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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.28 no.55 Salvador mayo/agosto 2019  Epub 14-Oct-2020

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2019.v28.n55.p202-220 

Artigos

FORMAÇÃO CONTINUADA E IDENTIDADE PROFISSIONAL NA VOZ DE DOCENTES DO BRASIL E DE PORTUGAL

IN-SERVICE TRAINING AND PROFESSIONAL IDENTITY IN TEACHER’S VOICE FROM BRAZIL AND PORTUGAL

FORMACIÓN Y IDENTIDAD PROFESIONAL EN LA VOZ DE LOS DOCENTES DEL BRASIL Y PORTUGAL

Helena de Ornellas Sivieri-Pereira*  UFTM
http://orcid.org/0000-0003-3694-2705

Rosa Maria Moraes Anunciato**  UFSCar
http://orcid.org/0000-0003-1478-411X

Ana Maria Costa e Silva***  UMINHO
http://orcid.org/0000-0001-8598-7243

* Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) Campus Ribeirão Preto. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). E-mail: helena.sivieri@gmail.com

** Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora Associada do Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas da UFSCar. E-mail: rosa@ufscar.br

*** Doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Minho (UMINHO). Professora e Investigadora Sênior da Universidade do Minho - Portugal. E-mail: anasilva@ie.uminho.pt


RESUMO

A partir da escrita de um memorial formativo feito por sete professores brasileiros e cinco portugueses, buscou-se identificar a percepção de docentes da Educação Básica da rede pública do Brasil e de Portugal sobre o desenvolvimento da formação continuada que vivenciam. Os dados colhidos foram analisados pela técnica de Análise de Conteúdo, com o objetivo de estabelecer a relação entre a formação e a construção da identidade profissional e discutir as políticas públicas de formação em vigor no momento no Brasil e em Portugal. Os resultados indicam que nos dois países existe empenho do setor público em atender à demanda de formação continuada dos docentes, mas, aparentemente, não está atingindo a classe de forma efetiva. Percebe-se descontentamento dos docentes com a formação oferecida e desânimo em buscar alternativas, trazendo consequências para a constituição da identidade profissional. Destaca-se que Portugal está implantando uma grande mudança a partir do Programa Flexibilidade e Autonomia Curricular, que poderá ser um indicativo para as políticas públicas brasileiras, mas que ainda requer muitas análises e considerações.

Palavras-chave: Formação contínua; Identidade profissional; Educação básica; Memorial formativo

ABSTRACT

Based on the writing of a training memorandum by seven Brazilian and five Portuguese teachers, it was sought to create a way of articulating the teaching perceptions and the public policies of the area with regard to continuous training. The general objective of the research was to identify the perception of teachers of Basic Education in the public network in Brazil and Portugal, on the development and implementation of the ongoing training project that they are experiencing. The data collected were analyzed using the Content Analysis technique, in order to establish the relationship between the formation and construction of the professional identity and to discuss the public training policies currently in force in Brazil and Portugal. The results indicate that both in Brazil and in Portugal there is a commitment by the public sector to attend to the demand for continuing education of teachers, but apparently it is not reaching the teaching class in an effective way. There is discontent among teachers with the training offered and discouragement in seeking alternatives. This fact has interfered in the constitution and development of the professional identity of the teachers. It is worth noting that Portugal is implementing a great change from the Flexibility and Curricular Autonomy Program, which may be indicative of Brazilian public policies, but which still requires many analyzes and considerations.

Keywords: Continuing education; Professional identity; Basic education; Formative memorial

RESUMEN

A partir de un memorial formativo, realizado por siete profesores brasileños y cinco profesores portugueses de Educación Básica de la red pública de enseñanza, hemos tratado de buscar la percepción de los profesores sobre el desarrollo de formación continua que vivencian. Los datos obtenidos fueron analizados mediante la técnica de análisis de contenido, con el fin de establecer la relación entre la formación y la construcción de la identidad profesional y discutir políticas públicas de formación en vigor en el momento en Brasil y Portugal. Los resultados indican que en los dos países existe compromiso del sector público en atender la demanda de formación continuada de los docentes, pero no está alcanzando la clase de forma efectiva. Se percibe descontento de los docentes con la formación ofrecida y desánimo en buscar alternativas, trayendo consecuencias para la constitución de la identidad profesional. Es de destacar que Portugal está aplicando un cambio importante con la implementación de un Programa de Flexibilidad y Autonomía Curricular que puede ser indicativo para la política pública brasileña, pero todavía requiere una gran cantidad de análisis y consideraciones.

Palabras clave: Formación continua; Identidad profesional; Educación básica; Memorial formativo

Introdução1

Há uma contribuição significativa para a evolução do conhecimento profissional do professor pela formação continuada, cujo objetivo é auxiliar as capacidades reflexivas sobre a própria prática docente trazendo-a a uma consciência coletiva. Com base nessa perspectiva, a formação continuada adquire espaço privilegiado por possibilitar a aproximação entre os processos de mudança que se anseia fomentar no contexto da escola e a reflexão intencional sobre os resultados dessas mudanças (WENGZYNSKI; TOZETTO, 2012).

A formação continuada traz a experiência do novo, possibilita o contato com o diferente, portanto, pode-se entendê-la como uma perspectiva de mudança das práticas no âmbito dos docentes e da escola. A partir das experiências profissionais neste espaço e tempo, há um constante processo de mudança e intervenção na realidade em que se insere e predomina esta formação (WENGZYNSKI; TOZETTO, 2012).

Costa e Silva (2000, p. 95) ressalta que o conceito de formação continuada é, como o de educação, polissêmico, podendo se situar em dois polos, de certo modo, distintos:

  • um, relevando a dimensão do saber e do saber fazer, numa óptica valorativa do domínio profissional e do formando como integrado num sistema complexo de produção, que exige saberes e competências especializadas, nas quais e para as quais é preciso formar;

  • outro, enfatizando a dimensão do desenvolvimento global do sujeito, redimensiona o saber, o saber fazer e o saber ser, numa perspectiva de construção integradora de todas as dimensões constitutivas do formando, privilegiando a auto-reflexão e a análise, no sentido de uma desestruturação-reestruturação contínua do sujeito como ser multidimensional.

A partir dessa reflexão, essa autora apresenta algumas definições de formação continuada, das quais destaca-se a definição proposta por Formosinho (1991 apud COSTA E SILVA, 2000, p. 96): “A formação dos professores dotados de formação inicial profissional, visando o seu aperfeiçoamento pessoal e profissional. A formação contínua visa o aperfeiçoamento dos saberes, das técnicas, das atitudes necessárias ao exercício da profissão de professor”.

Todavia, é a continuação que Formosinho faz do tema que se mostra mais pertinente a este artigo:

[...] o aperfeiçoamento dos professores tem finalidades individuais óbvias, mas também tem utilidade social. A formação contínua tem como finalidade última o aperfeiçoamento pessoal e social de cada professor, numa perspectiva de educação permanente. Mas tal aperfeiçoamento tem um efeito positivo no sistema escolar se se traduzir na melhoria da qualidade da educação oferecida às crianças. É este efeito positivo que explica as preocupações recentes do mundo ocidental com a formação contínua de professores. (FORMOSINHO, m 1991 apud COSTA E SILVA, 2000, p. 97).

