SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29 número58LA VISION DE LOS PROFESORES SOBRE EL PORYECTO ESCUELA SIN PARTIDO: CONCEPTOS, TENSIONES Y PRÁCTICAS“LA ESCUELA DEBE SER UN ABRAZO PARA NOSOTROS”: OCUPAR E HACER LA ESCUELA PARA TODOS índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.29 no.58 Salvador abr./june 2020  Epub 01-Dic-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n58.p270-289 

DOSSIÊ TEMÁTICO

OS ESTRATAGEMAS PSICOLÓGICOS UTILIZADOS PELO PROGRAMA DO MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO

THE PSYCHOLOGICAL STRATAGEMS USED BY THE SCHOOL WITHOUT PARTY MOVEMENT PROGRAM

LAS ESTRATAGEMAS PSICOLÓGICAS UTILIZADAS POR EL PROGRAMA DEL MOVIMIENTO ESCUELA SIN PARTIDO

Claudia Helena Gonçalves Moura* 
http://orcid.org/0000-0001-6556-4788

Pedro Fernando da Silva** 
http://orcid.org/0000-0002-4219-0282

*Pós-doutoranda no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Doutora em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Curso de Psicologia da Universidade José do Rosário Vellano. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: claudiamoura@usp.br

**Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP, Brasil. E-mail: pedrofernando.silva@usp.br


RESUMO

O artigo tem como objetivo explicitar os estratagemas psicológicos utilizados pelo Movimento Escola sem Partido em seus projetos de lei, desvelando as estratégias psicológicas empregadas para suscitar concordância e adesão dos sujeitos aos discursos e métodos do Movimento. Realizou-se uma análise de conteúdo dos projetos de lei do Movimento apresentados na esfera federal. Foi possível constatar que o Movimento utiliza reiteradamente de estratagemas típicos da propaganda totalitária, que buscam se aproveitar da debilidade dos sujeitos na sociedade que os predispõe a discursos autoritários. Ainda que os projetos não tenham sido aprovados na esfera federal, seus discursos produziram efeitos no campo das políticas públicas de educação, bem como nas escolas e na sociedade. Embora haja certa imprecisão quanto aos seus objetivos, é possível concluir que o Movimento busca impedir a experiência mais básica de uma educação diversa e democrática, impondo a uniformização do pensamento.

Palavras-chave: Educação; Autoritarismo; Estratégias; Escola

ABSTRACT

The article aims to explain the psychological stratagems used by the School Without Party Movement in its bills. It reveals the psychological strategies employed to elicit agreement and adherence of the subjects to the Movement’s discourses and methods. A content analysis of the Movement’s bills presented at the federal context was carried out. It was possible to verify that the Movement repeatedly uses typical totalitarian propaganda stratagems, which seeks to take advantage of the weakness of the subjects in the society that predisposes them to authoritarian discourses. Even though the projects were not approved at the federal level, their speeches produced effects in the public education policies field, as well as in schools and society. Although there are some inaccuracies regarding its objectives, it is possible to conclude that the Movement seeks to prevent the most basic experience of a diverse and democratic education, imposing the uniformity of thought.

Keywords: Education; Authoritarianism; Strategies; School

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo explanar las estratagemas psicológicas que el Movimiento Escuela sin Partido utiliza en sus proyectos de ley, revelando estrategias psicológicas que son utilizadas para que las personas puedan concordar y adherir a sus discursos y métodos. Fue realizado un análisis de contenido dos proyectos de ley del Movimiento en la esfera federal. Ha sido posible considerar que el Movimiento utiliza repetidamente de las estratagemas típicas de la propaganda totalitaria que buscan aprovechar de la debilidad de los sujetos en la sociedad que los predispone a discursos autoritarios. Aunque los proyectos no hayan sido aprobados, sus discursos han producido efectos en las políticas públicas de educación, y también en las escuelas y sociedad. Aunque haya cierta imprecisión en relación a sus objetivos, es posible concluir que el Movimiento busca poner obstáculos a la experiencia más básica de una educación diversa y democrática, imponiendo la uniformidad del pensamiento.

Palabras clave: Educación; Autoritarismo; Estrategias; Escuela

1 Introdução

O Movimento Escola sem Partido foi formalizado em 2014 pelo advogado Miguel Nagib e atualmente dispõe de um website com conteúdos, informações, anteprojetos de lei do Movimento e orientações para a efetivação e alcance dos seus objetivos no país (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019a).

Os projetos de lei do Movimento Escola sem Partido já foram apresentados em vários estados e no Distrito Federal, mas, em âmbito estadual, foi aprovado apenas em Alagoas com a Lei nº 7.800/2016, com o nome de “Escola Livre”, a partir da qual foram mobilizadas ações que previam a inconstitucionalidade da medida (PENA, 2018).

Em 2016, foi apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 193, de 03 de maio de 2016 (BRASIL, 2016), de autoria do senador Magno Pereira Malta, que visava incluir o projeto da Escola sem Partido entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Entretanto, depois de sofrer resistência de profissionais da educação e importante derrota política, esse projeto foi retirado de tramitação no ano de 2019. Na Câmara dos Deputados foram apresentados outros dois projetos de lei: nº 7.180, de 24 de fevereiro de 2014 (BRASIL, 2014a), e nº 867, de 23 de março de 2015 (BRASIL, 2015), e mais recentemente o Projeto de Lei nº 246, de 21 de fevereiro de 2019 (BRASIL, 2019). Esses projetos encontram-se em tramitação em conjunto. O site do Movimento Escola sem Partido disponibiliza anteprojetos de lei, notícias relacionadas ao que o Movimento nomeia como doutrinação em sala de aula, e dá instruções para maior alcance do Movimento no cenário político, apresentando como justificativa a afirmativa de que professores utilizam a sala de aula como lugar de propaganda partidária e disseminação de suas preferências e convicções, sendo necessário que o Movimento se expanda na sociedade. O site passou por modificações entre os anos de 2019 e 2020 e dispõe de um novo formato (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019a).

Nos objetivos declarados no site do Movimento até o ano de 2019, consta que o Movimento “foi criado para dar visibilidade a um problema gravíssimo que atinge a imensa maioria das escolas e universidade brasileiras: a instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários. E o modo de fazê-lo é divulgar o testemunho das vítimas, ou seja, dos próprios alunos” (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019b).

Ainda na seção objetivos do site, fala-se da necessidade de “descontaminação e desmonopolização política e ideológica da escola”, e de “respeito à integridade moral e intelectual do estudante”, “pelo respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019b). Estas mesmas asserções também se fazem presentes nos projetos de lei do Movimento Escola sem Partido, tal como serão apresentados a seguir, constituindo material.

A partir de considerações teóricas formuladas por Horkheimer e Adorno (2006) – pensadores críticos que, neste artigo, adotamos como referência para analisar o caráter totalitário do Programa Escola sem Partido –, é possível compreender que, na sociedade marcada pela crescente mecanização e burocratização da vida, é requerido constantemente a cada sujeito que abandone o próprio juízo, ou seja, a possibilidade de fazer uso autônomo do próprio entendimento sem a direção de outrem, como recomendara Kant (2009) há mais de 200 anos, como parte da adaptação a uma vida administrada, de modo que a pretensão de formar o juízo aparece a cada um como algo perturbador. Em seu lugar, aparece a identificação com clichês e com certa normatividade imposta. A isso Horkheimer (1976) e Horkheimer e Adorno (2006) deram o nome de pensamento à base do “ticket”, caracterizado por uma esquematização da realidade e uma indiferença social, combinadas também com a tendência a personalizar os fatos sociais.

Horkheimer (1976) indica que na sociedade administrada todos os indivíduos desenvolvem, em alguma medida, essa mecanização do juízo, o que é sinal de uma consciência debilitada, incapaz de fazer experiências, sendo essa incapacidade a própria disposição para a identificação com discursos totalitários. Na mesma direção, Horkheimer e Adorno (2006, p. 166) asseveraram que “ocorre uma regressão a um modo de efetuação do juízo que se pode dizer desprovido de juízo, do poder de discriminação”. Essa mentalidade altamente estereotipada torna as pessoas suscetíveis à manipulação, o que, de acordo com Horkheimer e Adorno (1973a), compreende a constelação entre o estímulo, que é a técnica adotada pelo líder totalitário comumente sob a forma de discurso demagógico, a predisposição psíquica para tal, para o que contribuem a fragilidade e a atomização dos indivíduos, e as reações irracionais específicas “racionalmente” produzidas.

