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Educar em Revista

versão impressa ISSN 0104-4060versão On-line ISSN 1984-0411

Educ. Rev. vol.38  Curitiba  2022  Epub 28-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/1984-0411.84955 

DOSSIÊ - Sujeito e conhecimento: articulações em contextos de formação atuação docente

Relação sujeito/conhecimento nas políticas de currículo da educação em ciências dos últimos tempos: contribuições pós-estruturais ao debate

Clívio Pimentel Júnior* 
http://orcid.org/0000-0002-7544-4496

*Universidade Federal de Sergipe. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: cpjr@academico.ufs.br


RESUMO

A partir da incorporação mais expressiva das teorias pós-estruturais ao campo do currículo nos últimos anos, o objetivo deste ensaio teórico é apresentar contribuições ao debate em torno da relação sujeito/conhecimento científico nas políticas de currículo da Educação em Ciências, buscando explorar suas ressonâncias na significação do que venha a ser considerado um sujeito “cientificamente educado”. Por meio de quais enquadramentos pedagógicos e curriculares a identidade do sujeito “educado em ciências” vem sendo produzida nas políticas? Quais podem ser as contribuições do movimento de pensamento pós-estruturalista ao debate em torno da relação sujeito/conhecimento científico na definição do que significa ser educado em ciências? Para discorrer sobre esse objetivo e essas questões, decidi transitar por diferentes registros curriculares da área da Educação em Ciências, sem pretensões de exaustão, trazendo ao ensaio aspectos que caracterizam o cenário das políticas formativas no campo, focalizando especificamente aqueles relativos ao papel do conhecimento científico na formação da identidade do sujeito. Em diálogo com autores como Judith Butler (2015), Gert Biesta (2013), Stuart Hall (2006), Lopes e Macedo (2011), Laclau e Mouffe (2015), entre outros, o ensaio é um investimento teórico implicado na defesa de narrativas abertas à diferença e ao diferir do sujeito nas políticas de currículo da Educação em Ciências.

Palavras-chave: Conhecimento científico; Educação em Ciências; Políticas de Currículo; Pós-estruturalismo

ABSTRACT

From a more significant incorporation of post-structural theories into the curriculum field in recent years, this theoretical essay aims to contribute to the debate around the relationship between subject/scientific knowledge in science-education curriculum policies. It seeks to explore its resonance in the meaning of what came to be considered a “scientifically educated” subject. Which pedagogical and curricular frameworks have been producing the identity of the subject “educated in science” in policies? What can be the contributions of the post-structuralist movement to the debate on the relationship between subject/scientific knowledge when defining what it means to be scientifically educated? To discuss this objective and questions, I decided to go through different curricular records in the Science Education area, without the intention of exhaustion, bringing to this essay some aspects that characterize the scenario of training policies in the field. I mainly focus on those related to scientific knowledge’s role in forming the subject’s identity. Dialoguing with Judith Butler (2015), Gert Biesta (2013), Stuart Hall (2006), Lopes and Macedo (2011), Laclau and Mouffe (2015), among others, the essay is a theoretical defense of narratives open to difference and disagreement on the Science Education curriculum policies.

Keywords: Scientific Knowledge; Science Education; Curriculum Policies; Post-structuralism

Introdução

A intensa penetração dos estudos pós-estruturais no campo da educação e do currículo tem produzido uma ambiência de discussões sobre a ressignificação da forma como compreendemos o papel social da escolarização, convidando-nos a pensar, dentre outros, de modo menos determinista e essencialista acerca dos processos educativos e das políticas de formação e de currículo (SILVA, 1999; LOPES; MACEDO, 2011; GABRIEL, 2016). Os estudos pós-estruturalistas têm produzido uma intensa (des)sedimentação de aspectos políticos, culturais e pedagógicos da teoria educacional moderna, de modo amplo, colocando sob suspeita a ideia de que a educação “ajuda as pessoas a desenvolver seu potencial racional para que possam se tornar autônomas, individualistas e autodirigidas” (BIESTA, 2013, p. 19), conduzindo o debate educacional para um movimento de repensar seus próprios termos.

As meditações pós-estruturais formam e são formadas em um espírito do tempo anunciador de diversas mudanças radicais de percepção da relação entre o conhecimento, o sujeito e o mundo. Um espírito do tempo anunciador de uma crise dos valores modernos, das identidades modernas autocentradas, do sujeito portador de valores e competências tidas como necessárias à uma cidadania universal, da desconfiança em relação às utopias de uma formação social final reconciliada consigo mesma, na qual o poder tenha sido erradicado, entre tantas outras (PETERS, 2000). Os efeitos teóricos das meditações pós-estruturais no campo do currículo vêm sendo amplamente discutidos desde o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 (SILVA, 1999), com um direcionamento, nos últimos anos, das discussões aos aspectos teórico-metodológicos das pesquisas (PARAÍSO, 2004; MEYER; PARAÍSO, 2012), com importantes desdobramentos epistemológicos, dentre eles: (i) a aversão a narrativas de explicações teleológicas e universais e a categorias “transformação” e “totalidade”, abrindo espaço ao local, ao indefinido e ao contingente; (ii) a renúncia às promessas modernas de “descoberta”, “revelações”, “apreensão da realidade”, entre outras metáforas de captura e fixação do real e do mundo empírico, dando destaque à produção discursiva e inventiva das pesquisas e seus dispositivos analíticos; e, por fim, (iii) o abandono da categoria do sujeito como uma entidade autocentrada, autônoma, transparente a si mesmo e ao outro, fazendo emergir um sujeito mais complexo, descentrado, entendido como “um efeito da linguagem, dos textos, do discurso, da história, dos processos de subjetivação” (PARAÍSO, 2004, p. 286).

