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Educar em Revista

versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 08-Nov-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.77723 

DOSSIÊ - Implementação de políticas públicas para o combate às desigualdades educacionais

Políticas de Educação Especial numa perspectiva inclusiva em Angola: contexto, avanços e necessidades emergentes (1979-2017)1

António *  
http://orcid.org/0000-0001-7573-1885

Geovana Mendonça Lunardi Mendes* 
http://orcid.org/0000-0002-8848-7436

Osvaldo Hernández González** 
http://orcid.org/0000-0002-1319-6167

* Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: antoniotonny1988@hotmail.com - E-mail: geolunardi@gmail.com

**Universidad de Talca. Talca, Maule, Chile. E-mail: osvaldo.hernandez@utalca.cl


RESUMO

Partindo da tese universal de que toda a criança tem o direito à educação, inclusive as com deficiência, a pesquisa remete-nos a uma análise das Políticas de Educação Especial desde uma perspectiva inclusiva em Angola, acreditando que todo um conjunto de fatores multifacetados e contextuais tenham implicações na sua prática. Com o objetivo de analisar o percurso da atual política de educação especial angolana, os contextos da tardia Proclamação da Independência, da guerra civil e da pobreza extrema do país que o influenciaram em grande escala, a sua implementação é também impactada pela diversidade cultural do país. O recorte temporal do estudo abrange o período que vai do ano de implementação da educação especial (Decreto 56/79, em 1979) ao da criação da primeira Política de Educação Especial (Decreto Presidencial nº187/17, em 2017). Com base em uma abordagem qualitativa de matriz documental e bibliográfica, primando fundamentalmente documentos da Organização das Nações Unidas (ONU) que defendem um enfoque de promoção dos Direitos Humanos e autores que enfatizam o reconhecimento das diferenças, da diversidade e de como a realidade local pode influenciar na política educativa (AINSCOW, 2001; SACRISTÁN, 2000; QUIROGA, 2010; ARTILES; KOZLESKI, 2019; entre outros), os resultados levaram-nos a aferir que a educação especial em Angola é concebida como uma área específica e diferenciada da educação geral, fundamentada em um modelo médico da deficiência. Contudo, ficou igualmente evidente no discurso político a intenção de fazer o sistema educativo cada vez mais inclusivo, apesar de as práticas revelarem um longo caminho por ser percorrido para que o discurso assumido esteja mais próximo das práticas.

Palavras-chave: Política educacional; Educação especial; Educação inclusiva; Educação angolana

ABSTRACT

Starting from the universal thesis that every child has the right to education, including those with disabilities, the research leads us to an analysis of Special Education Policies from an inclusive perspective in Angola, believing that a whole set of multifaceted and contextual factors have implications for its practice. In order to analyze the course of the current Angolan special education policy, the contexts of the late Proclamation of Independence, civil war and extreme poverty in the country that influenced it on a large scale, its implementation is also impacted by the country’s cultural diversity. The time frame of the study goes back to the year of implementation of special education (Decree no. 56/79, in 1979) and the creation of the first Special Education Policy (Presidential Decree no. 187/17, in 2017). Based on a qualitative approach of documentary and bibliographic matrix, giving priority to United Nations (UN) documents that defend a focus on the promotion of Human Rights and authors that emphasize the recognition of differences, diversity and how local reality can influence educational policy (AINSCOW, 2001; SACRISTÁN, 2000; QUIROGA, 2010; ARTILES; KOZLESKI, 2019; among others), the results led us to assess that special education in Angola is conceived as a specific and differentiated area of education based on a medical model of disability. However, it was also evident in the political discourse, the intention to make the educational system increasingly more inclusive, despite the fact that practices reveal a long way to go so that the discourse assumed is closer to the practices.

Keywords: Education policy; Special education; Inclusive education; Angolan education

Introdução

Reconhecer as diferenças e a diversidade implica considerar todas as experiências, e os atributos que contribuem em tornar cada pessoa única remete-nos a reconhecer aquilo que faz de cada pessoa um ser diferente, incluindo as dificuldades de aprendizagem, a deficiência física, psíquica e sensorial, a vulnerabilidade das minorias étnicas e os grupos marginalizados (BERGERON, 2008; SACRISTÁN, 2000; QUIROGA, 2010). A desconstrução de narrativas e práticas que perpetuam as desigualdades educacionais vai além da garantia ao acesso de todos os alunos às escolas regulares. Como defende Ainscow (2001), a escola inclusiva é aquela que não busca apenas garantir o acesso da criança com necessidades educativas especiais2 e aceitar suas diferenças na escola, senão aquela que, na mesma circunstância que ensina na diferença, também aprende com ela.

Assim como acontece em outros países, Angola se respalda de convênios e documentos oficiais que resultaram de debates de índole mundial para o reconhecimento e asseguramento da educação como um direito humano consagrado, tal como expresso na Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, na Convenção dos Direitos da Criança, em 1989, e na Declaração de Salamanca, em 1994.

