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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.27 no.53 Salvador set./dic 2018  Epub 04-Jul-2019

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2018.v27.n53.p220-236 

Artigos

CULTURA DE ALUNOS ADOLESCENTES DO ENSINO MÉDIO: DINÂMICAS E CONTEXTOS

ADOLESCENTS PUPILS’ CULTURE OF HIGH SCHOOL: DYNAMICS AND CONTEXTS

CULTURA DE LOS ALUMNOS ADOLESCENTES DE LA ESCUELA MEDIA: DINÁMICAS Y CONTEXTOS

Ruth Bernardes de Sant’Ana* 

*Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-Doutora pelo Instituto de Estudos da Criança (IEC) da Universidade do Minho, Portugal. Estágio Sênior em Educação na Universidade de Lorraine, Nancy, França. Professora aposentada de Psicologia Social da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da UFSJ. E-mail: ruthbs.ufsj@gmail.com


RESUMO

Este artigo empreende uma releitura de publicações consideradas relevantes no debate sobre a relação entre as culturas juvenis e as culturas escolares, com o objetivo de teorizar acerca das formas assumidas pela cultura dos alunos no interior dessa relação no Ensino Médio. A cultura dos alunos constitui um fio condutor importante para a compreensão da escola na vida da juventude numa sociedade em que a escolarização está no centro do processo de desigualdade de acesso a bens físicos e simbólicos. Assim, as questões que este trabalho procurou responder são as seguintes: O que é cultura dos alunos? Como ela se manifesta na escola de Ensino Médio em diferentes contextos sociais?

Palavras-chave: Cultura; Alunos; Ensino médio; Escola

ABSTRACT

This paper undertakes a rereading of publications considered relevant in the debate on the relationship between youth cultures and school cultures, in order to theorize about the forms assumed by the culture of the pupils within this relationship in secondary education. Pupils’ culture is an important guideline for us to understand the school in the life of youngsters in a society where education is central in the process of inequality of access to physical and symbolic goods. Thus, the questions that this study sought to answer are the following: What is the culture of pupils? How it manifests in high school in different social contexts?

Keywords: Culture; Pupils; High education; School

RESUMEN

En este trabajo se lleva a cabo una relectura de las publicaciones que se consideren relevantes en el debate sobre la relación entre las culturas juveniles y las culturas escolares, con el fin de teorizar acerca de las formas asumidas por la cultura de los alumnos dentro de esta relación en la Escuela Media. La cultura de los alumnos es una pauta importante para la comprensión de la escuela en la vida de los jóvenes en una sociedad donde la educación está en el centro de la desigualdad en el acceso al proceso de bienes físicos y simbólicos. Así que las preguntas que este estudio trata de responder son las siguientes: ¿O que es la cultura de los alumnos? ¿Cómo se manifiesta en la escuela media en distintos contextos sociales?

Palabras clave: Cultura; Alumnos; Escuela media; Escuela

Introdução

O que é cultura dos alunos? Como ela se manifesta na escola de Ensino Médio em diferentes contextos sociais? O objetivo deste artigo consiste em empreender um estudo acerca da cultura dos alunos em diferentes contextos escolares, com ênfase no Ensino Médio, visto que a discussão sobre esse assunto mostra-se pouco desenvolvida na atualidade. Para tal, o texto recorre, como suporte teórico, a publicações desenvolvidas em diferentes contextos, a saber: a) a pesquisa de François Dubet (1991) sobre quatro tipos de escolas de Ensino Médio francesas; b) o trabalho de Piotr Mikiewicz (2008) acerca de três escolas da Polônia; c) as investigações de Gelson AntônioLeite (2011) e Daniele de Souza Barbosa (2007) sobre duas escolas brasileiras, respectivamente uma privada e uma pública. Com base nesses e outros estudos, será possível comparar instituições de ensino que atendem a jovens provenientes dos setores populares e das classes médias, com enfoque nas formas de cultura juvenil constituídas cotidianamente nesses estabelecimentos.

Culturas juvenis e cultura dos alunos nas dinâmicas de adesão e de resistência discente à escola

A noção de cultura dos alunos remete às maneiras como as novas gerações lidam com o poder docente no interior da escola. Mais comumente, essa noção é associada ao conjunto de saberes e comportamentos de afirmação geracionais produzidos por crianças e adolescentes e distintos daqueles próprios aos adultos, no contexto escolar, principalmente na sala de aula. Essa cultura se tece na rede de interação social “puxada” pelos alunos, que ocorre paralelamente ou nos interstícios da rede de interação social “puxada” pelo professor, a partir de um repertório acumulado de práticas disponibilizado de geração a geração a partir, sobretudo, da transmissão oral. Todavia, essa cultura pode se aproximar bastante da cultura escolar quando o professor controla totalmente a rede de interação social dos adolescentes entre si, de maneira que eles só se expressam no interior da rede de interação principal, orquestrada pelo professor, ou quando, mesmo conhecendo os padrões de interação social correntes dessa cultura intrageracional, o aluno não faz uso dela como um mecanismo de confrontação à ordem escolar, em favor da sua integração à escola. Neste caso, fala-se de uma cultura de alunos de conformidade com as exigências escolares, identificada na imagem do “bom aluno”.

Waller (1932), já na década de 1930, defendia o conflito geracional como algo constitutivo da escola enquanto instituição com atribuições sociais específicas no interior da sociedade, de instrução das novas gerações, o que a distingue por seus valores e seu sistema simbólico. Desse modo, embora haja diferenças entre as escolas, todas têm em comum uma relação de dominação e subordinação geracional específica que fornece o melhor meio prático de distinção entre o que é o que não é escola. Segundo esse autor, toda e qualquer escola, mesmo aquelas que professam os valores pedagógicos mais democráticos, deve se haver com a questão da dominação geracional que subjaz a toda e qualquer relação pedagógica. Sobretudo a escola de instrução em massa, que, ao assumir a supremacia do professor, será sempre conflituosa, de maneira que mesmo a melhor pedagogia não pode eliminar a tensão permanente ali subjacente. Na mesma linha de raciocínio, autores contemporâneos como Bernstein (1996) e Perrenoud (1988) defendem que mesmo as “pedagogias ativas”, que se opõem à escola tradicional, envolvem formas de controle, porém menos visíveis.

Segundo Waller (1932), isso ocorre porque, na escola, o professor e o aluno enfrentam um conflito de interesse e, por mais que possa ser escamoteado, esse conflito permanece. Assim, no interior da relação social entre docentes e discentes subjaz uma hostilidade que nunca poderá ser completamente eliminada, na medida em que os

[...] alunos são o material com o que é suposto os professores produzirem resultados. Os alunos são seres humanos lutando para se realizarem de uma maneira espontânea, lutando para alcançar os seus próprios objetivos, de maneira própria. Cada uma destas partes hostis coloca-se no caminho da outra; na medida em que os objetivos de uma sejam realizados, isso é feito com sacrifício dos objetivos da outra. (WALLER, 1932, p. 196).

Portanto, de acordo com esse autor, a estrutura política da escola de massas se baseia em um princípio da autoridade que faz dela uma organização constantemente ameaçada, pois coexistem no seu interior duas lógicas conflitantes, uma voltada ao trabalho e outra voltada à diversão, ou seja, a lógica do esforço e da seriedade no cumprimento do “ofício do aluno” versus a lógica da “vida espontânea”, do “mundo próprio” dos alunos, manifesto em suas culturas juvenis.

Dubet (1991) e Dubet e Martuccelli (1996) vão além dessa visão mais geral ao defenderem que os acordos e desacordos entre os jovens e a escola dependem do mandato social por ela assumido socialmente, mas também do impacto do modelo cultural dos diferentes tipos de estabelecimento nas experiências dos segmentos juvenis que compõem o público escolar. Como a escola de massas é parte ativa dos processos de seleção social, o conflito no seu interior implica compreender como a função de seleção e classificação social delegada a ela se concretiza no interior dos sistemas de ensino, escolas e segundo a clientela atendida. Conforme esses autores, estabelecimentos de Ensino Médio que atendem a uma clientela originária da elite intelectual contam com alunos mais comprometidos com a cultura escolar, e a tensão desta com a cultura juvenil, caso exista, é suavizada. O oposto ocorre com estabelecimentos que recebem uma clientela marcada por reprovações, insucessos e que frequenta cursos de menor prestígio social. Desse modo, o embate entre as lógicas do “trabalho” e da “diversão” (sociabilidade juvenil) assume diferentes dinâmicas conforme as conjunturas atravessadas pela “escola de massas” e as peculiaridades socioculturais dos seus públicos.