Enquanto a irradiação dos efeitos teóricos do pós-estruturalismo ao campo do currículo e das pesquisas em educação parece vir aprofundando-se nos últimos anos, acompanho Gabriel (2013) ao constatar que tais efeitos parecem ainda continuar restritos ao campo da educação e do currículo, sugerindo que, talvez, seja importante articulá-los às teorias educacionais de outras áreas disciplinares, como os currículos “do ensino de”. Gabriel (2013) realiza uma interlocução entre as meditações discursivas pós-estruturais e os currículos de áreas disciplinares específicas, produzindo problematizações importantes acerca dos significantes “ciência” e “conhecimento científico” em circulação em diferentes superfícies textuais das políticas de currículo. As discussões propostas pela autora abrem caminhos para interrogar a instituição de fronteiras entre o que “é” e o que “não é” conhecimento científico nas próprias políticas de currículo das áreas disciplinares, trilhando a desconstrução de hierarquias entre categorias como “conhecimento científico”, “conhecimento escolar”, “conhecimento de referência”, entre outras categorias curriculares presentes nessas políticas, sem com isso investir em novas formas essencialistas de definição de outros marcos fronteiriços. Suas constatações permitem compreender também o movimento de articulações políticas que operam hegemonizando uma visão engessada, dicotômica e conteudista de conhecimento científico, “seja como panaceia para superar os desafios de uma escola de qualidade, seja como ‘fonte de todos os males’ que assolam o processo de democratização das instituições escolares” (GABRIEL, 2013, p. 51).

Em meus esforços investigativos dos últimos anos, venho contribuindo para a articulação entre as discussões pós-estruturalistas no campo do currículo e as políticas de currículo1 da área disciplinar da educação em ciências, mediante um enfoque discursivo pós-fundacional (LACLAU; MOUFFE, 2015). Tenho defendido a ideia de que se torna profícuo promover um espaço de interlocução entre as teorizações epistemológicas e curriculares modernas, que comumente sustentam as linhas de investigação da educação científica, e as teorizações curriculares pós-estruturais, sobretudo no que diz respeito aos aspectos relativos ao indeterminismo, ao anti-essencialismo e à abertura ao diferir, para pensar o papel da educação científica na formação escolar. Nesse trajeto, já dediquei atenção ao significante “Natureza da Ciência (NdC)” e sua capacidade de articulação política em torno da hegemonização do que é considerado relevante e essencial à educação científica na formação escolar (PIMENTEL-JÚNIOR, 2017), canalizando orientações explícitas às atividades pedagógicas escolares, instituindo, com isso, fronteiras sobre o que pode ser considerado, ou não, uma prática de educação científica. Mais recentemente, venho debruçando-me sobre a condição pedagógica da educação em ciências na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ponderando sobre a exacerbação da linguagem utilitarista das competências e a consequente restrição significante que ela impõe às políticas da educação em ciências (PIMENTEL-JÚNIOR, 2021).

Assim, aceitando o convite do dossiê, o objetivo deste ensaio teórico é apresentar contribuições ao debate em torno da relação sujeito/conhecimento científico nas políticas de currículo da educação em ciências, buscando explorar suas ressonâncias na significação do que venha a ser considerado um sujeito “cientificamente educado”. Uma relação, muitas vezes, entendida de modo determinístico em relação à posse de conhecimento científico para a ação social, um conhecimento comumente significado como “aplicado”, “universal”, capaz de conferir poder de tomada de decisão racional pelo sujeito em todo e qualquer espaço social (PIMENTEL-JÚNIOR, 2018). Algumas perguntas que me acompanham nesta escrita são: (i) por meio de quais enquadramentos pedagógicos e curriculares a identidade do sujeito “educado em ciências” vem sendo produzida pela interface sujeito/conhecimento científico nas políticas de currículo da educação em ciências? Como continuar apostando no papel sociopolítico da educação em ciência, rasurando-a em seus anseios racionalistas baseados no universalismo epistemológico das ciências? Como continuar pensando pedagogicamente o papel do conhecimento científico na educação abdicando da categoria de um sujeito autocentrado, portador de um conhecimento científico que fundamenta sua consciência e esclarece sua conduta na prática social? Como liberar a relação sujeito/conhecimento científico/ação sociopolítica de formas de regulação racionalistas e totalizantes?

Emaranhado a essas perguntas, o trabalho é um investimento teórico ensaísta por meio do qual pondero sobre as implicações dos movimentos de pensamento contemporâneos, especificamente aqueles voltados ao descentramento do sujeito no papel formativo conferido ao conhecimento científico na educação em ciências representado em políticas de currículo dessa área disciplinar. Investe, portanto, na defesa de narrativas curriculares abertas à diferença e ao diferir do sujeito em sua relação com o conhecimento científico na política de currículo da educação em ciências, sem abdicar de continuar apostando no potencial político e educativo da ciência sobretudo em contextos de negacionismos extremos.

Para tanto, decidi transitar por diferentes registros curriculares dessa área, sem pretensões de exaustão, trazendo para o ensaio aspectos que caracterizam o cenário das políticas formativas no campo. Ao referir-me às políticas curriculares dos “últimos tempos” da área disciplinar das ciências, reivindico o potencial do hibridismo, da flutuação irregular e contaminada de sentidos (BHABHA, 2013), da circulação imprecisão dos sentidos nas políticas de currículo (DIAS; ABREU; LOPES, 2012), trabalhando com um marco temporal vago e impreciso. Embora compreenda que os marcos e recortes temporais nas pesquisas são dispositivos heurísticos importantes para investigações específicas, encaro tais aspectos como decisões, não conferindo mais a tais decisões algum grande poder definidor ou algum fundamento forte para o delineamento do que convencionamos chamar de “recorte temporal” nas pesquisas. Já não mais acredito tanto nesses impulsos investigativos que, a meu ver, atualizam, em alguma medida, um desejo de pureza, uma certa metafísica da origem do sentido no tempo, um encapsulamento temporal artificial sobre os sentidos2. Ao apostar no hibridismo da cultura e da significação e no deslizamento irregular e incompleto de sentidos na linguagem como chaves potentes de leitura das políticas curriculares, a meu ver, torna-se inócua a tentativa de identificar princípios, buscar por origens, perseguir o instante/ponto de emergência e surgimento de uma dada significação. Desse modo, apresento fragmentos de políticas curriculares diversas voltadas ao campo da educação em ciências que têm transitado em meus trabalhos3 e em outros lugares nos últimos anos, focalizando especificamente o papel do conhecimento científico na formação da identidade do sujeito e em sua capacidade de ação social. Não busco, portanto, explorar, em tais textos, as características pedagógicas específicas da interface sujeito/conhecimento científico em cada política mobilizada, mas a própria relação, sua configuração discursiva e suas ressonâncias na formação em ciências.

