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versión impresa ISSN 0104-4060versión On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 09-Nov-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.78239 

DOSSIÊ - Implementação de políticas públicas para o combate às desigualdades educacionais

O Prêmio Escola Nota Dez (PENDez) 1 - um instrumento de combate às desigualdades educacionais na alfabetização infantil

* Secretaria Municipal da Educação de Duque de Caxias. Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: oceliamota@gmail.com

** Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: diegomota@cp2.g12.br


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar o papel do Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Paic), em relação às desigualdades educacionais nos anos iniciais do ensino fundamental no estado do Ceará, desde o início de sua realização em 2007. O foco da pesquisa é direcionado ao Prêmio Escola Nota Dez (PENDez), um instrumento de indução da ação pública usado para premiar as escolas que alcançam os melhores resultados, ao mesmo tempo que bonifica as escolas com os menores resultados na avaliação externa estadual do segundo, quinto e nono anos do ensino fundamental. O estudo fundamenta-se numa abordagem qualitativa, com o uso de entrevistas, visitação às escolas, pesquisa documental e dados de avaliações educacionais nacionais e estaduais. O referencial teórico tem como base a instrumentação da ação pública e as agências burocráticas. Os dados analisados indicam que todos os 184 municípios do estado alcançaram o nível desejável de alfabetização nas avaliações de monitoramento em 2019. De acordo com os mais recentes indicadores educacionais, o Ceará tem alcançado uma posição de destaque no país, o que evidencia o sucesso de suas políticas no combate às desigualdades educacionais dos anos iniciais do ensino fundamental, colocando-se na vanguarda entre os estados com experiências exitosas na educação pública.

Palavras-chave: Desigualdades educacionais; Implementação de políticas; Prêmio Escola Nota Dez; Instrumentação da ação pública

ABSTRACT

This paper aims to analyze the role of the Programa de Aprendizagem na Idade Certa [Program for Appropriate Age Learning] (Paic) in relation to educational inequalities in elementary schools in Ceará State, Brazil, since 2007, when its implementation began. The focus of this study is the Prêmio Escola Nota Dez (PENDez) [Grade A school prize], an instrument to induce public action used to reward and to allocate financial support to public schools based in cut-off points established by the state’s assessment system. This study is based on a qualitative approach, with the analysis of interviews, visits to schools, documentary research and data from national and state educational assessments. The theoretical foundation is based on the instrumentation of public action and bureaucratic agencies. The data analyzed indicate that all 184 municipalities of Ceará reached the ideal level of literacy in state assessments in 2019. According to the most recent indicators, Ceará's educational policies to combat child illiteracy are promising. The results of these policies have been effective in reducing educational inequalities in elementary schools in Ceará, which stands out among Brazilian states with successful experiences in public education.

Keywords: Educational inequality; Policy implementation; Prêmio Escola Nota Dez; Public action instrumentation

Introdução

Quando eu morava em São Paulo e falava que era dessa cidadezinha do sertão, o pessoal perguntava brincando:

- Está no mapa?

Agora sim! Os municípios do Ceará passaram a existir no Brasil, apesar das nossas carências e da pobreza da região. Com esses resultados da educação nos níveis estadual e nacional nós passamos a ser vistos, porque o nosso Ideb teve um crescimento. Eu lembro que em 2007 nós ficamos entre os trinta piores, com a Crede2toda em cima [...]. Então, quando fui à Fortaleza para uma formação, a Coordenadora Geral do Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Paic) me chamou, pegou o total de alunos do segundo ano de nosso município e comparou com outras cidades que têm o número de habitantes e de alunos parecidos.

Ela me olhou e disse:

- Antonina do Norte, com 130 alunos no segundo ano? O que você está fazendo lá com sua equipe?

Deu vontade de chorar! Mas eu pensei: não depende só de mim! Nós tínhamos ficado em 158º. Em 2014, nós ficamos entre os dez melhores do estado e fomos os primeiros da Crede. Geralmente, quem ficava em destaque eram as cidades que têm mais recursos. Nós estávamos no final do túnel.

Quando a Coordenadora Geral do Paic me viu, disse:

- Agora está chovendo no Inhamuns!

- Está vendo? O sertão virou mar!

(depoimento da Primeira Gerente do Paic de Antonina do Norte - dados da pesquisa)

O depoimento da gerente retrata a dura realidade educacional de um pequeno município cearense nos primeiros anos de efetivação do Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Paic). O relato descreve a situação educacional de Antonina do Norte, que era similar a dezenas de outros municípios do Ceará em 2007, marco das ações do Paic no estado. Nesse contexto, as pequenas e médias cidades do Ceará começaram a se apropriar dos instrumentos de implementação do Paic para enfrentar o analfabetismo e as limitações relacionadas à aprendizagem das crianças nas séries iniciais do ensino fundamental.

Para atingir os resultados pretendidos, os formuladores da política educacional assumiram dois instrumentos fundamentais como mecanismos de indução financeira: o Prêmio Escola Nota Dez (PENDez) e os incentivos fiscais às prefeituras. Essas ferramentas dizem respeito à forma como os governos regulam a ação dos agentes implementadores em seus diversos níveis e camadas. Desse modo, esses instrumentos direcionam as interações dos diferentes atores envolvidos na implementação da política e induzem seu comportamento.

