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Educar em Revista

versão impressa ISSN 0104-4060versão On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.37  Curitiba  2021  Epub 07-Nov-2021

https://doi.org/10.1590/0104-4060.83539 

DOSSIÊ - Desafios da avaliação na e da Educação Infantil

Apresentação - Movimentos avaliativos na e da Educação Infantil

* Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: corsinopat@gmail.com -


RESUMO

Este texto apresenta o dossiê intitulado Desafios da avaliação na e da Educação Infantil cuja proposta foi discutir movimentos avaliativos na Educação Infantil: os provocados quando se pensa a avaliação no interior das instituições, em acompanhamentos de propostas que acontecem no cotidiano e de processos vividos por crianças e adultos; os que ocorrem a partir de olhares externos às instituições, geralmente aliados às políticas educacionais e, ainda, os que articulam olhar interno e externo. Inicialmente aborda o caráter axiológico e ideológico das escolhas avaliativas e a importância de se pensar a finalidade educativa para responder às indagações: avaliar para quê? A qual educação serve as diversas propostas avaliativas na e da Educação Infantil? O texto traz alguns consensos da área da Educação Infantil que foram incorporados à legislação e aos documentos produzidos no âmbito do Ministério da Educação (MEC), nas últimas décadas, e aponta as descontinuidades da política atual, especialmente, a partir da Política Nacional de Alfabetização e seus possíveis desdobramentos para a avaliação na e da Educação Infantil. Depois apresenta cada um dos oito artigos que compõem o dossiê e seus movimentos avaliativos.

Palavras- chave: Educação Infantil; Avaliação; Políticas educacionais

ABSTRACT

The present text introduces the dossier called Challenges of evaluation in and of Early Childhood Education, whose proposition lies on discussing Early Childhood Education evaluation movements; the ones triggered by thinking about evaluation inside institutions, by proposition follow-ups taking place in daily life, and by processes experienced by children and adults - that emerge from sights external to the institutions, and that gather internal and external sights. Initially, it approaches the axiological and ideological profile of evaluation choices, and the importance of thinking about the very meaning of education in order to answer to the following inquires: evaluating, what for? What are the several evaluation propositions in and of Early Childhood Education, Education works for? The text provides consensus in the Early Childhood Education field, which was added to the legislation, and to documents issued by Ministério da Educação [Ministry of Education] (MEC), in the last decades. It also points out the discontinuity in the current educational policy, mainly in the National Literacy Policy, and in its likely outcomes concerning evaluation in and of Early Childhood Education. In its final part, the text presents each one of the eight articles composing the present dossier, and their evaluation movements.

Keywords: Early Childhood Education; Evaluation; Educational policies

Lembrei aqui o episódio do menino de rua porque tudo começa aí, na infância. A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Quase tudo se adquire neste tempo em que aprendemos o próprio sentimento de Tempo.

Mia Couto (2011, p.104).

A Educação Infantil é um tempo-espaço de acolhida destes inícios, quando as crianças estão abertas para surpreenderem-se e encantarem-se com o mundo ao seu redor, para conhecerem a si mesmas e aos outros, para alargarem seus horizontes e expandirem suas referências. Como assevera Mia Couto, quase tudo é adquirido nesse tempo - que vai além do período entre 0 e 6 anos. Pensar a Educação Infantil exige olhar as crianças e sua infância nesse tempo dilatado “quando não é demasiado tarde”. Mas, pensar acerca desse tempo de convívio coletivo com as crianças exige disponibilidade para o diálogo, para a escuta daquilo que importa durante esse tempo de aprender o próprio Tempo. Se a infância não é uma idade nem uma coleção de memórias, nós, adultos, também temos a chance de vivenciá-la; talvez possamos aprender com as crianças sobre o encantamento e a surpresa das descobertas inaugurais.

Este dossiê, intitulado: Desafios da avaliação na e da Educação Infantil tem como proposta apresentar estudos, e reflexões acerca das diferentes dimensões da avaliação na, e da, primeira etapa da Educação Básica. A avaliação é um desafio, porque é um debruçar-se sobre o que se faz, o que se fez e o que se poderá fazer melhor, durante o tempo de convívio coletivo, “quando não é demasiado tarde”, quando ainda estamos abertos para surpresas e encantamentos. Tempo esse que, muitas vezes, tem sido abreviado e engolido por um outro tempo, o qual fora anunciado pelo Coelho Branco do País da Maravilhas: “Oh, puxa! Devo estar muito atrasado!” (CARROL, 2002, p. 6), sempre a correr contra o tempo, olhando o relógio.

A intenção deste dossiê é discutir movimentos avaliativos: aqueles provocados pelo pensar a avaliação, no interior das instituições, pelo acompanhamento de propostas que acontecem no cotidiano e de processos vividos por crianças e adultos, aqueles que emergem de olhares externos às instituições, que são, geralmente, aliados a políticas educacionais e, ainda, aqueles que articulam os olhares interno e externo. Cada movimento avaliativo é entendido como desafio, pois exige reflexões, deslocamentos e alterações, já que avaliar não é um ato que se limita a conhecer e constatar algo, mas que ao fazê-lo, respostas são desencadeadas e a possibilidade de novas ações surgem da busca por aperfeiçoar e melhorar processos, propostas e políticas.