Organizo o texto da seguinte forma: desenvolvo algumas ponderações teóricas sobre o descentramento do sujeito e da identidade na teoria pós-estruturalista buscando explorar o potencial dessas leituras para pensar a relação sujeito/conhecimento nas pesquisas do campo do currículo; em seguida, apresento uma seção na qual, em diálogo com fragmentos textuais das políticas de currículo da educação em ciências, discorro sobre as características pedagógicas e formativas desses textos, focalizando e problematizando a relação sujeito/conhecimento científico e suas implicações na significação da identidade do que venha a ser um sujeito “cientificamente educado”; por fim, concluo meus argumentos na defesa de narrativas abertas à diferença e ao diferir nas políticas de currículo da educação em ciências, buscando abrir espaço à emergência singular e imprevista (BIESTA, 2013) do sujeito da educação em ciências na relação com o conhecimento científico.

O descentramento do sujeito: implicações à relação sujeito/conhecimento

É extensa e teoricamente densa a produção pós-estruturalista a respeito do sujeito e da identidade. Alguns teóricos chegam mesmo a sugerir que devemos deixar de lado a identidade e partir para pensar em identificações (HALL, 2006), tendo em vista os aspectos da relacionalidade ontológica que nos constitui, da fluidez da relação significante e significado, e da impossibilidade última de fixação dos sentidos na linguagem acerca das experiências que marcam nossos processos de formação ao longo da vida (PETERS, 2000; BUTLER, 2015).

Porém, antes de adentrar nas teorizações sobre sujeito e identidade, acredito que o enfoque pós-estruturalista na linguagem já nos credencia pensar, desde o início, em uma relação sujeito/conhecimento em um enquadramento mais complexo, menos mecânico e objetivista em termos da própria relação. Defendo que a radicalidade do enfoque na linguagem permite, portanto, a crítica coextensiva a qualquer racionalidade curricular pautada numa separação absoluta entre sujeito e conhecimento, como se essas entidades fossem ontologicamente plenas e dadas antes mesmo da relação entre elas. A partir da ideia de que somos linguagem e de que nosso estar no mundo é mediado na linguagem (PETERS, 2000; LACLAU; MOUFFE, 2015), de que não há um fora da linguagem em relação ao sujeito, ao conhecimento, ou qualquer outra entidade, torna-se uma impossibilidade falar de sujeito, de conhecimento, tampouco de relação, como conceitos e objetos dados e fixos. Ser linguagem remete à inseparabilidade do/no mundo da significação, de modo que qualquer tentativa de isolar e tratar entidades como instâncias portadoras de um “próprio” já é, em si, um efeito do poder interessado em produzir estabilidades essencialistas.

As meditações de Hall (2006) acerca do sujeito e da identidade trazem para a cena do debate teórico pós-estruturalista as ideias anti-essencialistas de inacabamento, de incompletude constitutiva e de inconsciente, buscando problematizar o sujeito da identidade moderna, autocentrado, senhor de si. Em acordo com Hall (2006), “a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo ‘imaginário’ ou fantasiado sobre sua unidade” (HALL, 2006, p. 38). Para ele, não há um momento de fixação do sujeito, seja por qualquer tipo de relação, incluindo aí com o conhecimento, mas um constante fluxo, dispersão, inconstância. A relação com o conhecimento e com outros, ao estar no mundo, permite ao sujeito empreender uma busca constante pela unidade da identidade, embora a unidade em si seja uma ilusão. Para ele, a identidade é muito mais firmada mediante a tentativa de preencher uma falta do que por um conteúdo inato do sujeito.

Nesse sentido, o sujeito que Hall (2006) nos apresenta é um sujeito da falta, relacional, da incompletude do sentido, e toda e qualquer sensação de unidade refere-se apenas a uma ilusão de estabilidade formada por um processo duradouro e intenso de identificação com algo exterior. O teórico jamaicano defende que o sujeito e a identidade permanecem sempre em um estado de abertura, estão sempre em um constante vir a ser na relação com o mundo: “assim, em vez de falar de identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (HALL, 2006, p. 39). Esse processo apresenta implicações para pensar a relação sujeito/conhecimento que explorarei, com mais detalhes, a seguir, mas que já permite algumas ponderações iniciais: (i) na relação sujeito/conhecimento, não há, nem haverá, um momento de preenchimento absoluto da identidade por qualquer que seja o registro de conhecimento, posto que a falta é constitutiva ao sujeito; (ii) a relação sujeito/conhecimento é habitada por uma ausência de garantia insuperável, visto que a identificação é sempre da ordem do contingente e do provisório, em andamento.

Compreender e apostar que a identidade é um processo em construção e está continuamente sendo formada e firmada na linguagem, com outros, em cada circunstância social vivida, torna inócua a tentativa de falar da relação sujeito/conhecimento baseado no esforço de fixar qualquer conduta social no sujeito por meio do conhecimento. Nas políticas de currículo, isso implica em vários aspectos na formação, na medida em que não mais aposta-se em um sujeito pronto e acabado pela consolidação das aprendizagens na formação, apto a colocar em prática uma capacidade de ação social fixada pela política de currículo na escola. Ou seja, não há identidade consolidada, primeiro, pelo conhecimento, para depois haver a prática social de um sujeito estável, mas uma ação constantemente significada nas imprevisíveis identificações que emergem da/na prática social.

A teoria de Laclau e Mouffe (2015) acerca das identidades coletivas, por sua vez, permite concebê-las como efeito de atos de poder nas articulações e desarticulações políticas, contingentes e precárias, que firmam provisoriamente identidades. Para eles, as identificações, que são sempre coletivas, são formações discursivas firmadas pela articulação. A articulação é uma categoria relacional e anti-essencialista na teoria do discurso na medida em que, para os teóricos, a unidade firmada por meio de uma identificação “é, então, não a expressão de uma essência comum subjacente, mas o resultado de uma construção e luta políticas” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 129). Sendo relacional e não determinada por qualquer essência, a categoria da articulação passa a ser o próprio nível de determinação e coesão na afirmação de alguma identidade, isto é, ela só emerge, de modo contingente, na própria relação articulatória, de modo que “a não-fixidez torna-se a condição de toda identidade social” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 155). Sendo a identidade firmada por meio de identificações que não cessam de ocorrer, porque sem solo essencial, “o momento da sutura final nunca chega” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p.155), significa, o sentido de toda identidade relacional é sempre adiado, nunca alcança um ponto final.