Políticas de formação continuada de professores no Brasil e em Portugal

No Brasil, atualmente, os documentos que norteiam a educação básica são a Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASL, 2013) e o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), aprovado pelo Congresso Nacional em 26 de junho de 2014. No entanto, todos estes documentos estão ameaçados pelo atual governo federal, que tem desenvolvido ações que desmontam mais de vinte anos de construção de referências positivas na Educação.

Na LDB (BRASIL, 1996) a referência à formação continuada é feita apenas por um parágrafo em um artigo:

Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas.

Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica explicitam sobre a formação continuada de professores:

Sabe-se, no entanto, que a formação inicial e continuada do professor tem de ser assumida como compromisso integrante do projeto social, político e ético, local e nacional, que contribui para a consolidação de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e capaz de promover a emancipação dos indivíduos e grupos sociais. Nesse sentido, os sistemas educativos devem instituir orientações a partir das quais se introduza, obrigatoriamente, no projeto político-pedagógico, previsão: I - de consolidação da identidade dos profissionais da educação, nas suas relações com a instituição escolar e com o estudante; II - de criação de incentivos ao resgate da imagem social do professor, assim como da autonomia docente, tanto individual quanto coletiva; III - de definição de indicadores de qualidade social da educação escolar, a fim de que as agências formadoras de profissionais da educação revejam os projetos dos cursos de formação inicial e continuada de docentes, de modo que correspondam às exigências de um projeto de Nação. (BRASIL, 2013, p. 58).

A Meta 16 do Plano Nacional de Educação descreve:

Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE (2024), e garantir a todos(as) os(as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. (BRASIL, 2014).

Uma análise rasa desses documentos, alinhados com a prática e estudos das autoras deste artigo, mostra que esses textos vêm falando de um ideal que ainda não se alcançou no Brasil e que, aparentemente, ainda demora algumas décadas para se alcançar, principalmente com o fato mencionado acima do desmanche da Educação que se percebe nas políticas do atual governo federal.

Mais especificamente, a respeito da legislação sobre formação continuada, mostrou que existem várias iniciativas de cunho federal, estadual e municipal que se revelam fundamentalmente nos programas de implementação pelas unidades escolares, na forma de políticas de governo e não de Estado. Percebe-se, ainda, que os municípios, por terem autonomia, têm maior organização nesses programas. No município de Uberaba (MG), as políticas públicas vigentes tramitam nos quesitos de gratificações pela assiduidade e participação dos docentes em programas e cursos de formação continuada; formações específicas em algum tema contextual (para tecnologias, para educação no campo, educação ambiental, entre outros).

O destaque no município de Uberaba está na criação, em 2016, da Casa do Educador Profª Dedê Prais, instituída por meio do Decreto nº 2319, de 16 de maio de 2016, que tem por finalidade oferecer um espaço de formação continuada e de convivência aos educadores e profissionais da Rede Municipal de Ensino. Além da formação docente, a Casa do Educador contribui para o aprimoramento profissional dos demais servidores que atuam nas unidades educacionais, como os auxiliares de biblioteca, os inspetores escolares, os auxiliares de secretaria, os secretários escolares, dentre outros, por meio de encontros de formação que vislumbram diferentes áreas do conhecimento.

Em se tratando de Portugal, de acordo com Costa e Silva (2000), foi a Lei nº 46/86, de 14 de outubro (PORTUGAL, 1986), que marcou a formação contínua como direito de todos os educadores, professores e outros profissionais da Educação. Esta é a Lei que está em vigor atualmente, com algumas alterações sofridas, mais especificamente quanto ao ordenamento jurídico e financiamento da educação. Na referida lei, segundo essa autora, a formação continuada é direito de todos os educadores, professores e outros profissionais da educação.

No artigo 30° desta Lei, alíneas f, g e h, em relação aos princípios nos quais assentam a formação de educadores, é descrito:

  • f) formação que, em referência à realidade social, estimule uma atitude simultaneamente crítica e actuante;

  • g) formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação, nomeadamente em relação com a actividade educativa;

  • h) formação participada que conduza a prática reflexiva e continuada de auto-informação e auto-aprendizagem. (PORTUGAL, 1986).

O Decreto-Lei nº 22/2014, de 11 de fevereiro, tem como objeto estabelecer o regime jurídico da formação contínua de professores em Portugal e definir o respectivo sistema de coordenação, administração e apoio. Se propõe a realçar e dar maior inteligibilidade aos elementos estruturantes do regime jurídico da formação contínua de docentes em Portugal. Pretende, ainda, reforçar a ideia de que a organização e gestão do ensino e o sucesso educativo constituem o núcleo central da atividade docente (PORTUGAL, 2014).

Entende que é imprescindível a análise das necessidades de formação, com a finalidade de identificação das prioridades de curto prazo, constituindo o eixo central da concepção dos planos anuais ou plurianuais de formação, tendo por base os resultados da avaliação das escolas e as necessidades de desenvolvimento profissional de seus docentes.

Os princípios gerais e a organização da formação consagrados no presente decreto-lei aplicam-se a todos os docentes em exercício efetivo de funções nas escolas da rede pública, aos docentes das escolas portuguesas no estrangeiro e aos docentes dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo associados de um CFAE [Centros de Formação de Associação de Escolas], e visam dotar as entidades formadoras e as escolas de autonomia acrescida, quer no domínio pedagógico, quer no da organização da formação considerada prioritária para a melhoria dos resultados no âmbito da concretização dos seus projetos educativos. PORTUGAL, 2014).

São consideradas entidades formadoras:

a) Os Centros de Formação de associações de Escolas (CFAEs); b) As instituições de ensino superior; c) Os centros de formação de associações profissionais ou científicas sem fins lucrativos; d) Os serviços centrais do Ministério da Educação e Ciência; e) Outras entidades públicas, particulares ou cooperativas, sem fins lucrativos, acreditadas para o efeito.

Este documento esclarece que a formação contínua tem como objetivos promover:

  • a) A satisfação das prioridades formativas dos docentes dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, tendo em vista a concretização dos seus projetos educativos e curriculares e a melhoria da sua qualidade e da eficácia;

  • b) A melhoria da qualidade do ensino e dos resultados da aprendizagem escolar dos alunos;

  • c) O desenvolvimento profissional dos docentes, na perspetiva do seu desempenho, do contínuo aperfeiçoamento e do seu contributo para a melhoria dos resultados escolares;

  • d) A difusão de conhecimentos e capacidades orientadas para o reforço dos projetos educativos e curriculares como forma de consolidar a organização e autonomia dos agrupamentos de escolas ou das escolas não agrupadas;

  • e) A partilha de conhecimentos e capacidades orientada para o desenvolvimento profissional dos docentes. (PORTUGAL, 2014).

São descritas nesse documento as seguintes modalidades de ações de formação contínua: a) Cursos de formação; b) Oficinas de formação; c) Círculos de estudos (com duração mínima de 12 horas); d) Ações de curta duração (mínimo de 3 e máximo de 6 horas).

Estas ações devem privilegiar as seguintes áreas: a) Área da docência; b) Prática pedagógica e didática na docência; c) Formação educacional geral e das organizações educativas; d)Administração escolar e administração educacional; e) Liderança, coordenação e supervisão pedagógica; f) Formação ética e deontológica; g) Tecnologias da informação e comunicação aplicadas a didáticas específicas ou à gestão escolar.