Na contemporaneidade, crianças e adolescentes são grupos geracionais que, em determinados contextos - dentre os quais o da escola pública para todos -, podem ganhar poder estratégico. Isso significa que a ideia de aluno como passivo e menor em relação à autoridade da pessoa adulta quase sempre não condiz completamente com a realidade escolar, pois

[...] nem todos os alunos aceitam os constrangimentos do papel e pode ser perigoso tomar a dominância do poder docente como dada, como muitos pesquisadores têm feito. Embora essa seja a norma, isso pode não acontecer e o pesquisador deve ser sensível às violações e contraexemplos. (DELAMONT, 1986, p. 77).

Também Woods (1980) chama atenção para mudanças nas relações de autoridade docente no contexto da educação compulsória ao enfatizar que os alunos negociam, de forma aberta ou tacitamente, as regras explícitas e implícitas subjacentes ao dia a dia na escola.

A partir de uma nova lógica de raciocínio que concebe os alunos como parte ativa e disputando as definições de situações na sala de aula, muitas pesquisas privilegiaram a cultura do aluno como “contracultura” juvenil. Os estudos culturais britânicos, realizados por autores como Willis (1991), Delamont (1986), Woods (1980) e Ball (1984), identificaram duas formas dominantes de relação dos jovens com a escola: a de adesão e a de oposição ao seu poder. Entretanto, a maior parte do interesse voltou-se para a resistência discente ao poder escolar, constituindo uma lógica do pensamento da qual é difícil escapar, pois essa oposição é mais problematizada pelos pesquisadores do que as manifestações dos alunos mais integrados à escola.

Seguindo essa linha de reflexão, buscarei identificar como essa tensão geracional e os conflitos dela decorrentes são abordados nos trabalhos analisados neste artigo, pois fazem parte da cultura dos alunos os movimentos de oposição, de rejeição ou de aceitação da escola, na medida em que constituem formas diferenciadas de lidar com a subordinação geracional no interior desse universo. Assim, a cultura dos alunos do Ensino Médio pode ser um analisador importante do mundo escolar, suscetível de descortinar diferentes dinâmicas juvenis em relação à cultura da escola, em seus impasses e contradições.

Referenciada nos trabalhos de Dubet (1991) e Mikiewicz (2008), a pesquisa da cultura dos alunos será aqui enfocada a partir dos seguintes aspectos, intimamente relacionados entre si: a) relação com os professores como autoridade na escola; b) a relação dos adolescentes entre si; c) relação com o modelo cultural da escola: integração à escola e/ou resistência juvenil dos diferentes segmentos de alunos investigados; d) modos de estar na escola: aspectos identitários (identidade juvenil e identidade discente); e) o mediato e o imediato: projeto de futuro e estratégias. Esses elementos orientam o olhar sobre a rotina dos alunos nos estabelecimentos de ensino, mas isso não significa ordená-los um a um nessa sequência.

Contudo, é importante recorrer a outros aspectos, destacados por Dubet (1991), para a compreensão do contexto, tais como as dinâmicas organizacionais e espaciais dos estabelecimentos, as características do bairro onde eles se localizam, formas de recrutamento geográfico dos alunos, o tipo de clientela ali matriculada, a imagem que a escola detém na comunidade, sua posição diante dos alunos e familiares, sistemas de acompanhamento e avaliação escolar.

Todavia, o levantamento desenvolvido para a produção deste artigo identificou a impossibilidade de encontrar todos esses elementos na maior parte das investigações existentes. Por isso, escolhi relatos de pesquisa mais próximos ao modelo apresentado por Dubet (1991).

Alunos em escolas de ensino médio: diferentes retratos

Nas partes subsequentes deste artigo, enfocarei primeiramente os perfis de alunos do Ensino Médio (liceu) apresentados por Dubet (1991) no seu livro Les lycéens. Em seguida, os perfis escolares dos jovens poloneses apresentados no artigo de Mikiewicz (2008) e, finalmente, dois trabalhos desenvolvidos no contexto brasileiro (BARBOSA, 2007; LEITE, 2011), sem a crença de que eles condensam em si toda a gama de dinâmicas juvenis das escolas no Brasil. As diferentes formas de expressão da cultura do aluno nesses contextos serão resumidas na última parte do texto.

Aqui, a pesquisa de Dubet (1991) é apresentada de maneira mais minuciosa, pois seu relato dos perfis discentes, resumido abaixo, é considerado muito rico e detalhado.

Os verdadeiros alunos

Os verdadeiros alunos são filhos de famílias abastadas e com muitas gerações diplomadas. Para entrarem em um liceu de qualidade, parte dos seus pais recorre a documentos de endereço falso e a indicações de gente influente. Esses alunos se mostram engajados em uma cultura desinteressada para além da escolar, comportando-se como os herdeiros estudados por Bourdieu e Passeron (1975), mas, na verdade, mostram-se apreensivos em relação ao futuro, pois percebem a pressão social, os mecanismos de competição e devem ser capazes de fazer cálculos estratégicos e se mostrar críticos diante daquilo que a escola oferece. A cultura da escola se acorda com a cultura familiar, baseada em uma superioridade intelectual que se transmite e se amplia de uma geração à outra, dentro e fora da escola. Os verdadeiros alunos são conscientes de que o liceu frequentado por eles forma a futura elite intelectual e, portanto, devem ter uma posição ativa diante dessa formação em termos de desenvolvimento pessoal, do cultivo do talento, da curiosidade etc. Trata-se de uma assumida adesão ao modelo cultural adotado pelo estabelecimento, mas uma adesão crítica, pois eles avaliam o tempo todo o conhecimento que recebem.

Eles valorizam os professores brilhantes, mesmo se são austeros e distantes. Na verdade, declaram não apreciar os professores muito compreensivos e muito próximos dos alunos, como se aqueles tivessem pouco o oferecer no plano intelectual. A corrida para o sucesso escolar passa por uma atitude ascética diante do conhecimento e da eficácia dos professores.

O peso da competição escolar é atenuado por um regime disciplinar suave e com uma grande margem de autonomia discente. Os alunos participam ativamente no funcionamento da escola, inclusive no conselho de classe, já que podem se colocar e se defender diante dos julgamentos dos professores face a face.

O projeto de futuro desses alunos é aberto, sem determinação a priori da profissão ou dos estudos superiores. O que eles buscam é atingir um nível de conhecimento elevado, comparável ao das melhores escolas. Isso exige o acúmulo de um máximo de recursos e escolhas seletivas no interior de carreiras literárias e científicas.

A relação com o conhecimento escolar participa das formas de manifestações das identidades juvenis desses grupos, aparecendo estereótipos sobre os verdadeiros matemáticos (trabalhadores, conformistas, sérios), os verdadeiros literatos (individualistas, artistas, pouco disciplinados) e sobre as pessoas das periferias de Paris (consideradas menos cultivadas e capazes, inclusive os professores).

Os valores seguidos pela escola são os da cultura erudita. Uma valorização extrema das formações artísticas e literárias é encarnada em um “espírito de casta” visível na figura do aluno esnobe. Para além da estratégia de demarcação identitária, o esnobe é fruto da socialização nesse tipo de escola, segundo Dubet (1991, p. 58), pois integra os valores culturais que aí subsistem a ponto de se voltar inclusive contra o que é escolar, concebido “como uma manifestação grosseira, forçada e mecânica do verdadeiro saber. O esnobe se identifica aos valores da escola contra suas normas, ao professor brilhante contra a rotina escolar, ao saber contra o dinheiro”. Para esse autor, o aluno esnobe é uma consequência do liceu, pois é em nome de um modelo cultural do que é um verdadeiro liceu que o esnobe ri dos alunos da “populaça” que toma a palavra em classe, ao mesmo tempo em que desafia os professores tentando mostrar maior conhecimento do que eles, em nome de uma identidade juvenil: “Os rapazes, em particular, têm uma maneira de se vestir, geralmente de preto, de cortar o cabelo, de apresentar a palidez e a magreza, de ostentar um ar ausente, como se o espírito estivesse sempre longe, o que permite o seu reconhecimento facilmente” (DUBET, 1991, p. 57). O esnobe é, portanto, o resultado do modelo cultural escolar de formação das elites, da condição de acesso cultural de seus jovens, aliada a projetos vagos e ambiciosos, como assevera Dubet (1991).

