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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.28 no.55 Salvador mayo/agosto 2019  Epub 14-Oct-2020

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2019.v28.n55.p143-161 

Artigos

DISCURSOS EMPRESARIAIS E AGENDA EDUCACIONAL: SOBRE INOVAÇÃO E DIFUSÃO DE “BOAS PRÁTICAS”

CORPORATE DISCOURSES AND EDUCATIONAL AGENDA: INNOVATION AND DISSEMINATION OF “GOOD PRACTICES”

DISCURSOS EMPRESARIALES Y AGENDA EDUCACIONAL: SOBRE INNOVACIÓN Y DIFUSIÓN DE “BUENAS PRÁCTICAS”

Viviane Klaus*  Unisinos
http://orcid.org/0000-0002-6382-8089

Maria Alice Gouvêa Campesato**  Unisinos
http://orcid.org/0000-0002-1965-9564

*Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Mestrado Profissional em Gestão Educacional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Currículo e Contemporaneidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GPCC/UFRGS) e do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (GEPI/ Unisinos). E-mail: viviklaus@unisinos.br

**Doutoranda em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Mestre em Gestão Educacional pela Unisinos. Professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Integrante do Grupo de Pesquisa em Práticas Curriculares de Escrita e Leitura nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e os Modos de Subjetivação (Unisinos). E-mail: mcampesato@yahoo.com.br


RESUMO

O artigo discute de que modo alguns discursos sobre inovação têm pautado a área da educação e demandado a formação de sujeitos flexíveis, que possam competir no mercado de trabalho contemporâneo. Para tal, apresenta um recorte de duas pesquisas na área da educação - uma concluída, que estudou as relações tempo/ espaço e suas articulações com o currículo escolar, e outra, em andamento, sobre empresariamento da educação, que busca discutir os efeitos das parcerias escola/empresa no cotidiano escolar - e analisa experiências educacionais inovadoras da Plataforma InnoveEdu. A partir de uma análise documental e dos entendimentos de rede de Stephen Ball (2014), enquanto um método que possibilita olhar a estrutura das comunidades de política a partir da descrição de alguns aspectos mais visíveis de suas relações sociais e como um dispositivo conceitual que é utilizado para representar mudanças nas formas de governança da educação, foram estudadas as experiências inovadoras selecionadas. O estudo permitiu-nos compreender algumas das relações existentes entre os discursos neoliberais sobre as reformas educacionais, o imperativo da inovação e a reorganização dos espaços escolares na lógica pós-fordista, que demanda instituições e sujeitos flexíveis.

Palavras-chave: Inovação; Empresariamento; Tempo/Espaço; Contemporaneidade

ABSTRACT

The article investigates how some speeches on innovation have guided the area of education and demanded the training of flexible individuals, who can compete in the contemporary job market. Therefore, it presents some aspects of two studies developed in the area of education - the first one is concluded and studied the time/space relations and its connections with the school curriculum, and the second one, in progress, is about entrepreneurism of education, and aims at discussing the effects of the school/company partnerships in the daily school life - and analyzes innovative educational experiences of the InnoveEdu Platform. The selected innovative experiences were investigated from a documentary analysis and were based on Stephen Ball’s (2014) understanding of net, which is considered a method that enables to verify the structure of the communities of policy, considering the description of some more visible aspects of its social relations, and as a conceptual device that is used to represent changes in the ways of governance of education. The study enabled the understanding of some of the existing relations between the neoliberal discourses on educational reforms, the imperative of innovation and the reorganization of school spaces in the post-Fordist logics, which demands flexible individuals and institutions.

Keywords: Innovation; Entrepreneurism; Time/Space; Contemporaneity

RESUMEN

Este artículo discute de qué modo algunos discursos sobre innovación han pautado el área de educación, y demandado la formación de sujetos flexibles que puedan competir en el mercado de trabajo contemporáneo. Para esto, se presenta un fragmento de dos investigaciones en el área de educación - una concluida, que estudió las relaciones tiempo/espacio y sus articulaciones con el currículo escolar, y otra, aún en proceso, sobre la empresarización de la educación, que busca discutir los efectos de la sociedad escuela/empresa en el escolar cotidiano - y analiza experiencias educacionales innovadoras de la Plataforma InnoveEdu. A partir de un análisis documental y de los entendimientos de la red de Stephen Ball (2014) como un método que posibilita observar la estructura de las comunidades de política partiendo de la descripción de algunos aspectos más visibles de sus relaciones sociales y como un dispositivo conceptual utilizado para representar cambios en las formas de gobierno de la educación, fueron estudiadas las experiencias innovadoras seleccionadas. El estudio nos permitió comprender algunas relaciones existentes entre los discursos neoliberales sobre las reformas educacionales, el imperativo de la innovación y la reorganización de los espacios escolares en la lógica pós-fordista, que demanda instituciones y sujetos flexibles.

Palabras-clave: Innovación; Empresarización; Tiempo/Espacio; Contemporaneidad

Introdução

Este artigo tem por propósito discutir de que modo os discursos do meio empresarial, que guardam estreita vinculação com as relações de trabalho no capitalismo contemporâneo, adentram a área da educação e demandam a formação de sujeitos flexíveis que possam competir no mercado de trabalho. Para tal, apresenta um recorte de duas pesquisas na área da educação: uma concluída, que estudou as relações tempo/espaço e suas articulações com o currículo escolar; e outra, em andamento, sobre empresariamento da educação, que busca discutir os efeitos das parcerias escola/ empresa no cotidiano escolar.

O corpus empírico deste estudo constitui-se da análise de quatro experiências educacionais inovadoras, constantes do InnoveEdu, um site que apresenta “[...] 96 experiências espalhadas pelo mundo que traduzem cinco importantes tendências capazes de tornar o aprendizado significativo e conectado com as demandas do século 21.” (INNOVEEDU, 2017). A lista de de experiências inovadoras é organizada pelo Porvir em parceria com o Edsurge, Innovation Unit e World Innovation Summit for Education, que apresenta “desde ferramentas tecnológicas que facilitam o trabalho do professor até políticas públicas que transformam práticas pedagógicas em redes de ensino.” (INNOVEEDU, 2017). É importante ressaltar que, em seu site, o Porvir é definido como uma agência de notícias que

[...] produz matérias diárias sobre tendências e inovações que estão transformando a educação no Brasil e no mundo. Além de reportagens interessantes e de fácil compreensão listadas no site no item inovações em educação, o portal também oferece orientações para educadores, gestores e empreendedores e referências produzidas em eventos do Porvir. O conteúdo é disponibilizado gratuitamente no site, inclusive para uso livre por outras mídias e veículos da imprensa. (PORVIR, 2017).

