontro entre o individual e o mundo social, a subjetividade resulta “[...] tanto em marcas singulares na formação do indivíduo quanto na construção de crenças e valores compartilhados na dimensão cultural, que vão construir a experiência histórica e coletiva dos grupos e populações” (CARVALHO, 2017, p. 218). Assim, os processos sociais não são considerados externos ao indivíduo, mas como processos implicados dentro de um sistema complexo no qual o indivíduo é constituinte e, ao mesmo tempo, constituído. Podemos pensar, assim, que o docente que participa (ou não) efetivamente das atividades de EA da escola insere-se num processo de geração de sentidos e significações, tanto para aquele espaço social como para ele próprio.

Compreender as interações entre contexto escolar e o docente pode ser elucidativo em relação ao nível de engajamento deste em projetos de EA, portanto crucial aos objetivos deste estudo. Trata-se de buscar perceber, no seu discurso e na forma de atuação, níveis de alienação ou autonomia, diante dos variados aspectos que envolvem o seu ofício, desde as condições de trabalho propriamente ditas até as cobranças da equipe gestora quanto ao seu desempenho e ao cumprimento das metas estabelecidas por ela ou pelo sistema de ensino. A autonomia, entendida como regulação ou legislação por si mesmo, não se traduz, no entanto, na eliminação total do discurso do outro, mas em uma atividade de constante movimento de retomada do discurso do outro sem se deixar dominar por ele. A discussão da alienação gira em torno de como o sujeito toma o discurso do outro (heteronomia) e o aplica, situação em que o “[...] sujeito não se diz, mas é dito por alguém, existe pois como parte do mundo de um outro” (CASTORIADIS, 1982, p. 124). Para o autor, a alienação se configura, também, pelo ocultamento do caráter sócio-histórico das instituições, quando, ao invés destas servirem à sociedade, passam a ter a sociedade a seu serviço.

Entretanto as relações de poder dentro da instituição escolar ultrapassam as regras ou regulamentações do sistema de ensino e materializam-se no cotidiano. A escola, instituição na qual o trabalho funda-se no conhecimento como objetivo primordial da sua atividade, insere-se em um contexto em que poder e saber se apresentam explicitamente na sua cotidianidade, em uma implicação mútua e indissociável. No entanto, considerando os princípios do pensamento complexo, não é prudente analisar um contexto específico, nesse caso, o escolar, sem que se faça, também, uma conexão com o contexto macro (Estado/Mundo), pois, possivelmente, este encontrará eco nas mínimas ações cotidianas dos indivíduos e vice-versa. Morin (2000, p. 67) chama esse movimento de planetarização: “Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes”.

A EA também se insere nessa questão de poder/conflito na escola quando propõe ações transformadoras, que levem a reflexões e revisões das práticas que agravam a crise socioambiental e que servem à manutenção do modelo socioeconômico hegemônico. Não é fácil, para o professor, romper com algumas amarras institucionais e superar as limitações pessoais e profissionais impostas ao seu ofício no seu cotidiano. Entretanto é preciso acreditar na utopia de uma sociedade transformada e transformadora. Nesse sentido, há que se refletir a respeito do papel da escola diante das novas concepções educacionais, considerando que há uma transição em curso entre duas perspectivas: uma opressora e outra libertária (FREIRE, 2005). A escola, assim, funciona em meio a um descompasso, entre os discursos, que pregam uma educação reflexiva e crítica, e a prática, ainda, com resquícios de uma estrutura tradicional de ensino.

E como fica a responsabilidade dos professores em meio a essa transição? Hannah Arendt (1972) discute a responsabilidade dos educadores para com os novos nascidos para o mundo, considerando a escola como uma transição para o mundo real no qual o educador é uma espécie de representante. No entanto há uma crise da educação moderna em que a “[...] autoridade foi recusada pelos adultos, e isso somente pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo ao qual trouxeram as crianças” (ARENDT, 1972, p. 240). Fazendo um paralelo com o tema desta investigação, pode-se vislumbrar que o engajamento dos professores nos projetos de EA seria uma forma, dentre outras, de assumir o seu papel de representantes do mundo e com a respectiva autoridade. Daí o questionamento: o que os impede?