Entretanto, para os alunos excluídos dessa condição cultural e das vantagens da fortuna, advém um sentimento doloroso de exclusão e desvalorização, embora os dois mundos coexistam no mesmo espaço escolar.

Os bons alunos

Segundo Dubet (1991), há muitos pontos em comum entre os verdadeiros alunos e os bons alunos. Os dois grupos se recusam a definir um projeto escolar ou profissional preciso, pois sabem que podem percorrer estudos longos, e que há tempo para decidir isso. A diferença fundamental é que os bons alunos não assumem o elitismo daqueles que se consideram os legítimos “herdeiros” da “alta cultura”. Eles valorizam a liberdade da condição de estudante, razão pela qual almejam cursar universidade, apesar da inflação de diplomas universitários e da perda do prestígio que advém da multiplicação de acesso a estudos universitários (os verdadeiros alunos mostram preferência por escolas de altos estudos).

Os bons alunos frequentam uma escola que recebe estudantes de camadas sociais mais heterogêneas. Por isso, eles têm de dar conta da seleção e da competição no seu interior, pois o insucesso impediria a continuidade dos estudos universitários e da manutenção do estatuto de estudante. Enquanto estes lutam para evitar o insucesso, os verdadeiros alunos aproveitam o que é oferecido pela escola para ampliar o acúmulo de recursos, já que, no liceu da elite, a seleção é dada no momento da entrada e os alunos devem evitar ser arrastados para os cursos menos valorizados (não fracasso escolar propriamente dito) a fim de garantir carreiras brilhantes.

Conforme Dubet (1991), assim como os verdadeiros alunos nos levam as imagens dos “herdeiros” estudados por Bourdieu e Passeron (1975), os bons alunos exacerbam o retrato de estrategistas diante do “ofício de aluno”, tal como teorizado por Perrenoud (1988). Dessa maneira, os bons alunos mostram uma atitude utilitarista e estratégica em relação à escola e ao conhecimento. O que conta é ter sucesso ao menor custo possível, de maneira que o método de aprendizagem deve ser eficaz, para garantir o sucesso nas provas e exames e obter boas notas e diplomas. Como o conteúdo ligado à tradição humanista e erudita tem menos valor que o conhecimento de caráter utilitário, estratégico para a aprovação, o professor eficaz didaticamente é preferido ao professor brilhante e apaixonado pelo conhecimento. Na verdade, esses jovens mostram desconfiança em relação a este professor, pois, em nome de seus conteúdos preferidos, ele pode despender menos tempo com pontos essenciais do programa escolar.

A cultura dos alunos mantém um distanciamento em relação à cultura juvenil desses adolescentes, pois os estilos e modelos de referência identitários dos bons alunos são muito variados e ligados ao universo extraescolar. Enquanto os verdadeiros alunos cultivam estilos ligados ao verdadeiro literário e ao verdadeiro científico, os bons alunos não se mostram preocupados com isso. Ao mesmo tempo, estes não se percebem como a futura elite intelectual e parecem almejar certa autonomia geracional em relação aos pais. Eles valorizam mais os conteúdos escolares que têm a ver com sua vida, ao mesmo tempo em que não mostram entusiasmo imediato pelos métodos pedagógicos ativos, pois estes exigem mais tempo e energia do que os métodos tradicionais.

Os novos alunos

Os novos alunos frequentam escolas menos reputadas socialmente, uma vez que recebem principalmente estudantes dos setores populares. Em relação aos pais, eles estão em situação de sucesso escolar, mas, no interior do sistema escolar, estão em situação de insucesso, pois os tipos de diploma que esses jovens podem obter são menos valorizados socialmente.

Eles estão em estabelecimentos não escolhidos, por vezes nomeados como “escolas lixeiras”, onde são oferecidos cursos considerados menos nobres (administração, ciências médicas e sociais etc.) e de menor prestígio. A lógica interna à escola e sua seleção mostra aos novos alunos que eles se encontram na condição de segundas escolhas dentro da hierarquia de setores, razão pela qual isso é vivido como uma queda e não como uma ascensão. Eles se sentem presos numa armadilha, na medida em que essa condição escolar faz com que tenham dificuldade de projetar o futuro para além do bac (abreviação de baccalauréat, grau conferido após os exames de conclusão do Ensino Médio).

Os alunos declaram que não querem refletir, mas tão-somente aprender os resultados de aprendizagem e as técnicas de cálculo. Eles mostram dificuldade tanto em objetivar o conhecimento quanto em separar o conhecimento adquirido de seu modo de transmissão pela relação pedagógica e o professor. O bom professor é aquele motivador, que vive o seu curso intensamente e permite a expressividade juvenil; há uma enorme dependência do professor para o sucesso acadêmico. O professor ruim é desconsiderado e desrespeitado (é objeto de indisciplina acirrada). A enorme importância dada à relação pessoal com o professor é vista por Dubet (1991, p. 132) como ocasionada pela “baixa capacidade de controle das regras latentes da cultura escolar”.

Esses estudantes se comportam de maneira estrategista e utilitarista, mas de uma forma menos eficiente do que a dos bons alunos. Os cursos aparecem como sucessão de relações interpessoais, havendo desprezo de uma parte dos professores e a procura de gratificação e incentivo por parte de outros. Os novos alunos oscilam entre conformismo e inconformismo, entre a esperança e o desespero, parecendo não conseguir controlar eficazmente o jogo escolar.

Os estudantes manifestam dificuldades em projetar o futuro, pois não percebem como continuar após o bac e têm pressa em escolher. Seus projetos não são realistas. Sentindo-se encurralados pelo baixo valor do diploma dos cursos frequentados por eles no Ensino Médio, oscilam entre duas atitudes contraditórias: ou a ausência total de planos para o futuro, aliada à expectativa de oportunidades imediatas, ou, pelo contrário, o desenvolvimento de um projeto futuro ambicioso demais (por exemplo: cirurgião, advogado etc.), ligado a um voluntarismo nos esforços, sintetizado na afirmação: “se nós queremos, nós podemos.”

Como os dois tipos de escolas de Ensino Médio dos alunos até aqui caracterizados, o liceu dos novos alunos se distingue pela disciplina liberal. Contudo, esse ambiente escolar mais livre não é apreciado pelos novos alunos, que o caracterizam como um lugar entre outros aonde se vai. A maior parte deles tem uma jornada de trabalho extensa, gasta muitas horas de viagem, uma vez que habita bairros periféricos e tem de fazer biscates para comprar coisas para si ou para ajudar suas famílias. Por isso, os alunos internos são considerados privilegiados na medida em que não precisam passar por isso.

Dubet (1991) percebe esse tipo de liceu como muito aberto e tolerante a diferentes elementos da convivência social e étnica que ali se misturam. No entanto, a direção da escola imprime pouco sua marca, o que faz com que esta seja vista aos olhos dos estudantes do mundo exterior como sem brilho. Por isso, esses alunos têm uma ligação anônima e fria com a administração, exceto com os Conselheiros Principais da Educação (CPE), que são responsáveis pela vigilância, pela segurança e pelo acompanhamento dos alunos, dentro e fora da escola.

Para os estudantes, o clima de sua escola é caracterizado, principalmente, pela manutenção de uma convivência pacífica, de modo que até mesmo o racismo parece banido. Para alcançar esse resultado, diferentes estratégias de evitamento e políticas de tolerância são implementadas pelos próprios alunos a fim de garantir uma paz de fachada. Eles acreditam que a vida real está em outro lugar, não na escola.

Os novos alunos exprimem estilos e se identificam por meio de gostos e vestimentas, demarcando uma identidade juvenil que se realiza dentro da escola, mas não tem nenhuma relação direta com a própria cultura escolar, como no caso dos alunos do verdadeiro liceu.

Os dois principais aspectos positivos da experiência dos novos alunos estão na sociabilidade juvenil e na ligação afetiva com professores. É isso que permite que eles consigam estar em um universo considerado globalmente desfavorável. Dubet (1991) argumenta que, diante do inevitável fracasso, os alunos se mostram fatalistas, angustiados, ficam doentes, abandonam a escola.