Cabe ressaltar que o Ceará foi um dos primeiros estados a incentivar a municipalização do ensino fundamental (EF) de forma imediata e acelerada, a partir de 1998. Essa iniciativa implicou um “acentuado crescimento da matrícula municipal associado a duas variáveis: a inclusão de novos alunos no sistema escolar e a transferência de alunos da rede estadual para as redes municipais” (NASPOLINI, 2011, p. 422). Por conta disso, depois de três anos os municípios respondiam por 92,1% da oferta do ensino fundamental, enquanto a rede estadual ofertava apenas 7,9%, responsabilizando-se principalmente pelo ensino médio. Apesar disso, o Ceará possuía uma das maiores taxas de analfabetismo escolar entre os estados do país para as séries iniciais do ensino fundamental em 2007, conforme descrito no Gráfico 1.

FONTE: elaborado pelos autores a partir de dados da Pnad (BRASIL, 2007).

GRÁFICO 1 TAXAS DE ANALFABETISMO ESCOLAR PARA AS SÉRIES INICIAIS DO PRIMEIRO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL, NA REGIÃO NORDESTE E NO ESTADO DO CEARÁ, EM 2007. 

Em 2007 esse índice era de 54%, 26% e 16% para os estudantes da primeira, da segunda e da terceira série do ensino fundamental, respectivamente. Destaca-se que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) indicaram que 16% dos alunos desse estado chegavam ao 3º ano do ciclo sem estarem devidamente alfabetizados (BRASIL, 2009).

O PENDez foi criado em 2009, com a finalidade de impulsionar as ações do Paic na alfabetização e induzir a adesão de gestores municipais e escolares à política. O programa tem a proposta de premiar as escolas com os melhores resultados na avaliação em larga escala estadual, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece). Ao mesmo tempo, o PENDez também ampara as escolas com os menores desempenhos, por meio de um sistema de apoio pedagógico e financeiro, com o objetivo de elevar seus resultados. Além disso, seu desenho propõe parcerias entre as escolas premiadas e apoiadas, o que resulta em um eficaz instrumento de indução da ação pública.

Embora seja uma política com características meritocráticas, o PENDez também é uma iniciativa que tem o potencial de promover a equidade entre as escolas. Há mais de dez anos os resultados das avaliações externas nacionais evidenciam que a política em curso tem sido uma importante ação voltada para a redução das desigualdades educacionais no estado (CALDERÓN; RAQUEL; CABRAL, 2015). Partindo de tais observações, este estudo propõe descrever e analisar esses resultados com base nos referenciais do Índice do Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), das avaliações estaduais e de entrevistas com agentes implementadores dessa política. A partir desses dados, projetamos discutir como um instrumento da ação pública - o PENDez - foi utilizado para ajudar a combater o quadro de analfabetismo infantil no estado do Ceará.

Além desta introdução, este artigo está organizado em mais cinco seções. A próxima descreve o cenário das políticas educacionais cearenses, especificamente o Paic e o PENDez. Em seguida, a terceira e a quarta seções apresentam os referenciais teórico-metodológicos que fundamentam a pesquisa, com ênfase na literatura de instrumentação da ação pública. A quinta seção analisa os resultados do Spaece-Alfa e do Ideb da última década para os anos iniciais do ensino fundamental; discute como o PENDez foi utilizado pelo governo para estimular os municípios e suas escolas a aderirem em sua totalidade ao Paic e aborda as estratégias voltadas para que eles se dedicassem a alcançar melhores resultados, fazendo o estado ter avanços significativos na luta contra o analfabetismo em pouco mais de uma década. Por fim, na sexta seção trazemos as considerações finais da análise.

O Prêmio Escola Nota Dez no âmbito do Paic

Conhecido por elaborar políticas públicas com resultados positivos, o Ceará acompanha o desenvolvimento das avaliações externas educacionais desde as suas primeiras experiências no país. O estado foi um dos pioneiros nesse campo ao criar seu próprio sistema de avaliação, o Spaece, dois anos após a formulação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990.

Iniciado de forma experimental em 1992, o Spaece possuía estrutura semelhante ao Saeb, de acordo com Lima (2007). Esse desenho possibilitava uma leitura comparada de seus resultados, aspecto relevante em avaliações dessa natureza. Para Vieira (2007), tratava-se de uma inovação com forte potencial para reverter a cultura vigente do fracasso escolar. Nesse sentido, foi um importante passo para sua melhoria, pois, “pela primeira vez no estado, trabalhou-se com instrumentos que auxiliavam a escola a enxergar seu próprio desempenho, identificando fraquezas e potencialidades” (VIEIRA, 2007, p. 51).

As primeiras avaliações de Língua Portuguesa realizadas pelo Saeb e pelo Spaece evidenciaram que os alunos do estado chegavam à quarta série do ensino fundamental (atual quinto ano) com graves problemas de alfabetização, implicando consequências nas outras etapas da escolarização. Esses resultados negativos denunciavam as limitações da educação pública cearense e chamavam a atenção das autoridades e da sociedade civil para que fossem criadas políticas voltadas para melhorar a qualidade da aprendizagem dos estudantes.

Em 2003, os resultados do Saeb indicaram os números do fracasso escolar no estado, identificando que mais de 70% dos alunos avaliados em Língua Portuguesa na 4ª série (atual 5º ano) apresentavam competências abaixo do nível desejado. Esses dados evidenciaram que 26% desses estudantes estavam no nível intermediário e apenas 2,4% no nível adequado (BRASIL, 2006a). Ao analisarmos o Gráfico 2, podemos observar que o Ceará apresentou resultados similares aos demais estados da região do Nordeste e ficou abaixo da média do Brasil na avaliação do Saeb daquele ano.

FONTE: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Saeb 2003 (BRASIL, 2016a).