O Porvir “é uma iniciativa do Instituto Inspirare, criado em setembro de 2011, e cuja missão é inspirar inovações em iniciativas empreendedoras, políticas públicas, programas e investimentos que melhorem a qualidade da educação no Brasil.” (PORVIR, 2017). É considerado o maior site brasileiro de inovações na área da educação e tem como um de seus propósitos “responder às demandas do mundo contemporâneo e às especificidades do aluno do século 21.” (PORVIR, 2017). Possui uma série de colaboradores voluntários - os antenas - espalhados pelo Brasil e pelo mundo, “conectados com o universo das inovações educacionais e comprometidos com a melhoria da educação, que encaminham ao Porvir dicas sobre processos, materiais, pessoas e ideias educativas inovadoras.” (PORVIR, 2017, grifo nosso). Conta, também, com uma série de instituições parceiras: Artemísia; Associação Cidade Escola Aprendiz; Catarse; Centro de Referências em Educação Integral; C.e.s.a.r Edu; Cipó Comunicação Interativa; Endeavor; Fundação Itaú Social; Fundação Lemann; Fundação Telefônica; Fundação Tide Setúbal; Geekie; Instituto Educadigital; Instituto Natura; Instituto Rodrigo Mendes; TIC Educa e WISE (PORVIR, 2017). A partir da rede de parceiros, é possível visualizar o “papel cada vez maior das empresas, dos empreendimentos sociais e da filantropia na prestação de serviços de educação e de políticas educacionais, e o surgimento concomitante de novas formas de governança em ‘rede’” (BALL, 2014, p. 23, grifo do autor), o que “exige novas formas de pensar e de fazer pesquisa - como etnografias de eventos, comparecimento e uso das mídias sociais como dados, fazendo-o dentro de ‘estudos de caso’ para rastrear as relações e movimentos.” (BALL, 2014, p. 19, grifo do autor).

As “redes políticas são um tipo de ‘social’ novo, envolvendo tipos específicos de relações sociais, de fluxos e de movimentos. Eles constituem comunidades de políticas, geralmente baseadas em concepções compartilhadas de problemas sociais e suas soluções” (BALL, 2014, p. 29, grifo do autor). Portanto, “esse ‘método’ é definido dentro de um amplo conjunto de mudanças epistemológicas e ontológicas [...] que envolvem uma diminuição do interesse em estruturas sociais, e uma crescente ênfase sobre fluxos e mobilidades (de pessoas, de capital e de ideias [...]” (BALL, 2014, p. 28, grifo do autor).

E é justamente nesse sentido que a análise de algumas experiências inovadoras na educação - propagadas por economistas, empresários, administradores, entre outros profissionais, a partir de inúmeros programas e de uma rede de parcerias que cresceu substancialmente nos últimos anos - é um movimento fundamental nas pesquisas educacionais contemporâneas. A agenda da área da educação tem sido pautada, em grande medida, pelos discursos sobre inovação que estão relacionados com o mercado de trabalho flexível e com um tipo de trabalhador a ser formado, questões que serão discutidas na sequência. O InnoveEdu é uma das plataformas que pretendem “servir como fonte de referência para que educadores, formuladores de políticas públicas e empreendedores ao redor do mundo se orientem para implementar práticas criativas na rotina de seus próprios ambientes educacionais.” (INNOVEEDU, 2017).

Parte-se do pressuposto de que a proliferação de modelos e das chamadas “boas práticas” educacionais faz parte do currículo neoliberal da reforma. Importa dizer que

O ‘currículo’ aqui é sobre o setor público aprender a enfrentar suas supostas inadequações, aprender lições advindas dos métodos e dos valores do setor privado e aprender a reformarse. Assim como, em outro sentido, aprender as ‘lições duras’ ensinadas pelas disciplinas do mercado. Tudo isso envolve a instilação de novas sensibilidades e valores, e novas formas de relações sociais nas práticas do setor público. O setor privado é o modelo a ser emulado, e o setor público deve ser ‘empreendido’ à sua imagem. (BALL, 2014, p. 65, grifo do autor).

A partir desse material, procura-se problematizar a corrente tendência que percebe a escola como um espaço voltado para atender às necessidades individuais, à formação de sujeitos para o mercado de trabalho altamente competitivo, e que deve propor a personalização da aprendizagem, incentivar o empreendedorismo, promover a inovação a partir de um esvaziamento das finalidades da educação e do “esmaecimento das características intencionais das práticas de ensino” (ENZWEILER, 2017, p. 39). Nesta lógica, os

[...] valores profissionais coletivos são substituídos por valores comerciais, e professores são despojados de sua expertise e julgamento. Interesses coletivos são substituídos por relações de competição e torna-se cada vez mais difícil mobilizar trabalhadores em torno de questões de importância geral para o sistema educacional como um todo. (BALL, 2014, p. 69).

Para atender a tais “demandas contemporâneas”, experiências inovadoras propagam que o ambiente escolar deve ser amplo, flexível, interativo, com design diferenciado e móveis customizados, a fim de preparar os alunos para os desafios da contemporaneidade. Dessa forma, o ensino de “competências” e “habilidades” parece imprescindível às escolas da atualidade. As chamadas “Competências para o século XXI” tornam-se, assim, mais do que uma tendência, um imperativo:

O termo ‘Competências do Século XXI’ denota uma gama alargada de habilidades e competências que vão além do que, tradicionalmente, tem sido ensinado em sala de aula. Essas habilidades são consideradas importantes para novas gerações de estudantes e incluem: pensamento crítico1 e resolução de problemas; comunicação, colaboração; criatividade e inovação. (EDSURGE, 2017, tradução nossa).

Tendo em vista tais questões, organizamos este artigo em três seções, que estão articuladas. Na primeira seção, apresentamos um breve panorama da proliferação dos discursos sobre a inovação e a reconfiguração dos espaços escolares, cuja tarefa principal seria a formação de sujeitos flexíveis. Na segunda, apresentamos um breve histórico da compressão espaço-temporal contemporânea e seus efeitos nas funções sociais da escola. Para tal, discutimos a formação de sujeitos escolarizados na passagem da lógica fordista para a lógica pós-fordista, que demanda um sujeito empresário de si mesmo - o qual é responsabilizado constantemente pelos seus sucessos e fracassos -, de modo que muitos dos discursos sobre a necessidade de reformas na área educacional são provenientes do meio empresarial e guardam relação com o tipo de sujeito a ser formado. Por fim, na terceira e última seção, analisamos as quatro experiências educacionais inovadoras do InnoveEdu.

Sobre os discursos da inovação e a “necessária” reinvenção dos espaços escolares

[...] A reengenharia trata de começar de novo em uma folha de papel em branco. Ela rejeita a sabedoria convencional e as suposições herdadas do passado [...] A reengenharia é a procura de novos modelos de organização do trabalho. A tradição de nada vale. A reengenharia é um novo começo. (HAMMER; CHAMPY, 1994, p. 35).

A inovação na educação tem sido um tema recorrente em diversos âmbitos: sociais (mídias, redes, plataformas); acadêmicos (seminários, congressos, artigos, teses e dissertações); e jurídicos (orientações, portarias, decretos). O interesse pelo tema diz respeito à necessidade de reformulação do modelo escolar, considerado por muitos como defasado, desatualizado, desconectado das reais necessidades de um mundo cada vez mais veloz.

Ao realizarmos uma busca na internet com o descritor “escolas inovadoras”, encontramos um número considerável de sites, blogs, páginas, reportagens e experiências consideradas “inovadoras”, dos quais citaremos alguns dos títulos ou chamadas: “Vivemos uma esquizofrenia no espaço educacional, com modelos do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI” (BASÍLIO, 2014); “Seleção Hypeness: 15 escolas inovadoras para inspirar a construção de um mundo melhor” (NUNES, 2015); “Escolas mais inovadoras do mundo apostam na autonomia dos alunos: Reportagem mostra instituições em que a aprendizagem é baseada em desenvolvimento de projetos, personalização do ensino e uso de tecnologia” (ESCOLAS..., 2016); “Arquitetura escolar inovadora abre portas para novas formas de aprendizagem” (ARQUITETURA..., 2014). Cada uma dessas reportagens traz alguns elementos importantes para que se possa pensar a respeito da temática inovação: “necessidade de se revolucionar o modelo educacional no país” (BASÍLIO, 2014); “Percebendo que o método é cansativo, ultrapassado e definitivamente desadaptado do estilo de vida atual, as escolas começaram a inovar e inserir novos meios de aprendizado, muito mais humanizados, verdadeiros e prazerosos, fazendo com que o aluno queira estar ali” (NUNES, 2015).