Os futuros trabalhadores

A investigação de Dubet (1991) mostra que os jovens correspondentes ao perfil de futuros trabalhadores são, em sua maioria, de origem social modesta, com carreira escolar tortuosa, entremeada com vários insucessos, reprovações e reorientações escolares. Mais velhos do que os alunos dos três outros tipos de escolas de Ensino Médio aqui apresentados, entre eles é dominante uma experiência escolar sofrida. Todavia, para Dubet (1991), não é o meio social que explica a situação, mas a escola em si mesma, em razão do papel de seleção que ela assume ao conceder diplomas de maior ou menor prestígio, que justificam as posições sociais desiguais ocupadas pelas pessoas na sociedade.

O estudo remete a dois subgrupos de escolas profissionalizantes do Ensino Médio - denominadas Liceu Profissional (LP) -, que vivem duas experiências de alunos muito contrastantes do ponto de vista da utilidade de estudos. Grande parte dos alunos futuros trabalhadores vive a experiência de Ensino Médio como uma queda, uma situação de desclassificação: ela não só carrega a marca de seu insucesso como também a sua desvalorização social, além do risco muito elevado de acesso a empregos não qualificados ou ao desemprego. Por outro lado, uma pequena parte está em cursos mais valorizados e espera alcançar um maior nível de ensino profissional (bac), cursar uma faculdade tecnológica e garantir acesso a um emprego qualificado. Como essa parte dos futuros trabalhadores advém de cursos pouco valorizados socialmente, a escola profissional lhes aparece como uma oportunidade de salvação do percurso escolar e de uma socialização profissional positiva, com abertura para uma qualificação reconhecida.

Segundo Dubet (1991), quanto mais os estudantes conseguem fazer a ligação entre o ensino geral e a prática da profissão, mais a experiência escolar se torna integrada e aumenta a chance de sucesso. Não é o que geralmente ocorre com o grupo de alunos que percebe o Ensino Médio profissional como uma desclassificação. A relação dessa parte de alunos com os professores é atravessada pelo sentimento de revolta; porém, há uma enorme diferença para eles entre as aulas de ensino geral e as aulas práticas das oficinas. As situações de insucesso são associadas mais frequentemente às exigências das matérias gerais, pois eles têm dificuldade em dominá-las, sentem-se humilhados, já que ocorre a continuidade da experiência dolorosa do Ensino Fundamental, sem que a utilidade dos conteúdos das matérias gerais seja evidente. Geralmente eles se sentem melhor nas atividades práticas, pois consideram ser possível controlar o tempo e a tarefa, ter uma autonomia maior, inclusive com a possibilidade de partilhar saberes com o professor.

A hostilidade quanto às disciplinas do ensino geral aumenta a possibilidade de insucesso nelas. A recusa aos professores dessas disciplinas aparece na categorização do melhor professor como aquele que é simpático e trata o aluno como autônomo, inclusive não o forçando a trabalhar, permitindo que só brinque. O ressentimento social em relação aos professores muitas vezes beira a violência. O mais comum é procurar fazer o professor entrar em estado de esgotamento. Para Dubet (1991, p. 175), “na medida em que o interesse intelectual não foi adquirido, também na medida em que os alunos são menos preocupados com a eficácia quanto aos objetivos escolares, tudo se joga ‘na relação’”. Ou seja, é principalmente na relação professor-aluno que os descontentamentos com a seleção social e escolar eclodem.

Além do mais, esse segmento identifica o trabalho operário como duro e mal remunerado, permeado por um sentimento de exploração, dominação e impotência. Por isso, almeja permanecer o maior tempo possível no LP: “os alunos se fecham nas suas vidas juvenis, recusando mesmo a ideia de projeto que só ocasiona frustração” (DUBET, 1991, p. 162). Eles não pensam as aprendizagens ocorridas nesse tipo de curso como facilitadoras de uma carreira profissional, pois é difícil que eles venham a trabalhar com aquilo que aprenderam nesse tipo de escola. Na visão desses alunos, a qualificação no Ensino Médio em cursos pouco qualificados só serve para não estar completamente fora de mercado de trabalho.

A disciplina é mais rígida do que nos liceus precedentes, pois acontecem transgressões que são raras em outros estabelecimentos. Há controle de entrada e saída, as punições são mais frequentes por causa de atos agressivos inesperados, furtos, conflitos dos alunos entre si e com os professores etc. O texto de Dubet (1991, p. 180) parece indicar que esses incidentes não eram constantes e expressivos numericamente, mas tinham um efeito significativo, na medida em que

[...] o clima de indisciplina é, paradoxalmente, mais preciso que os incidentes que lhes funda; os fatos aconteceram antes, aliás, ouviram falar, parece. [...] Foi encontrado lá, exatamente, o fenômeno agora conhecido da distância entre o clima de insegurança e eventos que os justificam; a insegurança depende de um sentimento de imprevisibilidade e de incerteza, de não regulação de condutas, mais do que os riscos realmente apresentados.

A transgressão é uma maneira de viver ali uma experiência juvenil independente da escola, pois, ainda que localizada no seu interior, parece repetir uma das formas de sociabilidade agressiva do bairro. O objeto da agressão varia também, visto que não se dirige sempre para os mesmos alvos. Segundo Dubet (1991), há uma indisciplina desorganizada, que não incide sempre sobre os mesmos professores e com a mesma constância. Eles atacam tudo que lembra a escola, inclusive alunos que mostram adesão à cultura escolar, por exemplo: “um aluno trabalhador e muito zeloso, um ‘bouffon’ [bobo da corte] foi tornado o alvo da sua classe, ele recebeu ameaças, ele foi queimado acidentalmente por um ferro de solda” (DUBET, 1991, p. 181). Os alunos rompem com a ordem escolar ao introduzir no interior das instituições comportamentos de resistência ao jogo ali constituído. Entretanto a indisciplina não é a única forma de sair do jogo, pois subsiste também a resistência passiva, manifestada no silêncio, na inação.

Dubet (1991, p. 184) compreende o comportamento de resistência desses alunos como uma recusa a uma etiquetagem aviltante, “uma maneira racional de ruptura com as regras do jogo humilhante”. Ao mesmo tempo,

[...] o liceu prolonga uma vida juvenil ‘irresponsável’. Os professores apreendem frequentemente com azedume essa função ‘social da escola’. A sociedade ‘civil’ e a sociedade escolar se mesclam e a escola não é realmente separada da sociedade, ela é um lugar de espera. (DUBET, 1991, p. 187).

Por outro lado, os professores aceitam essa situação na medida em que temem a expulsão dos alunos da escola, já que o bairro é violento, composto de muitas gangues juvenis, e assim por diante. Além de tudo isso, embora a maior parte dos alunos “em queda” seja indisciplinada, aceita a disciplina escolar como necessária para protegê-la das relações de violência localizadas fora da escola.

Dubet (1991) discorre acerca de uma realidade cuja orientação do sistema de ensino coincide bastante com a estudada por Mikiewicz (2008). Este autor se lança na compreensão das dinâmicas e contextos escolares a partir da noção de cultura dos alunos, identificada em comportamentos discentes de resistência e de conformidade ao modelo cultural da escola. Com base nisso, Mikiewicz (2008) desenvolve a análise sobre os três mundos sociais diferentes das escolas secundárias na Polônia (liceu das elites, escolas profissionais básicas e os chamados liceus do meio), resumidos a seguir.

O liceu elitista

O liceu “junta jovens da mais alta competência educativa e cultural, na sua maior parte com origem em famílias de estatuto social elevado” (MIKIEWICZ, 2008, p. 101). Em linhas mais gerais, esse liceu guarda enormes semelhanças com o dos verdadeiros alunos estudado por Dubet (1991). Ambos congregam jovens que mostram querer aprender, aceitar a dureza do trabalho escolar, uma vez que se preparam para competir pelas vagas nas melhores universidades.

