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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.28 no.56 Salvador set./dic 2019  Epub 14-Oct-2020

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2019.v28.n56.p09-11 

Educação e Antropologia: questões de método e epistemologia

Apresentação

Lívia Fialho

Ricardo Castaño


O que significa “educar”? Muitos autores no campo da Educação e da Antropologia têm se aplicado, de diferentes maneiras, na compreensão dos diversos processos que envolvem a aprendizagem, o ensino, a transmissão, a socialização. Sabemos que a educação não se dá apenas na escola - instituição que segue um certo tipo de comunicação e de relação com a autoridade (escolar) preocupada com as possibilidades de progressão linear de estudantes (de uma classe para outra). Novas experiências na forma de aprender-e-ensinar, experiências pluridirecionais de transmissão (não apenas professor-aluno), incorporação de outros saberes ao currículo, dinâmicas contemporâneas de processos educativos são alguns temas que têm mobilizado pesquisas nos dois campos.

Este dossiê, dedicado ao tema “Educação e Antropologia: questões de método e epistemologia”, se organiza em torno de reflexões acerca do fazer científico e da relação entre dois campos de conhecimento, a Educação e a Antropologia. Os artigos aqui reunidos fazem pensar sobre o lugar que assume o método e os pressupostos epistemológicos na produção das questões que envolvem objetos que tocam aos dois campos do saber, tanto na perspectiva da interação/aproximação, quanto na perspectiva das fronteiras teórico-conceituais e uso do método etnográfico. Discutem, em diferentes perspectivas, como a Antropologia e a abordagem etnográfica constituem importantes aportes teóricos e metodológicos para a produção de conhecimento fundado na transformação de formas de investigação e de outras possibilidades de enunciação. As experiências de campo - pesquisas originais desenvolvidas em diferentes países - sobre processos educativos/culturais diversos, nos convida a refletir sobre o que o conhecimento “aproximado” da realidade pode nos revelar sobre o Outro e sobre Nós mesmos.

O primeiro artigo, “A quem serve a educação?”, de Carlos Rodrigues Brandão, é uma importante reflexão sobre o que é Educação. Mediante várias interrogações sobre o papel dos processos educativos em diferentes sociedades, o autor indaga sobre as distintas práticas de educação, pensadas e vividas, seja como instrumentalização funcional de quem aprende apenas se “instruindo”, seja uma educação praticada como formação integral com vistas à transformação de quem aprende através de uma inacabável partilha de saberes destinados a auto, alter e a sociotransformação. O segundo artigo, Ethnomethodologie et recherche qualitative en santé: observer, écouter et décrire, de Alain Coulon, é uma lição de etnometodologia. O autor faz uma exposição sobre o método colocado em prática, a partir da explicitação de três operações “elementares” que qualquer pesquisador nos campos da saúde ou da educação e, mais geralmente, das ciências sociais e humanas pode facilmente utilizar: observar, escutar e descrever. Nesta mesma edição, publicamos Etnometodologia e pesquisa qualitativa em saúde: observar, ouvir, descrever, tradução em português do artigo de Alain Coulon.

O terceiro artigo é de autoria de Tadeu Lopes Machado, e intitulado “Não somos objetos de pesquisa”: em busca de uma Antropologia em colaboração. O autor propõe uma reflexão crítica a respeito da forma com que a antropologia desenvolve seu conhecimento e estabelece sua base metodológica, travando um diálogo com estratégias etnográficas que se colocam como vozes dissonantes da concepção metodológica e epistemológica convencionais. A partir de uma experiência pessoal com os povos indígenas de Oiapoque aponta para a necessidade de construção de uma pesquisa antropológica em colaboração, intersubjetiva e voltada para atender aos anseios dos povos com os quais executamos nosso trabalho.

O quarto artigo, L’enquête sur les savoirs au travail: entre activité narrative et processus dialogiques, de autoria de Hervé Breton e Daisy Moreira Cunha, trata da investigação narrativa e dialógica, que, seguindo a abordagem etnográfica, permite apreender, a partir do trabalho real, o conhecimento no trabalho. Esta forma de investigação requer a expressão da experiência, em primeira pessoa, como parte das narrativas da prática ou narrativas biográficas, e em segunda pessoa, durante as fases de diálogo dentro dos coletivos de pesquisa e formação.

O quinto artigo, Las metodologías biográficas y narrativas y sus aportes para elsesarrollo de processos antropológicos alredor de la salud y la enfermedad en comunidades campesinas, de autoria de Mauricio Múnera Gómez, apresenta algumas reflexões sobre o uso de metodologias biográficas e narrativas para o desenvolvimento de processos de pesquisa em saúde e doença em comunidades rurais do norte de Antioquia. A partir da questão de como o camponês se torna um curandeiro, é apresentada a contribuição das histórias de vida como ferramentas que permitem a compreensão de diferentes trajetórias e experiências de camponeses que realizam tarefas de saúde comunitária.