Esses movimentos dizem respeito a diversas intencionalidades; portanto, cabe destacar que o ato de avaliar é marcado pela posição axiológica, ética e política de quem avalia. As escolhas avaliativas são respostas a indagações; como assevera Bakhtin (2010) o dever de responder, de cada sujeito, frente ao outro, é um ato responsivo, situado e sem álibi. É a partir desse lugar único e singular que cada sujeito age; escolhas remetem a esse lugar, o qual constitui-se no processo alteritário, em um tempo-espaço de interlocuções ideologicamente marcadas. Assim, ao adotar referenciais teórico-metodológicos, seus modelos, parâmetros, descritores etc., o avaliador está firmando uma posição simultaneamente individual e coletiva. Avaliar pessoas, instituições ou sistemas educacionais mais amplos é expressar a posição axiológica dos sujeitos, de seus grupos e intenções. A materialidade dos discursos avaliativos ao assumir diferentes gêneros, tais como: narrativas, relatos, portfolios, questionários e instrumentos diversos, na relação forma/conteúdo, estética/ética/política, articulam-se mutuamente e têm efeitos de sentido.

A educação, desde os primórdios, sempre foi acompanhada pela avaliação; essa estreita relação inter-relaciona-se com a própria finalidade educativa. Paulo Freire, há mais de cinquenta anos, tem nos instigado a pensar uma educação desvestida da roupagem alienada e alienante - uma educação com “força de mudança e de libertação, não para o homem-objeto, mas para o homem-sujeito” (FREIRE, 1982, p. 36). De acordo com tal perspectiva, vale perguntar: Qual é a roupagem vestida por cada proposta avaliativa?

Adorno (1995) sinaliza que a educação traz consigo, simultaneamente, algo de conservação e de emancipação. A conservação, quando diz respeito ao direito de todos ao acesso aos legados culturais, científicos, artísticos e tecnológicos construídos historicamente, pode estar relacionada à emancipação; mas, isso nem sempre acontece. Quando esses legados tornam-se meras mercadorias a serem consumidas e transmitidas mecanicamente de forma bancária (FREIRE, 1975), sem questionamento e sem autorreflexão crítica, eles podem ser alienantes. Walter Benjamin (1993, p. 225) afirma: “nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um monumento de barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é tampouco, o processo de transmissão da cultura”. Não se pode pensar uma educação emancipadora e libertadora, sem discutir-se as contradições sociais, a barbárie do ‘silenciamento’ das minorias, as “verdades” alienantes da história única (ADICHIE, 2019), o homem objeto mantido à sombra das relações mercadológicas. A pergunta feita por Adorno no século passado - “Educação, para quê?” -, quando pensou a educação contra a barbárie, continua nos provocando e estende-se à avaliação: Avaliar, para quê? A qual educação servem as diversas propostas avaliativas na, e da, Educação Infantil?

Biesta (2012, p. 823) alerta: “se não formos explícitos sobre nossas visões acerca dos objetivos e fins da educação (...) corremos o risco de as estatísticas e os rankings tomarem estas decisões por nós”.

Nestes tempos em que consenso construído em torno de uma perspectiva emancipadora, democrática e inclusiva de educação tem sido questionada, vale destacar algumas conquistas brasileiras no campo da Educação Infantil, assim como ressaltar que a preocupação com a qualidade da educação oferecida na primeira infância tem sido tema de ações da Coordenadoria de Educação Infantil (COEDI), do Ministério da Educação (MEC), desde os anos de 19901. Além de conquistas legais, e de Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), vários documentos - fruto de pesquisas e debates coletivos na área de Educação Infantil - foram produzidos até 20162, além de projetos de formação de professores Proinfantil (2005), cursos de aperfeiçoamento e de Especialização em Docência na Educação Infantil, em parceria com as universidades públicas; assim como programas para melhorar a infraestrutura das escolas, como o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil - Proinfância através da Resolução nº 6, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007), entre outros.

Alguns debates foram incorporados a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei no 9394/96 (BRASIL, 1996), tais como: a inserção das creches no sistema educacional - a Educação Infantil como primeira Etapa da Educação Básica passa a atender crianças de 0 a 5 anos, sem separar o ato de educar daquele de cuidar na primeira infância. Destacamos que, segundo o Artigo no 31, da LDB (BRASIL, 1996), a avaliação na Educação Infantil tem como objetivo “o acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem fins de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental”. Trata-se de uma avaliação relacionada ao trabalho efetuado por um determinado grupo e a como cada criança foi se envolvendo a partir das propostas e desenvolvendo-se, de maneira integral, uma vez que o Artigo no 29, da mesma lei, explicita que a Educação Infantil “tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança, de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

A finalidade educativa ampla da Educação Infantil tem sido um desafio que põe em movimento algumas reflexões sobre a sua oferta, ou seja, sobre o que está disponível para as crianças e sobre o que é feito para que elas possam desenvolver-se em todos os aspectos supracitados. Essas reflexões remetem à infraestrutura das instituições, aos recursos e materiais, aos projetos político pedagógicos e planejamentos, à organização dos tempos-espaços, ao papel e às ações dos/as professores/as e às relações com as famílias. Assim, a avaliação, na Educação Infantil, relaciona-se ao acompanhamento do desenvolvimento integral das crianças, o qual articula-se com as propostas desenvolvidas pelas turmas e pela comunidade escolar, ao longo de um determinado tempo.