Método

A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) é composta por 14 Coordenações Regionais de Ensino - CRE, situadas em Brasília e em distintas cidades do DF. Para a definição dos participantes da pesquisa, foram considerados os seguintes aspectos: contemplar a diversidade de localização das escolas, as diferentes áreas do conhecimento (Linguagens e Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática), bem como as três etapas da educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Para identificação dos professores que desenvolvem projetos de EA, foram consultados o Catálogo da Rede de Educadores Ambientais (DISTRITO FEDERAL, 2009) e os registros da Escola da Natureza, escola vinculada à SEEDF, que atua com formação continuada e educação ambiental nas escolas (DISTRITO FEDERAL, 2015).

Participantes

Participaram da pesquisa 17 professores de escolas públicas do Distrito Federal, localizadas em oito CRE distintas, sendo onze mulheres e seis homens, com média de idade de 34,6 anos, com tempo médio de 15,2 anos de atuação na educação básica da rede pública de ensino, sendo 64,7% com pós-graduação lato sensu. Dentre os participantes, três exerciam o cargo de gestão, três eram propositores de projetos de EA e onze não estavam envolvidos diretamente em projetos de temática ambiental. Cada participante atuava em uma escola diferente, todos foram voluntários e receberam a garantia de anonimato e sigilo, bem como foram informados sobre a possibilidade de desistência a qualquer momento, sem prejuízos pessoais ou institucionais.

Instrumentos de coleta de dados e procedimentos

Para contemplar diferentes perspectivas, foram utilizadas três estratégias de coleta de dados e quatro grupos distintos de participantes. Assim, foram aplicadas entrevistas individuais semiestruturadas com os três professores gestores de escolas em que são desenvolvidos projetos com temática ambiental e com os três professores que implementaram ou coordenaram projetos de EA (propositores). Os professores não propositores, com atuação nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, participaram de um grupo focal (oito) e os atuantes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental participaram de uma roda de conversa (três).

Adequados à condição de cada grupo de participantes, os roteiros das entrevistas abordaram os seguintes temas: percepção dos docentes em relação às instituições (escola e EA); relação meio ambiente e educação; EA e transversalidade; formação docente em EA; dificuldades na implementação de projetos de EA e dificuldades para o engajamento docente em projetos e atividades de EA. Após o mapeamento das escolas e a definição de um cronograma, foi realizada uma sistemática visitação a cerca de 40 escolas de 11 cidades do DF, para apresentação da pesquisa e convite a participantes voluntários. Esses procedimentos buscaram abarcar a diversidade e amplitude de características que envolvem as escolas e a comunidade escolar. As entrevistas foram realizadas em locais de conveniência dos participantes. Optou-se pela gravação em áudio, concomitantemente às anotações em um diário de campo.

Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada qualitativamente, por meio de sucessivas leituras e releituras do material produzido (ANDRÉ, 2008), numa triangulação com a revisão bibliográfica e com o referencial teórico, até se chegar às categorias de análise. Assim, tomou-se como norte uma postura de absoluta atenção aos pressupostos do que Barbier (2007, p. 94) apresenta como “escuta sensível”, em que se reconhece a aceitação incondicional do outro, sem julgamento, medida ou comparação. Uma escuta que “compreende sem, entretanto, aderir às opiniões ou se identificar com o outro, com o que é enunciado ou praticado”. Para tanto, numa atitude empática, o pesquisador precisa saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do participante para “compreender do interior” as suas atitudes e os seus comportamentos, seu sistema de ideias, valores, símbolos e mitos.

Resultados

As análises dos dados indicaram as seguintes categorias relacionadas aos aspectos desfavoráveis ao engajamento: a prerrogativa curricular transversal da EA, as relações de poder e conflito nas escolas, as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, os valores e a formação docente. Os depoimentos dos professores gestores (PG), professores propositores (PP) e professores não propositores (PNP) confirmam a existência de dificuldades de participação docente na implementação de projetos de EA nas escolas públicas do DF. São verificados, ainda, aspectos que dizem respeito à superficialidade das abordagens do tema meio ambiente e às descontinuidades dos projetos e de atividades nas escolas. Destacam-se abaixo alguns trechos das entrevistas individuais (i), do grupo focal (g) e da roda de conversa (r), que ilustram tais resultados.

