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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.29 no.58 Salvador abr./june 2020  Epub 15-Dic-2020

https://doi.org/10.1590/000000000000 

APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Luciano Costa Santos1 

1Coordenador do dossiê temático


Após quatro governos de viés nacional-popular no Brasil, com suas inegáveis falhas e seus inéditos (e incômodos) avanços, assistiu-se a uma prodigiosa reação dos estratos socioeco-nômicos dominantes, em sintonia com o capital internacional, a fim de (re)instaurar - via golpe jurídico-midiático-parlamentar - o projeto neoliberal de nação, custodiado por um Estado mínimo que se abstém de seu papel social, privatiza o patrimônio público e se arma de forte aparato repressivo para assegurar a imposição da velha “nova ordem”.

De tal movimento regressivo, resultou avassalador processo de desmanche civilizatório, articulado em torno da imposição totalitária do poder financeiro como princípio de produção e regulação do espaço social. A reboque desse Estado policial neo(ultra)liberal, desde 2016 sucedem-se, em tropel, políticas de liquidação do patrimônio público, subordinação do Brasil ao papel de coadjuvante dos interesses dos Estados Unidos, retirada de direitos trabalhistas, criminalização dos movimentos sociais e de atores públicos à esquerda, discriminação de grupos sociais subalternizados por questão de raça, gênero ou orientação sexual etc. Articula-se, desse modo, uma bem apertada trama econômico-política-jurídica-midiática-eclesiástica-militar que, em seu conjunto, desenha uma complexa engenharia de desconstrução do Brasil como nação soberana, participativa e inclusiva.

A esse projeto de desconstrução civilizatória não poderia faltar a contribuição imprescindível do campo educacional, responsável, de modo decisivo, pela formação dos cidadãos com vista a sua participação autônoma e crítica no contexto social e político em que atuam.

Ora, precisamente com o objetivo de disputar um modelo privatista de educação, concebida como bolha funcional a serviço da provisão de competências técnicas para o mercado capitalista, sem qualquer relação crítico-transformadora com o contexto político-social, e reprodutora dos valores dominantes, passou a tramitar no Congresso Nacional, desde 2014, o Projeto de Lei Escola sem Partido (PL n° 7.180/2014), de autoria do Deputado Erivelton Santana (então no PSC-BA). O Projeto vocaliza uma demanda entranhada em setores reacionários da sociedade brasileira, e articula-se a um processo mais amplo, consubstanciado no assim chamado “Movimento” da Escola sem Partido.

Como o nome deixa claro, trata-se de advogar uma concepção axiologicamente neutra da educação, a qual se vê reduzida ao papel de transmissora de informações de suposto caráter estritamente científico, enquanto se subordina aos princípios e valores ministrados pela instância privada, leia-se familiar, formadora do educando. Nessa perspectiva, o exercício público do livre questionamento e da crítica - intrínseco ao pensamento reflexivo - passa a ser proscrito como “doutrinação ideológica”, “autoritarismo” ou violação da “imparcialidade” científica/escolar, ao passo que o pensamento político-social dominante e o conteúdo (religioso ou moral) formativo de âmbito privado veem-se alçados ao status de verdade inquestionável, a salvaguarda de qualquer problematização que lhes possa ser feita no espaço público, a partir de outras perspectivas epistemológicas, sociais e culturais. Em particular, a absolutização das narrativas moral e religiosa privadas, notadamente em suas versões moralista/fundamentalista (exasperadas pelo atual governo miliciano-cristo-fascista), vem a par da condenação da assim chamada “ideologia de gênero”, que reduz o entendimento do gênero a mera identidade biológica e desqualifica como “ideológica” a reflexão crítica sobre as desigualdades sociais decorrentes de privilégios de gênero historicamente construídos.

Em suma, o exercício da crítica é criminalizado como “ideologia”, enquanto a ideologia - em sentido estrito - é fetichizada como dogma. É a consagração do pensamento único a serviço da tirania do mercado e da sacralização da ordem social vigente.

Tendo em vista a importância desse movimento (anti)educacional - mais além da desaprovação do Projeto de Lei no Congresso Nacional -, enquanto grave sintoma do processo de desconstrução civilizatória acima referido, a Revista da FAEEBA dedica este Dossiê à discussão do Movimento Escola sem Partido, contando com a contribuição interdisciplinar de especialistas de diversas áreas das Ciências Humanas, que se ocupam da questão educacional e, mais do que nunca, assumem o pensamento crítico e o compromisso ético-cidadão como dimensões essenciais do trabalho educativo.