Mikiewicz (2008, p. 102) identifica no comportamento dos jovens do liceu elitista uma enorme integração dos jovens às regras lá estabelecidas, inexistência de resistência juvenil ao poder escolar e à autoridade docente, de maneira que “atingir o programa educativo pode ser realizado na forma prevista. Em tal ambiente social e cultural, estudantes e docentes são parceiros”. Por isso, a cultura dos alunos, segundo esse autor, é próxima do modelo de conformidade, visto que

[...] os jovens não questionam a autoridade da escola, não negam o poder docente. Embora algumas das decisões do pessoal não sejam plenamente aceitas, os estudantes não se rebelam explicitamente. Preocupam-se em ter bons resultados e uma avaliação positiva dos órgãos institucionais. Assim, têm uma parte ativa na criação e reforço da cultura escolar oficial, que é orientada para a criação de futuros vencedores da corrida educativa, a corrida por bons empregos e salários. (MIKIEWICZ, 2008, p. 101).

Da maneira como os jovens são apresentados pelo autor fica evidenciado um enorme esforço de integração juvenil ao liceu elitista, pois os jovens se mostram parceiros dos professores no desenvolvimento do programa escolar. Contudo, a pressão da seleção social parece ter consequências sérias sobre uma parcela desses jovens, se considerarmos que,

[...] apesar das satisfações que eles podem obter por causa do conhecimento que adquirem, professores apontam problemas inexistentes em outros tipos de escolas, já que a expectativa elevada dos pais, as aspirações de alto nível dos estudantes conduzem frequentemente a problemas psicológicos, traumas, tentativas de suicídio. (MIKIEWICZ, 2008, p. 102).

O liceu do meio

Esse liceu atende a um público de classe média, que não apresenta grande interesse nos estudos, mas gostaria de cursar universidade. Lá os professores também devem preparar os jovens para o exame do Ensino Médio (Matura) e para a entrada na universidade. Os jovens foram introduzidos nessa escola no início de suas trajetórias escolares “e têm competências mais baixas do que os seus pares nas escolas elitistas” (MIKIEWICZ, 2008, p. 105). Eles acreditam no valor da escola como promotora de posição social, porém não necessariamente no conhecimento, manifestam dificuldade de cooperação com os professores, prevalecendo uma “adesão distanciada” à cultura escolar e às atividades que compõem o “ofício do aluno”. A autora considera ambivalente o modo de relação dos alunos com a escola, pois estes oscilam entre uma cultura de conformidade (compromisso com algumas lições e tópicos) e uma cultura de resistência (oposição aos rituais escolares, conflitos com professores, absenteísmo).

Assim, coexiste uma tensão entre integração e resistência juvenil diante da cultura escolar, o que aparece também na relação dos adolescentes entre si, na medida em que ocorre a rejeição daqueles que se comportam como bons alunos. Assim, o texto nos sugere que coexiste entre eles o conflito entre a identidade juvenil e a identidade do aluno, entre as estratégias imediatas e o projeto de futuro, uma vez que os alunos do liceu do meio “querem obter credenciais que lhes deem entrada na universidade e em posições ocupacionais melhores do que as possuídas pelos seus pais” (MIKIEWICZ, 2008, p. 106). A autora considera que eles têm possibilidade de chegar à educação superior, não nos cursos de maior prestígio, e arranjar uma melhor ocupação no futuro.

A escola profissional básica

Segundo Mikiewicz (2008), a escola profissional básica (EPB) é um lugar de encontro de pessoas eliminadas do caminho de chegada à universidade, já que os cursos da EPB são destinados aos alunos com o mais baixo nível de desempenho escolar, com o objetivo de oferecer a possibilidade de uma qualificação ao trabalho de caráter terminal, ou seja, a escola profissional básica é um atalho curto para o mundo do trabalho. Originários em sua maioria de famílias de menores recursos, os adolescentes lá atendidos não gostam da escola e apresentam um nível de aspirações educativas e ocupacionais baixo.

Os alunos não legitimam a autoridade e o poder docente e recusam-se a ser julgados pelos professores. Ambos os lados disputam de maneira virulenta as definições da situação escolar, numa guerra que torna impraticável a cooperação entre professores e alunos. Estes “tentam implementar os seus próprios valores, sentidos e símbolos - tanto no espaço físico como social” (MIKIEWICZ, 2008, p. 103).

A escola é vista como opressiva e os estudantes se comportam como se não tivessem nada a perder em se opor a ela. Eles desenvolvem a resistência ativa e a passiva cotidianamente, revelando “uma percepção da luta pelas notas como irrelevante; a conformidade para com o sistema escolar é percebida como fraqueza [...], tomar parte nos estranhos rituais das lições é visto como algo estúpido e sem sentido” (MIKIEWICZ, 2008, p. 103).

A identidade que o texto focaliza é a do “mau aluno”, inconformista, que opõe sua cultura à cultura escolar. A escola, percebida como irrelevante e estranha, é apenas uma forma de obter certificados que aumentam as opções no mercado de trabalho. Obter diplomas sem nada aprender ou entrar em uma gang são vistos como caminhos considerados legítimos por esses jovens diante de suas ambições econômicas frustradas.

Cultura dos alunos no ensino médio brasileiro: escola privada e escola pública

Em consonância com a metodologia de exposição dos dados definida preliminarmente para esta parte do artigo, apresento o perfil de uma escola privada e o de uma escola pública brasileiras, para cotejá-los com as expostas preliminarmente a fim de destacar as formas assumidas pela cultura dos alunos nos diferentes tipos de estabelecimentos.

A escola privada de Ensino Médio do centro urbano

O primeiro trabalho, a dissertação de mestrado de Gelson AntônioLeite (2011), tratou dos modos de ser jovem por discentes do Ensino Médio, originários de camadas médias, de uma escola confessional privada de Belo Horizonte, com ênfase nos significados atribuídos à condição juvenil e à de aluno e suas relações com os projetos de futuro. Esse autor apresenta uma abordagem que permite cotejar os dados de pesquisa com os trabalhos apresentados preliminarmente neste artigo, na medida em que levantou dados sobre o perfil socioeconômico e cultural dos alunos, destacou as formas de sociabilidade no cotidiano escolar desses jovens, as escolhas mediatas e imediatas, o lugar dos conhecimentos escolares na sua vida, e assim por diante.

A pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa, com vários procedimentos de investigação, a saber: observação de campo, aplicação de questionários e entrevistas semiestruturadas. Para as entrevistas, foi estabelecido que ao menos um dos progenitores dos jovens escolhidos fosse detentor de um diploma de curso superior e ocupasse no mercado de trabalho posto como profissional liberal ou funcionário público. Assim, o grau de escolaridade superior foi conjugado com os critérios de ocupação profissional e, de maneira indireta, com o nível de renda das famílias.

Segundo Leite (2011, p. 21), a escola, criada em 1912, conquistou a posição de uma instituição católica de excelência e passou a atender a jovens da elite mineira, com um modelo de educação marcado “pela presença e rigidez dos padres alemães”. Uma mudança pedagógica empreendida nos anos 1970 fez com que essa escola passasse a aceitar uma clientela não homogênea quanto aos níveis de aprendizado, razão pela qual o estabelecimento foi abandonado por uma parte da elite e passou a atender a uma clientela proveniente das classes média e média baixa. Recentemente, a escola passou a almejar a recuperação do prestígio perdido, procurando aumentar a sua competitividade. Desse modo, a classificação do estabelecimento escolar segundo os resultados do ENEM tem sido modificada, passando do 42º posto em 2007 para o 20º em 2009, na classificação das escolas de Belo Horizonte. Isso é fruto de uma política da escola do ponto de vista das exigências para a admissão de novos alunos e do controle disciplinar.

Segundo Leite (2011), o colégio apresenta uma estrutura arquitetônica antiga e majestosa, com dimensão de todo um quarteirão, e fica situado na região centro-sul, localização dos bairros mais tradicionais e economicamente privilegiados, no centro comercial mais importante de Belo Horizonte. Além das salas de aulas, conta com laboratórios de Biologia, Química, Física e Informática, um museu de História Natural, auditório e sala de multimeios. O espaço de lazer apresenta quadras poliesportivas, piscina e fazendinha. Além disso, o “museu de História Natural do colégio possui um rico e surpreendente acervo, disponibilizado para os alunos como suporte de aulas expositivas. O colégio também possui uma biblioteca com um acervo adquirido desde sua fundação, há quase cem anos” (LEITE, 2011, p. 23).