Pois, falar da educação no contexto angolano, fundamentalmente da educação especial numa perspectiva inclusiva, requer necessariamente relevar suas particularidades histórico-culturais, sua multietnia, e a situação política, econômica e social do seu povo. Em termos de soberania como Estado, Angola é um país relativamente novo que alcançou sua independência em finais de 1975, período que se viu seguido a uma intensa e sangrenta guerra civil que veio a culminar em 2002. Após o alcance da paz efetiva, uma das grandes prioridades do governo angolano, senão a principal, centrou-se na alfabetização do seu povo, criando políticas de acesso massivo às escolas, embora, em muitos casos, em condições generalizadas de precariedade. Dentro de todas as políticas educativas que visam o acesso à escola, estão aquelas que orientam o processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência. Mas, por conta de sua diversidade cultural, o vislumbrar dessas pretensões enfrentam, em alguns casos, barreiras por conta de crenças fortemente enraizadas em culturas do sobrenatural. Em Angola, o nascimento de uma criança com deficiência é, em muitos casos, motivo de um embaraço para a família porque a deficiência é vista para grande parte da população como evidência das forças do mal, causando habitualmente um clima de tensão e desarmonia familiar, que em muitos casos termina com uma das partes acusadas de culpa com base em argumentos fundamentados em práticas sobrenaturais (INEE, 2006).

A crença tradicional de associar a deficiência às forças sobrenaturais do mal, a não existência do ensino especial até antes de 1979, a intensa guerra civil de 27 anos que viria a causar danos humanos e materiais nefastos, a falta de professores e escolas suficientes para garantir a inclusão educativa, a falta de recursos financeiros suficientes nos períodos pós-independência e pós-guerra, caracterizam as posteriores políticas de educação especial orientadas para a inclusão.

A implementação pioneira da educação especial em Angola data de 1979, quatro anos depois da Proclamação da Independência. Foi concretizada pelo decreto nº 56/79 (INEE, 2006), data a partir do qual, teoricamente, foram criadas as condições mínimas indispensáveis, permitindo pôr em funcionamento as escolas de Educação Especial, cuja meta é educar a população com deficiência. Sob gestão do Departamento Nacional da Educação Especial, que viria a evoluir em Direção Nacional da Educação Especial, atualmente Instituto Nacional para a Educação Especial (INEE), cabe sublinhar que o atendimento era, e é na atualidade, fundamentalmente para crianças com deficiência visual e auditiva (INEE, 2006).

O evento determinante da educação especial na perspectiva inclusiva em Angola resultou da Declaração de Salamanca, em 1994, na qual Angola é signatária com a finalidade de promover o objetivo da Educação para Todos, examinando as mudanças fundamentais de políticas necessárias para favorecer o enfoque da educação integradora, concretamente capacitando as escolas para atender todas as crianças, sobretudo as com deficiência. Em decorrência disso, Angola se vê obrigada a dar passos importantes face a inclusão de crianças com deficiência, cabendo depois ter implementado o Projeto 534/Ang/10 sobre Promoção de Oportunidades Educativas para a Reabilitação das Crianças Vulneráveis (INEE, 2006).

Importa realçar que a nível nacional são poucas as pesquisas realizadas no campo da educação especial. Em decorrência disso, nosso objetivo com a presente pesquisa foi analisar o processo de concepção e implementação das políticas da educação especial em Angola nos períodos durante e pós-guerra civil. O recorte apresentado neste texto decorre dos estudos que temos desenvolvido em nosso grupo de pesquisa Observatório de Políticas Curriculares e Educação Inclusiva (OPEN), vinculado ao Laboratório Observatório de Práticas Escolares3 (OPE), e também da pesquisa realizada no âmbito do doutorado, denominada “Políticas de educação especial na perspectiva da educação inclusiva em Angola: atuação e recontextualização na perspectiva de gestores educativos e escolares na província do Zaireˮ.

A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa em base de consulta e análise documental, entendida desde Gil (2008), e um breve repasso à bibliografia especializada ao objeto. Metodologicamente a pesquisa é descritiva-analítica, que consistiu em análise de documentos nacionais e internacionais. Analisou-se diretrizes e conceitos orientados às políticas públicas de educação voltadas à inclusão. Os documentos internacionais foram contemplados para a ancoragem e embasamento de todos os discursos presentes nos documentos nacionais. Evidentemente, no discurso e nos documentos internacionais, destacam-se os convênios da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] (UNESCO), entres esses, maior ênfase na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, Declaração de Salamanca, de 1994, o Compromisso de Dakar sobre a Educação para Todos, de 2000, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, e a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989. Já para os nacionais, destaque à Política Nacional de Educação Especial, a Emenda da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (LBSEE) angolano, a Lei das Acessibilidades, a Lei da Pessoa com Deficiência, respaldados por outros documentos (ONU, 1948, 2006; UNESCO, 1994; ANGOLA, 2012, 2016b, 2017, 2020). Para os documentos internacionais, o principal critério de inclusão consiste naqueles em que Angola é signatária ou os adota para fundamentar a atual Política de Educação Especial e o direito à educação; para os nacionais, foram contemplados somente os documentos oficiais publicados em Diário da República pela Imprensa Nacional de Angola.