Abrindo o Dossiê, o artigo Escola sem Partido: os (des)caminhos do movimento e dos projetos de lei, de Tânia Parolin da Cruz e Simone de Fátima Flach, tem por objetivo discutir os princípios que orientam o Movimento e os Projetos de Lei autodenominados “Escola sem Partido” e seus possíveis impactos para a oferta educacional e para o trabalho autônomo de professores no Brasil, contextualizando os condicionantes sociais e políticos que fortalecem as propostas.

Também em perspectiva contextual, o artigo Escola sem Partido: neoliberalismo e conservadorismo de mãos dadas, de Maria Escolástica de Moura Santos e Pedro Pereira dos Santos, visa compreender o Movimento Escola sem Partido, situando-o na crise estrutural do capital, a fim de desvelar as ideologias contidas em seu conteúdo, buscando explicitar o momento em que ganha força o discurso e a militância ultraconservadora, bem como sua relação com a lógica neoliberal.

Trazendo uma referência histórico-filosófica de fundo, em Anti-intelectualismo, neo-conservadorismo e reacionarismo no Brasil contemporâneo: o Movimento Escola sem Partido e a perseguição aos professores os autores Bruno Antonio Picoli, Samuel Mânica Radaelli e Anderson Luiz Tedesco relacionam o anti -intelectualismo reacionário que condenou Sócrates na Grécia e a atual perseguição aos professores empreendida pelo Movimento Escola sem Partido, evidenciando que este se enraíza em valores religiosos fundamentalistas, apoiado e fortalecido por partidos, instituições e líderes religiosos alinhados ao neoconservadorismo.

Contribuindo para o embasamento teórico da discussão, o artigo Conservadorismo e (neo) positivismo na educação brasileira: o Movimento Escola sem Partido, de Leonardo José Pinho Coimbra e Ana Paula Ribeiro de Sousa, analisa os fundamentos epistemológicos, políticos e ideológicos do Movimento Escola sem Partido, trazendo à luz seu caráter autoritário e conservador, ao pretender extirpar toda e qualquer possibilidade de educação crítico-emancipadora, pela instituição de um pensamento único na escola que, a despeito de combater a “doutrinação ideológica”, visa neutralizar o movimento contraditório da realidade, e a possibilidade de sua apreensão científica e transmissão escolar.

Em Por uma escola plural, integrada e com partidos, Caroindes Julia Corrêa Gomes e Vânia Gomes Zuin põem em cheque a possibilidade de uma ação educacional imparcial, com base nas ideias de Kant e em diálogo com diferentes perspectivas históricas e filosóficas do Iluminismo (Aufklárung), refletindo criticamente sobre o Movimento Escola sem Partido, que impede a abordagem plural e contextualizada dos fenômenos sociais e, em razão disto, contribui para manter a invisibilidade das maiorias submissas.

O artigo Escola sem Partido e a destituição da responsabilidade e autoridade do professor: crítica a partir do pensamento de Hannah Arendt, de Sandra Soares Della Fonte e Cilésia Lemos, busca compreender e criticar, a partir das contribuições do pensamento arendtiano sobre educação, o Movimento Escola sem Partido, com destaque para o impacto deste na descaracterização do papel docente, tendo em vista o policiamento da atuação do professor, que visa destitui-lo da responsabilidade e da autoridade na condução do trabalho educativo.

Ainda em perspectiva filosófica, o artigo O Movimento Escola sem Partido e o positivismo: a pretensa "neutralidade" em questão, de Carina Alves da Silva Darcoleto e Geovani Roberto Kreling, discute as possíveis relações entre as ideias do Positivismo e do Movimento Escola sem Partido, mostrando que ambos atribuem neutralidade às atividades científicas e educacionais, ao presumir que seus preceitos seriam isentos de qualquer ideologia, valor ou interesse de classe, negando-lhes assim o caráter histórico-social, na busca velada por estabelecer a hegemonia da classe dominante.

Trazendo a contribuição dos estudos linguísticos, em A sala de aula sob a vontade da neutralidade de sentidos, Simone Tiemi Hashiguti, Fabiane Lemes e Rogério de Castro Ângelo realizam uma análise discursiva do site informativo do Programa Escola sem Partido, observando, intra e interdiscursivamente, como a escola, os conteúdos didáticos, o professorado e o alunado são objetificados a partir de um ideal de língua como instrumento de comunicação e de sala de aula como ambiente do sujeito-suposto-saber, controlado e consciente, o que avalizaria a suposta neutralidade epistemológico-política do espaço escolar defendida pelo Programa Escola sem Partido. .