O comportamento predominante dos alunos é de adesão à escola e à sua cultura e de aceitação do poder docente. Os discentes preocupam-se em ter bons resultados e se empenham no caminho para os bons empregos e salários. Ao mesmo tempo, a relação dos adolescentes entre si é pacífica, e a escola é considerada um espaço de coleguismo e amizade. Os jovens pesquisados declaram conversar com todos os colegas da classe, mas permanecer com os quais têm afinidades eletivas.

Os estudantes se mostram bem integrados aos valores e organização da escola, mas não exageram na adesão a eles, provavelmente com a exceção dos nerds, que priorizam falar sobre os conteúdos das unidades curriculares, o ensino e as notas. Os dados parecem indicar uma grande proximidade entre a identidade do aluno e a juvenil no grupo denominado nerd. Os demais mostram lidar com a condição de aluno e a cultura juvenil, pois uma é independente da outra e a juvenil permanece o maior tempo entre parênteses quando a de aluno se expressa na sala de aula, de maneira a não impedir que o “ofício do aluno” se efetive. Assim, as identidades juvenis são demarcadas por estilos pessoais como os dos atletas, que falam sobre esporte; dos “mauricinhos” e “patricinhas”, que enfatizam as “baladas”, bem como o consumo de acessórios e roupas de marca. Na sala de aula, esses jovens mostram ligar-se entre si conforme suas preferências eletivas, o que Leite (2011, p. 93-94) destaca ao afirmar que,

[...] de acordo com a apropriação de alguns espaços na escola, as formas de relacionamentos variam. Na sala B, os jovens que ocupavam os primeiros lugares e o meio da sala não conversavam muito durante as aulas, demonstrando uma postura de maior identidade com o comportamento tradicional de um estudante em sala de aula. Esse grupo, que se apresentava como de alunos estudiosos, no recreio, se dividia em pequenos grupos segundo suas afinidades de maior aproximação e convivência. Já os jovens que se sentavam em um dos cantos e no fundo da sala conversavam mais durante as aulas, denotando um nível maior de interação e se mostrando menos atenciosos durante as aulas. No entanto, era o grupo que se mantinha mais coeso nos recreios, onde costumavam sentar todos juntos, próximo às quadras de esporte. Ali ficavam conversando, mexendo nos celulares, vendo vídeos e perfis nas redes sociais.

Como os alunos de elite franceses e poloneses, retratados anteriormente neste artigo, o ensino superior aparece na fala desses jovens como um evento natural de suas trajetórias. Verificamos, assim, que as dificuldades e tensões presentes em seus projetos não estão relacionadas à escolha de cursar ou não o ensino superior, mas referem-se a que carreira profissional seguir, como os verdadeiros alunos estudados por Dubet (1991).

Embora a maior parte dos alunos tenha uma agenda de estudos intensa, pois, além de 35 horas semanais de atividades na escola, realiza estudos paraescolares, o tempo de estudo em casa é pequeno (uma média de duas horas por dia). Isso não significa dizer que eles não sejam muito ocupados pelas atividades ligadas à condição do aprendente, já que uma jornada de no mínimo 35 horas de estudos no Ensino Médio está longe de ser pequena, e a maioria tem uma jornada semanal de estudos maior do que aquela dos trabalhadores.

Se esses jovens comporão um segmento da elite mineira, o seu perfil dominante não corresponde aos apresentados por Dubet (1991) e Mikiewicz (2008), de modo que não se mostram porta-vozes de uma cultura erudita como os “herdeiros” do liceu clássico, nem com o excesso de pragmatismo e utilitarismo dos bons alunos. Além disso, as relações do jovem com a seleção social e escolar não se mostram da forma dramática como apresentada por esses autores, o que parece indicar menos sofrimento e tensão social. Ter sucesso escolar sem perder a juventude parece ser a lógica que orienta a ação da ampla maioria desses jovens, mais do que se ostentar uma imagem de elite intelectual.

A escola pública de Ensino Médio da periferia

A escola de Ensino Médio investigada por Leite (2011) é uma escola localizada na região com o maior índice de desenvolvimento humano do município de Belo Horizonte. Entretanto, o bairro Linhares, local onde se localiza a escola onde Daniele de Souza Barbosa (2007) desenvolveu sua pesquisa, está situado em uma das regiões com o menor índice de desenvolvimento humano e os maiores índices de exclusão social do município de Juiz de Fora.

É um dos bairros que apresentam maior precariedade de infraestrutura e de atendimento às necessidades sociais básicas como água, luz e calçamento, além de estar localizado em uma das regiões tidas como mais violentas de Juiz de Fora. A escola pública estadual estudada pela pesquisadora apresenta todos os sinais de falta de investimento e descuido, como falta de equipamentos, problemas de conservação (banheiros quebrados e sem descarga, salas sujas, com cadeiras quebradas etc.), além de depredação.

Nesse contexto, a pesquisa de Barbosa (2007) enfatizou os sentidos que os jovens atribuem às relações sociais por eles tecidas, em especial a dimensão da sociabilidade, no interior dessa instituição pública de ensino. A pesquisa almejou a compreensão da realidade escolar e da dinâmica das relações no interior da escola, do ponto de vista dos alunos. Para tal, foi realizada uma pesquisa qualitativa, de cunho etnográfico, baseada em observação participante, questionário, entrevistas abertas e sessões de grupo focal. Os sujeitos da pesquisa eram do 2° ano A do Ensino Médio da Escola Estadual Roberto Monteiro, a turma de melhor rendimento na instituição. Ela é composta de 30 alunos, sendo 26 moradores do bairro Linhares, com idade entre 15 e 22 anos, porém 8 da faixa etária entre 18 e 23 anos, ou seja, fora da idade esperada. Do ponto de vista da classificação racial, a autora chama atenção para um problema na autoclassificação feita, pois,

[...] conforme o questionário respondido pelos jovens alunos, 9 deles se autodeclararam pardos, 8 se autodeclararam brancos, também 8 se autodeclararam pretos e 5 se autodeclararam amarelos. Porém, ao longo da pesquisa, pude perceber que 22 deles eram negros, 8 eram brancos e nenhum possuía descendência asiática. Nota-se que tais dados parecem apontar para uma falta de consciência racial dos jovens investigados ao perceber a dificuldade de alguns deles de se assumirem como negros. (BARBOSA, 2007, p. 46).

Do ponto de vista dos níveis de escolaridade dos pais, esses alunos se assemelham aos novos alunos pesquisados por Dubet (1991). Aqui a maioria constitui a primeira geração que cursa o Ensino Médio no interior de suas famílias de origem, o que confirma a expansão dessa etapa do Ensino Básico no Brasil. Desse modo, a maior parte dos pais e mães dos alunos da turma 2ª A possui apenas o Ensino Fundamental incompleto, ou seja, a maioria nem sequer chegou até a 8ª série da Educação Básica. Embora seja perceptível o avanço da geração desses jovens sobre a de seus pais, a qualidade da educação oferecida a eles é muito inferior à da escola privada descrita por Leite (2011), o que significa uma real desigualdade de condições de educação formal.

Essa autora desenvolve um rico trabalho de investigação da “política geográfica” da sala de aula, composta de seis diferentes turmas de afinidade, inclusive apresentando sociogramas que indicam a distribuição do ponto de vista espacial. Essas turmas de afinidades foram por mim categorizadas em agrupamentos mais amplos em termos de níveis de adesão dos seus alunos à cultura escolar, repartidos em: sem interação social paralela durante as aulas; com interação social paralela eventual durante as aulas (rir dos outros, conversar); muito frequentes na interação social paralela durante as aulas.

Os alunos sem interação social paralela durante as aulas são os da “janela” e as “evangélicas quietinhas”, ou seja, constituem dois agrupamentos de “bons alunos”. O primeiro, o da “Janela”, é composto por duas garotas (de 16 anos de idade), sendo que uma delas já é mãe de um bebê de 1 ano de idade, e por um rapaz homossexual de 18 anos de idade, o que torna difícil falar desse agrupamento a partir da categoria identidade juvenil. Esses jovens interagem com os demais colegas da turma, não apreciam a “conversa paralela” e mostram-se participativos durante as aulas. O segundo, nomeado pelos professores como o “grupinho de evangélicas quietinhas”, é composto de três garotas quietas e introvertidas, que não conversam muito durante a aula. A autora afirma que “dentre as seis turmas de afinidade identificadas, a ‘Janela’ e as ‘Evangélicas’ são os agrupamentos que mais se enquadram na visão de estudante que uma instituição escolar espera do jovem: quietos, dedicados aos estudos e com boas notas” (BARBOSA, 2007, p. 75).