Dos documentos internacionais à realidade em Angola: o contexto e os avanços

Historicamente, movimentos sobre a educação especial e a integração de alunos com deficiência nos sistemas de ensino demarcam-se fundamentalmente de eventos de caráter internacional, como o informe Warnock (THE WARNOCK..., 1978) e a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). O informe Warnock, elaborado pelo Comité de Investigação, para o qual se contou com a participação de países como a Inglaterra, Escócia e País de Gales, foi presidido por Helen Mary Warnock, por conta disso a denominação Relatório Warnock. Este grupo de pesquisa e pesquisadores estudou, de setembro de 1974 a março de 1978, o processo educativo das crianças e jovens com deficiência física e mental, e propunha o abandono do modelo médico vigente até então em detrimento de um modelo educativo, de forma a garantir aos alunos com deficiência sucesso e uma plena integração em escolas regulares (MEIRELES-COELHO; IZQUIERDO; SANTOS, 2007).

A partir do Relatório Warnock, foi pela primeira vez introduzido o conceito de necessidades educativas especiais, contando não apenas os alunos com deficiência intelectual, mas todos aqueles que durante seu percurso escolar apresentassem dificuldades específicas de aprendizagem (THE WARNOCK..., 1978). Segundo Montero (1991), entre as principais concepções gerais que servem de ponto de partida ao Relatório Warnock, destacam-se: nenhuma criança será considerada como não educável; a educação é um bem a que todos têm direito; a finalidade da educação é a mesma para todos; as Necessidades Educativas Especiais são comuns a todas as crianças; recomenda-se, portanto, a abolição das classificações legais dos deficientes; no entanto, o termo “dificuldade de aprendizado” será usado para descrever os alunos que precisam de alguma ajuda especial, entre outras.

Outro evento considerado por muitos pesquisadores o mais importante documento no marco da educação especial e da inclusão educativa é a Declaração de Salamanca, que resultou de uma conferência internacional em que o governo da Espanha organizou em colaboração com a UNESCO em 1994. Um dos seus principais objetivos consistiu em estabelecer uma política e orientar os governos, organizações internacionais, organizações de apoio nacionais, organizações não governamentais e outros organismos através da implementação da Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática na área das Necessidades Educativas Especiais (UNESCO, 1994). O direito de todas as crianças à educação, plasmado na Declaração Universal dos Direitos humanos com o direito de que todas as pessoas com deficiência possam manifestar ou expressar seus desejos sobre sua educação, vê-se reiterado e reforçado com a Declaração de Salamanca, já que todos os países participantes tiveram que assumir o compromisso de ajustar a escola a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras. Neste conceito, terão de incluir-se crianças com deficiência ou superdotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais (UNESCO, 1994). A Declaração de Salamanca se destaca também pela assunção de que princípios pedagógicos comprovados, quando aplicados corretamente levam ao aprendizado de todas as crianças, independentemente de ser ter alguma deficiência ou não, e que as diferenças passam a ser assumidas como normais. Defende-se a partir daquele momento que é a aprendizagem que deve adaptar-se às necessidades de cada criança (UNESCO, 1994).

Em congruência ao impacto do Relatório Warnock e a Declaração de Salamanca, a ONU já vinha lançando o desafio do acesso universal à educação para todas as crianças em idade escolar. O Artigo 26 da Declaração Universal Dos Direitos Humanos é explícito a respeito, afirmando:

Todo ser humano tem direito à instrução, será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito (ONU, 1948).

Com o reconhecimento da educação como um direito humano, ela passa a ser considerada como uma necessidade básica inerente e indispensável à vida de qualquer ser humano e, por ser tão importante, ela exige obediência ao princípio da gratuidade. Mas, enquanto de um lado contamos com este manancial teórico-discursivo internacional que devia respaldar uma política e prática educativa voltada a inclusão, do outro lado contamos com ferramentas legais próprias de cada país que interpretam os convênios internacionais segundo interesses políticos particulares e contaminações ideológicas. A título de exemplo, a inclusão educativa ganha forma de modo diferente em cada país, fruto de múltiplos fatores, entre estes, os de cunho ideológico, político, histórico-cultural, social, entre outros. Como afirmam Werning et al. (2016), transferir políticas educativas indiscriminadamente de uma concepção internacional para a implementação local, sobretudo quando os modelos de governança educacional e o contexto sociocultural seguem uma dinâmica diferente, pode acarretar consequências negativas.