PNPg2 - Lá na escola que eu tô não tem projeto nenhum na área de educação ambiental, então lá não existe nada nesse sentido.

PNPg4 - Na escola que eu tô não tem, assim, um projeto ambiental.

PNPg7 - No nosso caso lá, nós também não temos um projeto, a escola não tem.

PNPg3 - Um projeto específico eu nunca trabalhei com a minha turma e nem a escola trabalhou, né? Do tempo que eu tô lá, nem a escola trabalhou.

PGi3- [...] no início a maior resistência era dentro do próprio grupo de professores.

PPi1- Eu diria pra você que quem me ajudou no projeto foi a (supervisora pedagógica) [...]. Sozinha. Não, porque a maioria tem grande resistência.

PPi1- O meio ambiente não é só isso não. Aí por isso que eu acho que não é trabalhado o meio ambiente. Enfoca algumas coisas, mas não trabalha como deveria. [...] Não é só: “não joga o lixo no chão.”

PNPg1- [...], mas parece que é algo meio discreto, não é muito desenvolvido a fundo. Mas tem lá, eles criaram a horta e tal e tudo, mas uma crítica que eu vejo assim, [...], que você chega lá e você vê, tem a coleta seletiva, tem a parte do, a horta e só e morre aí.

O estudo sinalizou que a prerrogativa curricular transversal atribuída à EA não tem sido efetivamente contemplada nas escolas, considerando que muitos professores não veem resultados concretos nessa perspectiva. Isso se deve, especialmente, por não ser algo vivenciado pelo docente no seu ambiente formativo e no próprio sistema de ensino em que está inserido, visto que ambos se estruturam em uma organização disciplinar. O debate central, calcado em torno da sua continuidade ou não, demonstra a dificuldade de os professores romperem com a tradição disciplinar, ainda presente em toda a estrutura de ensino, da educação básica à universidade. Assim, a EA não é assumida pelas diversas áreas do conhecimento coletivamente, alojando-se comumente, de forma fragmentada, em algumas disciplinas específicas. A seguir, destacam-se relatos que ilustram esses aspectos.

PPi3 - Eu acho que tá lá, no papel como tema transversal, muito bonito, muito poético, mas na vida ele não tá, na sala ele não tá, na escola ele não tá, faz quem quer.

PPi2 - Então, por isso que deveria ter realmente um momento pra parar e falar assim: “Agora, é nossa aula de Educação Ambiental”. [...] Acho que isso daí deveria existir no currículo, né?

PNPg4 - [...] e como tema transversal não tem surtido muitos resultados, né?

PPi1 - Tudo que dá trabalho tem resistência.

PGi3 - A preocupação com o excesso de trabalho, ou seja, com mais trabalho do que ele já tem com o componente curricular dele.

Evidenciaram-se as conexões existentes nas relações de poder e conflito que se configuram interna e externamente à escola e que influenciam nas relações interpessoais, no apoio institucional e nas formas de inserção da temática ambiental. Há outras questões que dizem respeito às relações de poder e conflito nas escolas, além da guerra de vaidades, que são recorrentes nos depoimentos dos entrevistados. O efeito cascata que se instaura diante das posturas dos governantes em relação ao tema meio ambiente denota um descrédito em projetos educacionais relacionado à cultura da descontinuidade destes quando da alternância do poder, como se pode observar nos relatos abaixo.

PNPg5 - Realmente um problema que existe dentro das escolas que é notório é o problema de vaidades, vaidade é o grande problema da nossa escola.

PNPg7 - Olha, nós todos estamos revoltados. [...] O que foi colocado aqui, a vaidade, de querer aparecer, o nome que tem que aparecer.

PNPg2 - [...] toda vez que muda um secretário muda tudo [...]. Todo ano é cobaia de um projeto novo e tudo mais.