Cabe, entretanto, uma observação acerca da ampliação, em 2013, do referido Artigo 31, quanto à “expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança”. A formalização de uma documentação não significa a elaboração de fichas padronizadas, que vão na direção oposta à definição de currículo descrita nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil -DCNEI (BRASIL, 2009c): “o currículo é um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade”. Além dessa definição, o documento reitera que: o centro do processo educativo é as crianças e os eixos das propostas são as interações e a brincadeira. Portanto, estamos diante da proposta de um currículo emergente, que surge, efetiva-se e desenvolve-se nas interações estabelecidas pelas crianças.

Essas definições implicam uma pedagogia das relações e uma avaliação processual voltada para o que é proposto, em cada tempo-espaço de interações e brincadeiras, cuja dimensão individual - acompanhar o desenvolvimento das crianças - está intrinsecamente relacionada ao contexto educativo e às suas condições. É uma avaliação que, para ser coerente com a proposta da DCNEI, não está dada a priori, pois é realizada pelos/as professores/as, a partir de observações e registros a respeito de como cada criança vivenciou o que aconteceu na instituição, no seu grupo-turma; esse processo também deve envolver a participação das crianças.

Muitos aspectos podem ser observados nesse processo avaliativo; notadamente, roteiros podem orientar o olhar dos/as professores/as-; muitos podem ser os registros que vão contribuir para o acompanhamento do desenvolvimento das crianças, e para as reflexões sobre o trabalho pedagógico realizado com elas (notas de observações, gravações em áudio e vídeo, desenhos, relatos e outras produções das crianças). A análise de tais registros, podem vir a compor diversos documentos, a depender de suas finalidades. Esses documentos, por sua vez, ao serem compartilhados e discutidos, podem desencadear trocas, reflexões, busca por novos caminhos, mudanças e alterações. Dessa forma, a avaliação na Educação Infantil, de acordo com sua dimensão individual, é o registro de um processo contextualizado. Esse processo toma uma dimensão retrospectiva em reflexão dos professores, ao voltar-se para ações desenvolvidas, conquistas e processos construídos por cada criança; assim como uma dimensão prospectiva, voltada para ações de aperfeiçoamento e melhoria de ações e relações.

Essas perspectivas remetem à qualidade educativa da Educação Infantil, a qual é uma questão bastante complexa e polêmica, pois abarca julgamento de valor, contradições e tensões desse campo, questões contextuais específicas, negociações coletivas, entre outras. Contudo, elas contam com o consenso histórica e culturalmente construído, tanto em nível nacional quanto internacional. Muito já foi produzido no campo dos estudos sobre infância e Educação Infantil; o Ministério da Educação tem produzido documentos e recomendações, que vêm dando contorno no que diz respeito à qualidade educativa para bebês e crianças pequenas. A discussão sobre qualidade tem feito parte da pauta de estudos, pesquisas e ações de políticas públicas há quase três décadas.

Portanto, qualidade na Educação Infantil não é um mero juízo de valor -sua busca exige inserção dos professores na produção de conhecimento desenvolvido nessa área, assim como reflexões acerca das práticas, discussões e escolhas coletivas e lutas políticas por melhoria nas condições de infraestrutura, e no trabalho docente. Esses pontos trazem consigo novas questões para as políticas educacionais, para a formação de professores e, de forma mais específica, para as práticas, equipes escolares, suas propostas e apostas, pois a qualidade educativa não diz respeito a apenas um fator ou ao trabalho de um/a professor/a, mas, sim, à instituição como um todo: equipes, crianças, famílias, contexto e recursos.

A questão da qualidade educativa perpassa, de alguma forma, todos os documentos produzidos pelo MEC nos últimos anos. Os documentos a seguir, que estão disponíveis no site do MEC, tratam, mais diretamente, desse tema: “Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças” (BRASIL, 2009a), “Parâmetros Nacionais de Qualidade” (BRASIL, 2006a), “Parâmetros Nacionais de Infraestrutura para as instituições de Educação Infantil” (BRASIL, 2006b), “Indicadores de Qualidade na Educação Infantil” (BRASIL, 2009b), “Educação Infantil: Subsídios para construção de uma sistemática de avaliação” (BRASIL, 2012) e “Contribuições para a Política Nacional: a avaliação em Educação Infantil a partir da avaliação de contexto” (BRASIL, 2015). Dentre eles, os três últimos abordam a avaliação da Educação Infantil, dão relevância à avaliação institucional e fornecem recomendações para as políticas públicas, como sintetizaremos, a seguir3:

Os “Indicadores de Qualidade na Educação Infantil” são uma proposta de autoavaliação institucional, baseada em princípios democráticos de participação da comunidade escolar, incluindo: professores, gestores, auxiliares, famílias e pessoas da comunidade para, juntos, refletirem sobre as dimensões ali propostas, e elaborarem um plano de ações de melhoria. O documento, além de indicar a metodologia participativa, apresenta sete dimensões, quais sejam: i) planejamento institucional - indica que há intencionalidade naquilo que propõe-se às crianças, fato que evidencia a necessidade de organizar-se um planejamento a ser compartilhado e discutido; ii) multiplicidade de experiências e linguagens - aponta a importância de as propostas serem capazes de ampliar as experiências, e expressões, das crianças; iii) interações - são entendidas como sendo o eixo das propostas pedagógicas, do tempo-espaço de interlocução e da produção de sentido; iv) promoção da saúde - considera a EI como lugar de atenção e de cuidados básicos - inclui o bem-estar geral da criança, sua alimentação, sono, higiene etc., e não prevê a separação entre o ato de educar e o de cuidar; v) espaços, materiais e mobiliário - remete à importância da adequação de ambientes, de o que, e como, estão disponibilizados para às crianças, para o convívio coletivo e a vivência de experiências significativas; vi) formação e condições do trabalho de professoras e dos demais profissionais - aponta a importância de pessoas qualificadas para o atendimento educacional, da presença de professores/as que pensem uma pedagogia para a primeira infância, a valorização desses/as profissionais, de sua formação e de sua carreira docente: vii) cooperação e troca com as famílias - destaca a manutenção e a ampliação do diálogo com as famílias como sendo parte da proposta pedagógica de cada instituição. Essas dimensões são abrangentes e podem ser aperfeiçoadas e desdobradas. Mas, vale destacar que, o documento, além da metodologia e da discussão das dimensões, traz consigo um instrumento a ser utilizado para a autoavaliação institucional.