A avaliação dessas ações de formação é feita tanto pelo formando (autoavaliação), quanto pelo formador e pela entidade formadora.

Formação continuada: contextos, expectativas e desafios

Os modelos de formação do docente é um tema complexo e que pode ser abordado de diferentes enfoques e dimensões. Há, por exemplo, o modelo clássico no planejamento e nas implementações de programas de formação, como também outras tendências de educação continuada praticadas na área profissional da educação e em outros contextos. Tal modelo clássico traduz-se no que vem sendo feito historicamente nas iniciativas de renovação pedagógica, dando-se ênfase na atualização da educação recebida ou em uma “reciclagem” que nada mais é do que “refazer o ciclo” (COSTA, 2004).

No Brasil, no que tange ainda ao modelo clássico, o professor, que já atua profissionalmente com sua formação inicial, volta à universidade para renovar seus conhecimentos, utiliza programas de atualização, de aperfeiçoamento, programas de pós-graduação latu sensu e strictu sensu ou, ainda, participa de cursos, simpósios, congressos e encontros voltados para seu desenvolvimento profissional. Tais programas são promovidos pelas Secretarias de Educação e são produzidos em espaços considerados tradicionalmente como locus da produção do conhecimento nas universidades e nos demais espaços vinculados a ela. Dessa forma, é considerado que a universidade é o local em que circulam as informações mais recentes, as novas tendências e buscas nas mais diferentes áreas do conhecimento. Contudo, existe um aspecto crítico em relação a essa visão, pois se acaba por desconsiderar as escolas de Educação Básica como produtoras de conhecimento e se passa a considerá-las como espaços meramente destinados à prática. Um local onde se aplica conhecimentos científicos e se adquire experiência profissional. Este modelo é confirmado pelas pesquisas como o mais promovido e, portanto, o mais aceito (COSTA, 2004).

Investigações recentes (COSTA e SILVA; CARVALHO, 2016; COSTA e SILVA; HERDEIRO, 2014; DAY; GU, 2010; FLORES; CARVALHO; SILVA, 2014; FRANCO, 2016), e que estão conquistando consenso entre profissionais da educação, rompem com a concepção clássica, pois se tem como eixo central a própria escola, deslocando o eixo de formação de professores da universidade para o cotidiano da escola de educação básica. Contudo, é importante ressaltar que tal mudança é definida em termos metodológicos, não que se deseje depreciar a grande contribuição da universidade na formação docente. Um trabalho reflexivo da prática docente é entendido como uma forma de reconstrução permanente de uma identidade pessoal e profissional em interação mútua com a cultura escolar, com sujeitos do processo e com os conhecimentos acumulados sobre a área da educação, transcendendo, dessa forma, a concepção clássica que muitas vezes era concebida como meio de acumulação de cursos, conhecimentos ou técnicas (COSTA, 2004).

As novas tendências de formação continuada compartilham de várias críticas às situações padronizadas e homogêneas, as quais são amplamente conhecidas como “pacotes de formação”, pois não consideram o contexto no qual o docente está inserido. Há grandes diferenças de anseios e necessidades entre os que estão na fase inicial, os que já possuem uma considerável experiência pedagógica e os que se encaminham para a aposentadoria (COSTA, 2004).

Todavia, percebemos que o processo ainda continua muito verticalizado, ou seja, os professores ainda estão no lugar de receptores. Poucos são os processos formativos nos quais o conhecimento se origina a partir da prática, com a participação dos professores em sua produção. Normalmente as práticas de formação continuada são distantes dos problemas das salas de aula e os processos educacionais não são discutidos com base nos problemas que surgem nas escolas e em suas salas (SILVA; COMPIANI, 2013).

Uma crítica comumente invocada é a limitada, senão ausente, participação dos professores nas questões políticas de formação docente, como categoria profissional, e na formulação de projetos que têm a escola e o seu fazer pedagógico como centro. Portanto, nessas circunstâncias, os professores não se envolvem, não se apropriam dos princípios, não se sentem estimulados a alterar sua prática, mediante a construção de alternativas de ação; concomitantemente, se recusam a agir como meros executores de propostas externas (GATTI; BARRETO, 2009). Os profissionais poucas vezes são ouvidos na elaboração das políticas públicas e as decisões são feitas, muitas vezes, por empresários. Além disso, sofrem em seu trabalho uma série de regulações decorrentes das reformas educacionais pautadas em modelos empresariais (FREITAS, 2011).

Tais circunstâncias têm grande impacto na subjetividade, como também na identidade dos professores. Cardoso, Batista e Graça (2016) trazem que a identidade é um fenômeno complexo que incorpora tanto uma dimensão individual, entendida normalmente como núcleo da personalidade, quanto uma dimensão coletiva, que remete o conceito de identidade para um nível de análise grupal ou coletivo. Essas dimensões normalmente são tratadas de forma isolada; no entanto é importante considerar a sua interdependência: o individual necessita do reconhecimento coletivo e o coletivo necessita da capacidade de intervenção do individual.

Knoblauch e Torales (2012) afirmam que os estudos biográficos possibilitam compreender muitas vezes as resistências dos professores, pois as experiências, práticas, discursos e reflexões dos docentes denunciam e anunciam dificuldades e progressos constatados no cotidiano escolar. Portanto, favorece o descobrimento de diversas questões.

Nesse sentido, fica evidente a grande importância de ressaltar as pesquisas que destacam o docente como sujeito de sua própria história, estabelecendo, assim, vínculos entre a trajetória pessoal e profissional, dando sentido às experiências, crenças e valores construídos ao longo de toda vida. Tal fato demonstra a articulação entre a história vivida pelos professores e as implicações com sua formação, identidade e ação profissional (KNOBLAUCH; TORALES, 2012).

Imbernón (2009) defende que a efetividade de uma proposta de formação de professores está diretamente relacionada ao grau de participação dos professores na sua elaboração. Neste sentido, concordamos com Canário (2000 apud NACARATO, 2016) quando declara que as escolas deveriam ser o local privilegiado da formação de professores, pois é lá que o trabalho colaborativo realmente se fortalece e se torna efetivo, na medida em que todos estão sujeitos aos problemas que permeiam a prática.

Nesta pesquisa procuramos defender o que postula Imbernón (2009), dando voz aos professores e criando um caminho de articulação entre eles, a gestão e as políticas públicas da área.

Nessa perspectiva, o memorial é um instrumento de reconstituição da história individual e experiências pessoais de gênero autobiográfico constituído em primeira pessoa do singular (SARTORI, 2011), que permite o autoformar-se revelando as dimensões históricas, culturais, contextuais e consecutivas das identidades do sujeito por meio do relato de experiências significativas que permitem ao sujeito compreender o processo formativo e as experiências ao longo da sua vida (PORTUGAL, 2009).

É um trabalho comprometido com a expressão da singularidade do sujeito com fins didáticos e exige que o sujeito pense sobre suas vivências e sua trajetória pessoal, permeado por valores, crenças e atitudes que demonstram sua visão de mundo e as implicações na construção da sua identidade que, segundo Nóvoa (1992), é um lugar de lutas e conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. É ligado a sentimentos de familiaridade, afetividade e à categoria de lugar.