Introduzindo a questão de gênero no debate, o artigo Relações entre política e religião na defesa de uma educação "neutra", de Karina Veiga Mottin, discute as relações entre política e religião a partir da batalha contra a palavra “gênero” no Plano Estadual de Educação do Paraná, articulando seu fio argumentativo em três momentos: reflexão sobre a laicidade do Estado; análise do uso de argumentos jurídicos para defender pautas religiosas, focando especificamente o caso do Plano Estadual de Educação do Paraná; e problematização da ausência da palavra “gênero” neste documento como parte de uma cruzada contra as pautas que envolvem esse campo de estudos.

Alinhado com os estudos de gênero, o artigo Escola sem partido e sem gênero: redefinição das fronteiras público e privado na educação, de Carlos Eduardo Barzotto e Fernando Seffner, discute a influência de discursos neoliberais e (neo)conservadores nas políticas educacionais, com base nos estudos foucaultianos sobre neoliberalismo e nos estudos sobre a nova onda conservadora mundial, defendendo que os sintagmas “Ideologia de Gênero” e “Escola sem Partido” são utilizados como estratégias discursivas que diminuem o papel republicano da educação, substituindo-o pelo viés moralizante e pela racionalidade neoliberal focada no modelo empresarial.

No artigo Comunismo egênero no Escola sem Partido: notas para não sucumbir a uma pedagogia fascista, Cássia Cristina Furlan e Fabiana Aparecida de Carvalho traçam uma genealogia do Movimento Escola sem Partido do ponto de vista da elaboração de discursividades que vinculam os estudos de gênero aos ideários comunistas, evidenciando os aparatos discursivos a impor uma visão de neutralidade nas escolas, combativa da suposta “doutrinação” e dos processos de subversão moral provocados pelos debates de gênero.

Em Políticas públicas educacionais de gênero e diversidade sexual: avanços e retrocessos, Isabela Maria Oliveira Catrinck, Sandy Aparecida Barbosa Magalhães e Zilmar Santos Cardoso analisam as principais Políticas Públicas Educacionais de Gênero e Diversidade Sexual no Brasil, evidenciando sua ascensão frente ao avanço conservador do Movimento Escola sem Partido. O artigo chama atenção para a importância de que as políticas públicas educacionais se concretizem como políticas de Estado, e não como políticas de governo que visam atender a privilégios de grupos sociais restritos, de modo a obstruir uma dinâmica educacional efetivamente inclusiva.

Abrindo o ciclo de trabalhos dedicados ao fazer propriamente educacional, o artigo Ensino de filosofia frente aos desafios da Escola sem Partido, de Webert Ribeiro de Oliveira e Luciano Costa Santos, com base no pensamento de Paulo Freire, visa repensar o ensino de filosofia à luz de uma reflexão crítica sobre o Movimento Escola sem Partido, colocando-se em perspectiva de alteridade ética, que assume o educando como principal razão de ser e protagonista da aprendizagem, de modo a contrapor-se à concepção educacional subjacente ao Movimento Escola sem Partido, com sua posição acrítica, censura à diversidade e defesa da educação bancária.

O artigo Quem é o professor segundo o Projeto Escola sem Partido? Um processo de silenciamento e depreciação docente, de Luciene Fernandes Loures e Thais Fernandes Sampaio, pretende demonstrar, através da análise dos Projetos de Lei n° 7.180/2014 e n° 867/2015, como o Movimento Escola sem Partido contribui para o silenciamento e depreciação dos professores, identificando a forte presença de grupos neoliberais, neoconservadores e fundamentalistas religiosos na atual conjuntura educacional brasileira e, também, reconstituindo o perfil docente construído pelos defensores do Movimento, a partir de características como: “doutrinador”, “manipulador”, “influenciador”, “explorador”, “criminoso”, “autoritário”, “opressor” e “esquerdista”.

Em O olhar da medusa: a objetivação do trabalho docente no Movimento Escola sem Partido, Márcio Danelon e Mauro Sérgio Santos da Silva desenvolvem uma reflexão crítica sobre o Movimento Escola sem Partido com base na fenomenologia da intersubjetividade de Jean-Paul Sartre, focando, em particular, os dispositivos de gravação das aulas e denúncia do professor nas redes sociais, constatando que essa tecnologia de objetivação e controle produz, de fato, um profundo mal-estar que termina por inviabilizar a atividade docente.