GRÁFICO 2 PERCENTUAL DE ESTUDANTES DA QUARTA SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL (ATUAL QUINTO ANO) NOS ESTÁGIOS DE CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA DO SAEB (2003). 

Importa destacar que o município cearense de Sobral iniciou em 2000 algumas experiências de implementação de políticas educacionais com foco na alfabetização, quando possuía 3,8% das crianças e adolescentes analfabetas. Segundo os Indicadores do Censo Demográfico e do Censo Escolar (BRASIL, 2000), os analfabetos funcionais totalizavam 39,6% da população. Em 2001, a taxa de distorção idade/série nos anos iniciais era de 32% e a de abandono era 6,74% nesse município. As iniciativas desenvolvidas para melhorar esses indicadores foram elaboradas com base em três pilares: a mudança da prática pedagógica, o fortalecimento da autonomia da escola e o monitoramento dos resultados de aprendizagem. Os dados da evolução do Ideb desse município, descritos no gráfico 3, mostram que os resultados da política educacional foram promissores entre os anos de 2005 e 2017.

FONTE: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Saeb (BRASIL, 2021).

GRÁFICO 3 EVOLUÇÃO DO IDEB NO MUNICÍPIO DE SOBRAL ENTRE OS ANOS DE 2005 E 2017. 

Por conta desses resultados positivos, a experiência bem-sucedida de Sobral foi a referência para o estado desenvolver políticas educacionais de combate ao fracasso escolar (CEARÁ, 2012). Naquele contexto, o analfabetismo infantil era um problema a ser superado em todos os municípios do estado.

Ao analisar a política educacional de Sobral, a pesquisadora Oroslinda Goulart3 saiu de lá com a seguinte constatação: “É preciso prestar atenção e acompanhar a evolução do que está ocorrendo ali. E, ao mesmo tempo, é preciso procurar identificar outras inovações que, certamente, estão mudando a face da educação nesse Brasil que o Brasil desconhece” (BRASIL, 2005, p. 12).

Os resultados positivos de Sobral na alfabetização chamaram a atenção da nova gestão pública estadual. Sua eficácia foi eleita como uma meta a ser alcançada no estado e inspirou a criação do Programa de Alfabetização na Idade Certa. Esse modelo foi proposto aos municípios do estado que desejassem aderir ao projeto (CEARÁ, 2012).

Em consequência dessa ação e com a união de diferentes órgãos da sociedade, os gestores públicos formaram o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar (CCEAE), em 2004. A finalidade dessa organização era fazer um diagnóstico da aprendizagem entre estudantes, buscar soluções conjuntas para enfrentar as causas do problema e superar as limitações educacionais no estado.

Nesse sentido, o Comitê desenvolveu três linhas de pesquisas, que geraram um documento chamado “Relatório Final do Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar”. Os resultados das pesquisas foram amplamente divulgados e debatidos. Por conta disso, promoveram uma grande mobilização social voltada para solucionar a questão. Nesse contexto, foi criado o Paic, através da Lei nº 14.026, de 17 de dezembro de 2007 (CEARÁ, 2007), com o objetivo de apoiar os municípios cearenses na melhoria da qualidade do ensino, da leitura e da escrita nas séries iniciais do ensino fundamental.

O Programa foi planejado com a participação de diferentes atores e instituições, tendo o princípio da colaboração como um dos seus pilares. O regime de colaboração adotado entre o estado e os municípios foi fundamental para uma experiência de formulação exitosa da política.

Ao monitorar a trajetória das políticas de colaboração do Ceará, Vieira e Vidal ressaltaram que “embora tenha se fortalecido a partir do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, o compartilhamento de responsabilidades na oferta de educação no Ceará é muito anterior à Constituição de 1988” (VIEIRA; VIDAL, 2013 p. 1082). Nesse sentido, com uma proposta educacional baseada na mobilização social e em experiencias anteriores, os atores envolvidos tinham um caminho para “aumentar os esforços de construção de um regime de colaboração, a partir da fundação de um pacto que garanta o desenvolvimento de políticas convergentes em torno de uma escola pública, democrática, de qualidade e sustentável” (NASPOLINI, 2001, p. 85).

O Paic foi projetado para garantir a aprendizagem dos alunos na idade certa. Assim, uma das justificativas do Programa dizia respeito ao combate da desigualdade educacional revelada pelo Censo Escolar de 2006: dentre cada quatro alunos matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) das escolas públicas cearenses, um estava com atraso escolar de dois anos ou mais (BRASIL, 2006b).

Ainda segundo os dados do Censo Escolar (BRASIL, 2006b), a taxa de reprovação para as séries iniciais do ensino fundamental era de 14,7%; a taxa de abandono escolar era de 8,8%; e a taxa de aprovação, 76,5%. Esses resultados transpareceram as desigualdades educacionais presentes no estado e revelaram a precariedade de um sistema de ensino que necessitava de medidas eficazes para revertê-la.

Com o objetivo de resolver o problema do analfabetismo por meio das ações do Paic, o Ceará tornou-se pioneiro na implementação de políticas educacionais municipalizadas. Para alcançar essa meta foi oferecido apoio técnico aos municípios com um conjunto de ações estruturadas em cinco eixos: Alfabetização; Gestão da Educação Municipal; Educação Infantil; Literatura Infantil e Formação do Leitor; e Avaliação Externa. Posteriormente, em 2015, os eixos foram modificados e ampliados para seis, incluindo os Ensinos Fundamental I e II, além da Educação Infantil, e a Educação Integral. Desse modo, a organização do programa em eixos foi desenhada com o propósito de integrar os pilares essenciais da educação básica e chegar ao seu objetivo.