Esse material, distribuído em larga escala entre as instituições de Educação Infantil brasileiras4, evidenciou que tal instrumento - juntamente com a proposta metodológica acerca dos diferentes segmentos da comunidade escolar e de suas perspectivas - têm potencial para viabilizar uma análise mais geral da qualidade da oferta educativa nas instituições, e da busca, coletiva, pela melhoria.

O documento “Educação Infantil: Subsídios para construção de uma sistemática de avaliação”, produzido pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria do MEC/SEB no 1.147/2011, teve como finalidade subsidiar a inserção da Educação Infantil na Política Nacional de Avaliação, a partir das especificidades da educação oferecida para crianças até os cinco anos de idade. O documento apresenta proposição de diretrizes voltadas para a avaliação em Educação Infantil, a ser adotada como política pública nacional, a qual precisa estar de acordo com as finalidades e características da educação voltada para crianças entre 0 e 5 anos. Ela também precisa ser democrática, participativa, inclusiva, abrangente, entre outras, e deve aprofundar o conhecimento sobre as condições de funcionamento e as práticas vigentes nas instituições de Educação Infantil. Este grupo de trabalho buscou estabelecer o diálogo entre especialistas do campo da Educação Infantil e da avaliação com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira (INEP) - órgão do MEC responsável pelas avaliações, em larga escala, e pelo Censo Escolar - para que juntos pensassem sobre a referida inserção. Esse diálogo teve início, mas, com os desdobramentos das políticas, crises e mudanças de governo, esse grupo de trabalho não teve continuidade.

As “Contribuições para a Política Nacional: a avaliação em Educação Infantil a partir da avaliação de contexto” é um documento que busca o diálogo com o campo da política nacional de avaliação de Educação Infantil, a partir das contribuições do projeto Formação da Rede em Educação Infantil: Avaliação de Contexto, que foi coordenado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Esse projeto contou com a parceria entre o MEC, universidades brasileiras - UFPR, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - e a Università degli Studi di Pavi (Italia) . Ele desenvolveu pesquisas em escolas brasileiras, as quais tinham como base a metodologia de avaliação de contexto, proposta por pesquisadoras italianas. A metodologia alia a autoavaliação dos participantes à avaliação externa de um facilitador/formador, a partir do uso de um instrumento que apresenta critérios avaliativos bem definidos que são previamente discutidos. Trata-se de uma abordagem participativa, e formativa, que engloba a equipe da escola e confronta pontos de vista diferentes daqueles do facilitador/formador, prospecta o futuro, tendo consciência do “por que se faz e como se faz” e do “como se poderia fazer melhor”. Os resultados da pesquisa evidenciaram o potencial da metodologia e a possibilidade de pensar-se acerca de um processo avaliativo democrático, comprometido com a formação dos profissionais em Educação Infantil, com a construção de uma cultura participativa da avaliação, com a melhoria da qualidade da educação oferecida, e com o enfrentamento das desigualdades educacionais.

Esses três documentos salientam que a avaliação da Educação Infantil, a qual relaciona-se com uma avaliação externa - diferentemente das avaliações, em larga escala, desenvolvidas nas outras etapas educacionais , precisa relacionar-se com a qualidade da educação oferecida, não com as competências, habilidades ou com o desempenho das crianças. Eles trazem argumentos, fundamentados em estudos e em pesquisas nacionais e internacionais, que indicam metodologias e apresentam recomendações para a elaboração de indicadores a serem adotados pela Política Nacional de Avaliação prevista no Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), tendo em vista a estratégia 1.6, da Meta 1. Essa meta define que a avaliação da Educação Infantil, a ser realizada a cada dois anos, deve basear-se em “parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores relevantes”. Entretanto, o entendimento de que a primeira etapa da Educação Básica está inserida, de forma específica, na Política Nacional de Avaliação, a partir de critérios capazes de avaliar as condições da educação oferecida, mas não as crianças. Embora esteja explicito na lei do PNE, e articulado nos outros documentos mandatórios - como as DCNEI e a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), a Educação Infantil tem sofrido pressões de grupos nacionais e internacionais, cujo entendimento sobre a finalidade dessa etapa educacional é diferente daquela traçada durante o percurso construído por esse campo científico, e pelos documentos produzidos pelo MEC para a Educação Infantil, até então. Especialmente na pré-escola, que atende crianças de 4 e 5 anos, e que tornou-se obrigatória, há disputa de posições nas políticas e nas práticas; a avaliação das crianças está na pauta dessas disputas.