Temos também:

[...] as escolas mais inovadoras do mundo, que apostam na autonomia do aluno, na personalização do ensino, na aprendizagem baseada em desenvolvimento de projetos, no uso da tecnologia, na construção de espaços que estimulem a construção do conhecimento através da prática e na valorização de competências como liderança, proatividade, comunicação, sociabilidade, cooperação ou talentos artísticos. (ESCOLAS..., 2016).

Em entrevista, o professor e arquiteto uruguaio, Pedro Barrán, falou sobre como a arquitetura oferece possibilidades para proporcionar uma educação mais flexível. Segundo ele, muitas tradições e convenções na arquitetura escolar estão neutralizadas e carregam um discurso de que são assim porque são assim. (ARQUITETURA..., 2014, grifo do autor).

Percebe-se uma similaridade nesses discursos, os quais asseveram que o modelo escolar, tal como se apresenta hoje, está em defasagem com as “reais” necessidades dos estudantes e do mundo contemporâneo. Para tal, a “reforma” se faz urgente, devendo desenvolver competências adequadas, levando em consideração o uso de tecnologias, a flexibilidade, a autonomia, o prazer, a proatividade. Essa urgência também está presente em alguns discursos oficiais. De acordo com o Programa de Estímulo à Criatividade na Educação Básica, desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC), que tem por objetivo “Criar as bases para uma política pública de fomento à inovação e criatividade na educação básica”, o novo cenário brasileiro necessita de “mudanças significativas no campo da educação” (BRASIL, 2015). Esse novo cenário diz respeito a “processos sociais que se acentuaram nas últimas décadas”. De acordo com o Programa, o primeiro desses processos corresponde ao desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação, “que facilitam o autoaprendizado, a formação de comunidades de aprendizagem e de redes e a produção de conhecimento em diversos suportes a custos muito baixos” (BRASIL, 2015a). O segundo refere-se à modificação no mundo do trabalho, relacionado à maior expectativa de vida, possibilitando que as pessoas desempenhem mais de uma carreira profissional, e à “dinâmica da economia”, que reduz o tempo em que cada pessoa permanece na mesma organização, tornando as “fronteiras entre as áreas de atuação” cada vez mais fluidas e exigindo dos especialistas conhecimento e habilidade para lidar com “trabalho em equipe e estratégias de comunicação, em que “novos campos de atuação são criados conectando saberes e competências diversas. A estrutura curricular baseada em disciplinas não dialoga com esta nova configuração do mundo do trabalho” (BRASIL, 2015a). O terceiro corresponde “às exigências de atitudes éticas, mais prudentes e criativas em relação ao planeta”, em que as novas gerações possam criar soluções para os problemas que ainda não têm solução insolúveis. “Torna-se necessário que estas pessoas, para além de memorizar conteúdos, aprendam a pesquisar, criar e valorizar novas atitudes e comportamentos. Daí a importância da experimentação, do engajamento e da capacidade de desenvolver projetos” (BRASIL, 2015a).

Para dar conta dessas demandas, o referido texto argumenta que mudanças são urgentes no campo educacional brasileiro e, em especial, nas escolas:

O modelo baseado na organização dos grupos seriados por idade, do tempo em aulas, do espaço em salas, corredores e pátios, e do conhecimento em disciplinas tem se mostrado insuficiente para os desafios do século XXI. Os recentes avanços da pesquisa no campo da cognição confirmam a hipótese de educadores segundo as quais, para aprender, o indivíduo precisa estar motivado, sensibilizado, interessado na informação que se lhe apresenta, e o modelo escolar não é voltado para motivar este interesse. (BRASIL, 2015).

O documento acrescenta que a legislação (a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, de 1996; as Diretrizes Curriculares Nacionais, de 2013; e o Plano Nacional da Educação) reconhece a necessidade e cria estratégias e possibilidades para que tais mudanças ocorram; porém, mesmo com essas “novas possibilidades criadas pela legislação e da reconhecida insatisfação de professores, estudantes e pais, o modelo permanece, incorporando eventualmente modificações parciais” (BRASIL, 2015a). Dessa forma, o Programa busca divulgar práticas inovadoras realizadas, em sua grande maioria, por organizações não escolares, pautadas por “princípios organizacionais que estimulam a autonomia, flexibilidade, participação, integração com a comunidade e o uso inteligente das novas tecnologias” (BRASIL, 2015). Tais práticas inovadoras exercem influência ainda muito restrita sobre escolas, redes de ensino ou formulações de políticas públicas, conforme aponta o documento.

Percebe-se a confluência de ideias com relação ao imperativo da inovação, tanto no discurso oficial - Portarias nos: 751, de 21 de julho de 2015 (BRASIL, 2015b) e 1.154, de 23 de dezembro de 2015 - (BRASIL, 2015c), como nos discursos que circulam nos mais variados âmbitos da sociedade brasileira. É importante salientar que os princípios de autonomia, flexibilidade, participação, integração e uso de novas tecnologias se dão em nível global.2

Conforme o relatório “Better spaces for learning”, ou Melhores espaços para aprender, elaborado por The Royal Institute of British Architects (RIBA), Instituto Real de Arquitetos Britânicos, as escolas com espaços mais confortáveis e designs mais planejados apresentam melhor “produtividade”. Esse relatório é baseado em pesquisa encomendada pelo Instituto a duas consultorias líderes que avaliaram o valor quantitativo e qualitativo de um bom projeto do edifício escolar. De acordo com o Relatório, a

[...] pesquisa foi orientada por uma combinação de pesquisa externa, incluindo estudo detalhado de como os novos prédios escolares têm sido feitos; pesquisa nacional com professores sobre suas experiências; e discussões com os principais arquitetos, acadêmicos e consultores. (THE ROYAL..., 2016, p. 17, tradução nossa).

O relatório apontou que os bons edifícios escolares têm um impacto significativo no comportamento do aluno, no engajamento, no bem-estar e na realização; impactam, significativamente, na produtividade das escolas; reduzem custos de manutenção e de funcionamento (THE ROYAL INSTITUTE OF BRITISH ARCHITECTS, 2016).

O espaço escolar, dessa forma, ocupa um lugar importante para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que se propõem a formar um novo tipo de sujeito, mais autônomo, proativo, flexível, criativo, apto a trabalhar em equipe e a dar soluções para os problemas que surgem a cada dia. Importa dizer que as noções de autonomia, de criatividade e de trabalho em equipe ganham nuances muito distintas daquelas protagonizadas pelas teorizações educacionais críticas. De acordo com Narodowski (1999, p. 103, grifo do autor, tradução nossa),

[...] existe uma importante diferença entre o tipo de autonomia escolar que teoricamente se desenvolvia na década de setenta e oitenta do século XX e os processos de descentralização e autonomização que se observam na atualidade. Enquanto os primeiros não modificaram o padrão fundacional dos sistemas educativos nacionais que regulavam a relação vertical entre a autoridade estatal e as escolas, nestes novos esquemas se desenvolvem outras formas de distribuição do poder, em que a denominada ‘comunidade educativa’, a partir da participação dos pais e de outros atores nas instituições escolares, podia chegar a adquirir cotas importantes de poder. Já não se trata somente de descentralizar até outras instâncias de poder político (provincial, estatal, regional ou municipal), senão também até os docentes, associações e atores da sociedade civil.