Dois anos após a implementação do Programa, o governo estadual adicionou dois instrumentos de incentivos financeiros com o objetivo de estimular ainda mais a adesão dos gestores municipais e escolares à política: um deles é a cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Decreto nº 29.306, de 05 de junho de 2008 (CEARÁ, 2008) e o outro é o Prêmio Escola Nota Dez (PENDez), o foco de investigação deste estudo.

Os resultados das avaliações de monitoramento da aprendizagem dos estudantes ao longo da implementação da política são promissores, conforme pode-se observar no Gráfico 4. Seus efeitos indicam que houve um crescimento expressivo na porcentagem de municípios que apresentaram melhoria na proficiência de seus alunos em Leitura e escrita no Spaece-Alfa (avaliação realizada no 2º ano do ciclo) entre 2007 e 2016.

FONTE: Elaborado pelos autores a partir dos dados de Spaece-Alfa/Seduc-Ce (CEARÁ, 2020b).

GRÁFICO 4 EVOLUÇÃO DO PERCENTUAL DE MUNICÍPIOS DO ESTADO DO CEARÁ NOS NÍVEIS DE PROFICIÊNCIA DAS AVALIAÇÕES DO SPAECE-ALFA PARA OS ALUNOS DO SEGUNDO ANO DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ENTRE 2007 E 2016. 

De acordo com os dados, apenas 7% dos municípios (14 dentre 184) encontravam-se no nível Desejável nas avaliações do Spaece-Alfa em 2007. Contudo, quando o PENDez foi implementado, em 2009, ocorreu uma grande mudança no quadro de desempenho dos municípios. Naquele ano, nenhum deles estava nos níveis de desempenho inferiores (Alfabetização Incompleta e Não Alfabetizado) e quase 90% alcançaram os níveis Suficiente e Desejável. Em 2011, o estado também não possuía mais nenhum município abaixo do nível Suficiente, e 97% já haviam alcançado o nível Desejável. Entre 2015 e 2016, o estado teve 98% (180 dentre 184) de municípios no nível Suficiente (CEARÁ, 2020a).

Uma singularidade do Prêmio é o fato de se tratar de uma política de colaboração, desenvolvida por meio de um sistema de parceria entre escolas premiadas e apoiadas em que as 150 escolas que ficaram nas melhores posições do IDE-Alfa4 adotam as 150 escolas que ficaram nas últimas posições. Durante dois anos, essas instituições devem estabelecer uma parceria, desenvolvendo ações de cooperação técnico-pedagógica, com o objetivo de manter ou melhorar os resultados da aprendizagem de seus alunos.

O Prêmio consiste no valor de R$ 2.000,00 multiplicado pelo número de alunos avaliados no ano escolar premiado (2º, 5º e 9º anos). As escolas apoiadas também recebem apoio financeiro no valor de 50% do total por aluno definido para as escolas premiadas. Portanto, há um auxílio financeiro para implementação do plano de melhoria dos resultados de alfabetização de seus estudantes.

De acordo com os resultados de alguns estudos (BROKE; CUNHA, 2011; COELHO, 2013; CALDERÓN; RAQUEL; CABRAL, 2015; MOTA, 2018), as particularidades regionais e locais do PENDez distinguem-se em função a) das condicionalidades envolvidas no desenho da política; b) das condições institucionais e das relações estabelecidas entre as escolas e com as secretarias de educação; c) das formas de controle e de responsabilização das decisões tomadas pelas escolas; d) da influência de outras camadas burocráticas, como a atuação dos gerentes do Paic - atores das secretarias municipais de educação que afetam a atuação dos diretores e professores no processo de implementação; e) dos resultados de incentivos à atuação dos diferentes agentes escolares envolvidos na implementação e das possíveis alterações do exercício da discricionariedade de diretores e professores ou, ainda, das respostas desses agentes às pressões do estado e dos beneficiários da política.

Metodologia

A metodologia de caráter qualitativo proposta para este estudo baseia-se em pesquisa bibliográfica, documental e análise das bases de dados do Spaece e do Censo Escolar. A pesquisa também envolveu entrevistas semiestruturadas com agentes de diversos níveis e camadas da política educacional, além de visita a quatro pares de escolas parceiras que participaram da premiação entre 2014 e 2016, localizadas em três municípios da 18º Coordenadoria Regional de Educação5, na Região do Cariri.

A produção de dados ocorreu nas visitações realizadas às oito escolas, entre 2016 e 2017, e contou com a participação de diretores, coordenadores e professores do 2º ano das escolas premiadas e apoiadas, além dos Gerentes Municipais do Paic e de Secretários Municipais de Educação.

O critério utilizado para a seleção das escolas teve como base seus resultados no Prêmio Escola Nota Dez e levou em consideração a proximidade geográfica entre as escolas premiadas e apoiadas, a fim de viabilizar financeira e logisticamente a visitação e a pesquisa realizada. Trata-se de quatro pares de escolas: as quatro apoiadas estão localizadas no município de Crato; dentre suas respectivas parceiras premiadas, duas situam-se no município de Assaré (64km de distância) e duas em Antonina do Norte (79km de distância).

As diferentes estratégias de investigação da política propostas para esta pesquisa têm o potencial de contribuir com a descrição das características do PENDez e a análise das atitudes presentes nas instâncias de implementação nas escolas parceiras. Nesse sentido, a abordagem qualitativa deste estudo considera que a trajetória e a conformação do processo de implementação são influenciadas pelas características da política. Por sua vez, esta também é afetada pelas estruturas e dinâmicas dos espaços organizacionais e por ideias, valores e concepções de mundo dos atores envolvidos (BARROSO, 2006).