Por meio da abordagem discursiva (LACLAU; MOUFFE, 2015) podemos mobilizar a categoria relacional articulação como chave de leitura para pensar a relação sujeito/conhecimento e a formação de identidade. Uma relação que só pode ser digna de ter esse nome sabendo que ela altera ambos os entes envolvidos, mutuamente, e que emerge em uma articulação contingente e provisória, sem essência, jamais estando dada antes. Essa ideia permite, por um lado, questionar o objetivismo (GABRIEL, 2016) comumente implicado na relação sujeito/conhecimento, de modo que nenhum dos envolvidos na relação são entidades fixas e, ontologicamente, plenas antes da relação. Por outro lado, permite questionar a relação de condicionamento do sujeito na sua relação com o conhecimento, sendo este último privilegiado como aquilo que altera e transforma o primeiro em uma dada direção.

Além disso, tal teorização permite, ainda, problematizar a comum artificialidade da relação entre sujeito e conhecimento, em seu estar no mundo, uma vez que, se se trata de articulações contingentes e provisórias, firmadas na própria prática social, a destinação que se faz com o conhecimento, a respeito da relação que o sujeito com ele tem, é algo imprevisto e incontrolável no currículo. Ou seja, a destinação dessa relação, se será de uso na prática social ou não, só emerge na própria contingência da relação do sujeito em seu estar no mundo, nas incessantes e imprevisíveis identificações que se pode estabelecer na prática social. Isso implica, como nos faz pensar Biesta (2013), que a relação com o conhecimento pode ser pensada como algo radicalmente aberto, muito mais relativo àquilo “que torna possível a vinda ao mundo de seres únicos e singulares” (BIESTA, 2013, p. 26), do que àquilo que aposta na “produção de um tipo particular de subjetividade, especialmente o sujeito racional autônomo da educação moderna” (BIESTA, 2013, p. 53).

Se a relação sujeito/conhecimento emerge na articulação e na significação contingente e provisória e não está pronta e acabada antes da relação mesma, tampouco o conhecimento e o sujeito estão dados de antemão a essa mesma relação e aos usos que dela são suscitados, a abordagem discursiva credencia pensar que a relação sujeito/conhecimento da prática educativa emerge como acontecimento4 contextual em espaços de inserção social, incontrolável pelas expectativas que dela se fazem nas políticas de currículo.

A partir de Butler (2015), por sua vez, podemos adicionar mais algumas camadas de complexidade na teorização pós-estrutural acerca da relação sujeito/conhecimento. A teórica feminista desenvolve uma compreensão do sujeito como despossessão, explorando as interrupções e invasões inaugurais do sujeito antes mesmo dele vir ao mundo. Como já desenvolvi em outro lugar (PIMENTEL-JÚNIOR; CARVALHO; SÁ, 2017; PIMENTEL-JÚNIOR, 2020), a teorização butleriana nos fornece um relato de como o sujeito é uma construção invadida, desde o início, por outros5, seja o outro na linguagem, seja nas relações mundanas que nos constituem, seja na própria interpelação que nos faz pensar quem somos, nos relatos que damos de nós mesmos. Nesse sentido, a teorização de Butler (2015) oferece uma compreensão do sujeito como sendo sempre despossuído de um “próprio”, de um terreno ontológico cuja propriedade é essencial e inquestionável a si mesmo, desarticulando o princípio da identidade como “posse”. Seu relato nos possibilita pensar que, se somos, somos sempre na relação com outros, devido a outros, de modo incontornável, trazendo a relacionalidade ontológica como chave de compreensão, desfazendo qualquer ideia de pureza de um sujeito pleno, autocentrado, transparente a si mesmo. Nesse sentido, a opacidade constitutiva do sujeito ganha força de expressão em sua agência no mundo.

Assim, com Butler (2015), as condições sociais primárias de emergência, que invadem e desapossam o sujeito de qualquer propriedade de si, tornam problemáticas quaisquer teses curriculares relativas à participação social do sujeito, mediada pelo conhecimento, baseada em uma autonomia racional do eu em relação a outros no mundo. Ou seja, torna-se possível questionar a ideia de que a aquisição de conhecimento mediante o processo social de escolarização garantirá uma capacidade de ação mais participativa e esclarecida ao sujeito.

Ao lado desse aspecto, um outro ponto crucial para as discussões emerge de suas teorizações acerca da despossessão do sujeito: a crítica ao individualismo possessivo. A partir da teorização butleriana, a ideia de que a agência do sujeito pode estruturar-se, individualmente, a partir da posse de conhecimentos, é algo amplamente questionável, pois não só o indivíduo é sempre com outros, como também a suposta posse de conhecimento tampouco garante uma capacidade de ação social para mudança. Butler (2015) vai atacar justamente a posse, a ideia de uma propriedade do sujeito sobre si mesmo e sua capacidade de ação, mantendo no horizonte que não só a posse é uma ilusão como ela tampouco determina a ação do sujeito.

Apostar e problematizar o papel da relação sujeito/conhecimento por essa via não significa menosprezar o papel da educação na escolarização e na participação social. Diferentemente, significa lutar radicalmente para que as condições sociais que excedem e precedem o sujeito, invadem e desapossam-no, desde o início, sejam condições de menor insegurança social e política, para que seja possível qualquer ação social. Permite-nos reivindicar, portanto, as condições sociais da capacidade de ação sem atomizá-la individualmente ao sujeito e ao conhecimento. A ausência de isonomia social e das condições sociais para que qualquer ação de mudança social seja realizada complexifica e torna inócua, a meu ver, a aposta em uma transformação do sujeito pela razão e posse de conhecimento. Não se trata de fantasiar que haverá a isonomia social absoluta e erradicação das relações de poder, mas de compreender que a capacidade de tomada de decisão na ação social é da ordem do complexo e do não antecipável, do indeterminável pela relação com o conhecimento.

De diferentes maneiras e por diferentes entradas, seja ela psicanalítica, cultural, filosófica, política, linguística, entre outras, as teses pós-estruturais aqui discutidas postulam, a meu ver, sobre o inacabamento do sujeito como dimensão constitutiva da identidade. Sendo constitutivo, o inacabamento não se trata de algo que podemos eliminar ou superar a partir de uma relação com o conhecimento em qualquer registro, seja epistemológico, filosófico, científico, religioso, político, etc. Tampouco o conhecimento mostra-se pronto e acabado, exterior, passível de ser transmitido. Nessa direção, tentando radicalizar as implicações das abordagens aqui debatidas, não há uma relação sujeito/conhecimento baseada em uma falta a ser preenchida por uma situação de ensino e aprendizagem no espaço escolar, tampouco é previsível o efeito de um sobre o outro. Não se trata mais dessa aposta na política curricular.