No mercado de trabalho contemporâneo, a autonomia tem sido compreendida a partir de um processo de individualização exacerbada e de uma “cooperação fraca e superficial” (SENNETT, 2012, p. 233) que movimenta a lógica da competitividade em uma sociedade altamente desigual.

Na contemporaneidade, “as empresas se dividem ou fundem, empregos surgem e desaparecem, como fatos sem ligações. A destruição criativa, disse Schumpeter, pensando nos empresários, exige pessoas à vontade em relação a não calcular as consequências da mudança, ou a não saber o que virá depois” (SENNETT, 2009, p. 32).

Na lógica do capitalismo flexível, juntamente com o espaço, a inovação torna-se crucial, contrapondo-se à tradição de práticas e experiências educacionais construídas ao longo da história da Educação. Para Tidd e Bessant (2015), há uma diversidade de interpretações acerca da palavra inovação. Os autores argumentam que, frequentemente, tal vocábulo é confundido com invenção. Para eles, “a inovação é o processo de transformar as oportunidades em novas ideias que tenham amplo uso prático” (TIDD; BESSANT, 2015, p. 19. Para Drucker (1985 apud Tidd; Bessant, 2015, p. 19), a “inovação é a ferramenta específica dos empreendedores, pela qual eles se aprofundam nas mudanças como uma oportunidade para negócios ou serviços diferentes. Ela pode ser considerada uma disciplina, ser aprendida e praticada”. Para Porter (1990 apud TIDD; BESSANT, 2015, p. 19), as “empresas obtêm vantagem competitiva por meio de ações inovadoras. Elas abordam a inovação em seu sentido mais amplo, incluindo tanto novas tecnologias quanto novas maneiras de fazer as coisas”. Percebe-se que esses diversos autores da área da Administração têm concepções semelhantes acerca do significado de inovação. Essas concepções denotam o caráter pragmático do uso do termo, cujos propósitos articulam-se à competitividade de mercado em que, para tal, a inovação é imprescindível. A área da Educação vem, com cada vez mais frequência, incorporando esses conceitos, de cunho administrativo-empresarial, em seu campo lexical e semântico. Dessa forma, a partir das palavras, são inseridos, no cotidiano educacional, conceitos do mundo dos negócios que têm sido ressignificados das mais diversas formas. Isso vai, paulatinamente, constituindo novos perfis de sujeitos a serem formados: inovadores, competitivos, flexíveis, “colaborativos”.

A sociedade contemporânea requer um “sujeito empresarial” que é diferente do “homem produtivo das organizações industriais. O homem neoliberal é o homem competitivo, inteiramente imerso na competição mundial” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 322, grifo do autor).

Em matéria de produção do interesse geral, o Estado tem seu papel reduzido e passa a ser visto como uma empresa que, enquanto instituição de mercado regida pela concorrência, importa as regras de funcionamento do mercado concorrencial para o setor público (DARDOT; LAVAL, 2016). Vivemos em um momento de profunda transformação nas relações público/privado e nas decorrentes propostas educacionais em curso que se formam a partir de “cruzamentos cada vez mais complexos e opacos, obscuros, entrelaçados ou híbridos que constituem e incentivam essa paisagem neoliberal de empreendimentos” (BALL, 2014, p. 147). Esse autor diz ainda que a “ajuda internacional e filantropia já não são ‘doadas’ como subsídios aos governos e às ONGS, mas sim são ‘investidas’ em edu-businesses e no desenvolvimento de mercado e de soluções de empreendedorismo social para problemas educacionais” (BALL, 2014, p. 146, grifo do autor). Conforme discutido até aqui, muitos desses “negócios educacionais” que apresentam “soluções” para a área da educação, que vão desde a socialização de “boas práticas” que possam ser replicadas até a elaboração de programas e/ou de políticas educacionais, guardam estreita relação com a formação de sujeitos flexíveis que possam competir no mercado de trabalho contemporâneo. Os processos de desindustrialização afetam as funções sociais da escola, questão que será discutida na próxima seção.

Compressão espaço-temporal contemporânea e seus efeitos nas funções sociais da escola

[...] a representação e o uso do tempo e do espaço constituem uma das dimensões mais relevantes de uma sociedade. Essa representação é subjetiva e está ligada ao mundo da vida. Assim sendo, variará não apenas ao longo de períodos históricos, mas também entre contemporâneos com distintas experiências. (SARAIVA, 2006, p. 30).

De acordo com Saraiva (2006, p. 46), o entendimento que temos, na contemporaneidade, acerca do deslocamento e da velocidade ocupa “um lugar privilegiado na representação do mundo e da realidade. O espaço-tempo encontra-se entranhado e capilarizado na constituição dos sentidos na atualidade, tornando-se a substância básica de construção da realidade contemporânea”. Assim, a velocidade, a mobilidade e a instantaneidade são elementos que permeiam e constituem a forma de pensar e de se relacionar no mundo contemporâneo. Ao passo em que o mundo se torna menor, encurtando as distâncias, na contemporaneidade, os lugares “não estão fixos no mapa, mas são pontos móveis conectados em redes. [...]. Na sociedade contemporânea, a capacidade de trocar de lugar e de criar novos lugares, aquilo que Veiga-Neto (2002, p. 173) chama lugarização cada vez conta mais como forma de poder”. (SARAIVA, 2006, p. 48).

Se nossa “experiência do espaço e do tempo encontra-se alterada, e isso configura uma condição crítica para uma instituição inventada para ajudar a edificar o mundo da ordem, da longa duração, das coisas certas, das ideias claras e distintas” (COSTA, 2010, p. 147), torna-se de fundamental importância pensar a respeito do espaço escolar na contemporaneidade.

A contemporaneidade apresenta novas formas de controle, em que a disciplina, embora ainda presente em muitos espaços educacionais, passa a ser mais flexível: áreas mais amplas possibilitam movimentos mais livres, e contribuem para a produção de novas subjetividades. “A produção da subjetividade passa, então, de formas determinadas, rígidas e centralizadas para uma multiplicidade difusa, aleatória e flexível de geração de subjetividades.” (MORAES; VEIGA-NETO, 2008, p. 2).

A flexibilidade é central na lógica pós-fordista, e a reengenharia3 aponta a necessidade de mudança permanente, que é característica da contemporaneidade. Nas palavras de Hammer e Champy (1994, p. 35), “A reengenharia trata de começar de novo em uma folha de papel em branco. Ela rejeita a sabedoria convencional e as suposições herdadas do passado”. O movimento de negação da tradição, do imperativo da inovação, da reinvenção das instituições e da formação de sujeitos aptos a competir no mercado de trabalho atual - que não são parte da lógica do pleno emprego, mas da instauração da competitividade em todos os âmbitos da vida social - pressiona o cenário educacional e demanda reformas que estejam em consonância com as novas relações espaço-temporais.

A lógica da reengenharia e a reformulação de processos orienta os processos de trabalho pós-fordistas, de modo que

[...] os serviços, antes estreitos e orientados para as tarefas, evoluem para multidimensionais. Pessoas que antes obedeciam a instruções agora fazem opções e tomam decisões por si próprias. O trabalho de linha de montagem desaparece [...]. Os trabalhadores concentram-se mais nas necessidades dos clientes e menos em seus chefes. Atitudes e valores se alteram em resposta aos novos incentivos. (HAMMER; CHAMPY, 1994, p. 51).