Por conta de todas as discrepâncias entre o que se aprova e se defende na teoria e o que acontece e se faz acontecer na prática, os organismos internacionais vêm por meio de muitos encontros reforçando os compromissos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1989, na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos, a ONU lançou o tratado sobre a Convenção internacional sobre os direitos da criança. O Artigo 28 dessa Convenção defende que cabe aos Estados-partes o reconhecimento do direito da criança à educação e tem, nomeadamente, em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades (ONU, 1989). Portanto, segundo esse Artigo, os países membros deviam efetivar este compromisso garantindo que: o ensino primário seja obrigatório e gratuito para todos; seja encorajada a organização de diferentes sistemas de ensino secundário, geral e profissional, tornando estes públicos e acessíveis à todas as crianças e que para isso tomem medidas adequadas, tais como a introdução da gratuitidade do ensino e a oferta de auxílio financeiro em caso de necessidade; tornar o ensino superior acessível a todos, em função das capacidades de cada um, por todos os meios adequados; tornar a informação e a orientação escolar e profissional públicas e acessíveis a todas as crianças; e tomar medidas para encorajar a frequência escolar regular e a redução das taxas de abandono escolar.

Conjugado ao Artigo 28 está o 23 da mesma carta, que defende o “reconhecimento à criança mental e fisicamente deficiente o direito a uma vida plena e decente em condições que garantam a sua dignidade, favoreçam a sua autonomia e facilitem a sua participação ativa na vida da comunidade” (ONU, 1989). Uma vida plena e decente com garantia da dignidade que qualquer ser humano merece passa necessariamente pelo acesso à educação em condições de igualdade de oportunidades e equidade.

Seguindo a linha do tempo e a urgência em se consolidar o direito à educação como um direito universal nas práxis das políticas e da ação educativa, a ONU deu outro passo com o tratado da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, assinado em Jomtien, Tailândia, em 1990, e em 2000, na cidade de Dakar, Gana, no Fórum Mundial de Educação para Todos.

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos tem como principal objetivo a satisfação das necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos. O seu Artigo 3º defende uma educação para todos (crianças, jovens e adultos) e que a equitatividade e equidade sejam proporcionadas através da qualidade na aprendizagem dando uma atenção especial às necessidades básicas das pessoas com deficiência (UNESCO, 1990).

Partindo para a análise da realidade nacional estudada, a política educativa angolana está regida pela atual LBSEE, Lei nº17/16, de 7 de outubro (ANGOLA, 2016c), emendada pela Lei nº 32/20, de 12 de agosto (ANGOLA, 2020), por esta última alterar algumas disposições da vigente Lei. É nessa Lei onde estão definidos os principais objetivos gerais e específicos da educação, os princípios da educação, a organização do sistema de educação e ensino, e suas modalidades. Entende-se por educação, segundo essa Lei:

Ao processo planificado e sistematizado de ensino e aprendizagem, que visa preparar de forma integral o indivíduo para as exigências da vida individual e coletiva. A consolidação da paz, a unidade nacional, a promoção e proteção dos direitos da pessoa humana, do ambiente, bem como no processo de desenvolvimento cientifico, técnico, tecnológico, econômico, social e cultural do país são as principais capacidades que esperam desenvolver no cidadão angolano (ANGOLA, 2016c, p. 3994).

Na atual Lei de Bases do Sistema Educativo angolano, a educação especial é uma modalidade diferenciada de educação. É definida a educação diferenciada no Artigo 81 da mesma Lei, como sendo “o modo específico de organização e realização de processos educativos, transversais a vários subsistemas de ensino, adaptados em função das particularidades dos beneficiários” (ANGOLA, 2016c, p. 4005). Segundo este Diploma legal, independentemente de ser uma modalidade específica de ensino diferenciado, a educação especial pode ser praticada, quando necessário, em qualquer nível de ensino quando as circunstâncias exigem adaptações próprias às necessidades especiais do aluno.

Até antes da Emenda Lei nº 32/20, que altera e faz algumas adequações à Lei nº 17/16, a educação especial é considerada, segundo o Artigo 83,

uma modalidade de ensino transversal a todos os subsistemas de ensino e é destinada aos indivíduos com Necessidades Educativas Especiais, nomeadamente os educandos com deficiências, transtornos de desenvolvimento ou aprendizagem e os educandos com altas habilidades ou sobredotados, visando a sua integração socioeducativa (ANGOLA, 2016c, p. 4005).

Porém, com as adequações feitas em 2020, são substituídos os termos “necessidades educativas especiais” e “transtornos de desenvolvimento ou aprendizagem” por “pessoa com deficiência” e “autistas”, assim sendo, atualmente, a educação especial “é uma modalidade de ensino transversal a todos os Subsistemas de Ensino e é destinada às pessoas com deficiência e aos educandos com altas habilidades ou sobredotados e autistas, visando a sua integração socio-educativaˮ (ANGOLA, 2020, p. 4429). Por isso, em consonância com a ideia anterior, a Política Nacional de Educação Especial define como público-alvo: a) Alunos com deficiência; b) Alunos com transtorno do espectro autista e, c) Alunos sobredotados ou com altas habilidades.

Para efeitos de diferenciação conceitual, importa apontar que Angola conta com uma política de educação especial estabelecida por Lei, por isso aparece claramente definida na LBSEE. O mesmo não acontece com a educação inclusiva, mas o atual Estatuto Orgânico do Instituto Nacional de Educação Especial a define como:

Um sistema de educação e ensino em que os alunos com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades/sobredotação, frequentam as escolas do ensino geral, públicas, público-privadas e privadas, com colegas sem deficiência, dando-se ênfase às competências, capacidades e potencialidades dos alunos (ANGOLA, 2021, p. 2140).