Segundo site do INEP, em 2019, com o Novo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o qual foi reestruturado para adequar-se à BNCC, começou um processo de avaliação da Educação Infantil “em caráter de estudo-piloto, com aplicação de questionários eletrônicos exclusivamente para professores e diretores. Secretários municipais e estaduais também passam a responder questionários eletrônicos” (BRASIL, 2019a). Embora não tenhamos nenhum relatório divulgado desse estudo-piloto, ele propõe que a avaliação está sendo/foi realizada com base em dados contextuais. Entretanto, na grade em que o INEP apresentou o Novo SAEB, na coluna: “formulação de itens”, aparece a BNCC tanto das creches e pré-escolas quanto do 2º ano do Ensino Fundamental. Então, perguntamo-nos: o que esta coluna, que se refere à formulação de itens, estaria indicando para além do estudo-piloto?

A resposta talvez esteja na Portaria nº 458/2020 (BRASIL, 2020), do Ministério da Educação, que institui normas complementares para o cumprimento da Política Nacional de Avaliação e estabelece que o Saeb “será realizado anualmente, com caráter censitário, tendo como objetivo aferir o domínio das competências e das habilidades esperadas ao longo da educação básica, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular - BNCC e as correspondentes diretrizes curriculares nacionais” (BRASIL, 2020). Como não há menção às especificidades da Educação Infantil, fica implícita a avaliação das crianças.

Como postula Bakhtin (2006), na arena discursiva atuam forças centrípetas, de unificação e centralização, que tendem ao consenso; e forças centrífugas que tendem à dispersão e ao dissenso. No momento histórico que estamos vivendo, as forças que estavam dispersas e atuavam na direção inversa àquela do centro das conquistas passadas, estão ganhando outro movimento na busca de tornarem-se hegemônicas. Na disputa está o pressuposto da pré-escola preparatória para o Ensino Fundamental; mas, esse é, apenas, um dos pontos de um projeto educacional e de sociedade.

Tal projeto não é novo, mas vem ganhando camadas, ora mais expressas, ora mais sutis que, juntamente com movimentos conservadores aliados ao projeto neoliberal, “coisifica”, cada vez mais, as pessoas, e as relações - além de buscar tornar a escola um lugar de formação do homem objeto (FREIRE, 1975), produtivo, eficiente, competitivo, preparado para atender às demandas imediatas do mercado e pronto para o empreendedorismo pessoal. Essa educação objetiva, desde a primeira etapa educacional, abreviar o tempo “improdutivo” da infância e medir o investimento econômico feito nela.

Principalmente nos últimos anos, quando estudos em diferentes áreas científicas evidenciaram a importância dos primeiros anos de vida da criança, a Educação Infantil ganhou relevo5, assim como em virtude das metas estabelecidas pelo PNE, a saber: universalizar a pré-escola até 2016 e matricular 50% das crianças (de 0 a 3 anos) em creches até 2024. Esses fatores levaram ao aumento significativo no número de matrículas na Educação Infantil e, consequentemente, no “gasto” público com esse segmento.

Medir os efeitos de tais ações passa a ser parte de objetivos das politicas públicas. De acordo com uma perspectiva voltada para o individualismo e a meritocracia, os “efeitos”, longe de serem voltados para o coletivo, para o acesso às culturas, para o bem-estar e a inclusão das crianças, incidem sobre o indivíduo. A forma mais imediata, objetiva e “eficaz” de medição, é testar o desempenho e as habilidades específicas das crianças; mormente, com relação aos conteúdos associados à alfabetização e ao conhecimento matemático ou - usando os termos da Política Nacional de Alfabetização (BRASIL, 2019b) - às competências e habilidades relacionadas à instrução fônica, à literacia e à numeracia.

As possibilidades de entrarem em cena testes nacionais e internacionais,6 para aferir o investimento feito, para medir as habilidades das crianças, para comparar resultados e, até mesmo, para ranquear escolas, municípios, estados e países, torna-se realidade.

O movimento político das forças centrípetas e centrífugas e seus rearranjos, geram tensões, disputas e resistências. Em 2021, por exemplo, o Edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático - PNLD-2022, para a Educação Infantil, teve como objetivo distribuir três objetos entre as escolas públicas e conveniadas de Educação Infantil: 1) obras didáticas, destinadas aos estudantes, professores e gestores da Pré-escola; 2) obras literárias, destinadas aos estudantes e professores da Educação Infantil; 3) obras pedagógicas de preparação para alfabetização baseadas em evidências. Fica bastante claro que a distribuição de livros didáticos para a pré-escola, e de obras pedagógicas de preparação, para a alfabetização, visa estabelecer conteúdos padronizados, homogeneizar as práticas educativas e ter elementos objetivos para elaborar descritores, e para formular itens para a avaliação de crianças. Embora haja resistência por parte de alguns municípios, pois eles poderiam, ou não, aderir ao Programa - alguns optaram pela não adesão. A inclusão da Educação Infantil na Política Nacional de Alfabetização tem representado um desvio significativo na área da Educação Infantil, opondo-se aos já citados documentos de cunho legal e mandatório da área.

Como se pode observar, são muitos os desafios a serem enfrentados pela avaliação na, e da, Educação Infantil; cada tempo histórico e grupo social os apresentam de forma específica. Este Dossiê reúne artigos que mostram movimentos avaliativos diversos e seus pressupostos teórico-metodológicos marcados axiologicamente. Eles revelam resultados de pesquisas que se propuseram a ampliar as reflexões sobre o tema, enfrentar alguns desafios e dar espaço para o surgimento de outros.