Logo, cabe marcar o papel dos agentes implementadores que atuam nas diferentes camadas da política do Prêmio e do Paic, na perspectiva da literatura das burocracias (LIPSKY, 2019): os diretores, os coordenadores e os gerentes do Paic são os responsáveis por fazer a intermediação entre as fases de formulação e implementação das políticas; enquanto os professores são os agentes que lidam diretamente com os usuários na linha de frente, os estudantes e seus responsáveis.

Desse modo, os gerentes do Paic, diretores escolares e coordenadores pedagógicos, são agentes com perfil multifunção - ou agentes híbridos. Na perspectiva de Lotta e Pavez (2009), esses atores desempenham tanto o papel de burocratas de médio escalão, como mediadores e implementadores da política, quanto o papel de burocratas de rua, pois também são responsáveis diretos pela entrega da política aos seus beneficiários.

A regulação na educação por meio da instrumentação da ação pública

Os modos de regulação de um sistema educacional são “o conjunto dos mecanismos de orientação, de coordenação e de controle das ações dos estabelecimentos, dos profissionais ou das famílias desenvolvidos pelas autoridades educativas” (MAROY, 2011, p. 19). De acordo com Barroso (2005, p. 12), a regulação institucional envolve “dois tipos de fenômenos distintos, mas interdependentes: o modo como são produzidas e aplicadas as regras que orientam a ação dos atores e o modo como esses mesmos atores se apropriam delas e as transformam”.

No primeiro caso, trata-se de uma regulação institucional, normativa e de controle, relacionada ao “conjunto de ações decididas e executadas por uma instância - governo ou hierarquia de uma organização" (BARROSO, 2005, p. 13). No segundo caso, quando se refere aos modos como os atores apropriam-se das políticas e as transformam, o autor descreve uma regulação situacional e autônoma que é vista como um processo ativo de produção de “regras do jogo”. Essa regulação compreende a definição de princípios que orientam o funcionamento do sistema e o seu ajustamento provocado pelas estratégias e ações desenvolvidas pelos agentes, em função dessas regras.

Os diversos arranjos institucionais definidos, promovidos ou autorizados pelo Estado também fazem parte da regulação. Por esse motivo, as regras e leis proclamadas pelas autoridades públicas, o poder discricionário entregue às autoridades locais e os dispositivos de concertamento, coordenação e controle, são alguns modos de regulação que contribuem para coordenar e orientar a ação das agências e seus atores, por meio de limitações e da distribuição de recursos (BARROSO, 2005).

Tais perspectivas são apontadas pela literatura como novas abordagens de gestão pública que aprimoram não apenas o contrato social. Para Oliveira (2011, p. 83), “elas encarnam também um conjunto de relações que investe o indivíduo de capacidades e habilidades particulares”. Trata-se da criação de uma nova forma de relação do “Estado com a sociedade civil, nomeada de parceria, em que o envolvimento e engajamento dos atores sociais, no nível individual e coletivo são buscados, tendo por objetivos encontrar soluções locais para problemas que são muitas vezes de ordem geral” (OLIVEIRA, 2011, p. 83).

Nesse contexto, o conceito de ação pública pode indicar a multiplicidade e a diversidade de atores que participam do processo, pois explora o caráter compósito dos agentes envolvidos na implementação das políticas públicas. Desse modo, por meio da descentralização, esse processo atenua as relações de hierarquia entre esses atores, destaca a relativização do impacto do momento da tomada de decisão política, a não linearidade dos processos de execução, além do caráter fragmentado e flexível da ação pública (OLIVEIRA, 2011).

Em relação a esse campo teórico, Barroso (2011, p. 104) considera que a análise dos “instrumentos de ação pública” (IAPs) é essencial para descrevermos “como se operam as mudanças nas políticas públicas e os papéis que os novos modos de regulação desempenham na reorganização do Estado e em suas formas de governo”. Entre os diferentes tipos de instrumentos da ação pública, o autor destaca as “boas práticas” como uma das mais fortes expressões da política baseada na evidência.

Por conta disso, “um instrumento da ação pública constitui um dispositivo simultaneamente técnico e social que organiza relações sociais específicas entre o poder público e seus destinatários em função de representações e de significações de que ele é portador” (BARROSO, 2011 p. 200). Dependendo dos instrumentos escolhidos, então, os atores sociais e políticos vão desenvolver capacidades e atuações de maneiras diferenciadas.

O conceito de IAP, defendido por Lascoumés e Le Galès, “permite ultrapassar as abordagens funcionalistas que se interessam prioritariamente pelos objetivos das políticas públicas, por considerar a ação pública sob o ângulo dos instrumentos que estruturam seus programas” (LASCOUMÉS; LE GALÈS, 2012, p. 21). Por esse motivo, realizar uma abordagem investigativa com o suporte dos IAP pode ser um caminho oportuno na análise de políticas públicas, já que leva em consideração as múltiplas dimensões que seriam pouco evidenciadas de outras maneiras.

O prêmio como instrumento da ação pública

Nascido no âmbito do Paic sob a Lei nº14.371, de 19 de junho de 2009 (CEARÁ, 2009), o PENDez tem como um dos seus objetivos a troca das “boas práticas” entre as escolas parceiras, visto que aquelas são instrumentos baseados em evidências. O recurso às práticas baseadas em evidências como instrumentos de regulação procura introduzir um novo tipo de conhecimento à política e ao trabalho docente. Esse caminho “é considerado pelos seus promotores como mais científico que estatal; mais pragmático que ideológico; mais técnico que político; mais prático que teórico; mais próximo dos professores e das escolas que dos burocratas e da administração” (BARROSO, 2011, p. 108).