Com o intuito de garantir uma atenção mais especializada e específica às crianças com necessidades de apoio educativo, o governo angolano, através do decreto Presidencial nº 20/11, criou o Estatuto da Modalidade de Educação Especial, que define como objeto social e objetivo geral da educação especial o atendimento, orientação, acompanhamento, formação e apoio à inclusão socioeducativa e familiar das crianças, jovens e adultos com deficiência (ANGOLA, 2011). Esse decreto definiu aquelas que devem ser as áreas de intervenção desta modalidade de ensino (Quadro 1).

FONTE: Estatuto da modalidade de educação especial (ANGOLA, 2011).

QUADRO 1 ÁREAS DE INTERVENÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL 

O mesmo Decreto, no seu Artigo 8º (ANGOLA, 2011), define os equipamentos especiais de compensação à deficiência do aluno, os mesmos estão repartidos em dois grupos: de um lado, o material didático específico, que inclui os livros em braile e ampliados, livros com caracteres ampliados, material audiovisual, material em formato digital e equipamento específico para leitura, escrita, e cálculo; e, de outro lado, os dispositivos de compensação individual ou de grupo, estes incluem auxiliar ótico e acústico, equipamento informático adaptado, máquina de escrever braile, cadeira de rodas, prótese auditiva e bengala.

Em termos de políticas educativas, desde a sua criação, o Instituto Nacional de Educação Especial (INEE) esteve vinculado e dependente do Ministério da Educação, até que, em 2014, com o Decreto Presidencial nº 312/14 de 24 de novembro (ANGOLA, 2014), com a aprovação do seu primeiro Estatuto Orgânico, consagra-se como personalidade jurídica com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Entretanto, independentemente deste estatuto, cabe, para todos os efeitos, ao Ministério da Educação a orientação pedagógica e metodológica e o estabelecimento de alguns objetivos específicos. Ou seja, a concepção, implementação e adaptação de políticas educativas cabem à macroestrutura do Ministério da educação.

Nos últimos 10 anos, o governo angolano tem se mostrado mais comprometido em olhar para a problemática da pessoa com deficiência devido à situação de vulnerabilidade e do risco de marginalização em que se encontra (ANGOLA, 2012). Do ponto de vista desta Lei, entende-se a pessoa a com deficiência:

Aquela que, por motivo de perda ou anomalia congênita ou adquirida, de funções psicológicas, intelectuais, fisiológicas, anatómicas ou de estrutura do corpo, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar as atividades e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas (ANGOLA, 2012, p. 3256).

Cabe destacar dessa Lei que seus Artigos 22 e 23 (ANGOLA, 2012) fazem menção sobre o direito à educação e ao ensino, e sobre o direito à cultura e ciência, à toda a pessoa com deficiência. Sobre o direito à educação e ao ensino, os Artigos destacam que compete ao Estado adotar medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com deficiência à educação e ao ensino inclusivo, mediante a afetação de recursos e instrumentos adequados à aprendizagem e comunicação (ANGOLA, 2012). O mesmo acontece com o direito à cultura e ciência, que resulta ser de competência de o Estado assegurar o acesso também aos direitos mencionados, por meio de criação de condições específicas e disponibilização de recursos, suprindo todas as limitações.

No âmbito da criação das várias condições ao serviço da pessoa com deficiência, a Lei da pessoa com deficiência prevê também que o Estado tem o dever de definir condições de acessibilidade em projetos e na construção de espaços públicos, ao mesmo tempo que as condições de acessibilidade aplicam-se a instalações e respectivos espaços circundantes da administração pública local e central. Aplicam-se também aos edifícios, estabelecimentos e equipamentos de utilização pública e via pública (ANGOLA, 2012). Destaca-se que essas condições de acessibilidade deveriam ser um desafio prioritário do Ministério da Educação na construção das infraestruturas educativas, independentemente de ser uma escola especial ou regular, já que as escolas regulares enfrentam sérios problemas de acessibilidade.

Embora se tenha aprovado uma Lei da Pessoa com deficiência em 2012, a República de Angola adotou a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com deficiência em 19 de maio de 2014. A própria Política de Educação Especial destaca o fato de a Convenção ser inovadora por definir

pessoas com deficiência como aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (ONU, 2006, p. 22).

Outrossim, a adoção dessa convenção levou o governo angolano a aprimorar sua organização administrativa promulgando o Estatuto Orgânico do Instituto Nacional de Educação Especial, por meio do Decreto Presidencial nº 312/2014 de 24 de novembro (ANGOLA, 2014), tendo ampliado sua autonomia administrativa, financeira e patrimonial, vendo seu poder de atuação mais fortalecido e contando com mais atribuições (ANGOLA, 2017).