Diferentemente, pensar a relação sujeito/conhecimento de modo relacional significa entender que há uma implicação mútua, alteração instituinte, um acontecimento produtivo e diferencial de sentidos que formam e constituem a própria relação. Trata-se, assim, de perguntar sobre as maneiras pelas quais os sujeitos, ao relacionarem-se de modo criativo e instituinte com o conhecimento, vêm ao mundo como sujeitos singulares (BIESTA, 2013). A partir de tais referenciais, a meu ver, o foco torna-se muito menos sobre como as situações didáticas de ensino e aprendizagem poderão conduzir à aquisição de um suposto conhecimento dado, de modo a preencher e a guiar a conduta social das identidades, e muito mais sobre as maneiras pelas quais a relação é incessantemente significada na prática social.

Políticas curriculares formativas e o sujeito da Educação em Ciências

Como o sujeito da educação científica é discursivamente configurado na relação com o conhecimento científico nas políticas de currículo da área da educação em ciências? De modo amplo, podemos dizer que a tradição das políticas de currículo na área disciplinar da educação em ciências sempre esteve pautada nos próprios pressupostos epistemológicos da Natureza da Ciência (NdC) na configuração da relação sujeito/conhecimento científico, e isso canalizou, com variações históricas consideráveis, as apostas dessa área à ideia de formação da identidade do cidadão racional da educação moderna (PIMENTEL-JÚNIOR; DIAS; CARVALHO, 2019).

A ciência escolar deve dar aos alunos uma oportunidade de experimentar a ciência e seus processos, livre das lendas, equívocos e idealizações inerentes aos mitos sobre a natureza do empreendimento científico. Deve haver maior oportunidade tanto para iniciantes quanto para professores experientes para aprender e aplicar as regras reais do jogo da ciência [...]. Apenas pela superação da névoa de meias verdades, revelando a ciência em plena luz, [...], é que todos os alunos apreciarão a verdadeira face das ciências [...] (McCOMAS, 1998, p. 68).

Existe um amplo consenso acerca da necessidade de uma alfabetização científica que permita preparar as cidadãs e os cidadãos para a tomada de decisões. [...] Este argumento “democrático” é, talvez, o mais amplamente utilizado por quem reclama a alfabetização científica e tecnológica como um componente básico de uma educação para a cidadania. Sendo assim, a alfabetização científica [...] se impõe como uma dimensão essencial de uma cultura de cidadania, para fazer frente aos graves problemas com que há-de enfrentar-se a humanidade hoje e no futuro (PRAIA; GIL-PÉREZ; VILCHES, 2007, p. 142-145).

Com o surgimento do campo da didática das ciências, e o consequente investimento das pesquisas da área na diversificação metodológica das abordagens de ensino, aspectos considerados cientificistas foram sendo matizados nas políticas, apresentando uma incorporação de diferentes matizes teóricos e pedagógicos para pensar a educação em ciências no espaço escolar e na relação do sujeito com o conhecimento científico. Dentre algumas dessas abordagens de ensino das ciências destaco aqui trechos e aspectos das políticas curriculares daquelas que comumente se destacam na área: (i) o ensino de ciências por investigação e as sequências de ensino investigativas (SEI); e (ii)a abordagem ciência - tecnologia - sociedade (CTS6) no ensino de ciências7.

O Ensino de Ciências por Investigação é uma abordagem de ensino que, de modo geral, propõe que o trabalho em sala de aula seja suficientemente provocador e instigante para os alunos, o que poderá ser feito mediante a criação de uma ambiência investigativa pelo professor (CARVALHO, 2011; 2013). De base teórica que combina os estudos piagetianos e vigotskianos, essa abordagem de ensino busca inserir os estudantes no mundo da ciência tomando como base referencial a própria lógica de construção do conhecimento científico. Nesse sentido, deve-se partir do mundo referencial dos estudantes buscando a derrubada de obstáculos da cultura cotidiana, visando inseri-los em processos de construção de conhecimentos científicos com base na linguagem da ciência.

Assim as questões do professor devem levá-los a buscar evidências em seus dados, justificativas para suas respostas, fazê-los sistematizar raciocínios como “se”/ “então”/ “portanto” ou o raciocínio proporcional, isto é, se uma das variáveis cresce, a outra também cresce ou se uma delas cresce, a outra decresce. Nestes casos a linguagem científica, isto é, a linguagem argumentativa vai se formando. [...]. Introduzir os alunos nas diversas linguagens das Ciências é, na verdade, introduzi-lo na cultura científica [...]. Essa introdução deve ser feita pelo professor, pois é ele o adulto mais experiente na sala de aula, com muito cuidado, conduzindo os alunos da linguagem cotidiana à linguagem científica, por meio de cooperações e especializações entre eles (CARVALHO, 2013, p. 7-8).

Ainda de acordo com Carvalho (2011; 2013), as sequências de ensino investigativo (doravante, SEI) propõem que as características do conhecimento científico e da teoria da ciência sejam trabalhadas didaticamente no ensino de ciências, mediante processos investigativos das temáticas de ensino abordadas em sala de aula. Ou seja, há uma orientação para que o tratamento dos temas escolares das ciências seja reorientado de modo a tornar o ambiente de ensino um espaço de provocação e estímulo à investigação, proporcionando a almejada transição entre culturas (cotidiana e científica).

Não há expectativa de que os alunos vão pensar ou se comportar como cientistas. O que se propõe é muito mais simples - queremos criar um ambiente investigativo em salas de aula de Ciências de tal forma que possamos ensinar (conduzir/mediar) os alunos no processo (simplificado) do trabalho científico para que possam gradativamente ir ampliando sua cultura científica, adquirindo, aula a aula, a linguagem científica. (CARVALHO, 2013, p. 9).

É justamente nesse sentido de alfabetização na linguagem científica que a autora vai propor as SEI e a relação sujeito/conhecimento científico. Trata-se de sequências de atividades que abarquem os programas escolares de ensino de ciência e, ao mesmo tempo, sejam capazes de proporcionar aos alunos: “condições de trazer seus conhecimentos prévios para iniciar os novos, terem ideias próprias e poder discuti-las com seus colegas e com professor passando do conhecimento espontâneo ao conhecimento científico e adquirindo condições de entenderem conhecimentos já estruturados por gerações anteriores” (CARVALHO, 2013, p. 9).