Com o objetivo de analisar os usos das políticas de avaliação em larga escala no Brasil, Brooke e Cunha (2011) caracterizaram o PENDez como uma política que pode ser enquadrada em três categorias consideradas fundamentais como instrumentos da ação pública: a) como uma ferramenta de controle e gestão, pois a premiação está vinculada aos resultados da prova de Língua Portuguesa do Spaece-Alfa, com o objetivo de fortalecer, valorizar e ampliar o trabalho realizado pelas escolas na área da alfabetização; b) para alocação de recursos, um dos aspectos que mais expressa a relação entre avaliação e gestão educacional no Prêmio Escola Nota Dez; e c) como política de incentivo salarial, que pode induzir uma maior preocupação do professor com os resultados dos alunos e também reduzir o risco das escolas focarem seus esforços nas séries que serão premiadas, descuidando das demais.

Dessa forma, a busca pelo bom desempenho nas avaliações do Spaece-Alfa (2º ano), Spaece (5º e 9 anos) e a consequente premiação, tornou-se um dos principais objetivos de escolas e secretarias de educação. De acordo com a pesquisa de Calderón, Raquel e Cabral (2015), essas ações ocorreram no sentido de promover o nivelamento dos alunos em termos de aprendizagem (as aulas de reforço escolar), uso de simulados, uso de descritores e a adoção de metodologias e práticas pedagógicas ativas na sala de aula. Esses resultados também foram identificados na presente análise das entrevistas com os agentes educacionais. Convergindo nesse sentido, o uso dos descritores, o reforço escolar no contraturno, a mudança de metodologias pedagógicas e uso de simulados, são ideias centrais reveladas nas entrevistas em destaque:

Nas visitas, eles [a equipe do Paic] aplicavam um diagnóstico com os alunos, assistiam as nossas aulas, viam como estávamos trabalhando os descritores em sala. Você fica com os descritores em mente, deixando a sala de aula com um ambiente alfabetizador, sempre desenvolvendo os descritores, para que quando a equipe do Paic chegar, os alunos saibam responder (Coordenador Escola Premiada 2).

Primeiro, a gente muda muito a metodologia de trabalho. Quando vemos que o aluno não está conseguindo aprender, nós procuramos novas atividades. Acho que tem mudado bastante. Quando a gente sabe que a turma vai ser avaliada naquele ano, a gente procura trabalhar melhor, fazer novas pesquisas para que melhore (Professor 1 Escola Premiada 1).

Nós desenvolvemos várias ações com esse fim. Primeiro, tem o foco: elevar o nível de aprendizagem de nossos alunos, fazer com que eles aprendam, que sejam alfabetizados na idade certa. Então, a gente tem aulas de reforço no contraturno. Tem uma rotina que é cumprida todos os dias e acompanhada pela coordenação. Tem a questão do planejamento, que é bem focado e acontece semanalmente, além do apoio (Diretora Escola Premiada 3).

Com os recursos do prêmio a escola pode dar um suporte melhor para os alunos por meio do reforço escolar e comprar papel, que é fundamental para se trabalhar. Com papel, podemos fazer simulados mensalmente para todas as séries, até para o primeiro ano, a partir do segundo semestre. Pegamos aquelas questões mais fáceis da prova e montamos as questões do simulado do primeiro, que é para quando eles chegarem no segundo, e o professor entregar um simulado, eles já estejam habituados - Ele diz: essa questão eu já conheço (Diretor Escola Apoiada 2).

De acordo com as entrevistas, os agentes escolares descrevem o uso do PENDez no direcionamento das ações pedagógicas voltadas para elevar os resultados nas avaliações de larga escala. Além da melhora no desempenho dessas escolas parceiras nos indicadores educacionais, o conjunto de relatos de diretores, coordenadores e professores entrevistados sinaliza o Prêmio como um instrumento que possibilita o incentivo da ação pública no sentido de melhorar a qualidade educacional do estado.

Nesse contexto, as escolas apoiadas desenvolveram estratégias no sentido de alcançar os objetivos da política, de acordo com a análise do conjunto de entrevistas e observações desse estudo. Dentre muitas inovações, essas escolas passaram a orientar mais atentamente seus professores nas questões pedagógicas. Com isso, os docentes foram incentivados a elaborar projetos e aulas de reforço para os alunos que mais precisavam de ajuda, como o caso do “Adote uma criança”, descrito na entrevista e desenvolvido em uma das escolas investigadas6.

A partir disso [da notícia da escola como apoiada], nós, o núcleo gestor, passamos a fazer um acompanhamento mais próximo. Passamos a retirar esses professores no momento de estudo e a começar a fazer um reforço com os alunos que tinham mais necessidade. Fizemos um projeto chamado “Adote uma criança” e cada professor ficava responsável por dois ou três alunos da sala dele. E o momento de estudos era voltado para essas crianças. No dia do planejamento, nós planejávamos. Então, em cada lugar, tinha professor com aluno, na biblioteca etc. (Coordenadora Escola Apoiada 4).

Considerando o Prêmio como uma ferramenta de controle e gestão, os diretores, coordenadores e agentes do Paic atuam nessa política como mediadores do processo de implementação. Para se certificarem de que as normas estão sendo seguidas, esses atores desempenham o papel de acompanhar o processo de implementação executado pelos agentes da linha de frente.