Além de toda importância que o Decreto Presidencial nº 313/14 representou, apresentava algumas inadequações em alguns pontos, entres eles o seu objeto e missão que indicavam que a vocação do INEE consistia na implementação e execução da política educativa relativa às pessoas com necessidades educativas especiais, daí que, no intuito de adequá-lo, foi revogado com a aprovação do Decreto Presidencial nº 63/21, de 12 de março (ANGOLA, 2021). Nesse Decreto, as “pessoas com necessidades educativas especiais” são substituídas por pessoas “com deficiência”, “com transtorno do espectro autista” e/ou “com altas habilidades/sobredotação”. Por outro lado, a vocação do INEE vai além da implementação e execução, é também responsabilidade dele a elaboração de medidas socioeducativas que asseguram o pleno acesso do público-alvo e fazer o acompanhamento da Política Nacional de Educação Especial orientada à inclusão escolar.

Dois anos após a criação da lei da pessoa com deficiência, houve a necessidade de criar um instrumento legal que pudesse respaldar as condições de acessibilidade para a pessoa com deficiência. Foi a partir desta premissa que, em 2016, criou-se a Lei nº 10/16, de 27 de julho: Lei das acessibilidades. Essa lei define como seu objeto “o estabelecimento de normas gerais, condições e critérios de acessibilidade pra pessoas com deficiência ou com mobilidade condicionada” (ANGOLA, 2016b, p. 3138). A criação destes Decretos permitiu descentralizar, em certa medida, os serviços do Instituto Nacional de Educação Especial para a criação dos Serviços Provinciais, designados por Gabinete Provincial de Atendimento aos Alunos com Necessidades Educativas Especiais. Esses gabinetes, na condição de serviços executivos do Instituto Nacional de Educação Especial, gozam de autonomia patrimonial e financeira (ANGOLA, 2016a).

Todos os marcos anteriormente mencionados levam ao ponto mais alto da política educativa angolana no quesito do ensino especial e da inclusão, que é criação de uma Política Nacional de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar pelo Decreto Presidencial nº 187/17. Segundo este Decreto Presidencial, a Política Nacional de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar é:

Um dos instrumentos da Política Educativa do executivo Angolano orientado para a inclusão escolar e tem como objetivo definir diretrizes e estratégias de ação para que as redes de ensino e formação angolanas assegurem o direito de acesso, participação e permanência dos alunos com deficiência no Sistema Nacional de Educação Formal (ANGOLA, 2017, p. 3674).

Todavia, à semelhança do que acontece em muitos países, o modelo médico-psicológico é o que fundamenta todas as políticas e práticas educativas voltadas à educação especial em Angola. Como refere Garcia (2006), o modelo médico-psicológico da pessoa com deficiência no processo educativo centra-se em tomar as características relacionadas à deficiência como representativas do aluno como todo, ou seja, o sujeito é a sua deficiência e este deve adaptar-se aos comportamentos considerados adequados pela sociedade.

Cabe ressaltar que a mesma lei está teoricamente orientada para a inclusão e criação de uma escola aberta à diversidade já que, para esta política, uma escola aberta à diversidade é aquela regular que luta para eliminar as barreiras que dificultam o acesso, permanência e conclusão, o que é, atualmente, um grande desafio para a sociedade angolana. Por isso, uma das valências deste artigo é a reflexão em torno do especial e da inclusão. A desconstrução de narrativas e práticas de educação inclusiva fortemente ancoradas na figura do aluno especial (com deficiência) é um passo necessário a ser dado para que a diversidade no seu sentido mais abrangente encontre seu espaço. Essa diversidade abrangente inclui diversidade cultural, linguística, de acesso ao conhecimento, status socioeconômico, de gênero, ligada a fatores intra e interpessoais, de necessidades educativas especiais associadas aos com deficiência ou superdotação (ARNAIZ SÁNCHEZ, 2009; ARTILES; KOZLESKI, 2019), o que permitiria fazer educação inclusiva à ênfase de um dos aspectos da abordagem de educação democrática, conhecida como “igualdade relativaˮ, que consiste na minimização das desigualdades sociais para garantir que todos sejam vistos e considerados iguais (LABAREE, 1997 apudARTILES; KOZLESKI, 2019).

Os fundamentos filosóficos da educação especial na perspectiva inclusiva adotados em Angola estão diretamente vinculados à Declaração de Salamanca, à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, às Leis nacionais de Acessibilidade e da Pessoa com Deficiência, o que leva essa política a ter um enfoque eminentemente médico. Como defende Machado (2009), as práticas escolares que resultam das políticas educativas deveriam, portanto, questionar as representações estereotipadas e fixadas da deficiência, considerando que o que dizemos sobre ela tem um poder enorme para produzir identidades.