Segundo Burnier e colaboradores (2007, p. 344), as construções de narrativas de docentes despertaram atenção dos pesquisadores principalmente a partir da década de 1990, já que, “na área da educação, o uso cada vez mais disseminado das histórias de vida tem contribuído para uma melhor compreensão da condição docente, na medida em que renova as teorizações e os dispositivos de pesquisa e formação profissional”. No memorial, o professor narrará suas vivências como professor, sua entrada na docência, seus principais desafios e conquistas, a construção de sua imagem como professor, seu processo de profissionalização e sua vivência sobre formação continuada.

O registro escrito permite ao profissional o autoconhecimento sobre a sua atuação, possibilitando maior consciência sobre seu trabalho e sua identidade como professor. Este tipo de registro possibilita, ainda, a definição da prática que parte de referências pessoais (NÓVOA, 1992), permitindo o registro das suas memórias e reflexões quanto à sua prática, articulando saberes pedagógicos práticos e teóricos (SARTORI, 2011).

Entendemos que dar voz aos professores os leva a reflexões que invariavelmente impactam na construção de sua identidade profissional, como também na sua reorganização interna na busca de outros espaços de interlocução para repensar seu fazer docente, pois a identidade pessoal é construída ao longo da vida. Da mesma forma, a identidade profissional vai se constituindo através dos espaços de formação, do emprego, da história pessoal, das atividades coletivas etc. Significa, portanto, uma construção pessoal, singular e complexa, que não nega todas as suas implicações sociais (DALBEN et al, 2010).

A identidade profissional tem em sua construção uma estreita relação com a profissionalidade, a qual corresponde a um modo de ser e às qualidades que identificam os elementos necessários à profissão. Tais características são adquiridas na formação inicial, na experiência que se articula com a prática e na formação continuada (DALBEN et al, 2010).

Todos esses momentos da formação docente são marcados por políticas de governo ou de Estado que, em certa medida, delimitam, organizam ou mesmo determinam como se darão estas experiências.

De acordo com Ferreira (2009), as grandes transformações na educação ocorridas mundialmente nas décadas de 1960 e 1970 fizeram com que o Estado se utilizasse de macroplanificações, como as grandes reformas educativas. Entretanto esse modelo se esgotou e, num segundo momento, o Estado privilegiou os mecanismos de microrregulação, chamando à responsabilidade a sociedade civil, procurando soluções locais para os problemas cada vez mais complexos do sistema educativo nacional. Falando por Portugal, Ferreira (2009, p. 202) mostra uma realidade que também é brasileira:

É nesse período que se confrontam diferentes propostas e orientações, por vezes de compatibilização problemática, ao nível das políticas e da acção educativas, como é o caso da democratização, da modernização e do neoliberalismo. No nosso país, por exemplo, em nenhum dos momentos atrás referidos o Estado abandonou a lógica de reforma de pendor centralista e burocrático, orientada para a racionalização e o controlo, embora tenha transposto para o campo da educação e formação, sobretudo no plano retórico, uma racionalidade produtiva e competitiva, de inspiração liberal. Focalizada essencialmente nos resultados, do que é exemplo o interesse pelos rankings das escolas, esta racionalidade tem-se ancorado em noções como eficácia, eficiência, qualidade etc., as quais passaram a fazer parte do discurso político, não apenas em referência ao sector empresarial, mas também a outros sectores da acção pública, incluindo a educação e a formação.

Essa lógica neoliberal, atingindo a educação, traz para a formação de docentes, mais precisamente à formação contínua, a questão da formação aliada à progressão na carreira, análise de desempenho e retornos monetários. Esta relação não tem se mostrado tão eficiente quanto se esperava, de acordo com os dados colhidos nesta pesquisa, que serão discutidos mais a frente.

O que se pretende ressaltar é o que Stephen Ball (2001) mostra claramente quando diz que o que se utiliza para as reformas educacionais não causa apenas mudanças técnicas e estruturais, mas afetam também as subjetividades, as identidades e os valores. Novas formas de controle surgem da aparente liberdade que se apresenta ao devolver o poder ao contexto local e ao se falar de flexibilidade e autonomia.

Portanto, a grande importância social de pesquisar se a formação continuada contribui para a constituição da identidade do professor está relacionada a questões como, por exemplo: saúde mental do docente; perpetuação de seus valores profissionais; suas inter-relações; seu pertencimento a um grupo; autoconhecimento; à própria questão da identidade, que é de extrema importância ao ser humano e às possibilidades de mudanças pessoais e sociais.

Entendemos que ao se conhecer melhor a relação entre a formação continuada e a constituição da identidade docente se possa contribuir para um movimento docente em busca de maior autonomia e inserção nas camadas decisórias e implementação de políticas públicas.

A partir dessa perspectiva, o objetivo geral da pesquisa foi identificar a percepção de docentes sobre o desenvolvimento e a efetivação do projeto de formação continuada da Educação Básica da rede pública da região do Triângulo Mineiro (Minas Gerais/Brasil) e do norte de Portugal. A partir daí objetivamos, ainda, identificar a contribuição da formação continuada na constituição da identidade profissional docente; estabelecer comparação entre a efetividade da formação continuada/ contínua no Brasil e em Portugal e gerar contribuições e parcerias entre os dois países no que se refere à formação continuada/contínua para professores da Educação Básica da rede pública.

Metodologia

Como dito na Introdução, a pesquisa da qual se originou este artigo utilizou-se da narrativa através de um memorial formativo redigido por sete professores brasileiros e cinco professores portugueses da Educação básica da rede pública dos dois países. A redação dos memoriais foi feita pelos professores em tempo e espaço escolhidos por eles e entregue aos pesquisadores para a análise dos dados. Foi feita ainda uma entrevista com a professora Selma (nome fictício), que é coordenadora de um grupo de agrupamentos para a implementação do programa Autonomia e Flexibilidade Escolar, em Portugal.

Os dados gerados pela análise dos memoriais foram analisados pela técnica de Análise de Conteúdo, segundo Bardin (1977), e permitiram o desenvolvimento de três eixos: Docência; Identidade e desenvolvimento profissional e Formação continuada. O presente artigo analisa o eixo Formação continuada.

Resultados e discussões

O Quadro 1 apresenta a caracterização sistematizada dos professores participantes do estudo.

*Os professores André, Yago, Teresa, Nelson, Caio, Deise e Daniel são brasileiros e os participantes Nádia, Flávia, Hilda, Benício e Denise são portugueses. Os nomes são fictícios e após o nome acrescentou-se a sigla BR para Brasil e PT para Portugal.

Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo.

Quadro 1 Caracterização dos professores brasileiros e portugueses participantes do estudo* 

A partir da leitura do Quadro 1, visualizamos que os docentes investigados se encontram na faixa etária de 27 a 55 anos, sendo que a metade (6 docentes) se encontra na faixa etária de 47 a 55 anos (intervalo de 8 anos) e os outros 6 se dispersam entre 27 e 41 anos (intervalo de 14 anos). Salienta-se que, no caso dos professores portugueses, todos os investigados se encontram entre os 47 e 53 anos, na sua maioria numa faixa etária mais elevada que os professores brasileiros. No entanto, o fato de metade dos docentes (tanto brasileiros quanto portugueses) estarem nesta faixa etária mais alta não significa um tempo de experiência docente maior, pois a metade deles (6 professores) têm entre 4 e 14 anos de docência, sendo que cinco deles têm até 10 anos.