No Assaré, os formadores têm um momento mensal de formação com os professores, depois eles fazem um acompanhamento na escola para saber como está sendo realizada a rotina. As visitas nas escolas são realizadas de forma intercalada, porque como a rotina é unificada, acredita-se que vai estar sendo realizado trabalho semelhante nas demais, até porque é um suporte para que o professor prepare a formação do mês seguinte. Bimestralmente, a equipe faz o acompanhamento com os alunos (Gerente do Paic de Assaré).

Em razão disso, quando algum docente foge à regra estabelecida, esses atores intervêm junto aos professores, por meio de conversas e orientações, com a finalidade de garantir o cumprimento das diretrizes. Essas ações inserem o PENDez nos desenhos das abordagens de políticas top-down, que recuperam a questão do papel do Estado no processo de decisão das políticas públicas (LASCOUMES; LE GALÉS, 2012).

As parcerias a favor da equidade propostas por essa política educacional estabelecem uma comunicação colaborativa entre as escolas selecionadas pelo seu mérito e aquelas classificadas por seus baixos resultados. As trocas atravessadas por relações assimétricas entre escolas premiadas e apoiadas acontecem “num processo de mútua ressignificação [...], através da circulação de diferentes atores nas diversas cenas que compõem uma determinada ação pública” (BARROSO, 2011, p. 92).

A primeira coisa que temos que entender é que ninguém sabe de tudo. Sempre temos algo a aprender e temos que estar prontos para as inovações e buscar parcerias. [...] A parceria quebra isso, porque o primeiro preconceito vem quando comparamos a nossa cidade com a cidade da escola que está apoiando, mas quando vamos para a prática, vimos que não existe esse muro. Educação é educação, em qualquer parte do Brasil. Para tudo que for para somar, que for bom, nós temos que estar abertos (Diretor Escola Apoiada 3).

Concretamente, a circulação de boas práticas entre as instituições de ensino é o que as gestões escolares declararam buscar no âmbito de uma parceria. De maneira esperada, essas ações são ressignificadas em cada contexto escolar por meio da atuação de seus agentes. Segundo os depoimentos dos coordenadores entrevistados, o planejamento das ações de cooperação técnico-pedagógicas é construído aos poucos, a partir das visitas realizadas na escola parceira. Por meio de observações, conversas com professores, alunos, coordenadores e diretores, os agentes buscam conhecer a realidade da escola colaboradora e descobrir práticas e experiências pedagógicas que possam colaborar com a aprendizagem dos seus alunos.

O tema das boas práticas, presente nos depoimentos das diversas categorias da burocracia escolar envolvidas na implementação do Paic e do PENDez, pode ser mais bem compreendido à luz da definição de Barroso (2011). Segundo o autor, as “boas práticas” constituem um “instrumento de regulação” que permite “introduzir simultaneamente: um modo de governo; um padrão para investigação; um referencial para o trabalho docente; um programa de melhoria; um dispositivo de avaliação e um sistema de prestação de contas” (BARROSO, 2011, p. 108). O conjunto de dimensões envolvidas por esse instrumento de regulação permitiria consolidar “metas para o programa de melhoria das escolas e para formação de professores, cuja prioridade passa a ser conhecer aquilo que funciona e aprender a pôr isso em prática” (BARROSO, 2011, p. 108-109).

A favor da promoção da equidade entre as escolas parceiras, o PENDez busca reduzir suas desigualdades. Para esse fim, as trocas de experiências e conhecimentos entre as escolas tornam-se um instrumento capaz de mobilizar os agentes escolares por meio de suas ações de colaboração com a sua parceira.

Geralmente, as “boas práticas” ou “experiências exitosas”, no linguajar nordestino, estão associadas “ao que funciona”. Na visão de Barroso (2011, p. 106), elas consagram “um tipo de conhecimento explícito (profissional, organizacional) e promovem a sua circulação por atores no terreno”. Essas trocas de saberes e práticas profissionais são objetivas e se destacam no conjunto de entrevistas realizadas com os atores das escolas parceiras, como é o caso do relato da coordenadora de uma escola premiada, que declarou ter contribuído com propostas que pudessem interferir na melhora da aprendizagem dos alunos da escola apoiada.

Quando a gente vai para as escolas, de acordo com as visitas, a gente vai planejando. [...] A primeira visita é para reconhecimento. Nas demais visitas, a gente vê que material a gente pode levar para fazer uma troca de experiência. Teve um ano, que nós fomos para Acopiara e a gente tinha, por exemplo, desenvolvido uns projetos na escola durante o ano. Eu tinha a cópia dos projetos e levei todas as sugestões dos projetos que a gente tinha desenvolvido aqui. Quando eles retornaram, trouxeram material bem bacana estruturado que eles tinham lá. Então, o plano vai sendo construído aos poucos, através dessas ações. De acordo com cada visita que a gente vai fazendo, a gente vai vendo o que pode levar e que vai colaborar para a aprendizagem das crianças (Coordenadora Escola Premiada 1).

Com esse propósito, a escola premiada socializou projetos que deram certo, na perspectiva de que a escola parceira recebesse as ideias como sugestões passíveis de serem desenvolvidas. Esse recorte qualitativo descreve as estratégias traçadas por esses quatro pares de escolas para alcançar os objetivos da política educacional. Os dados traduzem ações locais e boas práticas consonantes com as evidências positivas dos resultados das avaliações de monitoramento da aprendizagem dos estudantes em todo o estado.