No texto, Brincadeira e avaliação formativa da criança: a SVALSI, de Donatella Savio e Anna Bondioli, a palavra assessment aparece sem tradução, justamente para distingui-lo de evaluation, o qual é usado para se referir à avaliação em seu sentido mais quantitativo e de medição.

O artigo parte do pressuposto que o assessment, de comportamentos infantis é entendido no sentido formativo, não no de diagnóstico e intelectual. O texto apresenta a Escala de Avaliação das Competências Lúdico-Simbólicas na Infância- SVALSI - um instrumento de observação, e avaliação do jogo simbólico de crianças de 2 a 5 anos -, o qual é sustentado por uma extensa bibliografia que discute a importância dos comportamentos lúdicos-simbólicos para o bem-estar e o crescimento das crianças. Essa escala tem finalidade educacional, e seu uso é justificado pelo fato de ela ser imprescindível para que professores/as tenham a oportunidade de avaliar a qualidade da brincadeira das crianças e para apoiarem seu pleno desenvolvimento. Esse instrumento dá elementos para a identificação das zonas de desenvolvimento proximal de cada criança nos grupos infantis, no que diz respeito ao ato de brincar, de modo que o/a professor/a busque atuar nessas zonas para transformá-las.

No decorrer da discussão, além da estrutura do instrumento, também são apresentadas, resumidamente, pesquisas que acompanharam sua elaboração e verificação de uso. Nesta proposta, a avaliação apresenta um movimento duplamente formativo: para o/a professor/a que, com o instrumento, sustenta, teoricamente, suas observações sobre e intervenções nas crianças; e, para as crianças, através da ação docente direcionada para ampliar o desenvolvimento dos comportamentos lúdicos-simbólicos delas.

O texto de Elena Mignosi, Avaliação participativa e continuidade nas instituições educativas de zero a seis anos: uma pesquisa-intervenção em um bairro da cidade de Palermo, apresenta a trajetória de uma pesquisa sobre a construção de um possível currículo zero-seis. A pesquisa durou dois anos e meio e foi desenvolvida com um grupo de educadoras estaduais e um grupo de educadores de uma creche municipal - ambos em funcionamento no mesmo bairro: o distrito do centro histórico de Palermo. Vale destacar que, na Itália, o Decreto legislativo n.65 (, 2017), instituiu a integração entre creches (nido) e pré-escolas (scuola dell’infanzia) como forma de dar continuidade ao percurso educativo das crianças. A questão curricular se apresenta como uma entre outras questões postas pela nova normativa. O estudo adotou a metodologia da avaliação de contexto, que compreende o contexto de acordo com uma dimensão ecológica e sistêmica - assim como a participação e a formação como princípios de tal avaliação - segundo a qual, o/a pesquisador/a exerce um importante papel no processo de reflexão e formação de equipes escolares.

O texto apresenta um estudo aprofundado sobre a metodologia adotada para promover ações de mudança na continuidade entre a creche e a pré-escola. Ele focaliza o envolvimento ativo dos participantes da pesquisa por meio da autoavaliação reflexiva e do trabalho em equipe. O percurso do estudo destaca, e problematiza, áreas de continuidade e descontinuidade entre a creche e a pré-escola.

Assim, a avaliação de contexto, que alia o olhar externo do pesquisador/formador aos olhares internos dos professores, apresenta um movimento formativo que inclui tanto o pesquisador/formador, quanto as equipes das escolas investigadas, em um processo que visa transformação, tanto individual quanto coletiva.

No artigo (Re)criando espaços e compartilhando saberes: avaliação indiciária como eixo central do trabalho pedagógico da Educação Física na Educação Infantil,

Maciel Barcelos e Wagner dos Santos analisam o uso da avaliação indiciária, realizada nas aulas de Educação Física na Educação Infantil. O texto discute a avaliação indiciária como processo de ação-reflexão-ação, a qual possibilita a tomada de consciência sobre “o que se faz, o que se aprende e o que se faz com o que se aprende” e que potencializa análises dos processos formativos.A pesquisa foi realizada com um professor formado em Educação Física, e com 17 crianças de uma Unidade Municipal de Educação Infantil de Vila Velha, Espírito Santo (ES). O material de pesquisa é composto por narrativas imagéticas do professor Lucas e das crianças (desenhos, fotos e vídeos). Por meio delas, o docente busca os sentidos atribuídos às aprendizagens, baseado na perspectiva “daquilo que elas fizeram com o que aprenderam”. Os registros das crianças através de narrativas orais são utilizados para recriar o contexto da aprendizagem e para evidenciar seus “consumos e apropriações”. Os resultados evidenciaram o potencial da avaliação indiciária naquele contexto, ao articular as práticas avaliativas e as narrativas infantis com o intuito de dar visibilidade à memória do percurso formativo. O estudo justifica-se não apenas pelo desenvolvimento da teoria de avaliação indiciária, mas também pela lacuna observada em pesquisas sobre as práticas avaliativas de professores de Educação Física, na Educação Infantil.

O movimento avaliativo, nessa pesquisa, dá-se na relação dialógica entre o professor de Educação Física e as crianças, e seus relatos e produções e na relevância dada à participação das crianças no processo avaliativo.

O texto Processos avaliativos e docência na Educação Infantil: diálogos cotidianos, de Maria Teresa Esteban e Virginia Louzada, reflete sobre a potência da relação entre professoras e crianças, na composição de práticas avaliativas que problematizem sua dimensão classificatória e conectem-se à formação docente. A investigação inscreve-se no campo teórico-metodológico da pesquisa dentro do cotidiano; ela apresenta uma pesquisa bibliográfica acerca da avaliação e da Educação Infantil que evidencia as dimensões dialógica, reflexiva, investigativa e participativa da avaliação como sendo centrais em propostas que afirmam tanto a importância da ação docente na criação e encaminhamento do trabalho, quanto a presença das crianças no processo avaliativo.