Dos 12 professores, 6 são do sexo masculino e 6 do sexo feminino, sendo a maior concentração de homens entre os docentes brasileiros. Todos os professores têm formação em Licenciatura em diferentes áreas.

Dos 12 participantes, 7 têm pós-graduação, sendo 6 strcto sensu, com um participante possuindo o doutorado. Dos professores brasileiros, todos têm pós-graduação, e dos portugueses, apenas um tem doutorado. Aparentemente este dado encontra explicação em questões políticas. No Brasil, entre 2003 e 2016, durante os governos do PT, a educação superior recebeu um grande incentivo em termos de abertura de cursos de graduação e pós-graduação no sistema federal, possibilitando o acesso de pessoas que até então não tinham oportunidade de se qualificar. Por outro lado, em Portugal, nos últimos dez anos, as progressões na carreira foram congeladas e os professores tiveram redução em seu salário. De acordo com os participantes, isso foi motivo de um grande desinvestimento dos professores em formações complementares. Entendemos que os dados acima sejam consequência desses fatos políticos vividos pelos dois países.

Os professores trabalham entre 18 e 45 horas em sala de aula, sendo que a maioria trabalha de 20 a 26 horas. Todavia todos eles declaram que cumprem um tempo bem maior na escola com outras atividades, além do tempo em casa dedicado ao trabalho. Todos se queixaram do tempo excessivo de atividades e do estresse gerado por este fato. Durante a seleção de professores para participarem deste estudo, houve quatro negativas em participar com a justificativa de excesso de trabalho e falta de tempo para redigir o memorial. Também na fala da professora Selma encontramos esta explicação. Percebemos que o excesso de carga horária tem afetado a qualidade do trabalho docente:

Portanto o professor de primeiro ciclo tem 25 horas mesmo efetivas, horas de 60 minutos, enquanto no segundo e terceiros ciclos tem 22 tempos de 45 minutos. Portanto, os professores destes ciclos conseguem ter manhãs, ou dias ou tardes livres no seu horário. E nós não, é todos os dias das 9h às 16h ou 17h30, se a direção flexibilizar os horários com outras áreas (artísticas, por exemplo). (SELMA, PT)

A maioria dos professores trabalha na educação básica, no ensino fundamental. Apenas dois professores lecionam no Ensino Médio, ou secundário, e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Em relação ao tempo de docência, a faixa é bem ampla, indo de 4 a 31 anos de exercício do magistério. Dos professores brasileiros, apenas um tem mais de 10 anos de exercício na profissão (25 anos); já os professores portugueses têm entre 9 e 31 anos de experiência na área.

Formação continuada no Brasil e em Portugal: o que falam os professores

Ao falarem da formação continuada oferecida pelas escolas em que trabalham os professores dos dois países, em sua maioria, mostraram que a mesma não responde adequadamente ao objetivo da proposta de formações deste tipo. As formações “são e não são” obrigatórias, mas se revestem de caráter punitivo, pois a não participação acarreta menos pontuação na análise de desempenho e o não acréscimo financeiro no salário.

O professor Caio explica como acontece a formação continuada nas escolas municipais de Uberaba:

Na Prefeitura de Uberaba há uma divisão de formações.2 A formação continuada em serviço é realizada na própria unidade escolar do docente e a formação sistêmica se dá com a realização de cursos em instituições credenciadas, como também na Casa do Educador, um espaço disponibilizado pelo próprio governo municipal, visando um aprimoramento na formação dos professores. A formação continuada na escola é realizada mensalmente, abordando os mais variados temas, como: alunos de inclusão3, avaliação do discente, possíveis trabalhos diversificados, discussões a respeito das matrizes curriculares, discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular etc. Tais discussões e rodas de conversa contam com a participação efetiva dos professores, apresentando resultados, ideias e possíveis caminhos para serem enfrentados com os temas propostos. E por muitas vezes os encontros também servem como forma de reuniões administrativas. Já a formação sistêmica, quando realizada pelos docentes (muitos não a fazem), inclui a realização de cursos ou atividades de seu interesse. Alguns cursos oferecidos pela Casa do Educador se mostram totalmente fora da nossa prática. No entanto, opto por fazer cursos a distância, embora não goste da metodologia. Apresentações de trabalho, participações em congressos e publicação de artigos também são levados em consideração na contagem de horas para comprovação nas avaliações de desempenho. A realização dessas formações tem caráter obrigatório, mas muitos professores não fazem e assumem a consequência disso, como a perda de pontos na avaliação de desempenho ao final do ano. (CAIO, BR).

Em Portugal, destacamos a fala da professora Hilda descrevendo como se dá a formação contínua em seu agrupamento:

A formação contínua na minha escola surge como forma de resposta às necessidades de formação identificadas pelos docentes, tendo por base os objetivos do Projeto Educativo do Agrupamento. Desta forma, é construído com a comunidade educativa um plano de formação que, posteriormente, é aprovado no Conselho Pedagógico e submetido ao Centro de Formação Contínua ao qual o agrupamento pertence. Os tempos têm a ver com o tipo de formação, se é Ação de Curta Duração, Curso ou Oficina. Os temas abordados procuram colmatar as necessidades mais prementes das escolas e têm normalmente a ver com as orientações superiores. Por exemplo: atualmente os temas que se impõem são Flexibilização Curricular, Trabalho de Projeto, Tecnologias, Robótica… Os formadores são do Centro de Formação, docentes das escolas com o estatuto de formadores, centro de saúde, escola segura… A metodologia depende do tipo de formação, sendo que na maior parte dos casos contempla aplicação em sala de aula dos conteúdos abordados. (HILDA, PT).

A partir dessas descrições destacamos alguns pontos. A fala da professora Hilda mostra uma organização e efetivação da formação contínua que, aparentemente, atende à equipe daquele agrupamento e que, muito provavelmente, seria a ideal para os demais. Descreve uma formação contínua que busca identificar as necessidades locais dos docentes adequando-se ao Projeto Educativo do Agrupamento, bem como atender ao que é exigido pelas políticas públicas em vigor.

Percebemos que em Portugal existe uma grande preocupação com a formação continuada docente, existindo inclusive decretos-lei bem específicos, mas, aparentemente, ainda não houve um encontro entre o que oferecem e o que é sentido como necessidade pelos professores.

Da mesma forma, a Prefeitura Municipal de Uberaba (PMU) se preocupa em oferecer diversas opções de formação para seus docentes. No entanto, aparentemente, ainda não atende aos anseios dos professores. Encontramos apenas a fala do professor Caio destacando pontos positivos:

A formação continuada na escola é realizada mensalmente, abordando os mais variados temas, como: alunos de inclusão, avaliação do discente, possíveis trabalhos diversificados, discussões a respeito das matrizes curriculares, discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular etc. Tais discussões e rodas de conversa contam com a participação efetiva dos professores, apresentando resultados, ideias e possíveis caminhos para serem enfrentados com os temas propostos. (CAIO, BR).