As necessidades emergentes: os desafios da política educativa angolana face à inclusão de todos os alunos

A atual política nacional de educação numa perspectiva inclusiva marca um avanço importante frente ao cumprimento dos desafios da educação como direito humano consagrado pela Declaração dos Direitos Humanos. Cabe destacar, igualmente, que assim como a política educativa angolana investe esforços e recursos para garantir o princípio da universalidade e a inclusão de todos na educação, muito trabalho ainda precisa ser feito para que sejam alcançados resultados mínimos aceitáveis. Um dos primeiros desafios que se considera fundamental, senão mesmo uma condição sine qua non, é o cumprimento dos princípios da universalidade e obrigatoriedade previstos na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino angolano:

O sistema de educação e ensino tem caráter universal, pelo que, todos os indivíduos têm igual direitos no acesso, na frequência e no sucesso escolar nos diversos níveis de ensino, desde que sejam observados os critérios de cada subsistema de ensino, assegurando a inclusão social, a igualdade de oportunidades e a equidade, bem como a proibição de qualquer forma de discriminação (ANGOLA, 2016c, p. 3995).

Quaisquer iniciativas sobre as políticas públicas voltadas à educação inclusiva em Angola deverão antes de tudo resolver o pendente da efetivação do princípio da universalidade, já que se entende que este seja a primeira barreira por romper. Como destaca Gimeno Sacristán:

Ingressar, estar, permanecer por um tempo nas escolas, em qualquer tipo de instituição escolar é uma experiência tão natural e cotidiana que nem sequer tomamos consciência da razão de ser da sua existência, da sua contingência, de sua possível provisoriedade no tempo, das funções que cumpriu, cumpre ou poderia cumprir, dos significados que tem na vida das pessoas, nas sociedades e nas culturas (SACRISTÁN, 2001, p. 11).

A naturalização do acesso, permanência e sucesso escolar é, até os dias de hoje, um desafio que inclusive países mais avançados no setor da educação têm em carteira como meta a alcançar. É daí que Angola, com todos os problemas inerentes à vida social das famílias e das instituições públicas, tem o difícil compromisso de garantir o princípio da universalidade de modo que este direito humano seja proporcionado como elemento indispensável.

Administrativamente, Angola está dividida em 18 Províncias e 164 Municípios e conta uma população estimada em aproximadamente 30.175.553 (INEE, 2006). Dos 164 municípios, as escolas especiais estão presentes em 22 destes, representando apenas 13% de abrangência e presença em todo o país (ANGOLA, 2017). A taxa geral de escolarização da população em idade escolar é outro desafio a ter em conta, porque até 2017 o país contava com uma taxa de escolarização de 75,2%, ou seja, independentemente da questão da inclusão e atendimento da diversidade, há o desafio de garantir o acesso escolar para todas as crianças em idade escolar (ANGOLA, 2018).

Se segundo este importante documento, mais de 20% da população em idade escolar se encontra fora do sistema de ensino geral por conta de insuficiências de escolas e professores, o que se pode pensar do ensino especial e da educação inclusiva? Os dados nacionais que espelham o acesso às matrículas de alunos com deficiência (Quadro 2) nas diferentes escolas especiais do país não são consoladores. Estes números convidam a uma reflexão sobre a política educativa volta a inclusão.

FONTE: Plano Nacional de Desenvolvimento de Angola (2018-2022) (ANGOLA, 2018).

QUADRO 2 ALUNOS MATRICULADOS POR NÍVEL DE ENSINO 

O Plano Nacional de Desenvolvimento de Angola (2018-2022) constitui o segundo exercício de planeamento de médio prazo realizado no âmbito do Sistema Nacional de Planeamento em vigor em Angola. Neste documento, vêm projetados os objetivos inerentes às diferentes esferas da vida social e política do país em médio prazo, dentre eles os da educação.

A garantia do ensino primário obrigatório e gratuito e a formação de professores com perfil adaptado aos novos currículos e métodos de ensino e aprendizagem, constam dos objetivos voltados à educação. Segundo esse plano, entre as ações prioritárias para o ensino primário voltados a educação especial numa perspectiva inclusiva, constam a capacitação de intérpretes em língua gestual angolana; a capacitação dos professores e gestores em matérias de inclusão educativa; a criação de salas de inclusão nas escolas do ensino primário; e a operacionalização do gabinete psicopedagógico e profissional nas escolas (ANGOLA, 2018). A capacitação e formação de professores é entendida aqui como um desafio fulcral para dar seguimento sólido às políticas de uma educação inclusiva. Tal como defende Machado (2009), conceitos preestabelecidos sobre a criança com deficiência precisam ser rompidos, bem como abrir a escola a elas para que delas se aprenda, mas isso deve ser feito garantindo uma formação permanente do professor para lidar da melhor forma com a educação dos mais novos.

Mesmo que a formação de professores não seja a fórmula mágica para garantir a inclusão e eliminar todas as dificuldades encontradas na sala de aula, ela promove um modo diferente de encarar todo o processo de ensinar e aprender, levando o professor a questionar suas práticas (MACHADO, 2009). Outro grande desafio importante tem a ver com o exercício da distribuição dos recursos financeiros nas despesas por função no Orçamento Geral de Estado para cada ano. A educação, através do direcionamento dos orçamentos dos últimos cinco anos, demonstra um distanciamento entre o compromisso assumido desde o discurso político de uma educação cada vez mais inclusiva e as decisões tomadas. A tabela seguinte mostra um breve resumo do exercício financeiro do Orçamento Geral de Estado canalizado para a educação nos últimos cinco anos.