Tal dinâmica coloca em circulação discursos, tais como “o caminho mais seguro para o sucesso é assumir o autocontrole de si mesmo - seu pensamento, sua formação, suas habilidades, sua paixão, sua humanidade - e se tornar um adulto capaz de abrir seu caminho em qualquer lugar do mundo” (HAMMER, 1997, p. 214).

Hoje as lógicas das empresas privadas comandam as agendas do Estado, o que significa dizer que as políticas macroeconômicas são o resultado de codecisões públicas e privadas e que, embora o Estado mantenha certa autonomia em outros domínios, muitas das responsabilidades públicas têm sido delegadas a ONGs, comunidades religiosas, empresas privadas e associações (DARDOT; LAVAL, 2016). Durante as últimas duas décadas do século XX, as certezas do Estado de bem-estar social foram questionadas, e os seus sistemas sofreram transformações (MILLER; ROSE, 2012). Muitos dos ideais totalizantes colocados em circulação no decorrer do século XIX, que previam relações entre os indivíduos e as instituições dentro de um território de Governo delimitado, perderam a sua força a partir dessa nova lógica de organização social contemporânea. Deste modo,

O Estado não se retira, mas curva-se às novas condições que contribuiu para instaurar. A construção política das finanças globais é a melhor demonstração disso. É com os recursos do Estado, e com uma retórica em geral muito tradicional (o ‘interesse nacional’, a ‘segurança’ do país, o ‘bem do povo’ etc.), que os governos, em nome de uma concorrência que eles mesmos desejaram e de uma finança global que eles mesmos construíram, conduzem políticas vantajosas para as empresas e desvantajosas para os assalariados de seus países. Quando se fala do peso crescente dos organismos internacionais ou intergovernamentais, como o FMI, a Organização Mundial do Comércio (OMC), a OCDE ou a Comissão Europeia, esquece-se de que os governos que fingem curvar-se passivamente a auditorias, relatórios, injunções e diretivas desses organismos são também ativamente parte interessada nisso. É como se a disciplina neoliberal, que impõe retrocessos sociais a grande parte da população e organiza uma transferência de renda para as classes mais afortunadas, supusesse um ‘jogo de máscaras’ que possibilita que se jogue sobre outras instâncias a responsabilidade pelo desmantelamento do Estado social e educador mediante a instauração de regras de concorrência em todos os domínios da existência. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 282, grifo do autor).

A rede criada, em grande medida a partir do setor empresarial, de difusão de “boas práticas” cresce diariamente e, conforme explicitado pelo economista Gustavo Ioschpe (2012), que tem sido convidado a prestar várias consultorias na área da educação, uma das grandes preocupações diz respeito ao tipo de sujeito a ser formado:

[...] Pais e alunos, empresários e profissionais liberais, gente simples e sofisticada querem uma educação que desenvolva as competências básicas para o mundo moderno, que possibilite a ascensão social através de uma carreira bemsucedida e que dê ao aluno uma base sólida de conhecimentos e habilidades. O problema é que quando delegamos esta função a quem deve executá-la, entregamos a responsabilidade para um establishment que vê a sua missão de forma totalmente diversa. (IOSCHPE, 2012, p. 34).

Desse modo, as escolas da atualidade “têm que formular resultados da aprendizagem, concebidos como resultados das atividades de aprendizagem e por isso estas aparecem imediatamente como atividades de produção dirigidas por resultados determinados”. (Masschelein; Simons, 2015, p. 294). O espaço escolar constitui-se como um componente importante para essa nova configuração de sujeitos que se estabelece na contemporaneidade, e os ambientes passam por uma reengenharia, com designs que favoreçam, ao mesmo tempo, a colaboração e a individualização, pois em “comum, dividimos bem poucas experiências, objetos e espaços” (ROCHA, 2000, p. 31).

Embora a escola contemporânea mantenha muitas aproximações com a escola disciplinar moderna, apresenta algumas modificações: hoje não mais se espera formar corpos dóceis que respondam à ordem, mas corpos flexíveis e autônomos, capazes de responder às mudanças, cada vez mais velozes, de um “mundo líquido”.

Sobre as experiências inovadoras do InnoveEdu

As coisas, palavras, pensamentos, teorias, práticas educacionais não existem por si mesmas, não estão fixadas, não são eternas nem universais. (CORAZZA, 2005, p. 8).

Por não estarem fixadas, não serem eternas nem universais, como aponta Corazza (2005), as coisas que compõem o vasto campo educacional estão em constante movimento, colocando em dúvida as verdades que se estabelecem e se produzem a cada época, momento, período. Ao longo desses pouco mais de duzentos anos em que a escola moderna foi introduzida como algo necessário à formação das gerações jovens, muitas teorias a respeito de educação, escola, pedagogia e currículo surgiram, assim como propostas inovadoras, voltadas a adequar o cotidiano escolar às necessidades, valores, crenças, demandas da sociedade de cada época e lugar. É importante salientar, porém, que nenhuma teorização, “nenhuma pedagogia e nenhum currículo ultrapassam ou substituem os anteriores, em direção ao melhor, mais avançado, mais perfeito” (CORAZZA, 2005, p. 10).

Nos últimos anos, vêm surgindo muitas tendências inovadoras na área da Educação. Tais tendências estão ligadas a uma demanda crescente de preparar sujeitos cada vez mais aptos a um mundo em constante aceleração, conforme apontado anteriormente neste trabalho. Dessa forma, buscou-se aqui investigar algumas dessas tendências no site InnoveEdu, que apresenta uma lista de experiências inovadoras em Educação. Conforme já mencionado, a lista foi criada pelo Porvir em parceria com a Edsurge (Estados Unidos), a Innovation Unit (Reino Unido) e a WISE (Catar), e “seu objetivo é servir como fonte de referência para que educadores, formuladores de políticas públicas e empreendedores ao redor do mundo se orientem para implementar práticas criativas na rotina de seus próprios ambientes educacionais.” (INNOVEEDU, 2017).

Os critérios para a escolha das experiências analisadas neste estudo foram os seguintes: escola ou rede de escolas físicas (não virtuais); de educação básica (pública ou privada); de ensino regular; e em que o espaço físico é considerado um elemento importante. Dessa forma, realizou-se a leitura das 96 experiências, que foram classificadas, quantificadas e organizadas no Quadro 1.

Quadro 1 Classificação das 96 experiências  

Classificação Características/Exemplos Quant.
Projetos educacionais Educação inovadora; sessões de leitura; maximização da aprendizagem; literatura com uso de dispositivos móveis; pesquisa e experimentação; aprendizagem sobre empreendedorismo, economia e sociedade; ensino teórico e prático sobre finanças e economia; exposições de arte nas escolas; kits de aulas temáticas para professores de áreas rurais; workshops de música para professores e alunos. 22
Escolas Rede de escolas públicas ou privadas (físicas ou virtuais). 27
Cursos superiores Universidades públicas ou privadas (físicas ou virtuais). 8
Plataformas Virtuais de ensino ou de pesquisa: auxílio ao estudo individual; recursos digitais que possibilitam a personalização da aprendizagem; acesso a dados científicos e a estatísticas; cursos online gratuitos com certificação ou diploma. 11
Programas De aprendizagem; difundidos por rádio; de educação com foco em criatividade e ciências; apoio financeiro a meninas e adolescentes africanas a permanecerem na escola; apoio a comunidades carentes. 4
Outros Ambientes de aprendizagem colaborativa; método de ensino baseado no modelo coaching; cursos de pós-graduação em desenvolvimento sustentável; Curso de Extensão de Formação Continuada em Educação Integral; livraria de componentes eletrônicos; empresa que cria e comercializa programas robóticos voltados para a educação; uso da tecnologia VOIP para transmissão de informações sem acesso à internet; barcos que servem como transporte e escola; “Open Badges”, ou medalhas digitais; centro educacional de educação profissional; espaços públicos com brinquedos criados com recursos naturais; encontros independentes para discutir e praticar o uso dos computadores Raspberry Pi; práticas de fabricação digital etc. 24

Fonte: Elaborado pelas autoras deste artigo a partir das informações constantes do site InnoveEdu (2017).