Acreditamos que essa é uma realidade de algumas escolas da rede municipal nas quais a equipe docente e a direção buscam efetivar e aproveitar realmente o tempo disponível para tais ações. O espaço e o tempo são oferecidos e a equipe aproveita da melhor maneira possível, mostrando engajamento e compromisso com a profissão. Entendemos que esta seria uma maneira proveitosa de se fazer a formação continuada sistêmica.

Contudo, em contradição, encontramos nas falas dos demais professores, tanto do Brasil quanto de Portugal, várias críticas. No Brasil, os professores relatam que predominam reuniões de cunho administrativo: “O formato da formação continuada não é sempre o mesmo, e depende da necessidade da escola no momento, mas o que predomina são reuniões com cunho administrativo para passar recados ou votação de alguma coisa a ser resolvida” (DEISE, BR). Já em Portugal não apareceram relatos do uso das formações para questões administrativas.

Entendemos que momentos de se discutir questões administrativas com todos os docentes são importantes e devem existir, mas o ideal é que exista um outro horário para tal atividade, dentro da carga horária em serviço da equipe da escola. Talvez seja um ponto importante para as Secretarias de Educação, tanto municipal quanto estadual, debaterem.

Os momentos de formação continuada devem primar pelo desenvolvimento profissional dos professores e da equipe pedagógica e gestora da unidade escolar. A professora Deise se posiciona quanto a isto:

Apesar da importância desses repasses administrativos, eu acredito que o momento da formação continuada poderia ter um formato diferente: inicialmente faríamos os repasses e recados necessários à boa organização escolar, e depois faríamos grupos de professores em salas diferentes para debater, estudar ou construir o que fosse necessário naquele momento. (DEISE, BR).

A professora Hilda, apesar de ter descrito um esquema de formação ideal, revela o sentimento de ter uma formação mais adequada às suas necessidades:

Gostaria que a minha formação contínua fosse ‘mais minha’, sem depender da obtenção de créditos, e que servisse realmente para o meu crescimento profissional, com repercussões diretas na qualidade da minha prática docente. Que a pudesse frequentar quando realmente sentisse necessidade e não apenas porque há uma mudança legislativa que me encaminha numa certa direção. (HILDA, PT, grifo nosso).

A formação continuada é vista como aula e não como colaboração entre pares, como uma reflexão sobre a prática: “[...] e a metodologia é expositiva, geralmente das supervisoras, diretor e vice-diretora.” (DEISE, BR).

Com essas falas levantamos a questão de que aparentemente os docentes não são convidados a integrarem a equipe de preparação e execução das formações continuadas, mas com o decorrer das narrativas percebemos que isso depende da escola e da equipe responsável.

Identificamos ações diferentes na fala do professor Nelson:

Todos os anos somos convidados a sugerir ou mesmo realizar votação para definir o dia em que se realizará a formação continuada. Acontece que, com professores trabalhando em várias escolas, agenda complexa dos gestores da unidade de ensino, com muitos compromissos, torna essa definição sem sentido, já que há uma série de mudanças ao longo do ano, as formações são modificadas na estrutura, nos horários, nos locais e no próprio formato, de modo a atender a maioria dos docentes ou à própria unidade de ensino que não tem como atender o previsto na agenda e realiza remanejamentos, tanto nos dias, como nas temáticas ou outros aspectos presentes nesse contexto. (NELSON, BR).

Outro ponto que o professor Nelson aborda é o convite feito aos professores da própria unidade educacional para organizarem e desenvolverem a formação continuada em determinado mês:

Tem sido uma tendência, a escola ‘convidar’ os próprios professores a ministrarem a formação em determinado módulo. Você deve assumir uma temática, preparar aquela aula, com estratégias, metodologias envolvendo dinâmicas ou GTs [grupos de trabalho], promoção de debate ou outras estratégias metodológicas que sejam pertinentes. (NELSON, BR, grifo nosso).

Nessa fala destacamos a palavra “ministrar” utilizada pelo docente, dando sentido de aula, que, de certa forma, reforça a fala da professora Deise quando se refere à metodologia de aulas expositivas utilizada na maioria das vezes. Ao encarar a formação como aula, ela acaba perdendo o sentido de colaboração entre pares, uma reflexão sobre e para a prática.

Outra reflexão a se fazer é a tentativa de algumas escolas de envolver os docentes na proposta de formação continuada e mesmo dar espaço para que apresentem seu caminhar profissional e seus pensamentos e reflexões no momento. Aparentemente, este movimento não é muito bem aceito por alguns colegas, pois na sequência da fala o professor Nelson esclarece:

Acontece que se torna problemático esse contexto de formação, sendo que os próprios colegas de docência não admitem ter uma formação ministrada pelos próprios colegas. Ou seja, parece haver menosprezo ou desmerecimento pelo conhecimento alheio. Ouvimos discursos como: ‘poderiam trazer alguém que tenha conhecimentos em determinado assunto’, poderíamos levantar nomes como o de [...], seria uma excelente formação. Quando isso acontece, parecemos atestar nossa incapacidade não legitimando o conhecimento alheio. Isso parece tornar o grupo de profissionais fragilizado e desunido. (NELSON, BR).

Como o professor declara, apresenta-se aqui a cultura do desmerecimento ou a não valorização de quem está ao lado no dia a dia. Por outro lado, podemos pensar também no fato de o tema da dissertação do colega não ser do interesse dos docentes, o que faria com que não se envolvessem no momento da formação.

Em Portugal, os professores são habilitados a serem formadores pelo Conselho Científico, portanto os eles são às vezes formandos e às vezes formadores na mesma unidade escolar. Na sua fala, a professora Hilda mostra que isso não interfere no relacionamento interpessoal ou no interesse pela formação:

Relativamente à formação oferecida pela escola, no papel de docente titular de turma e de coordenadora de departamento envolvo-me no levantamento das áreas/temas a privilegiar na formação, frequento algumas formações enquanto formanda e dou a minha colaboração assumindo algumas formações enquanto docente com estatuto de formadora. (HILDA, PT).

Os professores enfatizam que procuram ter uma participação efetiva nas formações continuadas promovidas por suas escolas, mesmo quando os temas não são tão importantes para eles no momento, mas que algumas vezes acreditam que não aproveitam como poderiam por vários motivos, desde temas desinteressantes a excesso de trabalho que os deixa muito cansados. “Por vezes a formação é realizada no final de um dia de trabalho, o que prejudica o bom rendimento. Assim, considero que deveríamos ter mais tempo para realizar a formação.” (NÁDIA, PT).

O caminho percorrido na formação continuada pelos participantes deste estudo mostra a busca por formações para além das oferecidas pela escola ou pelo município e/ou estado. Se preocuparam em fazer formação lato e/ou stricto sensu, acreditando na necessidade de um maior aprofundamento nos conhecimentos.

Devemos, também, alçar vôos, buscar por nossa própria iniciativa cursos como stricto sensu, que a duras penas nos trazem uma visão diferenciada. Há professores que acumulam cursos latu sensu a distância e que não enriquecem sua prática, pois visam apenas o título. O mestrado, por mais árduo que seja, nos leva ao estudo, à reflexão. (TERESA, BR).

Sempre que tenho conhecimento de formações pertinentes fora da escola - noutros centros de formação, universidades… - participo. (HILDA, PT).