Na ligação entre estímulo, predisposição e reação, podemos tomar os discursos do Movimento Escola sem Partido como estímulos que se aproveitam de uma debilidade real, objetiva, que é justamente a fragilidade e atomização dos sujeitos, o que predispõe a uma fragilidade subjetiva, passível de capitular diante de discursos autoritários que se encaminham contra os próprios sujeitos. Conforme assinalado por Horkheimer (1976), na propaganda totalitária dirigida às massas, os estímulos se apresentavam sempre de maneira rígida, com incansável repetição, além de construírem um inimigo que devia ser repudiado, sendo este o objeto de preconceito, a partir do que se buscava embotar as formas de reação dos receptores, deixando de lado possíveis resistências aos discursos. Em consonância com esse entendimento, Adorno (2009) realizou uma análise detida das técnicas psicológicas utilizadas por um agitador fascista da Costa Oeste dos Estados Unidos, Martin Luther Thomas, em discursos radiofônicos, a partir da qual nomeou diversos estratagemas que eram utilizados por ele para suscitar concordância e adesão ao movimento propagado. Do mesmo modo, no texto Antissemitismo e propaganda fascista, Adorno (2015a) analisou esses estratagemas também considerando discursos de agitadores americanos, dentre os quais se destaca o próprio Martin Luther Thomas.

O estudo que Adorno e outros autores fizeram dos discursos de agitadores nos anos 1930 e 1940 exigiu a apreensão dessas técnicas psicológicas: tratava-se de subterfúgios que promoviam, por um lado, a idealização de seus líderes e, por outro, a suspeita paranoica sobre os out-groups; em suma, eram utilizados artifícios retóricos repetitivos e padronizados dotados de persuasão e capazes de estabelecer certa comunicação psicológica entre enunciador e ouvinte (CARONE, 2002).

A partir de diferentes estratagemas que foram outrora utilizados por esses agitadores, e que serão explicitados adiante neste texto, é possível compreender que há aspectos totalitários contidos nos projetos de lei do Movimento Escola sem Partido, sob a alegação de liberdade e repúdio a supostos doutrinamentos.

Diante da semelhança observada entre os estratagemas utilizados pelo Programa Escola sem Partido e os que foram engendrados pela propaganda fascista analisada por Adorno (2009, 2015a), torna-se urgente avaliar os objetivos e os efeitos imediatos desse Programa. Se estivermos de acordo com Adorno (1995b, p. 119) de que “a exigência que Auschwitz não se repita é primeira de todas para a educação”, a crítica à forma da propaganda efetuada pelo Movimento Escola sem Partido deve complementar a crítica a seus objetivos obscuros, pois ambos negam a formação de sujeitos esclarecidos.

O uso de estratagemas manipulativos oblitera a consciência e suscita a adesão, acionando modos de reação defensivos e modos de pensar automatizados que não permitem a autorreflexão. Desse modo, o discurso do Programa diz respeito mais à psicologia subjetiva daquele que o enuncia do que ao objeto ou assunto em questão (CARONE, 2002). Também nesse ponto sua semelhança com a propaganda fascista é notória. Como denunciado por Adorno (2015b, p. 182), no caso daquela propaganda, o poder do agitador consistia na captura das “disposições inconscientes de sua audiência” por meio de um processo em que o agitador “simplesmente volta seu inconsciente para fora”.

Precisamente esses estratagemas são analisados neste artigo, bem como outros aspectos totalitários presentes no discurso do Movimento Escola sem Partido, tomando como material os Projetos de Lei nos 7.180 (BRASIL, 2014a), 867 (BRASIL, 2015) e 246 (BRASIL, 2019),1 e algumas informações do site oficial do Movimento (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019a).

2 Desenvolvimento

2.1 As técnicas psicológicas utilizadas nos projetos de lei do Movimento Escola sem Partido

No Projeto de Lei nº 246/2019, há no Art. 1° uma defesa de princípios formais que, no geral, permeiam a LDB, como dignidade, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de consciência e crença. Enfatiza, nos incisos VII e IX respectivamente, o “direito do estudante a ser informado sobre os próprios direitos, visando o exercício da cidadania”, e ressalta o “direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos [...]” (BRASIL, 2019). Nota-se que essa redação é semelhante à adotada nos incisos VI e VII do Art. 1° do Projeto de Lei nº 867 (BRASIL, 2015), revelando a continuidade do projeto de 2015, derrotado politicamente, no ano de 2019, ainda em tramitação.

Essa continuidade também se observa na semelhança entre o Artigo 3° do Projeto de Lei nº 867/2015 – que afirma: “São vedadas, em sala de aula, práticas de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.” (BRASIL, 2015) – e o Artigo 3° do projeto de 2019, cujo texto conserva o mesmo teor: “É vedado o uso de técnicas de manipulação psicológica destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa.” (BRASIL, 2019)

Os dois Projetos de Lei, nº 867/2015 e nº 246/2019, no mesmo artigo 4°, afirmam que:

[...] o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; Não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas; não fará propaganda político-partidária nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas. (BRASIL, 2015, 2019).

É interessante considerar que o discurso veiculado nessa formulação considera o que o professor “não deverá fazer”, sugerindo implicitamente que deve deixar de fazer algo reprovável. Utiliza-se do verbo no futuro, porém antecedido por uma negação que intensifica a hipostasia de uma imagem distorcida do professor como manipulador político. À primeira vista, sobressai a intenção de proteger o aluno e de respeitar os princípios apresentados no Artigo 1°, relativos à liberdade e à dignidade; entretanto, o que realmente sugere é que o professor viola esses princípios. A redação do Artigo 4° revela o que Adorno (2009) denominou como técnica do fait accompli, comum ao discurso do agitador Martin Luther Thomas, que consiste em apresentar algo como consumado, sobre o qual se tem acordo. Toma-se como fato já estabelecido que o professor se aproveita da audiência cativa de alunos para promover interesses, opiniões e preferências de todo tipo, que ele também favorece ou constrange alunos em razão de convicções políticas, ideológicas, morais e religiosas, e que possivelmente faz propaganda político-partidária.

A técnica do fait accompli “Consiste en presentar un asunto como algo que se ha decidido ya previamente” (ADORNO, 2009, p. 53), de modo que a decisão é atribuída ou às massas, como algo percebido cotidianamente, ou à autoridade pessoal ou institucional sobre cujo prestígio esse autor se coloca, ou pelo menos a uma superioridade das ideias que porta. Uma vez que o Movimento Escola sem Partido é fundado por advogados, a despeito de sua irracionalidade explícita, é bem provável que o prestígio de que ainda goza decorra da suposta competência do discurso jurídico comumente aceito como discurso competente.2

Ainda em relação ao mesmo trecho do Artigo 4º (BRASIL, 2015, 2019), a redação sugere que a ameaça não apenas existe em potencial, mas é constante e real, com isso, assemelha-se ao estratagema da “inocência perseguida”, também utilizada em diversos discursos fascistas. Insiste em que se trata de uma inocência perseguida de modo permanente por forças conspiratórias. De acordo com Adorno (2009), essa distorção serve a dois propósitos: interpretar o suposto perigo como uma ameaça dirigida a todos e racionalizar a agressividade como forma de defesa legítima diante desse perigo.

No início da justificação dos Projetos de Lei nos 867/2015 e 246/2019, já se coloca que a proposição legislativa se baseia em “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras” (BRASIL, 2015, 2019). A primeira estratégia de justificativa do projeto é a insinuação de que haja, na educação brasileira atual, uma contaminação político-ideológica; portanto, sugere tratar-se da esfera do obscuro, do misterioso e do aterrador. Isso fica claro na frase seguinte:

É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis. (BRASIL, 2015, p. 5).

Consonante com o estratagema fait accompli, afirma como certo, decidido e comprovado que algo atemorizante está acontecendo na sala de aula com crianças e jovens e, com isso, suscita reações e emoções negativas que reforçam a adesão ao que foi afirmado:

Diante dessa realidade – conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos -, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica, a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. (BRASIL, 2015, p. 5).

Como a afirmação é tomada como certa e é justificada pelo suposto apoio das massas, e não apenas pela autoridade do legislador, a autoridade do que é afirmado faz com que sejam enfraquecidas as possibilidades de resistência ao sentido fechado do enunciado. A forma adotada impede o pensamento, pois os estratagemas do fait accompli e da inocência perseguida, empregados primeiramente pela propaganda fascista, são técnicas que se utilizam da incitação ao terror e, por isso, inviabilizam a oposição e o confronto, já bastante debilitados e escassos na sociedade administrada; e, desse modo, suscitam a adesão.3 Como se trata de uma estratégia aterrorizante, a insinuação de que algo atemorizante ocorre nas escolas dá espaço para toda sorte de especulação – este estratagema se aproveita da disposição das massas a estarem ansiosas pelo que ocorre nos bastidores. Além disso, aproveita-se também do fato de que as pessoas estão psicologicamente inclinadas a transformar os processos anônimos dos quais são objetos na sociedade em termos personalizados de conspirações ou organizações secretas.