Conclusões

Convergindo para corroborar com os dados da pesquisa, os resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA - 2016) indicaram que a proficiência média dos estudantes cearenses do 2º ano, em Leitura (532,7), foi superior às médias regional (470,9) e nacional (507,5) (BRASIL, 2018a). Essa avaliação de monitoramento evidenciou que 35,5% dos estudantes estavam no nível Desejável de Leitura (3) e 19,3% encontravam-se no nível mais alto (5) (BRASIL, 2018a). No teste de escrita, 61,6% dos estudantes estavam no nível 4 (BRASIL, 2018a). Sobre isso, vale salientar que a proficiência média de escrita no estado (511.6) se encontrava acima das proficiências médias regional (471.3) e nacional (500) da avaliação da escrita (BRASIL, 2018a).

Os dados do Censo Escolar também mostram que houve crescimento das taxas de aprovação (de 90,6% para 97,3%) e redução das taxas de reprovação (de 7,9% para 2,4%), abandono (de 1,6% para 0,3%) e distorção idade/série (de 21% para 8%), entre 2010 e 2018 (BRASIL, 2018b). De acordo com esses dados, foi significativa a melhora nos resultados das avaliações externas e das taxas de rendimento escolar após a implementação dessas políticas educacionais do Ceará. Nesse sentido, os parâmetros podem refletir as ações do Paic e do PENDez, os quais promovem investimentos para fomentar a frequência escolar dos alunos.

Além disso, de acordo com as indicações da pesquisa documental realizada, das entrevistas com os diversos atores e das observações nas escolas selecionadas para essa investigação, há evidências de que as normas do Paic e do PENDez influenciam o direcionamento das ações dos agentes implementadores. A análise qualitativa da pesquisa mostrou que as leis dessa política também incentivam a participação efetiva desses agentes nas tomadas de decisão da escola e no acompanhamento das ações planejadas.

Por meio de seu objetivo de valorizar a gestão educacional com foco na aprendizagem do aluno, o PENDez colaborou para que o Paic alcançasse a sua meta de apoiar os municípios a alfabetizar os alunos da rede pública até o final do 2º ano do ensino fundamental, e combatesse com eficácia as desigualdades educacionais na alfabetização.

A implementação do Paic e a criação do PENDez promoveram uma transformação próspera no desempenho dos municípios cearenses, nas avaliações educacionais em larga escala, em pouco mais de uma década. Criado em 2009 como uma política de incentivo ao Paic, o PENDez premiava, inicialmente, apenas as escolas com os melhores desempenhos no 2º ano do ensino fundamental e auxiliava financeira e pedagogicamente as escolas com os menores resultados. Em 2011, o auxílio e a premiação foram estendidos para o 5º ano do ensino fundamental. O mesmo ocorreu com as ações do Paic.

Esse programa passou a se chamar Paic + 5, ampliando os benefícios do PENDez a seiscentas escolas, anualmente. Por causa da melhoria e da manutenção dos bons resultados das escolas apoiadas na alfabetização, somente as premiadas continuaram a ser contempladas pela política no 2º ano, a partir de 2015. Naquele ano, o governo estadual também ampliou a premiação e o auxílio para o 9º ano, juntamente com as ações do Paic, o qual passou a ser chamado de Paic Mais.

Em 2019, os resultados das avaliações no Spaece-Alfa revelaram que todos os 184 municípios do estado alcançaram o nível Desejável de Alfabetização. Essa transformação ao longo dos anos, nos resultados dos municípios, também justifica o interesse em analisar como a inclusão do PENDez no âmbito do Paic pode ter contribuído para isso.

Os resultados do Ideb mostram que o estado vem combatendo gradativamente a desigualdade escolar. No início de suas medições, o Ceará aparecia na 21ª posição no cenário nacional para as séries iniciais com um Ideb de 2,8. Atualmente, o estado se destaca entre as cinco melhores posições nas séries iniciais do ensino fundamental em todo o país, com um Ideb de 6,1 em 2019.

Desse modo, a análise das entrevistas com agentes implementadores de diversos níveis e camadas expressa aspectos locais da maneira como eles se apropriam e transformam os modos de regulação da política. Neste estudo específico, os depoimentos evidenciam que os instrumentos de ação pública adotados têm efeitos indutores positivos no processo de implementação. Por conta disso, esses atores tomam decisões no sentido de alcançar bons resultados e contribuir com a escola parceira, em seus desafios, na linha de frente. Tendo em conta os resultados positivos da política educacional e as evidências qualitativas deste estudo, é possível relacionar a melhoria dos indicadores educacionais do Ceará aos instrumentos da ação pública utilizados para esse fim.

AGRADECIMENTOS

À primeira gerente do Paic de Antonina do Norte, Maria da Penha Morais, pela grande colaboração na construção dos dados empíricos. À pesquisadora Maria Elizabete Neves Ramos, pelo incentivo e participação teórica. Ao pesquisador José Maurício Avilla Carvalho, pela revisão teórica e contribuição gráfica.

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1Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

2As Crede são 18 Coordenadorias Regionais de Educação do Estado do Ceará.

3Oroslinda Maria Taranto Goulart foi Diretora de Tratamento e Disseminação de Informações Educacionais Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2004-2007).

4O Índice de Desempenho Escolar no 2º Ano do EF leva em conta, além da proficiência média padronizada das escolas, a taxa de participação dos alunos na avaliação e a porcentagem de alunos em cada nível de proficiência.

5Antonina do Norte, Juazeiro do Norte e Assaré.

6Nas escolas do município do Crato, os professores têm direito a um terço do horário do trabalho fora da sala de aula, que pode ser dedicado ao planejamento ou estudos na escola.

Recebido: 04 de Dezembro de 2020; Aceito: 03 de Maio de 2021

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