A educadora propõe um percurso didático para as SEI: (i) iniciar com um problema, experimental ou teórico, contextualizado, que seja capaz de introduzir os alunos no tema desejado e ofereça condições para que trabalhem com as variáveis relevantes do fenômeno científico em estudo; (ii) após resolução do problema, propõe-se a sistematização do conhecimento, “praticada de preferência por meio da leitura de um texto escrito quando os alunos podem novamente discutir, comparando o que fizeram e o que pensaram ao resolver o problema, com o relatado no texto” (CARVALHO, 2013, p. 9); em seguida, propõe-se atividades de (iii) contextualização do conhecimento no dia a dia do estudante, “pois, nesse momento, eles podem sentir a importância da aplicação do conhecimento construído do ponto de vista social” (CARVALHO, 2013, p. 9). Nos diz ainda que “algumas SEIs, para dar conta dos conteúdos curriculares mais complexos, demandam vários ciclos dessas três atividades ou mesmo outros tipos delas que precisam ser planejadas” (CARVALHO, 2013, p. 9).

As SEI, segundo Carvalho (2011; 2013), são capazes de fomentar uma relação professor/aluno e sujeito/conhecimento científico cujo protagonismo estudantil adquira centralidade nas atividades pedagógicas na medida em que o estudante passa a agir ativamente na resolução de problemas. Habilidades de argumentação, pensamento lógico, ação, questionamento e desenvolvimento de pensamento crítico são algumas das potencialidades do trabalho com sequências de ensino investigativas.

Ao lado dessa abordagem, a proposta CTS coloca em cena as dimensões tecnológicas, sociais e ambientais da educação científica, outrora julgadas como subsumidas em abordagens de ensino que entendiam a ciência como uma racionalidade neutra. De acordo com Santos e Mortimer (2001), a origem histórica desse movimento pode ser localizada nas décadas de 60 e 70 do século XX, sobretudo devido às preocupações com os usos sociais e políticos dos produtos da ciência, o agravamento das crises ambientais e a necessidade de um exercício da cidadania mais participativo no que diz respeito a esses processos. Ou seja, diante de um cenário de crise que envolve os mais diversos aspectos sociais, suas fontes energéticas e ambientes naturais, qual é e qual deveria ser o papel da educação científica? De que forma a educação científica pode contribuir na superação da condição de emergência planetária (CACHAPUZ et al, 2005) que estamos vivendo? É com base nessas questões críticas que a abordagem CTS vem, historicamente, reivindicando um trabalho do conhecimento científico de modo mais afinado à complexidade dos seus processos, abordando as diversas dimensões de sua produção e inserção social e cultural, de modo a torná-lo um conhecimento com maior poder crítico e emancipador na formação dos sujeitos sociais, fomentando a participação dos sujeitos nas decisões que dizem respeito à ciência, à tecnologia e ao desenvolvimento social.

Em suas articulações discursivas, a abordagem CTS coloca-se fundamentalmente contra a noção de neutralidade na educação científica e no ensino de ciências desvinculado de dimensões éticas, sociais, culturais, políticas e ambientais (SANTOS; MORTIMER, 2001; CACHAPUZ et al, 2005). Nessa perspectiva, uma educação que se pretenda neutra se torna inviável dado que ela manifesta apenas o interesse de manutenção de práticas sociais, econômicas, políticas e ambientais predatórias, capazes de promover a degradação do espaço público social. Essa perspectiva de uma educação científica neutra e tradicional presente na história do ensino das ciências, sobretudo no período compreendido entre os anos 1950-1970 - e, para alguns, ainda nos dias de hoje -, pode ser entendida, de acordo com Conrado e Nunes-Neto (2018), a partir de algumas características: (i) ênfase na transmissão de conhecimentos científicos consolidados culturalmente; (ii) descontextualização social e ambiental; (iii) conceitualismo - predomínio de exposição, pelo professor, e memorização, pelos alunos, de fatos, termos e definições científicas; (iv) e instrumentalismo, cuja ênfase recai na reprodução de técnicas da ciência como ilustração prática dos conceitos, teorias e termos aprendidos. Trata-se de aspectos contra os quais a perspectiva CTSA vem, historicamente, se colocando em polo antagônico e demandando da educação científica uma postura crítica em relação aos seus processos, apresentando o empreendimento científico no espaço escolar em sua complexidade interna e externa, contextualizada em um espaço social com questões e problemas políticos, culturais, econômicos e ambientais a serem superados.

O movimento CTS surgiu, então, em contraposição ao pressuposto cientificista, que valorizava a ciência por si mesmo, depositando uma crença cega em seus resultados positivos. [...]. A crítica a tais concepções levou a uma nova filosofia e sociologia da ciência que passou a reconhecer as limitações, responsabilidades e cumplicidades dos cientistas, enfocando a ciência e a tecnologia (C&T) como processos sociais. A ciência não é uma atividade neutra e o seu desenvolvimento está diretamente imbricado com os aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais. Portanto a atividade científica não diz respeito exclusivamente aos cientistas e possui fortes implicações para a sociedade. Sendo assim, ela precisa ter um controle social que, em uma perspectiva democrática, implica em envolver uma parcela cada vez maior da população nas tomadas de decisão sobre C&T (SANTOS; MORTIMER, 2001, p. 96).

No que diz respeito às implicações curriculares, a abordagem CTSA assume como foco principal desenvolver o letramento científico dos sujeitos em processos educativos de modo a torná-los aptos a tomarem decisões sociais responsáveis e a participarem socialmente nos processos que envolvem tecnologia, sociedade e ambiente. Os currículos CTSA assumem, assim, a centralidade de, na relação sujeito/conhecimento científico, formar pessoas para a ação no amplo exercício da cidadania, para agir nos processos democráticos de tomadas de decisões, o que envolve o entendimento do impacto da ciência na vida pública, seus efeitos sociais e usos políticos pela humanidade. Há, portanto, uma combinação de fundamentos que justificam a abordagem de ensino CTSA: um de ordem democrática - que envolve a participação do sujeito em problemas e desafios sociais - e outro de ordem pragmática - que envolve a utilidade do conhecimento científico como subsídio para fundamentar os processos de participação e tomada de decisão social. Essas teses trazem para o currículo escolar e para a relação sujeito/conhecimento científico demandas por tomada de decisão, na medida em que reivindicam a formação de um perfil de sujeito cientificamente educado apto a participar de processos sociais e, mais do que isso, que demonstra envolvimento e capacidade de usar conhecimentos para a transformação social (SANTOS; MORTIMER, 2001; CACHAPUZ et al, 2005; CONRADO; NUNES-NETO, 2018).