Também a respeito da suposição de que os professores manipulam os estudantes de modo a levá-los a adotar “padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis” (BRASIL, 2015, p. 5), observa-se a utilização da técnica que Adorno (2009) denominou “roupas sujas”, por meio da qual se faz uma revelação real ou imaginária, no geral, de escândalos que com frequência se referem à corrupção ou ao sexo. Cabe ressaltar que o indivíduo com mentalidade fascista deseja aceitar como verdadeira qualquer história escandalosa e, sem se certificar dos fatos, generaliza-os. Nesse caso, o que se acusa é que os professores, bem com os autores de livros didáticos, estejam induzindo os estudantes a adotarem padrões de julgamento e de conduta moral reprováveis. Nos projetos de lei mencionados, o legislador, sem provar a veracidade de sua acusação ou demonstrar como ocorreria, faz uma acusação grave de que os professores teriam uma atitude perversa em relação a seus alunos. Coerente com o descaso da ideologia totalitária para com a argumentação lógica (HORKHEIMER; ADORNO, 1973b), o discurso do Programa Escola sem Partido apoia-se precisamente nessa imprecisão estrutural.

Adorno (2015a) já notara há muito que há uma imprecisão recorrente nos discursos de cunho fascista. No caso do Programa que ora analisamos, essa imprecisão pode ser observada em relação a como opera tal manipulação, em especial no âmbito da moral sexual; a imprecisão não é fortuita, pois o mais crucial nesses discursos é a manipulação de mecanismos inconscientes. Pode-se dizer que tal imprecisão é muito importante nesses discursos, pois enquanto todo argumento ou lógica discursiva deixa um lastro de objetividade que pode ser confrontado, essa característica é deliberadamente evitada no discurso fascista, que aposta na repetição e na técnica psicológica, de modo a dificultar a confrontação com o que se afirma. De acordo com Adorno (2015a), os discursos dos agitadores totalitários são bastante similares e monótonos, repletos de repetições, e compostos por um número limitado de dispositivos. Assim, a constante reiteração e a escassez de ideias são ingredientes indispensáveis de tais técnicas e discursos.

Assim, a intenção é, por meio da ênfase no escândalo relacionado à sexualidade e da incitação do terror, suscitar a crença cega nesse discurso. O efeito conscientemente planejado é a organização de elementos que promovam a adesão das pessoas a um discurso demagógico que se propõe a enfrentar o mal (ADORNO, 2009), ou seja, enfrentar a manipulação política supostamente executada pelos professores. Essa intenção se materializa na forma do projeto de lei e por meio dos métodos utilizados pelo Movimento para sua divulgação e execução, afirmados como únicos capazes de evitar a chamada manipulação. A estratégia das “roupas sujas” se baseia na ideia de que as coisas possam piorar e isso evoca o risco de que as condições materiais, em especial a segurança e a propriedade, se deteriorem. A ideia de que alguém possa colocar em risco a segurança e a integridade de seus filhos soa como um alarde suficiente para justificar o controle a fim de se instaurar medidas totalitárias no espaço da escola. Diante do alarde contido no projeto de lei e no discurso do Movimento, não há espaço para argumentações, o que se suscita é a adesão ao movimento para o combate contra o inimigo.4

O que é possível perceber a partir dos discursos contidos nos projetos de lei do Movimento Escola sem Partido é que não se compreende o estudante como um ser autônomo, autodeterminado, capaz, inclusive, de direcionar o processo educativo; ao contrário, os projetos de lei reafirmam constantemente o direito dos pais, mas poucas vezes se cita o direito do estudante, tampouco o direito de questionar as crenças e moralidades da sociedade em que vive, como está explícito no inciso V do Art. 4° do PL nº 246/2019: “O professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções.” (BRASIL, 2019). Por meio da negação da autonomia dos estudantes, que para Adorno (1995b) deveria constituir o objetivo principal da educação, o Programa Escola sem Partido apregoa a adaptação irrefletida ao existente, desconsiderando que “a organização do mundo converteu-se a si mesma em sua própria ideologia. Ela exerce uma pressão tão imensa sobre as pessoas, que supera toda a educação” (ADORNO, 1995b, p. 143).

Entretanto, em nenhum momento o Projeto de Lei nº 246 (BRASIL, 2019) especifica como se dará a educação religiosa ou o que chama de educação moral, dado que cada família pode professar uma religião diferente ou ainda partilhar diversos entendimentos sobre religião e moralidade. Adorno (2009) considerava que a propaganda fascista norte-americana tinha uma imprecisão marcante, de modo que se esgotava na construção do inimigo e na personalização do líder, enaltecendo-se o movimento, mas não explicitando o que se buscava. A glorificação da ação ou a ênfase nos meios é um aspecto “que oblitera e substitui o propósito do assim chamado movimento” (ADORNO, 2015a, p. 140). Do mesmo modo, os projetos de lei aqui analisados não especificam a direção que apontam para a educação como um todo; a ênfase se centra no combate ao inimigo e nos métodos que consideram imprescindíveis para o combate, de modo que o meio – que é o combate – se converte em fim.

Tal como no Art. 4º, a questão moral reaparece em diversas partes do Projeto de Lei 246/2019, como se observa no Art. 6°: “As escolas particulares que atendem a orientação confessional e ideologia específicas poderão veicular e promover os conteúdos de cunho religioso, moral e ideológico autorizados contratualmente pelos pais ou responsável pelos estudantes [...]” (BRASIL, 2019). O que se percebe em formulações como esta é um atrelamento da educação moral e religiosa à família, ao mesmo tempo em que se sugere que o professor e a escola são ameaças que devem ser controladas por meio da aprovação do projeto. Em última instância, trata-se da reafirmação da família tradicional e de seus valores que, para o Movimento, não podem ser questionados.

Do mesmo modo, o Projeto de Lei nº 246/2019 afirma, em seu Art. 2°, que “O poder público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual de alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero” (BRASIL, 2019). A esse respeito, cabe observar que não é explicitado o que se compreende por amadurecimento sexual – não é possível saber se a sexualidade é compreendida unicamente em sentido biológico – e por gênero. Dessa maneira, quaisquer elucubrações sobre como, eventualmente, o professor exerceria dogmatismo ou proselitismo em relação a esses temas permanecem muito vagas. O que se pode depreender desse trecho é que, para o Movimento, a sexualidade e o gênero decorreriam de um processo natural ou de um desenvolvimento considerado normal, desconsiderando-se qualquer mediação cultural, de modo que qualquer intervenção da escola mostrar-se-ia mais uma vez arriscada e perigosa.

Mais uma vez o caráter vago do discurso mostra-se central para que se possa alcançar a adesão pretendida pelo Movimento, pois parece não ser de seu interesse definir sexualidade e gênero, e nem indicar de que maneira tais questões deveriam ser tratadas, possivelmente porque isso possibilitaria o confronto direto com suas concepções conservadoras; ao contrário, apela para a denúncia ensandecida do escandaloso e ameaçador. A ausência de uma lógica coerente no discurso, bem como a ausência de fundamentos, deixa espaço para a manipulação por meio de técnicas psicológicas capazes de causar impacto e conquistar a adesão. O método empregado pelo Movimento Escola sem Partido compreende o planejamento do controle emocional (ADORNO, 2009); apropria-se dos temas sexualidade e gênero, já que se tornaram polêmicos, porque favorecem um maior alcance ao Movimento, inicialmente “preocupado” com a “doutrinação política” (PENA, 2018).

Segundo Adorno (2009), a carência de uma lógica objetiva do discurso se deve a um planejamento deliberado a respeito de como afetar a psicologia dos ouvintes e é o melhor modo para se chegar a suas necessidades inconscientes, tal como Thomas fazia nos seus discursos. Portanto, a recorrente referência à sexualidade e ao gênero, como temáticas capazes de angariar novos seguidores, apresenta-se como uma estratégia idêntica a que fora utilizada pela propaganda fascista evidenciada e criticada por Adorno (2015b, p. 184, grifo do autor):

A propaganda fascista precisa apenas reproduzir a mentalidade existente para seus próprios propósitos – ela não precisa induzir uma mudança – e a repetição compulsiva, que é uma de suas características mais importantes, irá se coordenar com a necessidade por sua reprodução contínua. Ela se apoia absolutamente na estrutura total, bem como em cada traço particular do caráter autoritário, que é ele mesmo o produto de uma internalização dos aspectos irracionais da sociedade moderna.