PPi3 - É um efeito cascata. [...]. É como sistema de rede [...]. Aquela bolinha que foi derrubada lá na Secretaria de Educação, vai atingir o aluno sim.

PGi2 - É de cima pra baixo? É de cima pra baixo sim. Dá tempo de discutir mais não, né, mesa redonda, não dá mais não. É de cima pra baixo sim, entendeu?

Portanto os professores demonstraram ter clareza dos efeitos das ações governamentais, nas suas diversas instâncias, sobre as ações realizadas no âmbito escolar. É um sinal, ainda, de que há uma inegável implicação ou conexão do exercício do poder que se dá em todas as instâncias políticas. Os interesses pessoais se sobressaindo em relação aos interesses da educação são um fenômeno citado, também, como algo presente nas escolas, postura observada entre os próprios pares. Verificou-se, ainda, que o trabalho com temas ambientais é limitado em função das dificuldades enfrentadas pelos professores no cotidiano escolar. O que se enfrenta no dia a dia da escola é, de acordo com os relatos, um dos mais importantes aspectos desfavoráveis ao engajamento em projetos ou atividades, não só daqueles que abordam a temática ambiental, mas de qualquer outra área. Dentre outras dificuldades, uma se mostrou com destaque: o número excessivo de estudantes em sala de aula, combinado com o atendimento de estudantes em situação de risco social, com deficiências ou transtornos funcionais específicos. De acordo com os participantes, as responsabilidades não têm sido absorvidas plenamente pelas diferentes instâncias dos sistemas de ensino e acabam por sobrecarregar os profissionais docentes.

PNPr3 - [...] “Como eu posso desenvolver esse projeto com todos esses alunos, se eu não tenho um monitor na minha sala?” [...], ela disse que tá com uma sala com mais de trinta alunos, três alunos hiperativos e uma aluna deficiente auditiva e que tinha baixa visão.

PNPr1 - A gente fala tanto e discute tanto, mas as condições de trabalho dificultam muito [...], mas muitas vezes a gente não consegue porque existem essas limitações, uma sala muito cheia, alunos que não leem, [...]. Pedagogicamente, o que dificulta qualquer trabalho de sala de aula hoje, primeiro, é o excesso de aluno em sala de aula. [...] Isso são coisas que dificultam, não projetos só de educação ambiental, qualquer projeto.

PNPg3 - [...] a gente fica mais preocupado com a realidade do aluno do que com o conteúdo [...] porque o outro não tem o que comer em casa, vai pra escola pra não ter que cuidar do irmão menor em casa, vai pra escola fugir do pai que tá espancando todo dia, pelo menos ele está na escola e está fugindo disso. [...]. Às vezes eu empobreço o meu conteúdo porque eu tenho que me preocupar com aquele que eu sei que está sendo espancado, aquela menina que eu sei que tá sendo abusada, [...] então assim, a preocupação da gente virou outra em escola, a gente tem que ser psicólogo, tem que ser médico, tem que ser polícia, né?

Alguns aspectos emergiram como potenciais meios de reversão desse aparente círculo vicioso: uma forte vinculação dos valores pessoais ao engajamento em projetos de EA ou à busca de formação.

PPi2 - Aqueles professores que não tinham aquilo como valor, como princípio, [...] achavam aquilo um saco e não viam a hora daquele curso acabar. [...] vai ter um aproveitamento principalmente pra aqueles que tão envolvidos com isso, que tem aquilo como valor, que trouxe desde criança. Se não tem, num não vai mudar muita coisa não. Eu falo, assim, pelo que eu vejo na prática. Vi professores, que fizeram o curso, uns adorando, outros odiando aquele momento, uma tortura pra eles.

PNPr3 - Então, a gente trabalha com um projeto de valores justamente por conta da clientela que a gente atende. [...] o que é necessário pra nossa escola é realmente esse projeto de valores, né?

PGi3 - [...] fiz um curso na Escola da Natureza também de aperfeiçoamento, então, achei que foi bastante produtivo, [...] depois a gente foi pra campo, ver as coisas e isso motiva, realmente é muito bom, bem diferente do que ficar sentado.