Das 27 escolas e/ou redes, 11 atendiam aos critérios estabelecidos e, dessas, 4 foram selecionadas para análise. A escolha se deu a partir da ênfase dada, por cada uma delas, ao espaço, ao ambiente ou à arquitetura escolar. Posteriormente, organizou-se o Quadro 2, conforme as informações obtidas a partir do site, considerando como cada escola é referida nos seguintes aspectos: projeto arquitetônico, apresentação do espaço e mobiliário.

Quadro 2 O espaço físico das escolas pesquisadas 

ESCOLAS PESQUISADAS
Telefonplan School Northern Beaches Wooranna Park Green School
Projeto arquitetônico Inovador, com poucas paredes e salas e vários espaços pensados para aguçar a criatividade dos alunos. Foi desenhado para permitir uma experiência inovadora. Divertido e integrado. Arquitetura diferenciada, construída com bambu.
Apresentação do espaço Design diferenciado e colorido; o ambiente é aberto, positivo e divertido. A escola tem ambientes preparados especialmente para aulas e apresentações de teatro, aulas de design, tecnologia e música. Paredes foram retiradas, e móveis e equipamentos são modernos. Prédios em formato de espiral, construídos com bambu e sem paredes. O campus tem hortas orgânicas e criações de animais.
Mobiliário Os móveis são customizados e confortáveis. Os móveis são personalizados e modulares. A escolha dos móveis privilegia opções confortáveis e que facilitem a interação, como sofás e mesas redondas.

Fonte: Elaborado pelas autoras deste artigo a partir das informações constantes do site InnoveEdu (2017).

Se a “concepção arquitetônica modernista previa [...] soluções corretas, eficientes, padronizadas, modernas para os mais diferentes problemas de construção, habitação e mobiliário” (ROCHA, 2000, p. 28), a escola contemporânea apresenta concepções distintas com relação ao espaço físico. Essas concepções dizem respeito à arquitetura inovadora, com espaços que estimulem a criatividade, a comunicação e experiências diversas, com mobiliários confortáveis, coloridos, personalizados e flexíveis, que facilitem o bem-estar e a interação. Para cada uma das instituições pesquisadas, a concepção do espaço apresenta forte relação com suas propostas pedagógicas: “Uma das mais importantes ferramentas para o desenvolvimento educacional” (Telefonplan School); “Possibilidade de replicar a vida real e a experiência profissional” (Northern Beaches Christian School); “Entendido como parte do processo pedagógico. A ideia é que a escola seja otimista, empolgante, desafiadora e tão divertida quanto os parques da Disney” (Wooranna Park); “A escola fica no meio da floresta, e procura integrar os conteúdos acadêmicos tradicionais com a aprendizagem ambiental e experiencial” (Green School) (INNOVEEDU, 2017).

Ao estabelecermos um paralelo entre as escolas modernas, com espaços definidos e voltadas para o disciplinamento e o controle dos corpos, e as escolas contemporâneas, com espaços amplos, flexíveis, coloridos,4 percebese uma mudança de tipos de sujeitos a serem formados: enquanto as primeiras voltavam-se à constituição de um sujeito disciplinado, as segundas voltam-se a um sujeito flexível. Isso está relacionado aos processos de subjetivação, que se fazem diversos nas sociedades disciplinares, liberais e de produtores, característicos da Modernidade, bem como aos modos de subjetivação das sociedades de controle, neoliberais e de consumidores, característicos da contemporaneidade.

Assim como todo o processo disciplinar guarda estreita relação com a lógica de trabalho fabril e com a constituição da maquinaria escolar e sua respectiva organização dos seus tempos/espaços, as transformações subjetivas da força de trabalho demandam a formação de sujeitos flexíveis e a reorganização dos espaços/tempos escolares a partir de novas concepções do trabalho. Segundo Hardt e Negri (2003, p. 297),

[...] o sistema disciplinar tornou-se totalmente obsoleto, e precisa ser deixado para trás. O capital precisa conseguir um molde negativo, e uma inversão da nova qualidade da força de trabalho; precisa ajustar-se para poder voltar a comandar [...] As únicas configurações de capital capazes de prosperar no novo mundo são as que se adaptarem à nova composição de força de trabalho imaterial, cooperativa, comunicativa e afetiva - e a governarem.

Essa organização dispõe não somente da ocupação física dos corpos dos estudantes no espaço, mas também reflete na maneira como tais corpos vão agir nesse espaço e irão posicionar-se para a realização de cada atividade.

Tabela 1 Recorrência dos descritores por escola e/ou rede 

DESCRITORES Green School Northern
Beaches Christian
School
Telefonplan School Wooranna Park Primary School Total
ensino 1 1(*) 0 3 5
aprendizagem/ aprendizado 6 6 6 4 22
personalizado/ pessoal/ individual/ individualizado 2 0 1 6 9
colaborativo/ colaboração 1 2 2 1 6
coletivo 0 0 0 0 0

Fonte: Elaborado pelas autoras deste artigo a partir das informações constantes do site InnoveEdu (2017).

(*) A palavra aparece 3 vezes; no entanto, em duas delas, é para designar nível de ensino: “oferece ensino da educação infantil até o ensino médio”. Dessa forma, não consideramos essa ocorrência para análise.

No estudo realizado, para fins de análise, selecionamos alguns termos, ou descritores, comuns nos textos das escolas pesquisadas, apresentados na Tabela 1.

Conforme se pode perceber na Tabela 1, a palavra “ensino” aparece 5 vezes, e em apenas 3 das 4 instituições, ao passo que “aprendizagem/aprendizado” aparece 22 vezes, em todas as escolas pesquisadas. Selecionamos, então, alguns excertos: “A aprendizagem é baseada em projetos, de acordo com interesses individuais e feita de maneira colaborativa” (Telefonplan); “Os estudos são baseados em projetos e acontecem em espaços criativos, pensados para potencializar o aprendizado e motivar os alunos a fazerem perguntas e a aprender de acordo com seus próprios interesses” (Telefonplan); “O aprendizado acontece em módulos online”; “O aprendizado se torna interessante, envolvente e interativo”; “Elas aprendem a enfrentar desafios” (Telefonplan); “Procura integrar os conteúdos acadêmicos tradicionais com a aprendizagem ambiental e experiencial baseada em práticas sustentáveis e centrada no aprendizado personalizado”; “O aprendizado deve ser verde, divertido, ativo, pessoal e com propósito” (Green School); Tem foco no pensamento crítico e na aprendizagem prática”; “Os alunos são autores da própria jornada pedagógica, cocriando seu processo de aprendizagem com os professores, que atuam como mentores”; “Os estudantes se sentem motivados e engajados, aprendem de uma forma divertida e positiva” (Northern Beaches Christian School); “adota o método do aprendizado autônomo”; “começou a reformular o processo educacional em 1997, influenciada pela filosofia do aprendizado autônomo”; “os alunos devem se responsabilizar pelo próprio aprendizado”; “O aprendizado é atingido individualmente e em grupo” (Wooranna Park Primary School) (INNOVEEDU, 2017).