Os discursos do Movimento aqui analisados reproduzem ardilosamente a mentalidade conservadora atual, endossando-a como estratégia de propaganda destinada a ampliar a adesão ao Programa. Ao atrair magneticamente cada traço particular do caráter autoritário presente na vida social, estimula a internalização da irracionalidade social, como também foi propiciado pela propaganda fascista, que, segundo Adorno (2015b), toma o status quo como aceito e petrificado e mobiliza a economia pulsional para isso. Nesse sentido, dado que seria necessário mais esforço para se ver através do manto que recobre o existente com elementos que lhe são típicos e corriqueiros do que para a ele se adaptar e obter alguma gratificação, o uso dos estratagemas desempenha o papel de mobilizar processos irracionais, inconscientes; e isso foi e é amplamente realizado por movimentos conservadores de massa, embora também possa acontecer com movimentos progressistas se seu conteúdo racional for preterido em prol do poder cego e da manipulação (ADORNO, 2015b).

Cabe ressaltar que o pretendido impedimento do debate na escola de assuntos dos campos sexual, moral e religioso compreende também um posicionamento do Movimento: o de que a formação do indivíduo em seu sentido mais amplo restringe-se à família e de que a intervenção da escola nessa seara, demarcada por valores estabelecidos pelas forças sociais hegemônicas, mostrar-se-ia arriscada.

O trecho do Projeto de Lei nº 7.180 (BRASIL, 2014a) antes citado faz uma referência implícita aos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998 (BRASIL, 1998), que têm como uma de suas recomendações o trabalho com o tema da sexualidade, nomeada, no documento, como orientação sexual, como tema transversal a ser discutido nas escolas. Além disso, a grande pretensão do Movimento Escola sem Partido também se expressa na intenção de alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o que revela a utilização de outro estratagema comum à propaganda fascista, o da anti-instituição. Este consiste em atacar as instituições existentes, utilizando do ataque e do discurso nele empregado como caminho para a execução da lei a seu modo, em especial para introduzir leis não democráticas.

Por meio da análise desse estratagema, torna-se possível observar que o mote desses discursos tem sido acusar a escola de ser um lugar perigoso, ameaçador aos valores da família; por isso, o termo “ideologia de gênero”, que em si mesmo carece de sentido, é insuflado como forma de instaurar um “pânico moral” generalizado, que favorece a associação desse desconforto a posições políticas conservadoras (PENA, 2018) nem sempre explícitas nos projetos de lei. Essa visão é atrelada e articulada a uma concepção também conservadora de escola, posto que, para o Movimento, a escola deve evitar qualquer possibilidade de confronto ou tensão em relação ao existente.

Por sua vez, isso indica a permanência do que Adorno (1995a) denominou como tabus que recaem sobre o professor e sobre o magistério; por exemplo, de representações sedimentadas do professor como um carrasco, como alguém que exerce poder sobre os indefesos. Essas representações inconscientes ligadas à imagem e à função do professor persistem na história como um tabu que impede a escola de se voltar para a desbarbarização. Essa imagem não superada ou esclarecida é restaurada pelo Movimento em prol de seus objetivos autoritários. Ciente das contradições que permeiam a instituição escolar, Adorno (1995a) considerou que a vantagem do saber do professor frente aos alunos, por vezes percebida ou convertida em poder despótico, é indissociável da função docente e lhe confere uma autoridade da qual não pode abrir mão. Negá-la seria problemático, pois negar uma relação de poder não significa sua superação, ao contrário, resultaria em escamoteá-la, reduzindo a consciência necessária à sua elaboração. A consciência a respeito dos tabus que recaem sobre a atividade docente é condição sine qua non para que a escola cumpra sua tarefa de desbarbarizar a humanidade; entretanto, é a permanência desses tabus sobre o professor e sobre a escola que parece ganhar expressão no Movimento Escola sem Partido.

Se, por um lado, o docente não pode negar a posição superior que tem em relação ao aluno na escola, assumir tal posição pode inclusive dar subsídios à superação dessa diferença, que se dá na própria formação dos indivíduos e no contato com diversos mediadores. De acordo com Adorno (1995a, p. 112), o trabalho do professor se realiza por meio “de uma relação imediata, um dar e receber, para o qual, porém, este trabalho nunca pode ser apropriado sob o jugo de seus objetivos altamente mediatos”. Desse modo, não pode o professor escamotear a posição que ocupa na sala de aula, o que tornaria sua função possivelmente arbitrária (ADORNO, 1995a), mas tomar consciência de que sua posição lhe confere a possibilidade de exercer mediação5 formativa.

Se a escola não puder tratar da formação no seu sentido mais amplo, como reflexão sobre questões morais, políticas e religiosas – bem como sexuais, dado que a sexualidade é parte da formação do indivíduo –, cabe então perguntar: Qual é o papel da escola, segundo o Movimento Escola sem Partido?

O que o Movimento provavelmente busca a esse respeito é evitar qualquer debate na escola e, em última instância, obstaculizar a formação no sentido mais amplo, em suas dimensões moral, sexual e política. Assim, além de atrelar, no plano do discurso, a formação à família, parece haver ainda uma compreensão do processo de ensino-aprendizagem escolar não aberta ao debate e à construção coletiva, o que consiste em dizer que os processos históricos são como são, irreversíveis e dados.

Assim, o que sobressai nos projetos de lei aqui analisados do Movimento Escola sem Partido é o ataque à construção de uma escola democrática e plural, a uma escola com abertura à diversidade sexual e de pensamento; sobressai a defesa do discurso autoritário que nega a educação por entender que ela, como consta no Art. 4°, inciso I, “promove opiniões e concepções e preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias” (BRASIL, 2015, 2019) e que, por isso, é ideológica.

Pode-se entender que todo ataque perpetrado pelo Movimento aos professores e às escolas é parte de um giro fascista que nega a própria formação cultural aos indivíduos. Por meio de inúmeras artimanhas, o Movimento apresenta motivos inconsistentes que justificam todas as suas ações, apresentando-se como um discurso necessário para introduzir sua visão autoritária de escola, ou seja, em defesa de uma escola esvaziada dos subsídios necessários à formação do sujeito autônomo e com dispositivos autoritários que impedem o debate e a expressão. Dessa maneira, o Movimento Escola sem Partido limita a experiência mais básica de uma escola diversa, democrática e plural.

Por fim, embora o Movimento não explicite como concebe a educação e para quais objetivos deve se direcionar, por meio do desvelamento de seus estratagemas e de suas oposições é possível perceber que há uma aversão ao espaço democrático que pode haver na escola, mesmo no âmago de uma sociedade administrada. É justamente contra a liberdade de pensamento que o Movimento atenta:

Pode muito bem ser o segredo da propaganda fascista que ela simplesmente tome os homens pelo que eles são: verdadeiros filhos da cultura de massa padronizada de hoje, em grande parte subtraídos de sua autonomia e espontaneidade, em vez de se colocar metas cuja realização transcenderia o status quo psicológico não menos que o social. (ADORNO, 2015b, p. 184).

Ao analisar os discursos de Thomas, Adorno (2009) percebeu que ele nada de substancial dizia sobre os objetivos de seu movimento, tampouco sobre o comunismo, que não sabia definir ou debater, mas o colocava como inimigo a ser radicalmente rechaçado. Ele construía uma personagem ou sistema para atacar – afinal a tendência do fascismo é atacar imagens, mais que realidades. Thomas contava com uma atitude paranoica de seus ouvintes, uma espécie de mania de perseguição que busca a confirmação dos fantasmas. Nesse sentido, mobilizava esse imaginário para satisfazer os impulsos sadomasoquistas de seus ouvintes; ao caracterizar o comunismo como conspiração, na verdade, dava vazão à sua própria destrutividade conspiratória, sob a forma de reflexo, abundante em seu empreendimento.

Do mesmo modo, o caráter conspiratório do Movimento Escola sem Partido é bastante evidente nas acusações feitas contra os professores e nas medidas que propõe contra eles. Sobre esse aspecto, pode-se retomar a ponderação de Adorno (2009) quando se referia à construção de um imaginário funesto sobre o judeu, de que defender sistemas ou pessoas resultaria inútil frente ao estratagema da construção de um imaginário:

[...] los judíos mismos son destruidos para hacerle daño a la imagen. Por ello, con frecuencia puede no ser tan apropiado defender a los judíos contra objeciones que en último extremo apuntan a un fetiche, como señalar la naturaleza fetichista del concepto fascista de ‘El judío’. Es importante mostrar los elementos de este fetiche y su relativa independencia de la realidad, examinar su función psicológica, etc. Sólo así puede disolverse esta imagen de forma efectiva. (ADORNO, 2009, p. 121, grifo do autor).