PPi1 - [...] fundamental, com certeza! Você passa a analisar as coisas de outro ângulo, você tem, você passa, você muda. [...] Então, eu acho que pra mim foi fundamental fazer o curso pra essa mudança, pra eu ter outra visão e conseguir passar melhor isso pros alunos.

Captada como síntese recursiva, credita-se à falta de formação o olhar reducionista em relação ao meio ambiente e à EA, no qual se impera a dicotomia ser humano e natureza, replicada por muitos professores. Ao revés, credita-se à formação específica do docente a ampliação do olhar em relação à temática ambiental e, por conseguinte, a adoção de uma abordagem mais crítica e engajada.

Uma possibilidade interpretativa

Carvalho (2017) aponta o desafio da EA nas escolas na perspectiva de rompimento com as tradicionais práticas de ensino, baseadas no modelo disciplinar e fragmentador do conhecimento. O caminho interdisciplinar ou transdisciplinar, como a autora pondera, exige uma revisão estrutural da própria instituição escolar no seu cotidiano. A Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999) sugere a incorporação da dimensão ambiental de forma interdisciplinar nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Todavia constata-se que as tentativas curriculares de ruptura com a visão fragmentada do conhecimento centralizam as responsabilidades de aplicação no docente, unilateralmente. Propõe-se uma transversalidade que não está presente na estrutura do próprio sistema de ensino nem está efetivamente presente na sua formação. Essa ausência pode ser constatada no discurso dos professores, que justificam a não realização de trabalho efetivo sobre a temática ambiental por não haver uma cobrança nesse sentido. Vê-se que a grande preocupação está no cumprimento dos conteúdos chamados obrigatórios pelos docentes, possivelmente porque estes estão contemplados nos instrumentos de avaliação do sistema de ensino. Nesse sentido, considera-se imprescindível que a formação inicial e continuada de professores fortaleça a visão crítica, humana e transversal da educação ambiental, como defendem Tozoni-Reis e Campos (2014).

Outro aspecto importante, evidenciado pelos resultados, diz respeito às vaidades individuais, seja do autor do projeto, que não deseja compartilhar seu protagonismo, seja nos colegas, que não desejam trabalhar para que outros sejam reconhecidos por essas iniciativas. Alinhada a essa perspectiva, Rosalen (2019) aponta que as “brigas de ego” são uma dificuldade para o surgimento de lideranças docentes na EA. É possível inferir, portanto, que não há uma construção conjunta desses projetos e, principalmente, um envolvimento coletivo que inviabilize qualquer tentativa de vanglorio individual. Pelo relatado, essa é uma das variáveis que minam as boas relações interpessoais na escola e dificultam o engajamento docente em projetos coletivos, como se espera nos que envolvem a EA.

Esse descontentamento (externo e interno) acirra os conflitos e dificulta a criação de um ambiente favorável a práticas pedagógicas coletivas. Há que se considerar, no entanto, que o conflito não se constitui em um problema em si, pois ele está na base de toda a pedagogia. Dispor-se ao conflito, obviamente saindo da esfera pessoal de interesses, é uma postura própria do educador no que se refere ao seu engajamento, a despeito dos riscos e do ônus do seu envolvimento, como verificado nos testemunhos de alguns professores. “O educador é aquele que não fica indiferente, neutro, diante da realidade. Procura intervir e aprender com a realidade em processo” (GADOTTI, 2001, p. 30-31). O conflito se apresenta como um entrave aos projetos de EA quando se engendra pelo interesse pessoal ou pela abdicação ao diálogo. Sequelas importantes dessa falta de diálogo são identificáveis, neste estudo, pela revelação de duas formas diferentes de exercício do poder. Uma delas se reveste de uma autoridade impositiva, presente fortemente em algumas falas de professores gestores. A justificativa para se acreditar na força do Estado, como providência eficaz para forçar o docente a trabalhar o tema meio ambiente, está na dificuldade de obter o seu envolvimento de forma voluntária e, recorrentemente, prevalece “a visão dos gestores de que a liderança hierárquica é a que faz a diferença” (ROSALEN, 2019, p. 105). Percebe-se, nesse caso, que essas defesas pela via impositiva de participação docente são fundamentadas em uma correta interpretação da necessária urgência em se ter a temática ambiental como prioridade nas práticas pedagógicas. Porém a estratégia coercitiva pode desencadear uma ênfase à EA tradicional, sem o caráter crítico/reflexivo advindo de uma construção voluntária e engajada.