Em resumo, posso afirmar que o meu percurso em termos de formação está diretamente relacionado com as áreas que identifico como importantes para o meu crescimento pessoal; mantenho-me atento às propostas do centro de formação e, para além disso, procuro formações, congressos, workshops etc. oferecidas por outras instituições. (BENÍCIO, PT).

Por outro lado, a professora Teresa revela que a busca pelo mestrado mostrou-se um incentivo para um certo desencantamento com a profissão:

Finalmente, em 2015, percebi que o tempo estava passando e a meritocracia em uma cidade com características de ajeitamentos políticos como Uberaba não me daria oportunidade para crescer e fazer o que em minha utopia considerava possível. Essa descoberta me deixou decepcionada e um tanto sem perspectiva de futuro, pois não consigo agir se não acredito no que estou fazendo. Decidi buscar no mestrado, na pesquisa, razões para continuar. (TERESA, BR).

Huberman (2000) descreve que mais ou menos no meio da carreira é comum o professor por-se em questão, fazer o balanço de sua vida profissional e encarar a hipótese, inclusive, de seguir outras carreiras. Além de questões da própria carreira, outros fatores podem determinar este momento, tais como: características da instituição ou local onde se trabalha (no caso de Teresa, da cidade); contexto político ou econômico ou acontecimentos da vida particular.

Fica clara a crítica dos professores ao formato de formação continuada adotada pelo setor público de educação, tanto no Brasil quanto em Portugal, seja em relação aos temas, à metodologia, à obrigatoriedade ou às pessoas que apresentam. “Percebemos que, a cada ano, parecem se esgotar as novidades no quesito formação continuada em serviço. São sempre discutidas as mesmas questões e não há tantas novidades” (NELSON, BR).

Sentem falta de discutir o projeto pedagógico e os planos da escola.

Fica a questão de como não há novidades, se o chão da escola é um palco de constantes dúvidas, inquietações e descobertas? Será que as propostas de formação estão realmente olhando para a realidade de quem vive o dia a dia da escola?

Quando foi sugerido que falassem sobre como pensam uma formação continuada ideal, as falas dos professores dos dois países giraram em torno de não ter caráter punitivo e discussão de temas mais pertinentes ao contexto próprio.

A professora Deise investiria em formato metodológico diferente:

[...] o momento da formação continuada poderia ter um formato diferente, inicialmente faríamos os repasses e recados necessários à boa organização escolar e depois faríamos grupos de professores em salas diferentes para debater, estudar ou construir o que fosse necessário naquele momento. Por exemplo, eu e mais duas professoras queremos desenvolver um trabalho interdisciplinar com os terceiros anos. Poderíamos utilizar duas horas dessa reunião para elaboração e viabilização de tal projeto. Ou então aprender a usar um aplicativo novo de avaliação, um professor aprende e ensina para os outros. Outra sala vai discutir uma estratégia de intervenção em alguma sala que esteja apresentando dificuldades, seja de aprendizado, convivência, disciplina etc. Enfim, acredito que é mais produtivo a divisão de tarefas por equipes, até porque as reuniões costumam ser no salão de vídeo e chega uma hora que a atenção dispersa e a reunião deixa de ser produtiva. (DEISE, BR).

Tanto o professor Nelson quanto o professor André falam de não ter caráter punitivo:

Gostaria que os encontros de formação não se realizassem como mera formalidade ou mesmo que apresentasse um viés punitivo, já que os docentes sempre são advertidos quando da não participação nas formações, ou dias pedagógicos, projetos da escola que são executados aos sábados ou horários que não atendam à individualidade dos docentes. (NELSON, BR).

[...] acredito que a formação continuada é instrumento de valorização da profissão. Vejo que deveria ser realizada de forma voluntária (sem desconto de valores na remuneração do professor) [...]. (ANDRÉ, BR).

Também se referiram a temas contextualizados e pertinentes ao desenvolvimento profissional:

As formações poderiam acontecer de forma a atender a realidade vivenciada na própria escola, já que é sugerido que ela aconteça preferencialmente nesse espaço. (NELSON, BR).

Quanto às formações continuadas das quais eu participo nas escolas onde atuo, pude perceber o quanto podem melhor atender o profissional docente, porém é necessário redirecionar essas formações. Nós professores da educação básica temos muito que aprender sobre nossa identidade na profissionalização, e o espaço ideal para esse aprendizado é nas formações. (TERESA, BR).

Mesmo enfocando mais especificamente a formação de professores inter/multiculturais, Lima (2009, p. 73) especifica pontos que entendemos serem importantes para a formação de professores em geral:

A formação de professores intermulticulturais precisa provê-los de conteúdos que funcionem como ferramentas intelectuais, assertivas sobre as quais concordo plenamente com Ladson-Billings (apud GANDIN et al, 2002). É preciso que eles se apropriem dos conteúdos básicos para a sua formação não só com profundidade teórica, como também com atitude crítica diante deles - esta, aliás, só virá a partir daquela.

A autora completa dizendo que percebe um sério problema na formação de professores na medida em que é preciso munir os futuros professores tanto de conteúdos específicos com os quais vão trabalhar diariamente, quanto daqueles conteúdos que lhes permitam uma inserção crítica no campo da educação e do ensino. Quando se trata da formação de professores para os anos iniciais do ensino fundamental, acrescenta-se a necessidade de uma boa formação em todos os conteúdos que compõem o currículo escolar (Português, Matemática, Ciências, História e Geografia). E, ainda, nestes conteúdos, deve dominá-los para além de apenas os transmitir, ou seja, com capacidade de escapar da ‘ditadura dos livros didáticos’.

E se, em quatro anos de curso é difícil conseguir essa façanha, seria de todo indicado que a formação continuada prosseguisse tratando de tais questões. Infelizmente não parece ser isso o que em geral ocorre, já que os projetos / programas têm sido pontuais e voltados mais para o ‘como fazer’ do que para ‘o quê’, ‘para quê’, ‘para quem’ fazer. (LIMA, 2009, p. 73, grifo do autor).

Lima (2009) descreve que, dentre os domínios necessários para a formação de professores, três são considerados essenciais: o dos conteúdos, o das metodologias e o da sensibilidade, sendo o último requisito para os outros dois.

Especificando o terceiro domínio, a sensibilidade, Lima (2009, p. 75) esclarece:

Com relação ao terceiro dos domínios que proponho - a sensibilidade -, não a identifico com simples demonstrações de afeto, carinho e outros sentimentos análogos na relação pedagógica. Entendo-o na dimensão política, mais assemelhada à amorosidade, no sentido atribuído por Paulo Freire (FREIRE, 1996), que em nada se parece ao amor piegas, mas que se identifica com o conjunto de atitudes de alguém que opta por trabalhar pelas / com as minorias. De alguém que efetivamente se importa com todos os seus alunos e acredita que todos eles podem e precisam aprender - e de maneira crítica - os conteúdos escolares, em diálogo com os seus saberes de casa. De alguém que se põe em permanente estado de vigilância para desmontar as trapaças ideológicas de que fala Cortella (1998), buscando desnaturalizar afirmações tidas como óbvias, utilizando, em geral, a justificativa de porque aqui é assim ou porque sempre fiz assim ou ainda porque foi assim que me ensinaram.