O emprego da palavra “aprendizagem” em detrimento de “ensino” evidencia o deslocamento do enfoque nos modos de pensar a educação e na concepção do papel da escola na contemporaneidade. Isso foi constatado neste estudo, por meio do qual se percebeu que, quando utilizado, o vocábulo “ensino” estava associado ao “ensino tradicional”,5 ou direcionado a processos inovadores, personalizados, motivacionais, ou de escolha do professor: “A escola combate o ensino tradicional” (Northern Beaches Christian School); “Procura combater problemas do ensino tradicional”; “A escola é referência no ensino inovador e personalizado”; “O método de ensino adotado pela escola promove altos níveis de engajamento, criatividade, curiosidade e motivação dos estudantes” (Wooranna Park Primary School); “os professores podem escolher o que ensinar a partir de um cardápio de temas ou podem criar seu próprio roteiro de aulas” (Green School) (INNOVEEDU, 2017).

Essa ênfase na aprendizagem, conforme Masschelein e Simons (2015, p. 293), é “uma estratégia de neutralização da forma escolar”. Segundo os autores, essa neutralização diz respeito ao tempo escolar, como “tempo de investimento”, e ao espaço escolar, que passa a ser um “espaço produtivo”. Esse

[...] foco na aprendizagem, que hoje parece tão obvio para nós, é de fato implicado no apelo para que se conceba nossas vidas individuais e coletivas como empresas focadas na satisfação otimizada e maximizada de nossas necessidades. Nesse contexto, a aprendizagem aparece como uma das mais valiosas forças de produção de novas competências e forma o motor para o acúmulo de capital humano. (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 293).

É importante ressaltar que essa ênfase na aprendizagem é algo recente na história da educação. Em seus estudos sobre a mudança de enfoque da sociedade de ensino para a sociedade de aprendizagem, Noguera-Ramirez (2009, p. 23) distingue três momentos ou “modos de pensar e praticar a educação” na constituição daquilo que denomina de uma “sociedade educativa”: o primeiro, o qual nomeia de “sociedade do ensino”, que se dá entre os séculos XVII e XVIII, “pela centralidade que as práticas de ensino tiveram no processo de constituição da ‘razão de Estado’ e na constituição de uma forma de ser sujeito”; o segundo momento, que chama de “’Estado educador’ ou de ‘sociedade educadora’, devido ao aparecimento do novo conceito de “educação” e ao papel que o Estado cumpriu na sua expansão nas distintas camadas sociais”, iniciado no final do século XVIII; por fim, o terceiro momento, que ocorre a partir do final do século XIX, em que “se estabeleceriam as bases conceituais do que se chamaria, várias décadas depois, de ‘sociedade da aprendizagem’ pela sua ênfase na atividade do sujeito que não só aprende, mas aprende a aprender”. (NOGUERA-RAMÍREZ, 2009, p. 23, grifo do autor).

Essa distinção estabelecida por Noguera -Ramirez (2009) auxilia-nos a compreender alguns dos discursos que se fazem cada vez mais presentes na contemporaneidade. Tais discursos evidenciam uma mudança epistemológica a respeito da educação, da escolarização e das práticas pedagógicas. Para Moraes e Veiga-Neto (2008, p. 10), a “pergunta central deixa de ser como se deve ensinar, e passa a ser como se aprende independente do ensino”.

Outro termo, ou descritor, utilizado para análise foi “personalizado/pessoal/individual/ individualizado”. Organizamos os dados dessa forma devido à proximidade desses vocábulos em termos semânticos e em razão de sua utilização nos textos pesquisados. Percebeu-se que a personalização do ensino ou da aprendizagem aparece como algo importante para essas instituições, o que pode ser verificado nos trechos que seguem: “centrada no aprendizado personalizado”; “O aprendizado deve ser verde, divertido, ativo, pessoal e com propósito” (Green School); “estudantes montam seu currículo e se dedicam a paixões pessoais”; “O objetivo é que as crianças alcancem flexibilidade social, bem-estar econômico e satisfação pessoal”; “A escola é referência no ensino inovador e personalizado” (Wooranna Park Primary School); “A aprendizagem é baseada em projetos, de acordo com interesses individuais” (Telefonplan School) (INNOVEEDU, 2017).

Diferentemente do que ocorrera no final do século XIX, em que a criança e o adulto eram concebidos como

[...] sujeitos que internalizariam as narrativas sociais coletivas da Nação, a individualidade de hoje manifesta-se como um aprendente para toda a vida que é flexível, continuamente ativo e que trabalha colaborativamente para o futuro, em um mundo descentralizado. (Popkewitz; Olsson; Petersson, 2009, p. 80).

Nos mais diversos âmbitos sociais, os indivíduos são “interpelados, representados e influenciados como se fossem eus de um tipo particular: imbuídos de uma subjetividade individualizada, motivados por ansiedades e aspirações a respeito de sua autorrealização, comprometidos a encontrar suas verdadeiras identidades” (Rose, 2001, p. 140, grifo do autor), potencializando-as em seus “estilos de vida”.

Essa subjetividade individualizada tem se tornado, com cada vez mais frequência, um componente curricular, presente não apenas nos discursos e nas práticas escolares, mas nos discursos que se constroem a respeito da educação. Tais discursos e práticas constituem novas formas de subjetivação, produzindo sujeitos empresários de si, “como um ator que busca ‘empresariar’ sua vida e seu eu por meio de atos de escolha” (ROSE, 2001, p. 140, grifo do autor). Se, por um lado, essa pretensa liberdade de escolha que consta das propostas pedagógicas atuais, em que os estudantes podem escolher as disciplinas de desejam aprender, em que o currículo é personalizado, pode contribuir para que os alunos tenham mais “prazer” em estudar, ou sintam-se mais “motivados para aprender”, por outro, coloca-lhes a responsabilidade inerente à própria escolha. Assim, não somente a escolha é individualizada e solitária, mas seu resultado também o é. Conforme Rose (2001, p. 194, grifo do autor), as práticas “contemporâneas de subjetivação colocam em jogo um ser que deve ser anexado a um projeto de identidade e a um projeto secular de ‘estilode-vida’, no qual a vida e suas contingências adquirem sentido na medida em que possam ser construídas como o produto da escolha pessoal”. Com relação a isso, Popkewitz, Olsson e Petersson (2009, p. 81-82) argumentam que o “esforço está agora nas mãos dos aprendentes autônomos, que são continuamente envolvidos no autoaperfeiçoamento e prontos para as incertezas que operam durante o trabalho nas comunidades de aprendizagem”.

Outro descritor utilizado para análise na pesquisa realizada diz respeito ao trabalho colaborativo, ou à aprendizagem colaborativa. Nas escolas analisadas, o termo “colaborativo/ colaboração” apareceu 6 vezes, ao passo que o vocábulo “coletivo”, ou outro pertencente a esse campo lexical, não apareceu nenhuma vez. Dessa forma, percebe-se, também aqui, um deslocamento na maneira de conceber as relações sociais no âmbito escolar. Embora ambas as palavras aparentem relação de sinonímia, guardam certa divergência semântica e conceitual.