O artigo A visão de professores sobre o Projeto Escola sem Partido: conceitos, tensões e práticas, de Cristiane Regina Dourado Vasconcelos, Jomária Alessandra Queiroz de Cerqueira Araújo e Ione Oliveira Jatobá Leal, investiga a percepção de professores de escolas das redes públicas e privadas de Salvador (BA), acerca do Projeto Escola sem Partido, bem como as implicações deste projeto para os movimentos em prol da participação social e da liberdade de expressão no processo democrático brasileiro, em especial no que se refere ao direito à diversidade.

Ainda em campo educacional escolar, no artigo Os estratagemas psicológicos utilizados pelo programa do Movimento Escola sem Partido, Claudia Helena Gonçalves Moura e Pedro Fernando da Silva explicitam os estratagemas psicológicos utilizados pelo Movimento Escola sem Partido em seus projetos de lei, a fim de suscitar concordância e adesão dos sujeitos aos discursos e métodos do Movimento, mostrando a similaridade desses procedimentos com os da propaganda dos regimes totalitários, os quais buscam se aproveitar da debilidade dos sujeitos de modo a atraí-los a discursos autoritários.

Em “A escola deveria ser afago pra gente”: ocupar e tornar a escola pública”, Denise De Sordi, Douglas Gonsalves Fávero e Sérgio Paulo Morais analisam as ocupações de escolas realizadas em Uberlândia (MG) entre outubro e novembro de 2016, que aprofundam e ampliam o repertório das demandas discentes, articulando-as a questões relacionadas à estrutura precária das escolas, à verticalização da gestão escolar e a críticas ao modelo de ensino-aprendizagem, de modo a ressignificar e assumir o sentido público da escola pela comunidade estudantil.

Inaugurando a seção de “Estudos”, o artigo Relatos de experiencias pedagógicas en la formación de docentes para la educación primaria: propuestas, desafíos y tensiones desde un estudio de caso, de Agustina Argnani, analisa as peculiaridades, contribuições, alcances e limitações da investigação (auto)biográfica e narrativa na formação inicial de docentes, abordando de modo pontual estratégias de ensino que se servem de relatos de experiência pedagógica de estudantes de um Professorado de nível primário na Província de Buenos Aires, Argentina.

No artigo Currículo e judicialização na modernidade: fundamentos históricos em relação, Jorge Ramos do Ó e Estela Scheinvar discutem o currículo como forma de controle social sustentada na classificação e pasteurização dos conteúdos, com a função precípua de ensinar hierarquia e obediência a partir de um padrão de verdade, favorecendo o processo de massificação escolar acrítica, imprescindível para a ordem jurídica liberal, no interior de uma pirâmide social cuja manutenção se justifica pela sua correspondência com a realidade da meritocracia.

O artigo O WhatsApp na formação de professores iniciantes no Programa Híbrido de Mentoria da UFSCar, de Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali, Ana Paula Gestoso de Souza e Bruna Cury de Barros, analisa as potencialidades, limites e desdobramentos pedagógicos do uso do WhatsApp como ferramenta complementar ao processo de formação docente no Programa Híbrido de Mentoria da UFSCar, no qual professoras experientes auxiliam professoras iniciantes que atuam na Educação Básica.

Encerrando a seção de “Estudos” e o Dossiê, no artigo A Educação a distância no processod e formação continuada de professores de matemática, os autores Rudolph dos Santos Gomes Pereira e Klaus Schlünzen Junior, investigam as contribuições e limitações da Educação a Distância a partir de um curso de formação continuada via ambiente virtual de aprendizagem Moodle, sinalizando que as limitações existentes na utilização da Educação a Distância são de caráter utilitarista e que podem ser superadas a partir de treinamentos para uso do Moodle, sendo as contribuições relevantes para a formação continuada de professores.

Agradecemos a todas e todos que enviaram seus artigos - publicados ou não -, bem como às/aos pareceristas e demais pessoas que deram valiosa contribuição para a construção deste Dossiê, e desejamos que as leitoras/ leitores recolham neste volume sementes de insurgência para resistir a esses tempos sombrios, e reexistir para além deles.

Salvador, junho de 2020

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