Por fim, trago ao debate a política curricular das ciências da natureza expressa na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) voltada ao Ensino Médio8. Nesta oportunidade, não me deterei em aspectos relativos à padronização curricular e ao suposto alcance de um consenso em torno daquilo que é comum e essencial a todos na educação em ciências da natureza, tema sobre o qual já me detive em outro lugar (PIMENTEL-JÚNIOR, 2021). Aqui, abordo a relação sujeito/conhecimento científico nas políticas da área das ciências da natureza na BNCC buscando explorar suas características por meio das competências gerais presentes no documento.

A BNCC apresenta uma proposta formativa na área de ciências da natureza que propõe que “os estudantes possam construir e utilizar conhecimentos específicos da área para argumentar, propor soluções e enfrentar desafios locais e/ou globais, relativos às condições de vida e ao ambiente” (BRASIL, 2018, p. 470). As políticas formativas da área apostam na ideia de que, a partir da relação sujeito/conhecimento científico, os estudantes apresentarão condições de “tomar decisões responsáveis, éticas e consistentes na identificação e solução de situações-problema” (BRASIL, 2018, p. 537). A área organiza-se didaticamente em três temáticas: (i) Matéria e Universo, (ii) Vida e Evolução e (iii) Terra e Universo. As competências gerais relativas aos conhecimentos das ciências da natureza, por sua vez, são:

(i) Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e/ou global; (ii) Construir e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar decisões éticas e responsáveis; (iii) Analisar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) (BRASIL, 2018, p. 539).

A BNCC das ciências da natureza apresenta uma configuração discursiva da relação sujeito/conhecimento científico pautada na usabilidade e aplicabilidade cotidiana do conhecimento científico nas ações sociais dos sujeitos, como se o conhecimento fosse um objeto que, após apropriado, é capaz de conferir determinada capacidade de ação em uma dada direção. Do sujeito é esperado, na relação com o conhecimento científico, a aplicação dos conhecimentos aprendidos em situações reais da vida para resolver demandas diversas. Desse modo, a BNCC aposta na ideia de que na relação entre o sujeito e o conhecimento científico o conhecimento fará emergir competências gerais decorrentes de um conjunto de habilidades, em um encadeamento supostamente calculável e previsível.

A ideia de que a relação sujeito/conhecimento permitirá resolver demandas da vida cotidiana e do mundo do trabalho, por sua vez, remete à ideia de que a capacidade de ação social dos sujeitos é supostamente a mesma entre todos, o que nos faz questionar se estamos todos nas mesmas condições sociais de tomada de decisão para participação social. Assim, a BNCC manifesta uma leitura homogeneizante da capacidade de ação social do sujeito na relação com o conhecimento científico, exacerbando os aspectos objetivistas e realistas sobre o papel conferido ao conhecimento nas políticas de currículo.

De modo geral, seja pela política da NdC, da SEI, da CTS, ou da BNCC, a relação sujeito/conhecimento científico na área da educação em ciências emerge de modo a reivindicar uma identidade de sujeito educado em ciências que se aproprie de um conhecimento científico aparentemente objetivo, “estruturado por gerações anteriores”, passível de ser selecionado de um repertório epistemológico da ciência mais amplo e diretamente aplicável em situações da vida cotidiana. A abordagem da SEI apresenta à relação sujeito/conhecimento científico uma demanda de um sujeito que transite da linguagem cotidiana para a linguagem da ciência mediante uma transição cultural à ciência via currículo. Diferentemente da abordagem da SEI, mas baseada também em alguns dos seus pressupostos acerca das virtudes educativas do pensamento científico, a abordagem CTS radicaliza o pensamento da relação sujeito/conhecimento científico em direção às teses pragmáticas e democráticas da educação científica (CACHAPUZ et al, 2005; PRAIA; GIL-PÉREZ; VILCHES, 2007), reivindicando da relação com o conhecimento científico a tomada de decisão para mudança na prática social concreta do sujeito acerca dos problemas enfrentados pela humanidade. Nesse sentido, adiciona-se à relação sujeito/conhecimento científico uma dimensão moral, deontológica, relativa ao dever ser do sujeito, em seu estar no mundo. O aspecto utilitarista e finalista da relação sujeito/conhecimento científico, por sua vez, exacerba-se e ganha contornos homogeneizantes ainda mais realistas na BNCC das ciências naturais, significando um sujeito cientificamente educado pelo uso que faz do conhecimento para resolver demandas apresentadas pela vida cotidiana e do mundo do trabalho.

Defendo que a interface sujeito/conhecimento científico manifesta-se na linguagem do controle nas políticas de currículo da educação em ciências aqui debatidas, estabelecendo uma relação altamente condicionada com a alteridade que, inspirados em Bhabha (2013), poderíamos nomear como uma relação de produção de versões autorizadas da alteridade. Uma autorização baseada em um condicionamento neoiluminista, rasurado em seu impulso cientificista, no qual o conhecimento científico, conferindo virtudes democráticas e pragmáticas na relação pedagógica com o sujeito, “consolida o discurso da ciência moderna produtora da verdade científica como expressão maior e unívoca dessa razão libertadora e indispensável para a formação de sujeitos” (GABRIEL, 2016, p. 106).

Considerações finais: educar em ciências em meio às incertezas

Diante de todas as discussões apresentadas, permanece a questão: quais podem ser as contribuições do movimento de pensamento pós-estruturalista ao debate em torno da relação sujeito/conhecimento científico na definição do que significa ser educado em ciências? Sem pretensões de esgotar o debate, como venho defendendo em toda a argumentação desenvolvida no texto, as implicações pós-estruturais permitem pensar em novas formas de relação sujeito/conhecimento na educação científica, permitindo recuperar sentidos aparentemente banidos no caminhar histórico das políticas de currículo dessa área de ensino. Sentidos que dizem respeito à indeterminação radical do currículo, a indeterminação da identidade formativa na relação sujeito/conhecimento científico, e a uma relação distante do realismo e do objetivismo em relação ao sujeito, ao conhecimento e à sua prática social.