A aprendizagem colaborativa (Colaborative Learning - CL) é definida por Panitz (1999, tradução nossa) como

[...] uma filosofia pessoal, não apenas uma técnica de sala de aula. Em todas as situações em que as pessoas se reúnem em grupos, a aprendizagem colaborativa sugere uma maneira de lidar com as pessoas qua respeita e evidencia as habilidades e contribuições individuais de cada membro do grupo. Há, dessa forma, um compartilhamento de autoridade e aceitação de responsabilidade entre os membros do grupo para as ações desse grupo. A premissa subjacente da aprendizagem colaborativa baseia-se na construção de consenso através da cooperação entre os membros do grupo, contrapondo-se à ideia de concorrência em que alguns indivíduos são melhores que outros.

Para Torres, Alcantara e Irala (2004, p. 13), na aprendizagem colaborativa, o professor “deve criar atividades que ajudem os estudantes a descobrirem e tirarem vantagem da heterogeneidade do grupo para aumentar o potencial de aprendizagem de cada membro do grupo”. Percebe-se que a ideia não está voltada para o plano coletivo de encontro com o outro, ou para a criação de algo comum desse encontro, e, portanto, impessoal. Conforme Escóssia e Kastrup (2005, p. 303), que tomam de empréstimo de Deleuze a noção de agenciamento para explicar o plano coletivo, argumentam que “agenciar-se com alguém [...] não é substituí-lo, imitá-lo ou identificar-se com ele: é criar algo que não está nem em você nem no outro, mas entre os dois, neste espaço-tempo comum, impessoal e partilhável que todo agenciamento coletivo revela”. Esse encontro no “entre dois” assume, dessa forma, uma natureza distinta do conceito de aprendizagem colaborativa, ou seja, “de aprender e trabalhar em grupo”, conforme apontam Torres, Alcantara e Irala (2004, p. 135). Os autores argumentam que o método de aprendizagem por colaboração tem sido utilizado por professores de diversas áreas, “com o objetivo de preparar seus alunos de forma mais efetiva para os desafios encontrados fora do âmbito escolar” (TORRES, ALCANTARA, IRALA, 2004, p. 135). Segundo esses autores, as organizações têm optado pela utilização desse método devido à valorização, por parte das empresas e repartições, da “habilidade de produzir em grupos, em colaboração com outros” (TORRES, ALCANTARA, IRALA, 2004, p. 135).

Para Gallo (2008), tendo em vista o caráter essencialmente coletivo da educação, o outro é um dos “grandes problemas a serem pensados” por essa área. Porém, o autor atenta para o seguinte aspecto: “questão é saber se, quando falamos em alteridade na educação, estamos, de fato, falando no outro e na possibilidade de encontros, ou se estamos falando do mesmo, e sempre da redução ao mesmo, portanto sem qualquer possibilidade de encontro (GALLO, 2008, p. 1).

A reorganização da escola a partir de novas relações espaço/temporais produtivas - que envolvem a personalização da aprendizagem, a formação do sujeito a partir de um conjunto de competências requeridas pelo mercado de trabalho contemporâneo, um processo de individualização exacerbada e a ressignificação da noção de coletivo baseada no curto prazo -retira da escola a possibilidade de suspensão do tempo e a noção de construção de um processo formativo de longo prazo. Segundo Masschelein e Simons (2015, p. 33), “na escola, o tempo não é dedicado a produção, investimento, funcionalidade ou relaxamento. Pelo contrário, esses tipos de tempo são abandonados [...] o tempo escolar é o tempo tornado livre e não é tempo produtivo”, pois

Focamos em matemática em prol da matemática, em linguagem pelo bem da linguagem, em cozinhar por causa de cozinhar, em carpintaria por amor à carpintaria. É assim que você calcula uma média, é assim que você conjuga em inglês, é assim que você faz uma sopa ou uma porta. Mas tudo isso acontece separadamente de um objetivo a-ser-alcançado-imediatamente [...]. (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 40-41).

Para finalizar, ressaltamos que este trabalho procurou problematizar a presença, cada vez maior, dos discursos empresariais na área educacional. Tal problematização se faz necessária, visto que as práticas inovadoras na contemporaneidade, muitas vezes, aparecem como solução para os problemas educacionais, ou, nas palavras de Lopez-Ruiz (2004, p. 269), a inovação e o empreendedorismo são “outros mantras de nosso tempo”, no sentido de que a mudança

[...] virou ‘o mantra de nossos tempos’, e isto acontece em todas as frentes, pessoal, social e institucional. Incessante e implacavelmente somos lembrados de que a única coisa constante é a mudança. As pessoas têm de estar o tempo todo ‘abertas para a mudança’; ser flexíveis para ‘se encaixar nas mudanças’; estar prontas para, quando necessário, ‘mudar de atitude’ e ainda mais: ser elas mesmas ‘agentes de mudança’. Vemos assim como de mecanismos econômicos, na concepção schumpeteriana, a inovação e o empreendedorismo acabaram sendo convertidos em valores sociais. (LOPEZ-RUIZ, 2004, p. 269-270, grifo do autor).

A partir dos entendimentos de que “os professores não trabalham para o ritmo do mundo produtivo” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 32) e de que “a educação é, necessariamente, um empreendimento coletivo” (GALLO, 2008, p. 1), consideramos de fundamental importância compreender alguns dos efeitos das chamadas “boas práticas” na agenda educacional contemporânea. E foi justamente esse movimento que procuramos realizar neste artigo, a partir da análise de quatro experiências educacionais inovadoras apresentadas pelo InnoveEdu.

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1Importa dizer que a noção de pensamento crítico se afasta, neste caso, da “gama variada de abordagens - desde a ‘educação libertadora’ de Paulo Freire até às várias pedagogias de orientação neomarxista, passando pelas pedagogias de inspiração anarquista - que adotam procedimentos pedagógicos que, de uma forma ou de outra, expressam uma atitude de questionamento relativamente aos arranjos sociais existentes” (SILVA, 2000, p. 88-89), bem como da noção de hipercrítica, entendida como “uma crítica não metafísica, de modo que, não contando com pressupostos universais, ela dá as costas às metanarrativas iluministas e à crítica tradicional. Autorreflexiva, ou seja, suspeitando até de si mesma, a hipercrítica é difícil e incômoda, mas sempre aberta e provisória; consequentemente, é uma crítica humilde, pois não arroga a si o estatuto de melhor, verdadeira, definitiva e mais correta.” (VEIGA-NETO, 2012, p. 274).

2No caso do Porvir, os colaboradores voluntários - os antenas - estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

3Michael Hammer e James Champy publicaram, em 1993, o livro Reengenharia: revolucionando a empresa em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência. Nessa obra, considerada um absoluto best-seller, eles propõem novas formas de gerenciamento das instituições. Segundo esses autores, é preciso esquecer as antigas estruturas organizacionais (departamentos, divisões, grupos e assim por diante), pois a reengenharia rejeita a divisão do trabalho, o controle hierárquico, a economia de escala e todos os demais pertences de uma economia no estágio inicial de desenvolvimento (HAMMER; CHAMPY, 1994). Para aprofundar as discussões sobre a mudança de ênfase da administração para a gestão na área da educação, sugere-se a leitura de Klaus (2016).

4Referimo-nos, aqui, às práticas inovadoras cuja ênfase se dá na reorganização dos espaços físicos, sem levar em consideração as intencionalidades pedagógicas constitutivas das práticas educacionais.

5O ensino tradicional é alicerçado na “teoria e transmissão de conteúdos, que é muitas vezes distante da realidade dos alunos [...] Além de não dialogar com a sociedade contemporânea, não permite que os estudantes tenham trajetória educacional com foco em seus projetos de vida”. (INNOVEEDU, 2017).

Recebido: 18 de Setembro de 2017; Aceito: 15 de Julho de 2019

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