Os alunos com interação social paralela eventual durante as aulas (riem dos outros, conversam) é composto pelos agrupamentos “Meião”, “Roqueiros” e “Rosa”. O primeiro deles é composto por três alunas negras e uma branca, vistas pelos professores como “brincalhonas e inteligentes”. Ele foi nomeado como turma de afinidade do “Meião” por causa de sua localização no meio da sala. O segundo, um agrupamento de “Roqueiros”, composto por três negros e três brancos, é visto pelos professores como o único grupo só de meninos que não costuma conversar durante as aulas. Eles respondem imediatamente às demandas de silêncio dos professores, mostram-se sérios, porém frequentemente não conseguem deixar de rir de algumas brincadeiras e piadas. Conforme Barbosa (2007, p. 77), os “Roqueiros” fogem aos “estereótipos comuns a essa tribo como a resistência contra o sistema e sinais exteriores de provocação, externados pelo completo desprezo aos valores da sociedade curiosamente não foram percebidos nesses jovens em seu comportamento no ambiente escolar”.

A turma de afinidade “Rosa” é composta por quatro meninas de cor branca; porém, é nomeada dessa maneira porque os seus membros “demonstram grande preocupação com a aparência, usam lentes de contato, roupas e acessórios da moda bem coloridos (especialmente da cor rosa) e maquiagens. São muito sorridentes, gostam de conversar [...] procuram ter seus cadernos sempre com os conteúdos em dia” (BARBOSA, 2007, p. 78). Elas brincam frequentemente com os meninos da turma “Roqueiros”. São conhecidas pelos professores como as alunas mais vaidosas e desinibidas de sala de aula, inclusive do turno da manhã.

“Meião”, “Roqueiros” e “Rosa” são agrupamentos juvenis que combinam mais frequentemente a experiência da sociabilidade juvenil e as exigências do “ofício do aluno”, visto que

[...] suas condutas típicas no interior da sala de aula podem ser definidas com um misto de dedicação e envolvimento nas ‘zoações’, seriedade e zombaria, o qual engloba a mistura de condutas referentes ao se comportar com um típico aluno e, ao mesmo tempo, não deixar de ser jovem no interior da instituição escolar. Isto é, ao mesmo tempo em que estes alunos utilizam as interações entre si como um dos instrumentos para vivenciarem a condição de jovem no interior da instituição de ensino, eles também, em alguns momentos, demonstram ter compreendido e aceitado boa parte das normas impostas pela escola. (BARBOSA, 2007, p. 78).

Os alunos muito frequentes na interação social paralela durante as aulas compunham a turma do “Fundão”, a maior da sala de aula, com oito componentes - seis meninos e duas meninas, sendo seis negros e dois brancos. Segundo Barbosa (2007, p. 79), esses jovens

[...] não costumam se dedicar muito às aulas e a quaisquer outras atividades da escola, não costumam copiar com frequência a matéria, sentam-se de lado nas carteiras, são os que mais matam aula, conversam e ‘zoam’ em sala. Costumam colocar a conversa em dia dentro de sala, utilizam aparelhos eletrônicos como celular e mp3, ficam em pé fora do lugar conversando enquanto o professor aguarda silêncio para iniciar a aula e ‘colam’ nas provas. No ponto de vista de grande parte dos alunos e dos docentes, esta turma de afinidade é considerada a ‘mais indisciplinada’ da sala 2º A.

Desse modo, o “Fundão” é apresentado por Barbosa (2007) como aquele que tende a se distanciar do papel típico de aluno ao fruir da sociabilidade contra as exigências do “ofício do aluno”. Desse modo, do ponto de vista da relação com os professores como autoridade na escola, somente a turma do “Fundão” rejeita o conhecimento e “zoa” quase o tempo todo. O grupo declara estar na escola com o objetivo de encontrar os amigos; por isso, para eles a “aula boa é aula à toa”, professor bom é aquele que não é disciplinador, que dá e cobra pouco e não se importa se os alunos conversam. Seus membros estudam os comportamentos dos professores para decidir como agir com cada um deles com o objetivo de aumentar as possibilidades de experiências de sociabilidade. Em aulas de professores mais permissivos eles conversam mais, ouvem música etc. Diante de um professor carismático que muito brinca com eles, o grupo é disciplinado.

De modo geral, eles se mostram indisciplinados e não violentos. É um grupo cujo comportamento se assemelha aos dos grupos de futuros trabalhadores estudado por Dubet (1991), aquele que não consegue dominar a cultura escolar e não vê a escolarização como acesso a bons empregos, porém sem o nível de reatividade aos professores e à cultura escolar apresentado no contexto francês, pois esses jovens brasileiros não dão mostras de viver dentro da escola padrões de sociabilidade e de interação social marcados pela exibição de arrogância ou ameaça de violência.

Na relação dos adolescentes entre si, existem conflitos ocasionais ou permanentes entre as turmas de afinidade, na maioria das vezes em torno da disciplina e indisciplina escolar. Entretanto, a violência não eclode no interior da classe e da escola.

Nessa escola da periferia é possível encontrar várias formas de relação com os valores escolares e com a organização disciplinar da escola. Uma parte dos jovens, que se mostra ambivalente com relação à escola, percebe a instituição ora como um ambiente acolhedor, de alegria e diálogo entre as pessoas, ora como um local onde prevalece o tédio, a insatisfação e a queixa de falta de recursos físicos e materiais para que as aulas sejam melhores. Essa posição é mais acentuada no grupo dos “Roqueiros”. Apesar disso, todas as turmas de afinidades percebem a escola como um valor, mesmo aquelas que lá permanecem para brincar e, quem sabe, ganhar um diploma, caso seja possível, como é o caso do “Fundão”. Comportamento oposto ao grupo nerd, que procura tirar o máximo do que é oferecido pela escola, pois seus participantes acreditam que podem progredir, apesar das condições insatisfatórias da escola. Por outro lado, o grupo do “Fundão” desenvolve estratégias imediatas de controle da situação com o propósito de continuar na escola e granjear o prazer da sociabilidade sem se confrontar violentamente com a autoridade docente.

Cultura dos alunos, a cultura da escola e a cultura juvenil

Para Dubet (1991), os valores escolares não se colocam de maneira evidente para a maior parte dos alunos. Estes interpretam suas experiências na escola com base em referências que raramente coincidem completamente com as pretensões dos professores, pais e sistemas de educação. Uma dessas referências diz respeito ao interjogo entre as exigências da cultura escolar e os anseios das culturas juvenis, com as quais os grupos juvenis se identificam. Conforme as disposições do grupo cultural de origem, isso pode resultar em um investimento maior ou menor nos estudos, ou uma recusa ao conhecimento. Contudo, os alunos também fazem cálculos estratégicos para compreender os níveis de engajamento que os estudos exigem. Cálculos utilitários podem orientar as condutas, em termos de perdas e ganhos. As antecipações de perdas e ganhos podem ser anteriores à entrada em certos tipos de escolas, em decorrência de um histórico de insucessos anteriores. Segundo Dubet (1991), os segmentos dos setores populares mostram mais dificuldade em manejar a cultura escolar em benefício de uma escolarização favorável às carreiras mais prestigiosas, pois, além da falta de recursos materiais, os familiares dos alunos têm menor conhecimento e capacidade de jogar com as lógicas escolares.

Sem negar que as situações que os estudantes vivem na escola são construídas no domínio do estabelecimento, na sua relação com o sistema escolar e com as exigências da sociedade mais ampla, Dubet (1991) concebe que, diante de exigências múltiplas, o jovem do Ensino Médio se vê impelido a fazer uma apropriação singular das possibilidades dadas a fim de construir a sua experiência social. A partir desse autor, é possível pensar que essa apropriação depende também dos recursos físicos e simbólicos que o jovem percebe como disponíveis ou passíveis de serem mobilizados por ele, de maneira mediata ou imediata. As estratégias podem ser orientadas de diferentes maneiras, com maior ou menor consciência, em termos de adequação entre meios e fins.