Outras sugestões sobre como deveria ser a formação continuada ideal foram apresentadas pelos participantes, sendo que a maioria deixa a mensagem de que fazer a formação por obrigação ou para cumprir uma regra ditada pelas políticas públicas vigentes não se apresenta como a forma mais eficaz de conduzi-la:

Não tive, nem tenho, nesta altura vontade de enveredar por outro tipo de formação (mestrado). Considero que, não sendo o professor devidamente valorizado e reconhecido na sua profissão, cada vez mais irá fazer formação por obrigação, pois é necessário para progredir na carreira, e não por vontade própria. O que é realmente preocupante. (DENISE, PT).

O professor André defende a participação apenas daqueles que realmente se interessarem, sem prejuízo dos que não participarem: “[...] e os encontros serem mais participativos, compartilhados e envolvessem apenas os profissionais que tenham o propósito ou objetivo de se aprimorarem e melhorarem profissionalmente” (ANDRÉ, BR).

Aparentemente, para esse grupo de docentes, as políticas públicas que se apresentam, tanto no Brasil quanto em Portugal, não atingem realmente a quem está no dia a dia da vida escolar:

Contudo, as mudanças mais recentes dos programas não foram bem conduzidas, na minha opinião, uma vez que não obtivemos formação do Ministério da Educação. Tive que ir à procura de formações fora do contexto do meu agrupamento para poder acompanhar as mudanças que surgiram. O mesmo aconteceu com a Flexibilização Curricular. Tive que participar em seminários para poder perceber a orgânica da Flexibilização, isto porque o agrupamento que pertenço ainda não entrou verdadeiramente neste espírito de mudança. (FLÁVIA, PT).

No geral, os professores gostariam de participar mais ativamente da elaboração e desenvolvimento de sua formação continuada.

Gostaria de ter voz nos temas das ações formação a desenvolver, que estas fossem gratuitas e que no meu horário estivessem previstas horas destinadas à capacitação. Estaria igualmente disponível para identificar áreas de carência da escola, que as ações promovessem o trabalho colaborativo e que fossem, para além de referenciais teóricos, agentes de mudança. (BENÍCO, PT).

Silva e Compiani (2013, p. 1101) discutem essa questão dizendo que:

[...] tem havido mudanças mas não transformações significativas nessas práticas [formação continuada], uma vez que o processo ainda continua sendo muito verticalizado, os professores ainda estão no lugar de quem recebe, poucos são os processos formativos nos quais o conhecimento se origina a partir da prática com participação dos professores na produção dos conhecimentos escolares, estes fazendo parte do sujeito conhecedor.

O professor Yago é mais radical, defendendo que a formação continuada seja feita apenas pelas pós-graduações: “A formação continuada oferecida pelas escolas deveria acabar, ser substituída por incentivo a qualificação acadêmica e aperfeiçoamentos profissionais oferecidos por instituições de ensino superior” (YAGO, BR). Seria o que Costa (2004) discute em relação ao modelo clássico de formação referido na Introdução deste artigo.

Em relação à participação da Universidade na Formação continuada de docentes, percebemos que em Portugal há uma relação direta e constante entre as duas instâncias, para as escolas ou agrupamentos Território Intervenção Prioritária (TEIP), que pode ser percebida na fala da professora Selma. A participação do perito vai diminuindo à medida que a escola vai se tornando mais autônoma:

Porque tem que fazer pelo menos 3 ou 4 reuniões por ano para dizermos como é que as coisas estão a correr. Como vai o sucesso, como vai, o que faz falta... e eles também têm uma parte, os peritos, para além de orientar a escola, que agora já faz com pouquíssima regularidade, a escola já está muito autônoma, não é? Mas também há uma parte do trabalho dele que é pago naturalmente pelo Ministério da Educação que é para fazer formação, obrigatoriamente. Então, pelo menos uma vez por ano, ele faz lá formação, dentro daqueles temas, ele, com alguém aqui da Universidade, especializado mais até, às vezes, do que ele; se não for a especialidade dele, leva alguém depois com ele para ajudar na formação. (SELMA, PT).

Concluindo, os professores indicam que falta incentivo para investir na profissão e que, na verdade, buscam melhorar sua formação para atender as exigências das políticas públicas.

Fica, por fim, a definição da professora Flávia de uma ótima formação continuada: “Uma ótima formação contínua é a formação diária numa equipa de docentes que se empenha e partilha saberes numa comunidade” (FLÁVIA, PT).

Considerações finais

A pesquisa desenvolvida mostrou-se rica em dados que poderão gerar grande contribuição tanto no estudo da identidade docente quanto na identificação de parcerias possíveis entre Brasil e Portugal no desenvolvimento de políticas públicas relevantes ao processo de desenvolvimento profissional dos docentes.

Os dados referentes ao eixo Formação Continuada trouxeram a certeza de que há um grande interesse do sistema educacional dos dois países em desenvolver uma boa formação continuada visando um excelente desenvolvimento profissional dos docentes, mas a efetivação deste objetivo não tem atingido adequadamente aos docentes em suas necessidades cotidianas na atuação profissional.

Os dados da pesquisa remetem à discussão sobre prevalência da teoria ou da prática no desenvolvimento profissional dos docentes. Entendemos que é fundamental a união, em igual medida, dos dois aspectos. A teoria não gera todo o conhecimento necessário para a atuação. O professor vai se formando no decorrer de sua carreira nas interações com alunos, colegas, em diferentes espaços, formais ou não. Todavia, se focaliza apenas o conhecimento baseado na experiência, terá limitado seu desenvolvimento profissional, pois não poderá utilizar as propostas teóricas desenvolvidas por pesquisas na área para ampliar seus pontos de vista, fazer novas perguntas ao vivido, elaborar hipóteses, enfim, refletir sobre a prática. Com isto queremos dizer que a formação continuada deve primar pelos dois aspectos e, principalmente, envolver os próprios professores na sua elaboração e desenvolvimento, pois eles são quem trazem a experiência do dia a dia que enriquecerá as teorias a serem discutidas. Seria entender que os professores não devem ser formados, ou seja, serem passivos, mas sim formarem-se, serem ativos no processo.

Entendemos que a formação e desenvolvimento profissional docente é uma tarefa conjunta a ser pensada e desenvolvida pelos professores, as escolas e as políticas, pois a ação final do professor, aquela que vai realmente fazer a formação dos alunos sobre sua responsabilidade, é consequência de uma multiplicidade de aspectos como sua história de vida, suas crenças, sua identidade pessoal e profissional, o espaço da sala de aula e da escola e, ainda, os contextos mais amplos, tais como as políticas públicas e sociais que devem observar.

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1A pesquisa foi desenvolvida conforme Resolução CNS 466/12 e Norma Operacional 001/2013, e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, sob o CAAE nº 85967318.8.0000.5154, e parecer nº 2.597.988, de 13 de abril de 2018.

2Entendemos o termo formação como um processo de desenvolvimento profissional que acontece ao longo da vida do professor, como um contínuum (MARCELO GARCIA, 1992), e que inclui os cursos e atividades que são elencadas ou citadas pelos participantes deste estudo em suas falas.

3O termo usado pelo professor remete à linguagem coloquial utilizada para se referir ao aluno público-alvo da educação especial.

Recebido: 30 de Maio de 2019; Aceito: 19 de Agosto de 2019

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