Assim, a avaliação nas práticas cotidianas volta-se à compreensão da aprendizagem infantil, à organização das ações docentes e à indicação de temas relevantes para a formação continuada de professores, como atividade integrada aos atos escolares. O movimento da avaliação, nesse artigo, também dá-se no processo dialógico entre professoras e crianças, o qual evidencia a potência da participação infantil na avaliação.

Carolina Faria Alvarenga e Cláudia Pereira Vianna, no artigo Avaliação, gênero e qualidade na Educação Infantil: conceitos em disputa, traçam o histórico do processo de consolidação do debate entre avaliação, qualidade e gênero, nas políticas públicas de Educação Infantil, para discutir como se deu o processo de inserção da categoria gênero nas dimensões de qualidade dos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana - um instrumento de autoavaliação institucional participativa. As autoras destacam, na configuração dessa política de avaliação de qualidade, a participação de mulheres-professoras que compartilhavam concepções teóricas sobre infância e Educação Infantil, que incorporam a dimensão de gênero à dimensão das questões raciais. O grupo de mulheres-professoras nomeado “guardiãs da questão”, responsável pela construção dessa dimensão específica, pautou as diferenças e as desigualdades de gênero e étnico-raciais na Educação Infantil de São Paulo. Tal incorporação traz consigo importantes desafios para o pensar a intersecção necessária entre avaliação, gênero e qualidade, na Educação Infantil.

O movimento avaliativo, nesse artigo, dá-se na incorporação da dimensão de gênero aos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana que, por sua vez, dá origem a novos movimentos avaliativos, ao ser implementado como instrumento de autoavaliação institucional.

O texto: A qualidade das creches conveniadas de Fortaleza em foco, de Silvia Helena Vieira Cruz, Rosimeire Costa de Andrade Cruz e Ana Paula Cordeiro Marques Rodrigues, discute a qualidade da educação oferecida nas 94 creches conveniadas da cidade de Fortaleza, Ceará. A primeira etapa da investigação levantou dados gerais sobre as condições de funcionamento (estrutura física, brinquedos, formação dos profissionais etc.) de 54 creches; a segunda etapa da pesquisa procurou aumentar o conhecimento sobre as creches, centrando sua atenção, sobretudo, nas práticas pedagógicas desenvolvidas em 16 creches, acerca das experiências e linguagens em contextos lúdicos; de tempos, espaços e materiais; do envolvimento das crianças e do empenho dos professores. A metodologia contou com observações em creches, baseadas em roteiros específicos e em entrevistas. Os resultados, tanto em relação às condições de funcionamento, quanto às práticas pedagógicas, evidenciam grandes desafios a serem enfrentados. Tendo em vista a falta de qualidade no consenso entre documentos da área, as pesquisadoras indicam a supressão de convênios como estratégia para o atendimento da demanda por creches. Enquanto esse tipo de prática persistir, elas consideram urgente que haja maior investimento público nas creches conveniadas, para garantir o direito das crianças à educação de qualidade.

O movimento avaliativo de creches conveniadas, nesse texto, alia levantamento de dados gerais e observações, a partir de um roteiro. Esse movimento volta-se às políticas públicas, para que maiores investimentos possam ser feitos para garantir os direitos das crianças.

No texto Os processos de avaliação na Educação Infantil: a produção da criança e da infância em risco, Taciana Uecker e Leandra Bôer Possa propõem pensar sobre os processos de avaliação nas instituições de Educação Infantil a partir da análise de pareceres pedagógicos escritos por professoras. Tendo como referencial teórico os estudos de Foucault, com os conceitos-ferramentas norma e gradiente de normalidade/normalização, observam o quanto os modos como as opções docentes de registro sobre as crianças e de saberes e normas de comportamento e de valores legitimam um determinado modo de ser criança e tipo de infância. As análises indicam que as práticas enunciativas e os saberes na instituição da Educação Infantil funcionam para fabricar o sujeito-criança: a criança normal, a criança que se desvia, a criança em risco, a criança que precisa ser ajustada.

Neste texto o movimento é de meta avaliação de relatórios, feita a partir da análise dos discursos que são neles produzidos. Movimento fundamental para se refletir sobre a dimensão ético política presente nas escolhas, tanto de forma quanto de conteúdo, do que diz sobre as crianças.

Cláudia Oliveira Pimenta, Maria Luiza Rodrigues Flores e Sandra Zákia Sousa, no artigo: Dimensões para análise de propostas de avaliação de políticas de Educação Infantil, apresentam aspectos e dimensões para a análise de propostas de avaliação de políticas de Educação Infantil no âmbito de sistemas e de redes de ensino. O texto está apoiado na legislação e nas normas vigentes no país; ele traz proposições que resultam do levantamento e da interpretação de produções científicas sobre o tema, e que dialogam com estudos que tratam de requisitos para a elaboração e implementação de avaliações. O texto analisa propostas de avaliação a partir do que foi produzido nessa área, entre 2012 e 2019, e tem como foco elementos que julga ser o objeto de análise, de acordo com um delineamento de avaliação que se propõe a promover qualidade, com equidade. Tal processo, dá-se a partir de sugestões acerca de aspectos e dimensões, voltadas a apoiar, especialmente, a análise de iniciativas municipais de avaliação da Educação Infantil. Os resultados do estudo confirmam os parâmetros para subsidiar processos de avaliação da Educação Infantil, os quais são direcionados para questões de acesso, insumos, processos e resultados, com ênfase na importância de levar-se em consideração as especificidades de cada etapa, a finalidade da avaliação e suas consequências, dados os seus resultados.