Quando o olhar se distancia dos estabelecimentos onde os objetivos da escola e os dos alunos coincidem, mais frequentemente nas escolas de elite, encontramos uma gama de lógicas que orientam a cultura dos alunos, em meio a uma relação tensa entre as sociabilidades juvenis e os modelos culturais das escolas.

As pesquisas aqui trazidas nos fazem perceber que as escolas de Ensino Médio originárias do processo de extensão da escolarização das últimas duas ou três décadas se deparam com uma parcela de alunos que não corre somente o risco de insucessos, mas também o de construir sua cultura juvenil contra a escola e contra todos que aderem aos seus valores (os alunos estudiosos, os professores etc.), como asseveram Dubet (1991) e Dubet e Martuccelli (1996). O desdobramento desse raciocínio para os mundos culturais dos jovens na escola indica que certos segmentos de alunos se socializam e constituem subjetividades dentro do sistema escolar, ao passo que outros o fazem de fora, e outros, ainda, contra a escola.

Os comportamentos dos alunos dentro da classe são referenciados, do ponto de vista lógico, em dois extremos (mesmo que com oscilações) que vão, de um lado, de uma aquiescência total ao poder docente (e à cultura escolar do qual ele faz parte), até, de outro lado, a sua total recusa. Em outras palavras, mesmo com dissonâncias, as experiências que modulam as culturas dos alunos podem ser localizadas em algum ponto dos polos entre a atribuição de sentido total ao jogo escolar e o alheamento completo diante dele. Com base nesses elementos, podemos retomar as pesquisas aqui apresentadas para sintetizar como se manifesta a cultura discente, ou seja, o comportamento dos alunos diante do poder docente nos contextos investigados.

O sentido total ao jogo escolar pode não coincidir com a aquiescência total ao poder docente. É o que nos ensina um personagem do liceu do verdadeiro aluno pesquisado por Dubet (1991): o esnobe. A cultura do liceu tradicional é elevada a sua enésima potência por esse tipo de aluno, na afirmação exagerada e exigente que ele faz dos valores da cultura clássica. Crítico, ele recusa a anuência total ao poder docente, em nome de uma relação com a cultura que transcende a escola. Em certas situações, ao mostrar um refinamento cultural superior ao do professor, o aluno esnobe do verdadeiro liceu inverte o jogo de poder para afirmar a sua supremacia cultural. Ele discorre sobre livros que o professor não leu, menciona viagens e passeios culturais que o professor não pode fazer etc. Assim, o esnobe afirma uma cultura de aluno que não se distingue de sua cultura juvenil facilmente, pois uma alimenta a outra. Ele se apresenta como mais vocacionado para o conhecimento do que muitos professores, e aquilo que ele aprende no liceu amplia a sua performance identitária juvenil dentro e fora da escola, de modo que o acesso cultural fora da escola permite alimentar a imagem de aluno brilhante e dotado dentro do estabelecimento escolar e assim por diante.

No primeiro caso, o do esnobe, a cultura encarnada pelo jovem que se apresenta como um legítimo “herdeiro” se opõe ao poder docente em nome de uma cultura tradicional clássica; no segundo caso, essa cultura pode se coadunar com a cultura escolar e com o poder discente, o que é visível mais claramente no liceu elitista polonês. O texto de Mikiewicz (2008) nos indica que lá a cultura clássica é valorizada, mas sem os exageros que ela pode assumir para uma parte dos verdadeiros alunos, ilustrados por Dubet (1991) mediante a figura pedante do esnobe. A cultura dos alunos do estabelecimento de elite polonês apresenta os alunos como parceiros e condescendentes à cultura escolar e ao poder docente.

No terceiro caso, a escola privada de Belo Horizonte, Brasil, um pragmatismo maior parece levar os alunos a valorizarem o conhecimento, mas sem a preocupação de afirmação da superioridade da cultura clássica. Eles são estrategistas, mas não chegam ao utilitarismo extremado. Uma parte pequena deles, os nerds, supervaloriza o conhecimento escolar na afirmação de suas identidades juvenis dentro da escola, enquanto os demais mostram viver bem a distância entre a cultura juvenil e a cultura de aluno, visto que, embora tais dimensões culturais não se fundem, não há uma dissociação nociva entre elas.

No quarto caso, mais ressaltado nos bons alunos franceses, o excesso de estratégia e utilitarismo produz uma forma de recusa a conhecimentos que não sejam eficazes para o sucesso escolar e provas de conhecimento. Na relação com o poder docente isso se manifesta pela oposição ao conhecimento desinteressado e de pouca utilidade social. Não querem saber de filosofia se seus conteúdos não fazem parte do programa do bac. É uma cultura do aluno de adesão distanciada em relação à escola clássica e aos seus rituais. Saber o necessário para não ser um perdedor é a palavra de ordem dos bons alunos. Não se trata de uma cultura de alunos ambivalente ou oscilante, mas de uma posição diante do saber e da cultura escolar: aprender o que é importante e recusar o que não tem serventia definida ou para a vida ou para o bac. Trata-se de uma adesão distanciada em relação à escola, e, ao mesmo tempo, da possibilidade de fruir as benesses da condição de estudante por um longo tempo. Esses jovens proclamam oposição ao conteúdo visto como não útil e a aceitação dos úteis, além de preconizarem o conhecimento suficiente para não serem desclassificados, e adiam a decisão da escolha profissional.

No quinto caso, representado pelos novos alunos franceses, pelo liceu do meio da Polônia e por uma parte significativa dos alunos da escola pública brasileira, a cultura dos alunos se choca com a cultura juvenil (e provavelmente com a cultura de origem dos alunos). O importante é o diploma e não o conhecimento que ele certifica. Entre estudar coisas estranhas e sem sentido, fazer sacrifícios por um conhecimento de difícil apreensão e usufruir a sociabilidade no interior da escola, há oscilações, ambivalências e resistências. Conforme Dubet (1991), esses estudantes e suas famílias, por dominarem menos a cultura escolar, mostram-se estrategistas não necessariamente eficientes. Por vezes, esses jovens oscilam entre a cultura juvenil e a cultura dos alunos, por meio de atos de indisciplina em certos momentos e concordância com a autoridade docente em outros. Eles se mostram muito dependentes das competências dos docentes em ensinar bem e se relacionar bem com os alunos.

Por último, temos os alunos que se apegam às culturas juvenis para se defenderem de um jogo escolar que não dominam e que os desclassifica intelectualmente, além de empurrá-los para profissões pouco prestigiosas. Nesse caso, os alunos fazem questão de afirmar suas culturas juvenis ao mesmo tempo em que ostentam a cultura do mau aluno, como forma de resistência à cultura escolar. Isso pode se dar em diferentes níveis, mais ou menos virulentos e mais ou menos violentos.

Considerações finais

A análise dessas publicações nos mostra que interpretar toda prática discente como a expressão de uma cultura que reside fora do contexto imediato ou, ao contrário, como meio de preservar interesses imediatos pode mascarar a complexidade do fenômeno estudado. Embora seja necessário considerar como os jovens jogam estrategicamente com a escola e com as tarefas que compõem o “ofício do aluno”, a tensão entre as identidades de adolescente e aluno vivenciadas pelos jovens originários de certos grupos favorecidos socialmente é gerida, em um grau considerável, pelas suas famílias, de modo a garantir o sucesso escolar de seus membros. Assim, embora nas definições das situações no aqui-e-agora do cotidiano escolar o embate seja entre professor e aluno, essas definições também dependem das referências socioculturais dos universos de pertença e de referência dos grupos dos jovens e, ao mesmo tempo, das brechas deixadas pela organização escolar e pelo sistema.

Certos alunos sentem que seus estudos são úteis porque estão enraizados em um projeto de família e estão investindo em seus projetos de vida. Outros estudantes, ao contrário, não percebem a relevância de seus estudos, de maneira que há choque entre “a vida real e a vida escolar”, a “cultura dos alunos e a cultura juvenil”. Olhar a escola a partir da cultura dos alunos nos permite entender as diferentes dinâmicas dessas relações dos jovens com a escola em contextos variados.

O artigo aqui apresentado não tem a pretensão de cobrir todas as possibilidades concretas de culturas dos alunos em diferentes universos sociais. Contudo, oferece recursos teórico-metodológicos para avanços nesse debate.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 07 de Novembro de 2018; Aceito: 07 de Agosto de 2018

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