As meditações pós-estruturais aqui debatidas apresentam à relação sujeito/conhecimento um caráter relacional, de mútua implicação e alteração constituinte, tornando pouco produtivo falar na produção de um sujeito ou de uma capacidade de ação a partir do conhecimento científico, atualizando o realismo e a previsibilidade no currículo. Essas construções colocam em xeque, portanto, a ideia de que há uma capacidade de ação universal baseada no registro epistemológico da ciência a ser despertada em cada sujeito mediante a relação com esse conhecimento, e que poderá ser mobilizada, em todo e qualquer contexto, para fins de realização de uma prática social. Defendo que as meditações pós-estruturais permitem, nesse sentido, problematizar as políticas de currículo da educação em ciências questionando o determinismo na relação sujeito/conhecimento científico, sobretudo a suposta previsibilidade do efeito do conhecimento sobre a conduta do sujeito.

A partir dos referenciais discutidos, acredito que é possível pautar outro aspecto da relação sujeito/conhecimento científico na tarefa de desconstrução de formas e vínculos objetificados e determinísticos nas políticas de currículo da área da educação em ciências: as teses democráticas e pragmáticas sobre a importância do conhecimento científico nas políticas (CACHAPUZ et al, 2005; PRAIA; GIL-PÉREZ; VILCHES, 2007). A partir do enfoque pós-estruturalista, é possível questionar a ideia de que a ação social do sujeito será nítida, para ele, a partir da relação com o conhecimento científico, de modo que a tomada de decisão sobre aspectos de ciência e tecnologia tornem-se plenamente viáveis e automaticamente previsíveis em sua conduta social. Torna-se questionável, nesse sentido, o aspecto utilitário do conhecimento científico, o apelo à aplicabilidade do conhecimento científico no cotidiano da vida dos sujeitos escolares. Essa linguagem atualiza uma compreensão de política curricular como se o currículo fosse o dispositivo capaz de antecipar espaços estruturais para os quais os sujeitos, inexoravelmente, estão fadados a ocupar, e as pautas políticas de suas lutas. Diferentemente, o entendimento da prática social como articulação contingente torna problemático pensar que a identidade e as virtudes da educação em ciências fazem ser perenes e fazem permanecer determinadas ações nas condutas sociais dos sujeitos, tampouco determinam, em última instância, os espaços sociais que os sujeitos ocuparão no futuro.

Por fim, defendo que a contribuição pós-estrutural ao debate sobre a relação sujeito/conhecimento científico nas políticas de currículo da educação em ciências possibilita problematizar, também, a individualização da ação social, sobretudo na política da BNCC, do sujeito cientificamente educado como um “solucionador de demandas” sociais. A atomização da prática social do sujeito à sua individualidade pautada nos conhecimentos científicos atualiza um desejo de ressignificação curricular que mescla as virtudes do pensamento científico a uma racionalidade humanista-cientificista neoliberal que é preciso ser combatida. Mantém um sentido humanista-cientificista na medida em que continua a imaginar os grandes processos da vida como estando centrados na prática do indivíduo portador da razão científica. Exacerba-se seus efeitos neoliberais por meio da responsabilização individual do sujeito na medida em que propõe o cálculo dos efeitos individuais da ação e participação social na resolução de questões complexas da vida social, mantendo, em alguma medida, a educação em registro salvacionista (PIMENTEL-JÚNIOR; CARVALHO, 2017). Manter no horizonte das políticas curriculares da educação em ciências a compreensão da relação sujeito/conhecimento científico como da ordem do acontecimento, daquilo que não se pode calcular nem prever, em absoluto, porque não antecipável (DERRIDA, 2004), significa manter o conhecimento científico na empreitada curricular, sem desmerecer a relação como educativa, porém, ao mesmo tempo, entendendo que se trata sempre de uma aposta sem garantias, de uma educação em ciências sempre em meio às incertezas.

REFERÊNCIAS

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SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. [ Links ]

1Em nossas pesquisas, inspiradas no registro discursivo, trabalhamos com uma compreensão ampliada do termo conceitual “política de currículo”, remetendo-o aos discursos articulados e hegemonizados em torno da tentativa de definição de uma ordem e organização curricular para os processos educativos. Dessa forma, amplia-se o escopo empírico das nossas investigações aos textos curriculares presentes em projetos pedagógicos, publicações periódicas, manifestos de entidades científicas, entre outros, para além daqueles considerados oficiais assinados pelo Ministério da Educação.

2Apesar das críticas que endereço a tais estratégias metodológicas nas pesquisas, considero que os “recortes temporais” continuam, em alguma medida, sendo-nos úteis e produtivos em suas capacidades de permitirem realçar e nuançar as teorizações produzidas nas pesquisas, a partir da investigação de características específicas, proeminências e emergências, movimentos de articulação e (des)articulação em políticas de currículo, sem, contudo, conferirem a tais momentos um poder definidor em torno do foco de interesse.

3Refiro-me, dentre outras coisas, aos projetos de pesquisa (i) Políticas de Currículo para o Ensino das Ciências: um enfoque discursivo e (ii) Interpelações Discursivas às Metodologias e Abordagens de Ensino das Ciências, por mim coordenados nos últimos anos, que se detêm sobre textos em circulação na comunidade acadêmica da educação em ciências, reconhecidos, referenciados e validados nesta área de ensino.

4Refiro-me aqui à noção de acontecimento no registro derridiano, a partir da qual entende-se que o acontecimento só é digno desse nome se envolve “uma interrupção excepcional, absolutamente singular, no regime de possibilidade” (DERRIDA, 2004, p. 281), anunciando sua possibilidade e impossibilidade constitutiva.

5Nesse ponto, refiro-me ao Outro como o espaço de uma relação ética infinita (BUTLER, 2015).

6Recentemente, nas discussões da área de educação em ciências, às dimensões Ciência, Tecnologia e Sociedade, foi adicionada a dimensão Ambiente, tornando-se CTSA. Sobre isso, ver Conrado e Nunes-Neto (2018).

7Nesses casos, tratam-se de políticas curriculares que apresentam orientações teórico-metodológicas voltadas às práticas pedagógicas de professores atuantes em diferentes níveis da Educação Básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio) na área das Ciências da Natureza.

8A escolha da BNCC Ensino Médio diz respeito ao fato de que, além de ser foco das pesquisas que venho realizando sobre a educação em ciências, comumente, para esta etapa da Educação Básica, as expectativas em torno da relação sujeito/conhecimento científico na definição da identidade do sujeito parecem ganhar contornos mais evidentes e normativos, dado o caráter de etapa final deste nível educacional.

Recebido: 08 de Março de 2022; Aceito: 11 de Outubro de 2022

Translated by Viviane Coelho Caldeira Ramos - Email: vivianeramos@gmail.com

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