O movimento avaliativo, nesse texto, dá-se na análise de proposições de avaliação, no âmbito de sistemas e redes de ensino, ou seja, na avaliação da avaliação - movimento, de acordo com o qual, os conceitos de direito e qualidade são compreendidos de forma simbiótica e aspectos como: i) a configuração e abrangência dos direitos e benefícios; ii) a configuração do financiamento e gastos e iii) a configuração dos processos de gestão e participação são relacionados com dimensões relativas à avaliação da Educação Infantil.

Os diferentes movimentos avaliativos convergem para o centro da questão: a qualidade da oferta da Educação Infantil. Direito e qualidade não se desassociam; e avaliações podem oferecer caminhos para a melhoria da oferta educativa. Assim, indagamos: Educação Infantil, para quê? Se quase tudo é adquirido nesse período da infância, “quando não é demasiado tarde”, que oportunidades estamos dando para que as crianças vivam esse tempo de aprender o próprio Tempo? O que podem os movimentos avaliativos da e na Educação Infantil quanto ao enfrentamento das desigualdades educacionais?

REFERÊNCIAS

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1Para mais detalhes sobre este percurso histórico da discussão de qualidade na Educação Infantil, veja Capítulo 1 do documento “Contribuições para a Política Nacional: a avaliação em Educação Infantil a partir da avaliação de contexto” (BRASIL, 2015).

2O golpe parlamentar de 2016 significou uma ruptura de projetos, ações e interlocuções do MEC com o campo científico educacional brasileiro. Em relação à Educação Infantil, foram quase duas décadas de diálogo da COEDI-MEC com universidades e pesquisadores do campo da Educação Infantil - os quais, a partir de estudos, pesquisas, seminários, debates, foram construindo consensos sobre infância e Educação Infantil, qualificando a área e conferindo especificidade à primeira etapa da Educação Básica. Com o novo governo, a ruptura com este diálogo tem desviado do rumo que vinha sendo construído e a área corre risco de reduções e retrocessos. Trouxemos para este texto alguns documentos que se encontram disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/publicacoes?id=12579:educacao-infantil

3Neste texto de introdução do Dossiê vamos apenas apresentar uma visão geral dos documentos que se encontram no site do MEC, sem ater-nos a análise dos documentos e nem de suas repercussões. Fato que seria pertinente e relevante para outro texto. Também não tratamos da produção teórica do campo sobre qualidade, pois alguns textos deste dossiê se dedicaram a isto.

4Como ressaltamos na nota anterior, neste texto não nos propomos a apresentar um detalhamento do uso deste instrumento. Entretanto, ressaltamos que houve acompanhamento de equipes de pesquisadores tanto no pré-teste do instrumento quanto depois da distribuição e uso.

5O estudo macroeconômico de James Heckman, economista americano, ganhador do prêmio Nobel de economia em 2000, chegou à equação de que a para cada US$ 1(um dólar) investido na primeira infância, se tem US$ 7 (sete dólares) de retorno na vida adulta. Tal estudo mostrou que o investimento na qualidade dos serviços oferecidos às crianças faz diferença nessa equação. Assim, a área da economia foi responsável por impulsionar as políticas para a primeira infância, sendo tema das recomendações de organismos internacionais como Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial (BM).

6Em março de 2020, a OCDE publicou um relatório que apresenta as conclusões da pesquisa “International Early Learning and Child Well-being Study-IELS”, conhecida como “Baby PISA”. Trata-se de um estudo Internacional sobre aprendizagem e bem-estar infantil elaborado pela OCDE para compreender melhor a relação entre a Educação Infantil e o desenvolvimento a longo prazo. O estudo visa fornecer aos países participantes uma estrutura comum e informações empíricas comparáveis, ​​por meio das quais as melhores práticas podem ser compartilhadas. Três países participaram desse estudo em 2018: Inglaterra (Reino Unido), Estônia e Estados Unidos. O estudo avaliou diretamente a alfabetização e numeramento emergentes, a autorregulação e as habilidades socioemocionais de uma amostra representativa de crianças de cinco anos em escolas de Educação Infantil em cada país participante. Ele também coletou informações contextuais e de avaliação dos pais e professores das crianças. Vale destacar que esse estudo, quando ainda em elaboração, recebeu críticas de vários pesquisadores do campo da Educação Infantil, entre eles: Peter Moss, Alan Pence e Diane Ravitch, que se opunham à proposta de teste padronizados na primeira infância e alertavam para a falta de diálogo com pesquisadores do campo das Educação Infantil. Várias comunidades da primeira infância registraram protestos com sucesso, instando seus governos a se absterem dessa avaliação. (Canadá, França, Alemanha, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Suécia e Dinamarca estão entre eles.) Não obstante, o estudo teve continuidade e adesões. Disponível em: https://www.oecd.org/education/school/early-learning-and-child-well-being-study/early-learning-and-child-well-being-3990407f-en.htm

Recebido: 15 de Outubro de 2021; Aceito: 03 de Novembro de 2021

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