Uma das maneiras de se desconstruir o efeito que o Movimento Escola sem Partido produz a respeito da escola e dos professores é o desvelamento do imaginário que o Movimento construiu a respeito deles, que não corresponde nem à escola nem ao professor reais, mas a uma imagem criada para se perseguir e violentar. Tal como Martin Luther Thomas, que nos seus discursos demagógicos contava com uma atitude paranoica de parte seus ouvintes, o Movimento Escola sem Partido se apropria de igual condição psíquica delirante. Como a paranoia está ligada ao ressentimento daquele que não encontrou bases para a formação do pensamento, os discursos do Movimento aqui analisados apontam para a existência desse ressentimento e ativam a perseguição.

Ao mesmo tempo, o caráter repetitivo do discurso, bem como a ausência de coerência e objetividade, traços que são claramente evidentes nos projetos de lei que em diferentes anos repetem quase literalmente as mesmas informações, também decorre do desprezo cínico e relativista pela verdade, dado que o reino dos fascistas é o dos fatos sem conexão, isolados, ou seja, as imagens dos fatos (ADORNO, 2009). Nesse aspecto, os projetos de lei se esgotam no uso reiterado de estratagemas psicológicos que buscam se aproveitar da debilidade dos sujeitos na sociedade para convencimento e adesão.

2.2 Os métodos do Movimento Escola sem Partido e as disposições para a adesão

No que toca às técnicas psicológicas mencionadas, considera-se que a partir do fait accompli já se coloca a suposta perseguição e doutrinação de alunos por professores como um dado não aberto à discussão ou à avaliação de sua real ocorrência, mas se toma como estabelecido o fato de que professores se aproveitam da audiência dos alunos e, por isso, são potencialmente perigosos. E assim, a partir do “fato dado”, o Movimento busca ainda nos seus projetos de lei justificar ações que consistem na vigilância e no controle sobre o professor.

De acordo com Adorno (2009), a aceitação e o não questionamento do que é veiculado como verdadeiro e dado se deve ao sentimento de impotência, por meio do qual as pessoas sentem suas vidas fora de controle, sentindo-se objetos de processos que mal se pode compreender. Com base nessa disposição, tais discursos oferecem a possibilidade de transformar a vaga consciência de ser objetos, o sentimento de impotência, em sentimento de força, desde que se faça adesão sem críticas ao Movimento. Esse mecanismo das propagandas fascistas tem se repetido em diversos movimentos de cunho autoritário, como ocorre nos discursos contidos nos projetos de lei aqui analisados.

Do lado de quem recebe e adere a tais ideias, podemos pensar, com base em Adorno (2009), que aderir ao que está ganhando ou se coloca de modo pungente, sem contradições, demanda menos independência e coragem. Isso acontece, sobretudo, porque os receptores se encontram em uma realidade em que não suportam correr mais riscos, vivendo em uma situação de dependência, na qual não se sentem autônomos o suficiente para pensar ou fazer oposição.

Portanto, para justificar e conquistar adesão a seus métodos, o Movimento emprega dois estratagemas: tomar a doutrinação como um fato real e indubitável – “estratagema fait accompli” – e considerar que a situação exige medidas urgentes e cabais – “estratagema da última hora”. Se a situação é vista como perigosa, catastrófica, segue-se a ideia de realizar alguma ação, muitas vezes com conotações de violência e brutalidade essa é a consequência do estratagema da última hora, claramente presente nos métodos do Movimento.

O Movimento Escola sem Partido incita a urgência da ação, por isso seu site traz modelos de anteprojetos de lei de nível federal, estadual e municipal (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019c). Além disso, esses anteprojetos incitam a prática da denúncia, simulando, com isso, proximidade com quem se acerca do movimento, como se lê no Art. 11° da PL nº 246: “O Poder Público contará com canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato” (BRASIL, 2019).

Desse modo, a desconfiança em relação às escolas e aos professores se imiscui como estímulo nos discursos do Movimento e buscam justificar a violência contra os professores e os intelectuais, de maneira a provocar reações violentas não mais contidas (posto que o Movimento busca se legitimar por seus projetos de lei). Como se trata de um movimento que apregoa o controle e a denúncia, isso recai sobre o professor, que na verdade tem um poder limitado, ou, nas palavras de Adorno (1995a, p. 103), um poder que “parodia o poder verdadeiro”, que se dá sobre indefesos e que, por isso mesmo, é passível de controle e punição.

Disso decorre a ingerência do Movimento sobre a atividade do professor, pois ao mesmo tempo que expressa a continuidade do tabu sobre a profissão de ensinar, atribuindo ao docente uma imagem negativa, busca deslegitimar a sua autoridade, tomando-o como passível de vigilância e de ingerência externa, nesse caso, por mecanismos jurídicos e pelas famílias sob a forma de delação.

Por sua vez, a tentativa de aproximação do Movimento Escola Sem Partido com a população é um ponto fundamental também para se compreender o alcance e a disseminação do Movimento. A existência de um site que se configura como um canal de comunicação direta, via website, com quem se interessa pelo tema, assegura um nível de proximidade que dificilmente existe em relação a outros temas e processos, comumente anônimos e impessoais na sociedade administrada.

À medida que o Movimento Escola sem Partido nomeia os professores como perigosos, e à medida que o perigo que se acusa é tomado como certo, como ameaça iminente e real, abre-se caminho para toda ação contra quem supostamente representa perigo, desse modo, qualquer medida de defesa, mesmo que delirante, é percebida como necessária e legítima. As técnicas do fait accompli e da inocência perseguida, presentes nos primeiros artigos dos projetos de lei, como já citados e analisados, preparam o caminho para o uso de métodos e medidas explicitados nos artigos seguintes de todos os projetos de lei apresentados, como o Projeto de Lei nº 246/2019 (BRASIL, 2019, grifo nosso):

Art 5° As instituições de educação básica afixarão nas salas de aulas e nas salas dos professores cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei.

Art 7° É assegurado aos estudantes o direito de gravar as aulas, a fim de permitir a melhor absorção do conteúdo ministrado e de viabilizar o pleno exercício do direito dos pais e responsáveis de ter ciência do processo pedagógico e avaliar a qualidade dos serviços prestados pela escola.

O ato de afixar cartazes nas salas de professores e nas salas de aula com os supostos deveres do professor, assim veiculando normas sobre o que o professor “não pode fazer”, é proposto como ato legal destinado a garantir o exercício do direito de crianças e adolescentes, que são tratados como perseguidos, e dos pais, convocados por esse mecanismo a defender a inocência perseguida, diante da qual caberiam quaisquer atos, mesmo que despidos de qualquer reflexão e impingidos de violência.

Essas ações, quer de denunciar e filmar, quer de afixar cartazes com deveres do professor, acabam traduzindo-se em uma perseguição ao docente, de modo que o mero vislumbre dessa perseguição já contém importantes implicações psicológicas: ao dizer contra algo ou alguém do que sobre o próprio movimento e seus objetivos, invoca-se certa gratificação em se prejudicar. Nesse sentido, a perseguição ao professor incentivada pelo Movimento promete gratificação atrelada ao exercício do poder e da violência. Tal como nos discursos totalitários analisados por Adorno, o movimento é apresentado como um valor em si porque implica “violência, opressão do débil, enfim exibição de poder” (ADORNO, 2009, p. 42).

A utilização desses estratagemas, e do correspondente exercício da violência e coerção que eles encerram, apoia-se no sentimento neurótico de impotência; em consequência, a ideia de mudança, ou melhor, seu desejo é capturado pelo Movimento para seus propósitos que requerem a adesão aos métodos totalitários de que dispõe para efetivação de seus objetivos.

Desse modo, a perseguição ao professor acaba sendo consequência direta desse discurso, e é justamente aquilo sobre o que se acusa o docente de fazer. Vale ressaltar que essa é uma estratégia do discurso totalitário (ADORNO, 2009): o de acusar no outro o que justamente se busca realizar, mas que não se pode confessar abertamente. Assim, uma análise detida dos métodos do Movimento demonstra a perseguição ativada contra o professor. Até que ponto se trata de cooptação de um conflito inconsciente ou de ação deliberada de manipuladores é algo que a pesquisa com os sujeitos poderia esclarecer.

Quanto às medidas previstas pelos projetos de lei para o combate ao problema que sugerem ser real, em relação ao qual afirmam que “não há dúvida de que estudantes estão sendo manipulados e explorados politicamente” (BRASIL, 2019) – Item 7 da Justificativa do PL 246/2019 –, é preciso compreender, primeiramente, que as ações previstas são sempre apresentadas posteriormente à apresentação do problema. Assim, a sequência é necessária não como fundamentação lógica, mas como fundamentação discursiva. Ao se empregar estratagemas ligados ao terror, em especial, ao se apresentar o problema como urgente, demandando ação imediata, os métodos são então apresentados precisamente para que sejam percebidos como ações necessárias e inevitáveis.