A via impositiva, de cima para baixo, certamente pode lograr êxito em colocar o tema meio ambiente na pauta pedagógica das escolas. No entanto, corre o risco de se limitar a uma disseminação de tarefas obrigatórias, sem que estas se convertam em ações transformadoras na comunidade escolar. Nesse sentido, a outra forma de exercício de poder, identificada nas experiências relatadas, apresenta-se exatamente como uma manobra de resistência aos projetos que não são de interesse do docente, normalmente oriundos de processos não democráticos. Esse aspecto, presente em vários depoimentos dos entrevistados, aproxima-se da negatricidade, que Ardoino (1998) afirma ser a capacidade de os sujeitos abortarem, por suas contraestratégias, as estratégias a que são submetidos. Constata-se, assim, uma forte rejeição às formas coercitivas de implementação de projetos, podendo suscitar um efeito contrário nas pretensões de se conseguir uma efetividade de certos trabalhos. Entretanto os docentes sinalizam que, a despeito de não aceitarem posturas impositivas em relação aos projetos de EA, esperam iniciativa e direcionamento destes pelas equipes gestoras. Verifica-se que, ao mesmo tempo que se rechaça a coerção, há um chamamento à liderança e ao acompanhamento dos projetos, visto que, como afirmado pelos próprios professores, “se deixar solto não é trabalhado”. A gestão escolar tem, assim, uma responsabilidade e um desafio, que requerem preparo e habilidades, diante dessa complexa perspectiva de mobilização coletiva.

Aparentemente, as concepções conservadoras de educação estariam atualmente superadas, algo que pode ser vislumbrado pelos depoimentos dos próprios professores entrevistados, os quais apontam a escola como um local de aprendizagem e de troca de saberes. Nota-se, ainda, que os documentos que orientam o sistema de ensino público do DF propõem o desenvolvimento integral, a formação básica para o trabalho e a cidadania e “[...] o aprimoramento do estudante como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (DISTRITO FEDERAL, 2015, p. 13). No entanto as concepções conservadoras ainda se mostram presentes no atual sistema de ensino, a despeito de a formação cidadã constar nos discursos e nos documentos oficiais. Ao analisar os documentos norteadores da educação básica, Branco, Royer e Branco (2018, p. 200) evidenciam a prevalência da EA como tema transversal, o discurso de instigação a novas práticas, a valorização da relação homem/natureza e a discussão da sustentabilidade. No entanto observam que “persiste a presença de uma prática que ainda destoa da teoria”.

Há resquícios de uma educação opressora, uma vez que não se dá ao docente condições de agir de acordo com as novas necessidades e demandas dos educandos, minando seu papel de agente problematizador/libertador. Na prática, fala-se de uma escola formadora de cidadãos, mas transfere-se ao professor uma forte carga dos problemas sociais dos estudantes, sem o apoio ou sem as condições necessárias para a sua atuação. Vê-se que há uma configuração de novas demandas em relação ao papel da escola na sociedade, mas há que se questionar o nível de absorção dessas demandas direcionadas ao docente. Como pensar numa atuação dos professores, de forma autônoma e coerente com essas novas concepções libertadoras de educação, numa sala de aula numerosa e sem o devido suporte ao atendimento de estudantes com deficiências/transtornos ou que estão em situação de vulnerabilidade?