FONTE: Ministério das finanças de Angola (ANGOLA, 2019). * Kwanza angolano.

QUADRO 3 DISTRIBUIÇÃO DAS DESPESAS PREVISTAS NO SETOR DA EDUCAÇÃO ENTRE 2015 E 2019. 

A tabela anterior reflete até que ponto o setor social da educação é ou não uma prioridade nas políticas públicas de governação de Angola. Embora se reconheça o esforço que vem sendo feito no período pós-guerra, cabe igualmente reconhecer que há muito caminho ainda a trilhar para garantir os resultados desejados para a educação angolana. Dentro deste arcabouço todo, a educação especial e o processo de inclusão educativo se veem visivelmente afetados, já que a efetivação das políticas educativas inclusivas passa, necessariamente, pela criação de infraestruturas adaptadas e equipadas para multifuncionamento no atendimento da pessoa com deficiência, a formação de professores e equipes multi e interdisciplinares de apoio ao público-alvo da educação especial e não só. Coincidindo com Gomes (2012, p. 688), “não se educa ‘para alguma coisa’, educa-se porque a educação é um direito e, como tal, deve ser garantido de forma igualitária, equânime e justaˮ.

O descompasso que existe entre o discurso político e a implementação das políticas públicas da educação ancoradas nas diretrizes do Sistema das Nações Unidas deve-se, em muitos casos, ao não retrato real das diversidades e complexidades dos contextos nos quais as políticas internacionais e nacionais são concebidas e aprovadas (WERNING et al., 2016). Embora a educação especial em uma perspectiva tenha se tornado global por atender uma agenda igualmente global, é importante reconhecer que, quando o olhar analítico desce aos níveis locais, a educação inclusiva adota saberes locais únicos (ARITILES; KOZLESKI, 2019), do outro lado, a educação inclusiva tem se transformado em uma realidade no plano das leis e no discurso político de governos e governantes, mas a sua efetivação enfrenta resistências nas práticas e projetos institucionais (HONNEF; COSTAS, 2012).

À guisa de conclusões

A educação especial na perspectiva de uma educação inclusiva em Angola, entendida desde o discurso político e suas práxis, constitui-se ainda como uma modalidade específica e diferenciada da educação, contando com espaço próprio (escola especial) e professores com ou sem preparação prévia para atender pessoas com deficiência. O ensino especial baseia-se fundamentalmente no enfoque médico, primando mais, por conta das necessidades de formação do pessoal docente, pelo ensino de pessoas surdas e cegas ou com baixa audição e visão, tal como foi concebido desde a sua criação.

A Política Nacional de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar não discerne a educação especial da inclusiva, fazendo transparecer como sendo equivalentes e similares, ao mesmo tempo que o conceito diversidade mencionado nessa política não é definido e, menos ainda, faz ênfase ao contexto sociocultural próprio de Angola, fato que dificulta na concepção e construção de uma diversidade que não deixa ninguém de fora.

O discurso político sobre educação inclusiva se embasa nas linhas do reconhecimento da educação como direito humano conforme os organismos internacionais, porém a materialização das mesmas reflete práticas de integração em certa medida e de exclusão em parte. A política nacional que consiste na implementação de uma escola especial em cada província, com exceção de poucas que têm mais de uma e a inexistência de equipes de apoio nas escolas regulares, são uma mostra da distância existente entre as boas intenções assumidas no discurso político e a prática real.

Por fim, cabe ressaltar que a pesquisa apresenta limitações por conta da dificuldade em ter acesso aos documentos regedores da política de educação especial voltada à inclusão, por não estarem disponíveis em sites públicos e pela inexistência de produção acadêmica nacional para essa área de conhecimento, mas se destaca o árduo trabalho na obtenção dos documentos analisados que estão na base da criação e da evolução de toda a educação especial em Angola, pelo que se sugere que mais pesquisas da área sejam feitas sem descartar a necessidade de aprofundamento desta.

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1 Este texto resulta dos estudos desenvolvidos no grupo de pesquisa Observatório de Políticas Curriculares e Educação Inclusiva (OPEN), vinculado ao Laboratório Observatório de Práticas Escolares (OPE) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e contou com o apoio do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Brasil.

2Ainda que, no Brasil, a nomenclatura adequada para o público-alvo da Educação Especial seja a presente na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2014), a saber, pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação; neste texto, considerando o estudo ser referente ao contexto angolano, o termo “necessidades educativas especiais” aparece em alguns momentos por ser o utilizado nos documentos angolanos. Em Angola, o termo “necessidades educativas especiais” designa, segundo o Estatuto da Modalidade de Educação Especial, as demandas exclusivas do sujeito que, para aprender o que é esperado para o seu grupo de referência, precisa de diferentes formas de interação pedagógica ou suportes adicionais, tais como recursos, metodologias e currículo adaptados, bem como tempos diferenciados, durante todo ou parte do seu percurso escolar.

3O OPE vincula-se ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina).

Recebido: 06 de Outubro de 2020; Aceito: 17 de Maio de 2021

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