É importante sinalizar que há algumas similaridades e diferenças do PL nº 246 (BRASIL, 2019) em relação ao PL nº 867 (BRASIL, 2015). Embora ambos prevejam a afixação de cartazes sobre os deveres do professor e, ainda, que tais cartazes estejam nas salas de aula e nas salas de professores, o PL nº 246 (BRASIL, 2019) prevê que alunos e escolas possam filmar as aulas, ou seja, introduz a prática cotidiana da delação como meio de controle moral.

No site, há o uso da expressão “abuso intolerável da liberdade de ensinar”, sugerindo que a liberdade de ensino deve ser cerceada de alguma maneira, já que, nesse discurso do Movimento, ela é ameaçadora e causa danos. O Movimento afirma que os alunos devem ser informados de seus direitos e os professores dos “limites éticos e jurídicos” da sua liberdade de ensinar. E, como explicitado no mesmo texto do Movimento, se os direitos dos alunos decorrem dos deveres dos professores, a “liberdade” do aluno e o “direito” da família decorreriam do cumprimento dos deveres do professor, definidos pelo Movimento (ESCOLA SEM PARTIDO, 2014).

É interessante observar como há uma lógica cerceadora e impositiva nesses enunciados, que somente se justificam pelo emprego de estratagemas de terror que impedem a reflexão e levam à reiteração do que se afirma. Trata-se do emprego de uma lógica propriamente totalitária, em que ao professor caberia cumprir com ações previamente delimitadas para ele pelo Movimento.

O Movimento tem um aspecto totalitário na medida em que as possibilidades de liberdade e de exercício de direitos já são preestabelecidas por ele, de uma maneira que busca delimitar uma função precisa e não autônoma para cada um na organização social. Nessa ordem, os pais delimitam o que filho pode ou não aprender, os alunos exigiriam o cumprimento dos deveres dos professores, e estes exerceriam os deveres que são os próprios princípios do Movimento. A lógica fechada do sistema que tudo submete ao princípio da dominação confere ao controle proposto pelo Movimento o poder de regulamentação dos aspectos da vida que poderiam promover autonomia.

No site do Movimento, há um link de acesso rápido com o título “Faça sua parte”, incitando a ação direta. O conteúdo indica que se deve buscar um vereador ou deputado comprometido com causas como “liberdade, educação e família” e enviar uma mensagem, ou ainda reunir-se com ele para apresentar um dos modelos de anteprojetos de lei que o site disponibiliza, ou seja, modelos de anteprojeto para os âmbitos federal, estadual e municipal (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019d).

É importante observar que no mesmo site, ao se apresentar primeiramente como estratégia a construção de um inimigo e descrever uma situação de impotência, segue-se a possibilidade de aderência ao Movimento. E com essa possibilidade de ação planejada e direcionada pelo Movimento, oferece-se às pessoas a possibilidade de transformar a sensação de impotência em aderência ao movimento, como um apoio, um sentimento de força e ação (ADORNO, 2009).

Ainda a partir dessa mesma página, é possível acessar links como Projetos de Lei em Andamento, podendo visualizar projetos de lei do Movimento apresentados nas esferas federal, estadual e municipal, e ainda links que dão acesso aos anteprojetos de lei estadual e municipal (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019c). Ao que tudo indica, parecem esperar que disponibilizando tais anteprojetos, além de links com projetos em andamento e perfis de políticos que apoiam o Programa Escola sem Partido, transforme-se a impotência instigada pela construção de um inimigo e de uma situação ameaçadora em potência de ação, que se traduz na adesão ao movimento e aderência.

Além dos anteprojetos de lei, o site disponibiliza modelos de decretos de lei de nível municipal e estadual (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019c). Possivelmente, a ideia de apresentar modelos de decreto se deve ao fato de que a grande maioria dos projetos de lei apresentados até então terem sido derrotados, e até mesmo porque o Projeto de Lei nº 193 (BRASIL, 2016) foi considerado inconstitucional, tendo sido retirado pelo próprio proponente. Desse modo, a ideia de Decreto parece ser uma alternativa à demora na tramitação da lei e à recusa de aprovação do projeto em muitas instâncias nos últimos anos. De igual modo, um Decreto tem um caráter muito mais agressivo e condizente com o caráter totalitário do Movimento.

Todas essas medidas são parte de um método totalitário, uma vez que se prevê o controle por diferentes maneiras e dispositivos, buscando imputar uma lógica autoritária nas escolas que não possa admitir dialéticas, tensões, questionamentos. De acordo com Adorno (2015a), o totalitarismo é o desconhecimento de limites da ação, ou seja, trata-se de conquistar impondo dominação absoluta – é essencial à regra totalitária que nenhum limite seja imposto à arbitrariedade impiedosa. O totalitarismo não considera os sujeitos como autodeterminados, mas como objetos de medidas administrativas, ensinados a se anular e a obedecer a ordens (ADORNO, 2015a).

Contudo, ainda poderíamos nos colocar a questão sobre como os proponentes desses projetos de lei poderiam propor medidas tão repressivas no seio da escola. A resposta a esta questão se encontra na possível similaridade psicológica entre o legislador e as pessoas que se sentem representadas pelo Movimento – tais medidas totalitárias são reafirmadas por aqueles que são convencidos, e são expressões sem inibição do que desejam aqueles que partilham da ideia de que não devem sobrar espaços democráticos em uma sociedade administrada.

Esse aspecto reafirma o que a mentalidade fascista busca realizar, mas que não pode expressar diretamente: a destrutividade. Nesse caso, trata-se da destruição de todas as possibilidades de autonomia, esvaziando os espaços de suas potencialidades críticas e reflexivas, reduzindo-os ao culto do existente e das relações de poder vigentes na sociedade, afinal todo movimento fascista pretende a manutenção repressiva da sociedade antagônica (ADORNO, 2009), mesmo em meio a todas suas contradições.

Nesse sentido, pode-se refletir sobre a intenção de inclusão dos Projeto de Lei nos 867 (BRASIL, 2015) e 246 (BRASIL, 2019) na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que orienta a educação em todas suas etapas. Essa mesma intenção grandiosa também está clara na ideia de que o projeto possa orientar todo o funcionamento do sistema de ensino, como explícito no Art. 1° do projeto 246/2019: “Fica instituído, com fundamento nos artigos 23, inciso I; 24, inciso XV e 1°; e 227, caput, da Constituição Federal, o ‘Programa Escola sem Partido’, aplicável aos sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [...]” (BRASIL, 2019).

É importante observar que em nenhum momento os projetos do Movimento mencionam a ideia de se substituir partes da Lei de Diretrizes e Bases ou da Constituição. Respeitando-se uma tradição democrática de concordância com a legislação já consolidada,6 não se faz oposição aberta e, quando possível, reitera-se a LDB e utiliza-se destes documentos como justificativa para suas ações, como se pode ler:

[...] o projeto que ora se apresenta está em perfeita sintonia com o art. 2° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prescreve, entre as finalidades da educação, o preparo do educando para o exercício da cidadania. Afinal, o direito de ser informado sobre os próprios direitos é uma questão de estrita cidadania (BRASIL, 2015, p. 8).

E continua: “Urge, portanto, informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desse direito, já que, dentro das salas de aulas, ninguém poderá fazer isso por eles.” (BRASIL, 2015, p. 8-9).

Embora o discurso contido no Movimento seja de concordância com a LDB, ao menos no discurso, o que se percebe é que supostamente essa reiteração da Lei de Diretrizes e Bases se mostra apenas como um caminho para o propósito totalitário do Movimento de nortear toda a educação, seja da União, seja dos Estados e municípios, e, além disso, nortear as provas de admissão na universidade como o Enem, e ainda se aplicar aos livros didáticos, como uma censura ao que pode ou não ser colocado em conformidade com os princípios do Movimento.

Afinal, é um traço característico dos movimentos fascistas se apresentarem como opostos ao Estado, não como alternativa às condições que aprisionam o homem, mas, ao contrário, lamentavelmente, como a instauração de uma nova ordem social, ainda mais repressiva e totalitária.

2.3 O Movimento Escola sem Partido no contexto político e social mais amplo e seus possíveis efeitos

Embora os Projetos de Lei nos 867 (BRASIL, 2015) e 246 (BRASIL, 2019) tenham sido apresentados posteriormente à Lei 13.005 (BRASIL, 2014b), que aprova o Plano Nacional da Educação (PNE), o texto do PNE sofreu alterações, suprimindo o termo gênero, o que demonstra que a posição conservadora a respeito desse tema tem marcado o contexto político nos últimos anos, inclusive com a proposição do Projeto de Lei nº 7.180 (BRASIL, 2014a), o primeiro projeto de lei de âmbito federal do Movimento Escola sem Partido.