Por sua vez, a EA não é reconhecida como possível mediadora de transformação dessa realidade, na medida em que não é considerada na sua concepção crítica e humana. A visão superficial da EA corrobora para que os professores a vejam como algo estanque ou incapaz de minimizar as suas dificuldades no dia a dia da escola, portanto mais um aspecto desfavorável ao seu engajamento. Esses sinais sugerem que há um ambiente propício a um estado de alienação, em que o sujeito toma para si o discurso que não é seu, formando um imaginário autonomizado, que assume “a função de definir para o sujeito tanto a realidade quanto o seu desejo” (CASTORIADIS, 1982, p. 124). A visão de que a “EA é mais trabalho”, num cotidiano já assoberbado por más condições de trabalho e por conteúdos obrigatórios a se cumprir, certamente não favorece que ela se constitua em prioridade para os docentes. E esse cenário se agrava quando o espaço da EA se dilui e enfraquece, como apresentado pela BNCC - Base Nacional Comum Curricular (ANDRADE; PICCININI, 2017; MARQUES; RAIMUNDO; XAVIER, 2019). Essa situação acarreta problemas de receptividade às atividades com temas ambientais, reforçando o caráter secundário da temática nas escolas. Em meio às dificuldades de engajamento docente nas atividades de EA, junte-se a falta de apoio àqueles que buscam desenvolver algo nesse sentido. A falta de apoio institucional relatada pelos propositores de projetos de EA é um aspecto importante, que se apresenta desfavoravelmente à participação dos professores, principalmente no que se refere à articulação dos projetos e à logística das atividades. Diante das dificuldades já mencionadas, a afirmação de um dos participantes de que “não pode ficar tudo na mão do professor porque ele não dá conta” parece pertinente. É o descompasso, como já destacado, na absorção das responsabilidades que vêm sendo assumidas pelas escolas e que se acumulam majoritariamente na figura do professor.

Contudo dois aspectos surgiram fortemente como favoráveis ao engajamento, não obstante as dificuldades encontradas. O primeiro sinaliza que a participação em projetos de EA seria motivada pelos valores pessoais, pois estes servem de critérios usados pelas pessoas para avaliar suas ações (SCHWARTZ, 2017). Alguns estudos corroboram esse pensamento, apontando que os valores têm um papel central na predisposição e no engajamento em ações ambientais (CHEN, 2015; VAN RIPER et al., 2020). Essa ênfase nos valores esteve presente na investigação tanto como justificativa para o engajamento de professores propositores quanto para possíveis perspectivas de projetos direcionados aos estudantes. Os valores pessoais são apontados, também, como decisivos para a busca por formação na temática ambiental, outro relevante aspecto favorável ao engajamento. Os professores que afirmaram ter passado por alguma formação específica na temática ambiental, em especial a oferecida pela Escola da Natureza, atribuíram expressiva importância a essa formação para uma maior implicação com o tema. Alguns ressaltaram que essa formação despertou seu olhar mais amplo e crítico. Por sua vez, a falta de formação ocasiona um distanciamento do docente em relação à EA, contribuindo com a incidência de abordagens superficiais do tema nas escolas e com a descontinuidade dos projetos. Esses resultados são similares aos encontrados por Alkimin et al. (2019). Obviamente, não é prudente depositar na formação docente todas as esperanças de solução à falta de engajamento nos projetos de EA e, sim, considerá-la como um dos pontos centrais do problema, além dos já abordados neste estudo.

Espera-se que os aspectos levantados e as reflexões suscitadas possam contribuir para o fortalecimento dos debates que envolvam a EA escolar, sobretudo na escola pública. No entanto há que se registrar a necessidade de aprofundamento do tema em cada etapa da educação básica, como forma de contemplar as suas peculiaridades, bem como em relação a cada categoria de análise, pois se apresentam complexas e abordadas com uma discussão ainda incipiente. Evidencia-se, ainda, a necessidade de fortalecimento dos espaços formativos que abordem a temática ambiental de forma crítica e humana, em que o professor perceba as possibilidades de aplicação dos seus conceitos na sua prática pedagógica. Nesse sentido, reconhecer-se como produto e produtor da sociedade em que vive, numa perspectiva recursiva (MORIN, 2007), pode ser algo que faça o docente acreditar na minimização dos problemas internos e externos que o angustiam a partir da sua ação engajada na escola, potencializando o desencadeamento de um efeito cascata às avessas.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 04 de Dezembro de 2020; Aceito: 03 de Maio de 2021

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