O artigo seguinte, De la organización a la cultura escolar : abordaje complejo y desafios para pensar la gestion em clave antropológica, de autoria de Alexander Medina Roja e Ricardo Castaño Gaviria, explora as relações teóricas e epistemológicas entre organização escolar e cultura escolar, o papel do gestor em uma perspectiva crítica da gestão educacional. Componentes do currículo, da formação e o contexto cultural são abordados para propor uma alternativa com elementos que permitam realizar ações que abordem a gestão com outro olhar.

O sétimo artigo, El diálogo intercultural como método para articular uma experiencia entre estudiantes de Brasil y el Reino Unido, de Jorge Alejandro Santos, Cláudia Battestin e Darren R. Reid, apresenta uma experiência de diálogo intercultural por meio de uma aula compartilhada entre estudantes brasileiros do povo Kaingang e estudantes de história da Universidade de Coventry, no Reino Unido. É inspirado pela proposta da filosofia intercultural, que propõe o diálogo entre culturas como forma de articular um projeto alternativo para o atual processo de globalização, com base na diversidade de culturas entendida como reservas de humanidade capazes de fornecer recursos para uma globalização da solidariedade, com base na cooperação entre povos e culturas.

O oitavo artigo é intitulado Aprendizagem na/da Etnografia: reflexões conceitual-metodológicas a partir de dois casos bem brasileiros, de Ana Maria Rabelo Gomes, Eliene Lopes Faria e Renata Silva Bergo. Aborda as relações entre etnografia e aprendizagem, tema assumido como interface estratégica entre os campos da Educação e da Antropologia. São explorados dois casos - o futebol e as religiões de matriz africana - cujas práticas culturais são difusas e constitutivas da experiência de diferentes segmentos sociais no Brasil, para abordar os processos de aprendizagem nos dois contextos, inclusive das próprias etnógrafas que deles participaram.

O artigo seguinte, nono, é de autoria de Graziele Ramos Schweig. Intitulado Etnografia como modo de ensinar e aprender na escola, o texto discute potencialidades do fazer etnográfico como práticas docente e discente no Ensino Médio. Parte de uma experiência de pesquisa e ensino com jovens estudantes de uma instituição de educação profissional. A pesquisa é baseada em elementos da investigação etnográfica que permearam tanto o fazer docente, na proposição das intervenções pedagógicas, quanto o percurso de aprendizagem dos estudantes. A partir da análise dos diários de campo produzidos, a autora discute os usos da etnografia enquanto ferramenta de planejamento e intervenção em contextos educativos.

O penúltimo artigo da seção temática, Educação e Roda colaborativa: etnografia de processos formativos e experiências de mães que exercem a prostituição, é de autoria de Fernanda Priscila Alves da Silva e Lívia Fialho da Costa. A partir de uma pesquisa realizada com e em colaboração com prostitutas, o texto discute a importância da etnografia em pesquisas sobre prostituição. Tem como foco as narrativas de mães, que exercem prostituição, sobre cuidado e educação dos filhos. Ancorada no referencial teórico da educação popular, o fazer do pesquisador é entendido como um ato político onde os seres humanos são convocados a se deslocar constantemente. Os diálogos e conversações com mulheres da “vida”, ou mulheres da batalha, fazem emergir a ideia da Roda colaborativa como rede educativa e de proteção aos filhos.

Educacão escolar indígena e saberes culturais, de autoria de Maria José Ribeiro de Sá e Maria das Graças Silva é o último artigo desta seção. O texto insere-se na relação educação e cultura, analisando aspectos de diálogos interculturais entre saberes e práticas culturais Tentehar e a escola no contexto de sua Aldeia, em Amarante, no Maranhão. A pesquisa de campo de abordagem qualitativa possibilitou a elaboração de uma cartografia desses saberes e práticas e a análise da dinâmica escolar.

A seção Estudos tem dois artigos: o primeiro, Afecciones corporales en una planta de producción de materiales educativos, de autoria de Teresita Ospina Álvarez, Edilberto Hernández González e Cynthia Farina, traz os resultados da pesquisa Cartografias de uma educação (outras), cujo objetivo foi explorar a educação que ocorre nos interstícios espaciais, temporais e corporais em uma planta de produção de materiais educativos em Medellín. Verificou-se que a educação (outros) está ligada à construção de uma subjetividade tecida a partir de um evento intenso que possibilita a volta à existência e produz invenções para lidar com as experiências de dor: mortes violentas que mudam a vida, confrontam e obrigam a inventar forças para continuar vivendo. O segundo artigo é intitulado Ações afirmativas na Universidade Federal do Acre : acompanhamento pós Lei de cotas, de autoria de Andrio Alves Gatinho e Delcele Mascarenhas Queiroz. O artigo reflete sobre a política de cotas nos cursos de graduação da Universidade Federal do Acre (UFAC), a partir do exame do desempenho dos estudantes negros, oriundos de escola pública, que ingressaram na Instituição. Analisa dados do ingresso de estudantes cotistas negros nos anos de 2013 e 2014, através da reserva de vagas definida pela Lei nº 12.711/2012.

Desejamos a todos uma boa leitura e que os artigos aqui reunidos sejam fonte de inspiração para reflexões sobre o lugar do pesquisador e da pesquisa na produção em Educação.

Salvador, dezembro de 2019

Lívia Fialho e Ricardo Castaño

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