A proposta do Plano Nacional de Educação foi apresentada na Câmara dos Deputados em dezembro de 2010, e após dois anos de debate e tramitação, a proposta foi enviada ao Senado contemplando as deliberações das Conferências Nacionais de Educação sobre equidade de gênero e diversidade sexual. No art. 2° fazia-se menção direta à superação das desigualdades educacionais e promoção de igualdade racial, de gênero e de orientação sexual. Entretanto, em 2013, ao passar pelo Senado, o trecho relativo à promoção de igualdade racial, de gênero e de orientação sexual foi retirado bem como todas as flexões de gênero do texto, ou seja, da escrita, com o uso da forma genérica masculina. Por fim, o texto retornou à Câmara e em meio ao debate acalorado sobre “ideologia de gênero”, o texto é aprovado em flexão de gênero, mas sem a especificação das formas de discriminação no art. 2° (REIS; EGGERT, 2017).

Segundo Reis e Eggert (2017), no debate em torno do PNE e também em torno dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, o termo “ideologia de gênero” foi utilizado por quem defendia posições tradicionais, reacionárias e fundamentalistas em relação aos papeis de gênero de homem e mulher. O termo “ideologia de gênero” tem sido empregado para acusar toda teorização a respeito do gênero, bem como toda posição em torno da equidade de gênero como ideológica e falsa (REIS; EGGERT, 2017).

Entretanto, faz-se necessário frisar que os documentos finais das Conferências de Educação de 2008, 2010 e 2014, bem como a versão inicial do PNE, não fazem menção à ideologia de gênero, mas sim à equidade entre os gêneros e respeito à diversidade sexual. Os argumentos contrários à inclusão destas pautas no PNE acusaram os documentos de reiterarem uma ideologia de gênero e de diversidade sexual nas escolas (REIS; EGGERT, 2017). Segundo esses autores, o que se observa são ações de setores conservadores que defendem o que chamam de família tradicional e costumes tradicionais, em torno da difamação e propagação de informações distorcidas para se impedir o alcance da equidade de gênero, conforme vem sendo discutido e ratificado nacional e internacionalmente nos últimos anos (REIS; EGGERT, 2017). Pode-se dizer que a intenção é ao menos a de inviabilizar qualquer discussão e debate no espaço público sobre desigualdade de gênero e diversidade sexual.

Em levantamento realizado em 2016, sabese que dos 22 planos estaduais de educação aprovados e sancionados por lei, 9 não fazem qualquer referência a gênero e 15 não explicitam o termo gênero ao se referirem ao enfrentamento da discriminação (REIS; EGGERT, 2017). Isso pode ser compreendido como uma consequência de todo um movimento de silenciamento e evitação da problematização destas questões, dos quais o Movimento Escola sem Partido é um expoente.

Do mesmo modo, o Ministério da Educação publicou a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) em abril de 2017, com a retirada dos termos “identidade de gênero” e “orientação sexual”, tal como constavam numa primeira versão. O recuo ocorreu após a divulgação de uma primeira versão por jornalistas (TOKARNIA, 2017). As referências à identidade de gênero e orientação sexual foram retiradas de três trechos, um que discursava sobre igualdade na educação e outros dois trechos referentes às competências. A referência à diversidade continuou no documento, tal como no texto do PNE, porém com a retirada dos termos mencionados.

Em nota, o Ministério da Educação afirma que o texto passou por “ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias” (CACIAN, 2017) e justifica que as alterações não modificaram os pressupostos da BNCC. Ainda segundo Cacian (2017), em reportagem da Folha de São Paulo, a ausência de uma referência à questão de gênero já tinha sido informada pela executiva da pasta, Maria Helena Guimarães, como “opção da pasta” que não quer ser “nem a favor nem contra” (sic.). A reportagem termina com uma fala da mesma secretária que merece ser aqui transcrita:

Não trabalhamos com questão de gênero. Trabalhamos com respeito à pluralidade, inclusive do ponto de vista de gênero, raça, tudo. Inclusive fomos até procurados por quem defendia “ideologia de gênero” e outros contra. Mas não queremos ser nem a favor nem contra. Somos a favor da pluralidade, da abertura, da transparência e da lei. (CACIAN, 2017).

Essa é uma clara omissão do termo gênero e, assim, de toda problematização que passou a ser considerada perigosa no atual cenário. A omissão do termo é uma forma de censura ao tema e ao debate que ele proporciona. E, nesse aspecto, a retirada do termo em três passagens do documento da BNCC pode ser vista como uma reação defensiva a possíveis alardes provenientes de movimentos conservadores, dos quais o Movimento Escola sem Partido parece ser um exímio expoente.

A BNCC é um documento que orienta a elaboração de matrizes curriculares da educação básica em todo território nacional, e o silenciamento sobre a questão da desigualdade de gênero e da diversidade sexual poderá inviabilizar o questionamento das dimensões que norteiam estas questões, reiterando a naturalização da desigualdade de gênero e da heteronormatividade, o que levará em última instância à continuidade de práticas discriminatórias no ambiente escolar e na sociedade (SILVA; BRANCALEONI; OLIVEIRA, 2019).

A possível exploração midiática que a inclusão dos termos poderia render, bem como o alinhamento da secretária ao então presidente interino Michel Temer, apoiado por ampla base conservadora da Câmara e do Senado, possivelmente são os fatores que pesaram e fizeram com que os termos identidade de gênero e orientação sexual fossem retirados e silenciados. Isso corrobora, por sua vez, a afirmação de Adorno (2009) de que o antiliberalismo religioso é um substituto psicológico do autoritarismo político que se revela em seguida ao discurso religioso – nesse sentido, o discurso que reitera valores conservadores (seja da família, da religião, sob a suposta proteção do educando), tal como presentes e expressos nos projetos de lei do Movimento Escola sem Partido, que contêm em si o potencial de exercício do autoritarismo na sociedade e nas escolas.

Dessa maneira, ainda que os projetos de âmbito federal aqui analisados, bem como projetos que vêm sendo apresentados nos âmbitos estadual e municipal do Movimento Escola sem Partido não sejam aprovados, seus efeitos já são visíveis. Isso demonstra que não é necessária sua aprovação para que seus discursos produzam efeitos no campo das políticas públicas de educação, bem como nas escolas e na sociedade.

Há nessa censura a termos na legislação a pretensão de se instaurar no país a uniformização do pensamento, começando pela escola, que é um espaço potencial de formação. Segundo Adorno (2009), movimentos fascistas não apenas se apresentam como opostos e alternativos, mas prontos a substituir o aparato legal existente. Por isso, a pretensão do Movimento Escola sem Partido é alterar todo o sistema de ensino e, assim, alterar a própria sociedade, buscando instaurar um sistema uniformizador do pensamento e da conduta, diminuindo e minando espaços de resistência.

Considerações Finais

A elucidação dos estratagemas psicológicos, compreendidos como estímulos embutidos nos discursos, bem como de seu caráter estereotipado e repetitivo permite compreender o alcance e os efeitos que os discursos do Movimento Escola sem Partido têm gerado na sociedade nos últimos anos.

Os estratagemas mais utilizados pelo Movimento Escola sem Partido são “fait accompli” e “inocência perseguida”, e ainda são utilizados os estratagemas “anti-instituição”, “roupas sujas” e “última hora”, que implicam, em seu conjunto, na construção da figura do professor e da escola como ameaçadores e na apresentação do Movimento e de seus métodos como soluções ao problema apresentado, enaltecendo-se ainda o Movimento como um fim em si mesmo. O uso reiterado destes estratagemas, muitos dos quais ligados ao terror e à ameaça, permite caracterizar o discurso do Movimento como marcadamente totalitário, à maneira dos discursos de agitadores fascistas analisados por Adorno (2009, 2015a) nas décadas de 1940 e 1950.

O emprego desses estratagemas, como bem destacado pelo aporte teórico deste artigo, é o que possibilita, enquanto conjunto de estímulos implícitos, dadas as condições de fragilidade e atomização das pessoas nesta sociedade, o alcance do Movimento pela adesão inconsciente das pessoas a um discurso irracionalista e agressivo, sem que seja necessário que o Movimento explicite suas reais intenções em relação à educação e à sociedade.

Adorno (2015b) alertou para a existência de uma rigidez mecânica do padrão da propaganda totalitária e para uma unidade estrutural que essa propaganda forma, que se refere à concepção política implícita no Movimento. Desse modo, o esclarecimento desses mecanismos e estratagemas e a compreensão de seu conjunto revelam os objetivos conservadores do Movimento analisado, que são o silenciamento da escola e o impedimento de qualquer possibilidade que aponte para a experiência mais básica de uma escola plural, democrática e aberta. Por fim, os métodos que o Movimento propõe para sua efetivação se mostram como meios de controle claramente autoritários e totalitários a serem exercidos no espaço da escola.

É possível concluir que o conservadorismo moral e religioso implícito nas afirmativas do Movimento quanto ao atrelamento da escola à família, sobretudo no que toca à educação moral e religiosa, mostra-se como conservadorismo político, na medida em que os discursos do Movimento revelam uma mentalidade fascista, de anulação da diferença, inclusive dos direitos de minorias políticas na sociedade atual. Desse modo, embora os projetos de lei do Movimento Escola sem Partido não tenham sido aprovados até então na esfera federal, o Movimento tem causado efeitos nas políticas públicas da educação básica, assim como tem gerado denuncismo e vigilância nas escolas, anulando possibilidades de diálogo e debate em torno de temas essenciais à formação, mas que contradizem seus objetivos políticos e morais.

Diante de discursos desse tipo, Adorno (2009) apontou que não se tratava de defender os sujeitos dos ataques totalitários, mas, sim, de desvelar seus mecanismos de atuação, portanto, a explicitação dos estratagemas e de seus efeitos busca colaborar para o esclarecimento dos objetivos e dos direcionamentos que o Movimento Escola sem Partido tem dado à educação atualmente. Por fim, esperamos que também sua elucidação, como se pretendeu realizar neste artigo, contribua para o esclarecimento e a resistência ao totalitarismo.

1Os projetos de lei analisados são todos do Movimento Escola sem Partido, embora tenham sido apresentados por diferentes deputados.

2O Programa do Movimento Escola sem Partido se baseia no discurso jurídico como um discurso competente, e a partir do qual busca fundamentar seus objetivos políticos e os métodos que considera legítimos para implantação de seu projeto nas escolas. De acordo com Chauí (2014), a ideologia da competência tem como característica transformar um assunto pertinente à sociedade e aos indivíduos em um assunto de especialista, dando poder de decisão a esse último e retirando dos não especialistas a autonomia, por meio do controle de seus pensamentos e ações.

3Como parte do estratagema fait accompli, encontra-se o que Adorno (2009, p. 48) nomeou como o fenômeno da carroça dos músicos, em que “todos querem se unir à carroça dos músicos para não perder o bonde”, ou seja, frente a discursos totalitários e num contexto em que a resistência é debilitada, as pessoas aderem ao mesmo, uma vez queisso demanda menos independência e coragem moral.

4Por outro lado, Adorno (2009) considerava que essa adesão, tal como descrita, se daria no plano racional, enquanto a narrativa de tais ameaças e escândalos produz inconscientemente um prazer. Aqui se coloca um mecanismo psicológico específico, que explica o caráter atrativo desses tipos de discursos usados nas propagandas fascistas, como no discurso analisado de Thomas, ou seja, de que o ouvinte encontra prazer nestas histórias escandalosas. Em Antissemitismo e propaganda fascista, Adorno (2015a) já havia percebido que a descrição da crueldade supostamente realizada por outrem é uma fina racionalização do prazer inconsciente que tais histórias suscitam.

5Ao contrário, se o Movimento toma o professor como perigoso e institui mecanismos de coerção à sua autonomia e posição, acaba por instaurar o totalitarismo na escola e em seus espaços, o que será melhor discutido na seção posterior.

6Adorno (2019) percebe que o agitador Thomas, em seus discursos de caráter fascista, diferentemente dos discursos do nazismo alemão, não atacava as instituições democráticas. Ao contrário, o fascista americano está disposto a aceitar a democracia como véu encobridor dos próprios fins. Promovendo a si mesmo e a partir de variados estratagemas dentro do sistema publicitário e político, espera chegar a tal concentração de poder que possa derrocar a democracia. Isso é o que parece estar também presente no discurso do Movimento aqui analisado: ressaltar concordância com a legislação democrática vigente, mas tendo como finalidade concentração de poder político e instauração de um sistema totalitário.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. Antissemitismo e propaganda fascista. In: ADORNO, T. W. Ensaios sobre psicolo- gia social e psicanálise. São Paulo: Unesp, 2015a. p.137-152. [ Links ]

ADORNO, T. W. Teoria freudiana e o padrão da propaganda fascista. In: ADORNO, T. W. Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo: Unesp, 2015b. p.153-189. [ Links ]

ADORNO, T. W. Tabus sobre a profissão de ensinar. In: ADORNO, T. W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995a. p. 97-118. [ Links ]

ADORNO, T. W. Educação após Auschwtiz. In: ADORNO, T. W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995b. p. 119-138. [ Links ]

ADORNO, T. W. La técnica psicológica de las alocuciones radiofónicas de Martin Luther Thomas. In: ADORNO, T. W. Escritos sociológicos II. Primera Parte. Madrid: Akal, 2009. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 7.180, de 24 de fevereiro de 2014. Altera o Artigo 3° da Lei 9.394 de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 2014a. Disponível em: http://www.camara.gov. br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi cao=606722. Acesso em: 20 jul. 2019. [ Links ]

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília, 2014b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 21 jul. 2019. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 867, de 23 de março de 2015. Inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “`Programa Escola sem Partido”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fic hadetramitacao?idProposicao=1050668. Acesso em: 20 jul. 2020. [ Links ]

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 193, de 03 de maio de 2016. Inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o “Programa Escola sem Partido”. Brasília, DF, 2016. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/ materias/-/materia/125666. Acesso em: 21 jul. 2019. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 246, de 21 de fevereiro de 2019. Inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “`Programa Escola sem Partido”. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://www.camara.leg. br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPropos icao=2190752. Acesso em: 20 jul. 2019. [ Links ]

CACIAN, Natália. Ministério tira “identidade de gênero” e “orientação sexual” da base curricular. Folha de S.Paulo, 06 abr. 2017. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ educacao/2017/04/1873366-ministerio-tira- identidade-de-genero-e-orientacao-sexual-da- base-curricular.shtml. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

CARONE, I. Fascismo on the air: estudos frankfurtianos sobre o agitador fascista. Lua Nova, v. 55, n. 56, p. 195-217, 2002. [ Links ]

CHAUÍ, M. A ideologia da competência. São Paulo: Autêntica/Fundação Perseu Abramo, 2014. [ Links ]

ESCOLA SEM PARTIDO. Blog. Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar. Brasília, DF, 2014. Disponível em: https://www.escolasempartido. org/blog/por-uma-lei-contra-o-abuso-da- liberdade-de-ensinar/. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

ESCOLA SEM PARTIDO.Brasília,DF,2019a.Disponível em: http://www.programaescolasempartido.org. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

ESCOLA SEM PARTIDO. Quem somos. Objetivos. Brasília, DF, 2019b. Disponível em: https://www. escolasempartido.org/quem-somos/. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

ESCOLA SEM PARTIDO. Anteprojetos. Brasília, D F, 2019c. Disponível em: http:// www. programaescolasempartido.org/anteprojetos. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

ESCOLA SEM PARTIDO. Sobre nós. Faça sua parte. Brasília, DF, 2019d. Disponível em: http://www. programaescolasempartido.org/sobre-nos. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

HORKHEIMER. M. Prejuicio y carácter. In: HORKHEIMER. M. Sociedad en transición: estudios de filosofía social. Barcelona: Península, 1976. p. 167-178. [ Links ]

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. A massa. In: HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. (org.). Temas básicos da sociologia. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1973a. p.78-92. [ Links ]

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Ideologia. In: HORKHEIMER. M. (org.). Temas básicos da socio- logia. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1973b, p.184-205. (Obra originalmente publicada em 1956). [ Links ]

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Elementos do antissemitismo: limites do esclarecimento. In: HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 139-171. [ Links ]

KANT, I. Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo? In: KANT, I. A paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Mourão. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009. p. 9-18. [ Links ]

PENA, F. O discurso reacionário de uma “escola sem partido”. In: GALEGGO, E. S. (org.). O ódio como po- lítica: a reinvenção da direita no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. [ Links ]

REIS, T.; EGGERT, E. Ideologia de gênero: uma falácia construída sobre os planos de educação brasileiros. Educação & Sociedade, v. 38, n. 138, p. 9-26, jan./ mar. 2017. [ Links ]

SILVA, C. S. F.; BRANCALEONI, A. P. L.; OLIVEIRA, R. R. Base Nacional Comum Curricular e diversidade sexual e de gênero: (des) caracterizações. Revista Ibero-americana de estudos em educação, v. 14, n. 2, p. 1538-1555, jul. 2019. [ Links ]

TOKARNIA, M. MEC retira termo “orientação sexual” na versão final da Base Curricular. Agência Brasil, 07 abr. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil. ebc.com.br/educacao/noticia/2017-04/mec- retira-termo-orientacao-sexual-da-versao-final-da- base-curricular. Acesso em: 12 ago. 2019. [ Links ]

Recebido: 15 de Março de 2019; Aceito: 15 de Junho de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado