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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.29 no.58 Salvador abr./june 2020  Epub 15-Dic-2020

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n58.p344-357 

Estudos

O WHATSAPP NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES INICIANTES NO PROGRAMA HÍBRIDO DE MENTORIA DA UFSCAR

Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali1 
http://orcid.org/0000-0003-4915-8127

Ana Paula Gestoso de Souza2 
http://orcid.org/0000-0002-2015-0829

Bruna Cury de Barros3 
http://orcid.org/0000-0002-9173-4258

*Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: alinereali@ufscar.br

**Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: anapaula@ufscar.br

***Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: brunacury@estudante.ufscar.br


RESUMO

Discute-se as potencialidades, limites e desdobramentos pedagógicos do uso do WhatsApp como ferramenta complementar ao processo de formação docente no Programa Híbrido de Mentoria, no qual professoras experientes auxiliam professoras iniciantes que atuam na Educação Básica. Considera-se os dados de oito meses de conversas de uma díade mentora e professora iniciante no WhatsApp e registros num Ambiente Virtual de Aprendizagem a partir da análise dos processos de ensino-aprendizagem, do ciclo de inquirição e das presenças social, cognitiva e docente (VAUGHAN; CLEVELAND-INNES; GARRISON, 2013). A princípio, a ferramenta era utilizada para envio de recados e, paulatinamente, tornou-se um recurso para compartilhamento de experiências e de reflexão sobre as práticas. Infere-se que o WhatsApp favoreceu o contato da díade, possibilitou o conhecimento detalhado de situações, a condução de processos de mentoria e a verificação de seus desdobramentos.

Palavras-chave: Formação de professores; Mentoria; WhatsApp

ABSTRACT

The article presents the potentialities, limits and pedagogical consequences of the use of WhatsApp as a complementary tool to the teacher education processes in a Hybrid Mentoring Program, in which experienced teachers assist Basic Education novice teachers. Data from eight months of conversations of a mentor and a novice teacher using WhatsApp and records in a Virtual Learning Environment were analyzed considering the teaching-learning processes, the inquiring cycle and the social, cognitive and teaching presence (VAUGHAN; CLEVELAND-INNES; GARRISON, 2013). At the beginning of the conversations, the tool was used for sending messages and gradually became a resource for sharing experiences and reflection on practices. It is inferred that WhatsApp favored the contact of the dyad, enabled the detailed description and analyzes of situations, the mentoring processes and its developments.

Keywords: Teacher education; Mentoring; WhatsApp

RESUMEN

Investigamos las potencialidades, límites y desarrollos pedagógicos del uso de WhatsApp como una herramienta complementaria para el proceso de formación del profesorado en el Programa Híbrido de Mentoría, donde los docentes experimentados ayudan a los docentes principiantes que trabajan en Educación Básica. Analizamos ocho meses de conversaciones por un díada mentora y un principiante en WhatsApp y los registros producidos en una sala de aprendizaje virtual considerando los procesos de enseñanza-aprendizaje, basados en los conceptos del ciclo de investigación y en la presencia social, cognitiva y docente (VAUGHAN; CLEVELAND-INNES; GARRISON, 2013). Al principio, la herramienta se utilizó para enviar mensajes y gradualmente se convirtió en un recurso para compartir experiencias y reflexionar sobre las prácticas. Lo WhatsApp favoreció el contacto de la díada, permitiendo conocer los detalles de las situaciones, la conducción de los procesos de mentoría y la verificación de sus desarrollos.

Palabras clave: Formación de docentes; Mentoria; WhatsApp

Introdução 4

Apresentam-se algumas análises referentes ao uso do WhatsApp, aplicativo móvel, como ferramenta complementar de formação docente. Considerando a seguinte questão de pesquisa: Quais são as potencialidades, limites e desdobramentos evidenciados em conversas entre mentora (M) e professora iniciante (PI), por meio do WhatsApp, tendo em vista processos de ensino e aprendizagem virtuais?, realizou-se um estudo de caso, de natureza exploratória, com uma M que utiliza o WhatsApp em suas interações virtuais com uma PI do Programa Híbrido de Mentoria (PHM).

O PHM é uma proposta conduzida por docentes e pós-graduandos da UFSCar, 14 professoras experientes e cerca de 30 iniciantes com menos de cinco anos de prática docente.

Objetiva oferecer às PI de Educação Infantil (EI), Anos Iniciais (AI) e Educação de Jovens e Adultos (EJA) auxílio, orientação e suporte às dificuldades, dilemas e dúvidas frequentes nessa etapa da carreira. Para atuar como mentoras de PI, professoras com mais de dez anos de práticas em sala de aula e reconhecidas pelos pares como bem-sucedidas realizaram uma formação prévia. O caráter híbrido do PHM ocorre da articulação de atividades virtuais com presenciais (VAUGHAN, 2010), da relação teoria e prática e com a aproximação universidade e escola (NÓVOA, 2019).

No PHM compreende-se que os processos de aprendizagem da docência são relacionados às experiências de cada professor ao longo de sua trajetória individual, escolar e profissional, em espaços diversificados, e por isso envolvem aspectos cognitivos, sociais e emocionais específicos, entre outros (MIZUKAMI et al., 2010). Incorporam a compreensão de que o docente vivencia diferentes etapas formativas - não necessariamente sequenciais, das quais salientam-se as experiências de ensino prévias à atuação profissional; a formação inicial numa instituição específica; a iniciação profissional compreendida pelos primeiros anos de atuação docente; e o desenvolvimento profissional contínuo posterior (MARCELO; VAILLANT, 2017).

O ensino e a atuação docente são compreendidos como um conjunto de atividades complexas e multifacetadas ao exigirem a construção de conhecimentos específicos sobre conteúdos, alunos, escola, políticas públicas etc. (SHULMAN, 1986) por cada professor. Esses conhecimentos mostram-se relacionados aos contextos de atuação e sofrem mudanças em função de variáveis como a matéria a ser ensinada, a proposta pedagógica da escola e características dos grupos de alunos específicos, o que exige aprendizagens permanentes desse profissional. Em razão dessas caraterísticas, compreende-se que as demandas formativas dos professores são também específicas de cada um e mantêm relação com seus locais de atuação.

Professores iniciantes e experientes rotineiramente apresentam repertórios diferentes, em especial considera-se que a maior vivência de situações profissionais dos experientes pode estar relacionada à construção de um estoque de comportamentos profissionais mais amplos, embora mais anos de atuação não signifiquem atuação mais qualificada (GALLAVAN, 2015). Iniciantes, com frequência, experimentam os primeiros anos de atuação com certo grau de dificuldade, que é acompanhado por sentimentos de ineficácia, insegurança, dúvida e conflito, entre outros, o que pode impactar nas práticas pedagógicas atuais e futuras. Assim, professores experientes de diferentes gerações profissionais, devido ao repertório de conhecimento mais diferenciado, amplo e profundo, podem auxiliar os iniciantes. O diálogo intergeracional tem sido considerado uma avenida promissora para apoiá-los nas primeiras inserções profissionais e a lidar com as dificuldades, como é promovido no PHM (MIZUKAMI; REALI, 2019). No programa assume-se que conversas de M-PI dessa natureza caracterizam-se como um diálogo intergeracio-nal dado que os primeiros vivenciaram épocas, políticas, tensões, formações, características gerais de alunos, por exemplo, diferentes dos iniciantes. O caráter intergeracional, nesses casos, vai além da faixa etária, é construído a partir das experiências de cada sujeito, do modo como concebem e se relacionam com a docência e em razão dos momentos que vivem na carreira (SARTI; BUENO, 2017).

O diálogo ou conversas entre professores tem sido apontado como fonte relevante da aprendizagem profissional docente pois, ao interagirem entre si, têm oportunidade de estabelecer espaços formais ou não por meio de interlocução, trocas, colaboração, trabalhos conjuntos e responsabilidade partilhada (ORLAND-BARAK, 2006; TIMPERLEY, 2015), e de estabelecer conhecimentos sobre diversos aspectos da ação docente, processos reflexivos, entre outros. A aprendizagem pode ser potencializada quando há o estabelecimento de um curso dinâmico e progressivo de informações, troca de ideias e a construção de novos conhecimentos, de modo não necessariamente linear. Permite a interpretação coletiva das ideias de conceitos e experiências práticas - numa oportunidade de repensá-las - via processos reflexivos, acompanhadas de projeções reconfiguradas sobre ações futuras (GARRISON, 2008).

O redesenho dos espaços educacionais e formativos, o uso de aplicativos móveis e a aprendizagem híbrida

Os novos espaços educacionais e formati-vos para a docência têm sido delineados para apoiar interações entre os participantes, possibilitando mobilidade, flexibilidade e uso de dispositivos diversos. Nota-se que cursos de formação inicial têm se movimentado de um padrão de ensino baseado em aulas frontais, centradas na pessoa do professor e na leitura de textos, para outro mais próximo do mundo real, dos ambientes escolares, fomentando interações orgânicas e soluções interdisciplinares que demandam tanto ações práticas como o uso de referências teóricas como “grades” de análises dos estudantes aos problemas tratados (EDUCAUSE, 2019).

A oferta de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) e o uso de aplicativos móveis, redes sociais, blogs, wikis etc. possibilitam a participação dos estudantes de forma mais flexível, física e temporalmente, e num ritmo pessoal próprio. Permitem trocas de experiências, conhecimentos e desafios; novas visões sobre diversos aspectos de atuação profissional atual ou futura, incluindo interações profissionais entre pares. O uso pedagógico desses artefatos oferece aos aprendizes a possibilidade de serem mais autônomos em relação ao o que, como e quando aprendem, entretanto, dispor o conteúdo e permitir o seu acesso não é suficiente; é necessária a adoção de estratégias de ensino apropriadas para que novas aprendizagens sejam promovidas (HAO et al., 2017). No caso da formação continuada de professores, o uso do aplicativo WhatsApp, segundo Gallon e outros (2019), pode apresentar as seguintes contribuições: compartilhamento de experiências ou materiais com finalidade pedagógica; ferramenta capaz de facilitar debates e discussões de natureza formativa; familiaridade dos professores com seu uso; informalidade na comunicação, entre outros.

Os processos de ensino e aprendizagem virtuais podem ser favorecidos em termos pedagógicos a partir da configuração de uma Comunidade de Inquirição (CI) (VAUGHAN; CLEVELAND-INNES; GARRISON, 2013), caracterizada pelo desenvolvimento de atividades que promovam a presença social, cognitiva e docente, elementos relevantes para a construção colaborativa de conhecimentos (ANDERSON et al., 2001; GARRISON, 2008; VAUGHAN; CLEVELAND-INNES; GARRISON, 2013). A presença social determina o contexto para o estabelecimento de sentimentos de confiança mútua, comunicação aberta e coesão dos participantes; envolve expressão afetiva, comunicação aberta e coesão grupal; pode ser identificada, respectivamente, por aspectos como expressão de emoções, segurança e clima acolhedor, encorajamento da colaboração e interatividade.

A presença cognitiva pode ser entendida como o grau no qual os estudantes são capazes de construir conhecimentos sustentados pela reflexão em uma comunidade crítica, e engloba as categorias: evento disparador, exploração, integração e resolução e respectivos indicadores: perplexidade, troca de informação, conexão de ideias e aplicação de novas ideias. O elemento coesivo dessas noções é a presença docente associada ao delineamento, facilitação e instrução direta de ciclos de inquirição (CI), geralmente realizada pelo professor. Pode ser observada a partir do estabelecimento de um currículo e de atividades, de trocas construtivas e compartilhamento de significados pessoais e pelo foco na discussão e resolução de problemas. Essa presença consiste na força unificadora dos processos sociais e cognitivos dirigidos, tendo em vista os objetivos pretendidos (VAUGHAN; CLEVELAND-INNES; GARRISON, 2013). Alguns outros padrões adotados por professores para enfatizar a presença docente são: a) oferecer feedback; b) oferecer modelos da prática; c) apoiar processos reflexivos; d) promover as relações; e) atuar como agentes de socialização e; f) advogar ações práticas (KELLY; ANTONIO, 2016). Quando esse modelo é aplicado a um contexto de formação de professores, o foco da presença cognitiva se torna uma investigação sobre as práticas de ensino (VAUGHAN, 2010, 2015).

Em face dessas características, o CI que ocorre em comunidades, e no caso em pauta, em díades, é dependente de uma comunicação sustentada, é estabelecida geralmente pelos M. Por meio de ciclos iterativos, mentores relacionam a reflexão aos conteúdos tratados; para tanto, devem incentivar as PIs a colaborar, explorar e questionar a organização e o significado dos temas. Devem ser objetivos, mas flexíveis de maneira a permitir a exploração de assuntos não previstos. Esses ciclos são dependentes do incentivo de relações objetivadas, disciplinadas e respeitosas que favorecem a liberdade e a comunicação aberta dos participantes. A primeira fase ocorre após o desencadeamento de um evento “disparador”, pelo qual um problema ou questão é identificada e definida. A segunda fase é a exploração do problema/questão e implica o reconhecimento, busca e ampliação/apro-fundamento das informações relevantes. A terceira fase configura-se na negociação de significados das informações vistas como importantes, ampliando a sua compreensão. Na fase final, soluções/alternativas serão hipotetizadas e debatidas e as escolhidas são aplicadas e testadas direta ou vicariamente. Como desdobramento, outro CI pode ocorrer se a solução encontrada não for satisfatória. No âmbito do PHM, as presenças social, cognitiva e docente podem estimular e sustentar o diálogo, a busca pela aprendizagem inter-geracional e a prática reflexiva entre PI e M, representada pelo CI.

Considerando essas premissas, investigou-se as potencialidades, os limites e os desdobramentos pedagógicos evidenciados em conversas de uma díade por meio do WhatsA-pp, tendo em vista processos de ensino e aprendizagem virtuais entre M e PI acompanhada.

Metodologia

No PHM, as interações de cunho pedagógico ocorrem primordialmente por meio do AVA, a partir de narrativas escritas - como diários -elaboradas pelas PIs, que recebem feedbacks das mentoras contendo análises, questionamentos e sugestões a partir das demandas formativas identificadas conjuntamente. Tomou-se como base os registros no diário de M e da PI5 e as conversas via WhatsApp realizadas por uma díade M-PI, ao longo de oito meses. Essa díade foi selecionada por utilizar o aplicativo de maneira sistemática.

A PI D6 é formada em Pedagogia, com dois anos de experiência docente e buscou o PHM para minimizar suas dificuldades e inseguranças na docência. Atuava como professora efetiva substituta7 de uma turma da fase 4 (crianças de 3 a 4 anos) em uma escola municipal de Ensino Infantil (EI) no interior do estado de São Paulo. Trabalhava no período vespertino e as crianças de sua turma ficavam em período integral na escola, acompanhadas durante a manhã por uma professora experiente. Como um exemplo de suas dificuldades, D relata o desafio em atuar com crianças da fase 4:

As crianças são bem pequenas [...]. Não estão acostumadas à rotina escolar, sentem bastante a falta dos pais, algumas estão saindo das fraldas e usam chupeta para dormir. Como eu nunca tinha trabalhado com essa faixa etária, tudo isso tem sido um grande desafio. (PI D).8

Ainda que a PI aponte apreciar a escola, o fato de estar em caráter temporário resulta em “não saber bem o que esperar da turma”. Embora mencionasse a expectativa de que

[...] alguns alunos que eram bastante difíceis de lidar melhorem um pouco o comportamento; que todas (ou quase todas) as crianças venham aprender alguns sons de letras; que o momento da leitura seja sempre bom e as crianças consigam participar mais; que elas tenham alguma noção da relação número-quantidade; que as crianças se envolvam mais nas atividades musicais que tento fazer. Talvez eu esteja sendo muito otimista, mas acho melhor ter altas expectativas do que baixas. (PI D). 9 10

Tendo esse cenário como pano de fundo, a PI D iniciou o seu acompanhamento com a mentora MC,7 que é graduada em Pedagogia, com especialização em Educação Infantil (EI). Atua na EI há 23 anos e em sua carreira trabalhou desde o berçário até com turmas de crianças de cinco anos.

Importante pontuar que a estrutura narrativa, base dos dados analisados, se configura como um esquema de significados por meio do qual os participantes pensam, percebem e atribuem sentido à experiência, que revela como a realidade é elaborada e os modos como os participantes constroem sentido às suas vidas e ao mundo (BOLÍVAR BOTIA; DOMINGO SEGOVIA; FERNÁNDEZ CRUZ, 2001). O discurso narrativo permite decifrar os componentes e as dimensões relevantes da história narrada, contextua-lizando a subjetividade do narrador e inserindo o relato na realidade externa (BOLÍVAR BOTIA; DOMINGO SEGOVIA; FERNÁNDEZ CRUZ, 2001).

Na análise de dados, evitou-se uma catego-rização a priori e fixa do discurso construído na interação M-PI, tampouco se desconsiderou a importância analítica de construir tópicos e temas ao longo da leitura das conversas, sem ignorar as especificidades de cada narrador (BOLÍVAR BOTIA; DOMINGO SEGOVIA; FERNÁNDEZ CRUZ, 2001). Foi possível verificar uma diversidade de tópicos tratados ou mesmo das “fases da conversação” estabelecidas, que seguem com frequência o seguinte padrão: cumprimento inicial, troca de informações sobre o dia a dia (eventos, situações gerais), avisos, solicitações; retomada de um tema tratado anteriormente ou apresentação de um novo, que desencadeia uma sequência de mensagens com a predominância de uma tema, mas que pode ser interrompida - devido à mudança do assunto tratado ou porque um dos interlocutores “sai” do aplicativo ou faz uma “pausa” - e pode ser retomada instantes depois ou em outro momento.

Devido a essa não linearidade das conversas, realizou-se a seleção prévia daquelas que mantinham entre si uma unidade temática, a despeito de o assunto ser entremeado por interrupções ou mesmo pela abordagem de outros tópicos. A análise inicial foi orientada pela busca de indicadores das presenças social, cognitiva e docente e fases do CI nas conversas. Posteriormente, selecionaram-se “porções” -excertos das conversas mais significativas para responder à questão investigada.

Essas análises referem-se a “conversas de professores” (TIMPERLEY, 2015), compreendidas como trocas profissionais. As dinâmicas estabelecidas entre M e PI focalizam a melhoria de suas práticas pedagógicas. Envolvem processos de ensino e aprendizagem nos quais o conhecimento profissional é construído por meio da interação social, situado nos contextos de atuação e promulgado nas comunidades sociais de prática às quais essas professoras pertencem (ORLAND-BARAK, 2006). Demandam da M a construção de conhecimento pedagógico de conteúdo para ensinar (SHULMAN, 1986), ou seja, a apresentação do conteúdo tratado na conversa de modo a ser compreendido pela PI acompanhada, via WhatsApp.

Um dos papéis da M no PHM consiste em elaborar atividades no AVA para as PIs de acordo com as demandas formativas que apresentam, identificadas tanto nos registros do diário, como na participação das iniciantes nas tarefas propostas. Além disso, M apresenta sugestões de como elaborar práticas de ensino e problematiza situações particulares relatadas pelas PIs a fim de buscar caminhos, por meio de conversas, para que superem suas dificuldades. Nas conversas analisadas, os temas mais recorrentes foram: planejamento-rotina e questões relacionadas ao manejo da sala. A seguir apresentam-se “porções” das conversas da díade M-PI.

Conversas via WhatsApp: M-PI participantes do PHM

A princípio, a mentora MC e a PI D mantinham contato apenas pelas atividades virtuais e trocas de mensagens no AVA. As interações ocorridas via WhatsApp foram iniciadas após sugestão de M com uma saudação para a PI e perguntando se elas poderiam conversar pelo aplicativo para facilitar e agilizar a interação, promovendo uma comunicação sustentada. Aos poucos as conversas se tornaram mais frequentes e contemplaram outros elementos, além de um mero compartilhamento de fotos, áudio etc., ou de informações de modo pontual. Algumas situações relevantes selecionadas são tratadas aqui como episódios de conversas que envolvem CI. No primeiro episódio, evidenciamos conversas que apresentam em seu início a colocação de uma situação pela PI D, percebida como disparadora (ANDERSON et al., 2001), seguida de questionamentos e solicitações de detalhamento pela MC (relacionadas às presenças cognitivas, sociais e docentes), e respostas mais detalhadas ou esclarecedoras da PI D que propiciaram considerações com aprovação, recomendações, orientações, dicas ou questionamentos da MC até o “fechamento” do assunto tratado na conversa. No segundo episódio, diversamente, observa-se a colocação do evento disparador pela MC a partir da análise das demandas da PI D e evidencia-se o CI estabelecido, assim como a promoção das presenças docente, cognitiva e social.

Episódio 1: Pintou, sujou... e agora?

No início da interação com a PI D, ao ler a atividade virtual sobre o contexto de trabalho da iniciante, MC relatou sua percepção quanto à necessidade de a PI D compreender melhor a faixa etária das crianças com as quais atua.

Percebo que a PI D necessita compreender que as crianças na EI estão em desenvolvimento e que não podem ser comparadas com os alunos do EF. [...] A PI D está um pouco perdida no momento de elaborar as atividades de acordo com os interesses da idade, [...] em alguns momentos propôs atividades que surtiram efeito contrário aos objetivos propostos. [....] senti falta de entender como ela elabora a rotina com as crianças, e como espera que as crianças aprendam. (MC).11 É evidente a percepção da MC sobre a necessidade de a PI D conseguir discriminar o que as crianças conseguem fazer sozinhas e no que precisam de ajuda. Essa demanda formativa é o pano de fundo do episódio 1. O evento disparador foi um relato da PI sobre uma atividade de pintura com tinta guache desenvolvida com sua turma e as dificuldades enfrentadas nesse momento. A conversa tem início quando a PI D envia para MC, pelo WhatsApp, fotos da atividade desenvolvida e em seguida explica como a conduziu e aponta que as crianças gostaram da atividade. Descreve ter tido dificuldades quanto ao andamento do procedimento, que requereu a organização de materiais e a higie-nização das crianças: “Senti o quanto seria bom ter uma auxiliar, porque a dinâmica de lavar as mãos (e o braço e o rosto!), guardar as coisas e limpar as mesas foi difícil” (PI D).12

Ao expor um evento disparador, a PI D demonstrou perplexidade - presença cognitiva - e apresentou elementos da presença social, como comunicação aberta e expressão do seu sentimento em relação à situação vivenciada. A exposição da PI D sobre a situação de desconforto enfrentada e a identificação da demanda formativa da iniciante por parte da MC evidenciam a primeira etapa do CI.

MC, ao acolher a demanda trazida pela PI D, marcou a sua presença social na interação. Para explorar as causas do problema, auxiliando-a na superação da dificuldade enfrentada, MC iniciou o processo de organização de suas práticas de mentoria por meio de questionamentos dirigidos para a iniciante sobre como havia conduzido a situação colocada em pauta, evidenciando as presenças social e cognitiva. Esse momento implica na segunda etapa do CI, pois utilizou questionamentos referentes à situação trazida pela PI D a fim de obter informações mais aprofundadas sobre o problema; oportunizou a exploração da situação, “olhando para o que ocorreu” de modo distanciado e detalhado; reconstruiu criticamente - de certo modo - os fatos relacionados à atividade: “Como você organizou esse momento com as crianças? Da arrumação, lavar as mãos, limpeza?” (MC).13,14

MC apresentou questões para coletar maiores informações sobre a atuação da PI D no momento, proporcionando um evento disparador, já que é dado prosseguimento ao assunto a fim de provocá-la a construir possíveis soluções para minimizar a sua dificuldade. PI D, ao explorar a situação, oferece maiores detalhes sobre como procedeu:

Fui falando para quem fosse acabando ir lavando a mão. [...] Mas fui colocando algumas coisas sujas de tinta numa mesa que estava sobrando. Aí algumas [crianças] voltavam de lavar a mão e queriam mexer, e se sujaram novamente. Além disso, poucas conseguiram se lavar bem. A maioria ainda ficou com a mão um pouco suja, ou o braço, ou o rosto. Eu ia chamando da pia do banheiro (que tem na sala) para eu ajudar a lavar (nisso que alguns foram e se sujaram de novo). [...] levei as crianças para o pátio [...] Depois que todas foram embora, eu limpei as mesas e cadeiras. (PI D).11

Diante do relato da atuação da PI D e tendo clareza da dificuldade dela em reconhecer o que as crianças de sua turma já conseguem fazer sozinhas, a MC apresentou novo questionamento, fomentando um momento de reflexão: “Como você poderia trabalhar autonomia nesta atividade com a tinta?” (MC).15

A mentora encaminhou a discussão enfocando a construção da autonomia das crianças, conteúdo que pode vir a auxiliar PI D na sua demanda. Percebe-se, então, a continuidade da presença docente e cognitiva; MC criou um ambiente para estabelecer trocas construtivas e possibilitar a conexão de ideias. A PI D parecia se sentir segura com MC e apresentou algumas sugestões do que poderia ter feito naquele momento, observando-se, então, a integração e a construção de significados a partir da exploração da situação. Esse processo implica na terceira etapa do CI: “Talvez se eu tivesse feito as crianças perceberem que não tinham se limpado bem? Ou talvez também ter pedido a ajuda delas para a limpeza das mesas? O que você acha?” (PI D).16

Diante do fenômeno, a PI D levantou algumas hipóteses sobre como poderia promover a autonomia das crianças de forma a minimizar as dificuldades sentidas na situação - etapas iniciais de um processo reflexivo. Possivelmente tais hipóteses são construídas a partir da experiência anterior da PI D ou em decorrência do questionamento da MC, que pode tê-la induzido a cogitar outras ações alternativas envolvendo a autonomia das crianças e o auxílio delas na manutenção da limpeza das mesas.

MC continuou a planejar e organizar sua ação de mentoria e concordou com as hipóteses da PI D, reafirmando de forma mais diretiva como poderia proceder: “Isso mesmo! Pedir ajuda para as crianças, limpar os pratinhos e as mesas, observe se elas colaboram... o que já conseguem realizar e oriente. Elas gostam e fazem do jeitinho delas, mas nos ajudam e muito.” (MC).17

Observa-se que além das presenças social e docente - MC acolheu de forma respeitosa as ideias da PI D -, a cognitiva ganha espaço no âmbito da apresentação da resolução sobre o problema da iniciante. Tal situação marca a fase final do CI. Nesse processo, MC não forneceu a solução logo de início; a partir de sua intervenção, a PI D conseguiu analisar o problema e elaborar uma possível forma de agir cuja efetividade é confirmada pela mentora. É possível verificar a presença docente numa conversa intergeracional ao oferecer feedback, apoiar processos reflexivos, promover relações e advogar ações práticas. De certo modo, ao atuar dessa maneira demonstra um protagonismo desejado, que pode favorecer a construção de sua autonomia. Tal fato oferece indícios de uma relação não hierárquica entre M e PI.

O assunto deste episódio é finalizado com uma mensagem da PI D apresentando a sua percepção sobre a autonomia das crianças e, possivelmente, certo desconhecimento sobre a possibilidade de crianças de 3 a 4 anos participarem de atividades de autocuidados e de organização do espaço coletivo: “[...] o ano passado, quando estava na fase 6, as crianças sempre me ajudavam. Achei que os da fase 4 seriam muito pequenos. Mas da próxima vez vou fazer isso.” (PI D).18

Nessa afirmação há uma indicação de que a PI D construiu novos conhecimentos da prática; ela tinha uma concepção equivocada sobre o que crianças de 4 anos eram ou não capazes de fazer sozinhas. Ademais, preconizou uma prática futura, dando indícios de que está caminhando de forma reflexiva. A ação de men-toria englobando as presenças social, docente e cognitiva, além do CI, foi essencial para que isso ocorresse.

2° Episódio: Como planejar e organizar uma rotina com as crianças?

O episódio 2 tem como evento disparador outra demanda formativa da PI D percebida por MC ao observar que “procura desenvolver atividades interessantes, mas que se depara com os problemas de comportamento de algumas crianças e muitas vezes não consegue lidar bem com essa situação [...]” (MC). 19 MC ponderou que PI D precisava compreender como elaborar a rotina com as crianças; julgou que esse ponto é uma necessidade formativa I, pois “na EI é muito importante combinar com crianças quais atividades serão elaboradas, elas precisam de um ambiente seguro e compreender que devemos seguir os combinados” (MC).20 Evidencia-se a primeira etapa do CI, pois MC identifica claramente um problema.

Em seguida, intencionalmente, MC apresentou um evento disparador e demonstrou elementos da presença docente: expôs claramente o tema a ser abordado e explicou sua importância; além disso, buscou informações sobre como PI D organizava a rotina com as crianças para preparar suas práticas de mento-ria. Também a provocou para o tema proposto e explorou a situação ao apontar o estabelecimento da segunda fase do CI.

No seu diário você comenta sobre como combinar as atividades com as crianças, uma das questões que levantei. Bom, vamos lá! É interessante na EI que as crianças sigam uma rotina para não ficarem perdidas quanto ao que vão fazer na escola. Ajuda na organização do tempo e contribui para elas aprenderem sobre regras. Por exemplo: ‘agora combinamos de ouvir história e depois é hora do brinquedo.’ [...]. Você tem desenhos sobre rotina para as crianças visualizarem? (MC).21

Ao final da mensagem, MC indicou que pode auxiliar a PI D a partir de suas vivências docentes e se colocou disponível para dialogar sobre o tema. Essa postura não impositiva de MC pode propiciar a construção de um clima acolhedor para uma conversa sem restrições e aos poucos consolidar uma comunicação sustentada: “É uma sugestão. Com minha turma, que é bem agitada, tenho 20 crianças e uma com autismo, está funcionando. Podemos conversar sobre isso se desejar” (MC).22

Após algumas horas, PI D respondeu a mensagem e elas estabeleceram uma conversa síncrona com duração de aproximadamente uma hora e meia. O diálogo se iniciou com a presença social de ambas, na qual MC tentou criar um clima acolhedor e, em seguida, PI D retomou o evento disparador respondendo ao questionamento. Identifica-se nas mensagens de PI D elementos de sua presença cognitiva, caracterizando a exploração do problema; ela retornou as etapas iniciais do CI analisando o problema em sua totalidade, com novas informações sobre a situação.

Não tenho nada na sala indicando sobre a rotina do dia. E percebo que as crianças ficam um pouco perdidas nisso. Tento conversar em alguns momentos sobre o que já fizemos e o que faremos. Mas não funciona bem. Em muitos momentos as crianças querem pegar os brinquedos que ficam à altura deles na sala e eu fico brava por não ser o momento certo. Agora alguns já vem e falam: ‘você que vai dar o brinquedo, não?’ Uma outra professora da fase 4 falou para fazermos um cartaz com fotos mostrando a rotina das crianças. Mas pensando em mostrar para os pais. Achei a ideia legal. Mas não sei se as crianças também querem. Como você fez na sua sala? (PI D).23

PI D, ao explorar o problema, buscou informações em mais de uma fonte (sugestão de outra professora e uma prática de MC); assim, ao final da mensagem, colocou um novo evento disparador ao questionar como sua mentora faz em sua atuação. Continuando o diálogo, MC demonstrou a presença docente por meio da instrução direta, oferecendo modelos de sua prática. PI D continuou a explorar o problema e tentou estabelecer conexões a partir das informações obtidas - caracterizando um elemento da fase da integração. Verifica-se, a seguir, que a questão da PI D desencadeou, com a resposta de MC, a terceira fase do CI, a de negociação de significados sobre o estabelecimento da rotina na aula.

MC: Na minha sala fiz cartazes com figuras de crianças [...] coloridas com a rotina. Amanhã envio fotos para você ver [...] Como elas ainda não compreendem bem a rotina, no começo demora um pouco, tenho que falar e mostrar a todo momento o que decidimos fazer no dia. Sento em roda com as crianças e definimos juntos o que vamos fazer. Algumas atividades têm o horário certo: almoço, escovar os dentes, parque e educação física. Tenho cartazes para todas as atividades que vou fazer.

PI D: Seria para essas atividades fixas?

MC: No começo também escolho o que vamos fazer e, passados alguns dias, deixo que decidam uma atividade que gostam, por exemplo, massinha... quase todo dia está na rotina... e história.24

A PI D demonstrou a presença cognitiva, isto é, explorou o problema, trocou informações com MC e teceu algumas considerações sobre a situação, mostrando que continuou a se movimentar no CI. MC manteve a instrução direta fornecendo exemplos de sua própria prática, a partir da busca de detalhamentos da PI D sobre a participação das crianças:

PI D: Como você faz esse momento de definir junto com as crianças o que fazer? Sempre fico pensando em como fazer isso, se precisamos ter o nosso planejamento e tal.

MC: [...] explicou que naquele dia vamos ter que fazer uma atividade que eu trouxe e dou espaço para a turma escolher uma ou duas que desejam, porque são novos e desejam brincar muito... e claro devem mesmo brincar... mas temos que cumprir o planejamento.

PI D: Entendi! Sempre escolho os brinquedos que vou dar pra eles no dia. Por exemplo, hoje eles brincaram com aquelas pecinhas coloridas circulares que se encaixam e depois dei livros para eles verem. Eu decidi. Essas atividades eu poderia abrir pra eles escolherem?

MC: Os brinquedos, na minha opinião, sim... como se fossem vários cantinhos... mas no limite do nosso espaço na sala. [...] Você poderia ter oferecido os dois e depois a atividade do planejamento... daí você combina e mostra na rotina o que vão fazer.

PI D: Entendi. Eu poderia ter figuras para cada tipo de brinquedo e encaixar na rotina de alguma forma.

MC: Hoje meu ajudante colocou na porta do armário a nossa rotina... espalhei no chão os cartazes com minha atividade do planejamento que era completar as partes do rosto... e ele foi pegando e colocando na porta do armário.

[...]

MC: No começo temos sempre que lembrá-los dos cartazes... e ir tirando o que não realizamos.

PI D: Durante o dia ir tirando os itens que já foram feitos?

MC: Sim, ou no final do dia voltar na rotina, ir perguntando o que não fizemos no dia... no começo seria bom deixar para o final... para não tumultuar... antes de irem embora. Coloquei até cartaz de educação física, sono...25

Verifica-se a intencionalidade de PI D em executar a solução construída para a situação -problema elencada, que pode ser considerada também como o levantamento de hipóteses de sua atuação a partir das considerações de MC. A díade continuou a dialogar no WhatsApp sobre esse assunto. Após finalizarem a conversa com mensagens de despedida, PI D destacou a sua satisfação com o diálogo mantido com MC.

Passados algumas semanas dessa conversa, MC retomou novamente o assunto no WhatsApp, questionando a opinião da PI D sobre os cartazes de rotina, e confirmou a sua produção: “Quero fazer os cartazes, sim. Está na minha lista de coisas pra fazer.” (PI D).26

O diálogo analisado neste episódio ocorreu no início do semestre letivo. Analisando a continuidade da interação da díade - por meio dos registros no diário e outras conversas no WhatsApp -, observou-se que vários assuntos foram discutidos. Constantemente, a PI D relatava sobre as atividades realizadas com as crianças, as práticas que considerava bem-sucedidas e as dificuldades que vivenciava. MC continuava com a ação de mentoria por meio de questionamentos, sugestões e com a instrução direta. Após dois meses do diálogo estabelecido no WhatsApp sobre a rotina, a PI D relatou dificuldades para organizar alguns momentos cotidianos como o da escovação dos dentes e da guarda dos brinquedos; assim, MC retomou o evento disparador sobre a organização da rotina com as crianças: “As crianças resistem em guardar, não é mesmo?! Nessa situação ajuda muito os cartazes da rotina, que devem ser trabalhados diariamente para que compreendam os vários momentos na escola.” (MC).27

PI D estava buscando implementar a resolução para a situação-problema: “Estou terminando de confeccionar as fichas de rotina e pretendo começar a usá-las em junho (que já é semana que vem).” (PI D),28 sinalizando estarem vivenciando a quarta etapa do CI. Diante disso, MC elogia a iniciativa da PI D e a incentiva a dar continuidade à resolução: “Que bom, D, que está confeccionando os cartazes da rotina! Essa ação colabora para as crianças adquirirem a noção de tempo e as ajuda a compreender os momentos para cada atividade.” (MC).29

Alguns dias depois, PI D enviou, por What-sApp, algumas fotos dos cartazes de rotina que elaborou, as quais são prontamente elogiadas por MC. Posteriormente, MC buscou informações sobre como estava o andamento da aplicabilidade da solução, demonstrando apresentar as presenças social e cognitiva: “D, gostei muito que fez os cartazes da rotina; gostaria de saber se está ajudando na organização do tempo e se as crianças conseguem seguir a rotina e compreender a função da mesma e dos cartazes.” (MC).30

PI D evidenciou que está implementando a resolução que foi delineada e está analisando sua aplicabilidade. Relatou o aspecto positivo na utilização do recurso e outros que podem ser melhorados em sua prática. A implementação dos cartazes de rotina provoca na PI D novos questionamentos sobre o manejo da sala.

Sobre a rotina, está sendo legal, mas acho que ainda precisamos melhorar o momento. Não consigo retomar no fim do dia (fiz isso só uma vez). Tem sido legal as crianças visualizarem o dia, a sequência. Elas ainda estão entendendo como funciona. Já aconteceu mais de uma vez de verem o brinquedo que vamos brincar no final do dia e o quererem naquele momento. Então mostrei em que momento da rotina estávamos e tudo o que ainda iríamos fazer antes de pegar aquele brinquedo. Seus alunos ficam mexendo nas fichas durante o dia, pegando, mudando de posição, tirando? Os meus têm feito isso. No início, fiquei pensando: ‘É para eles verem, se eles querem pegar, se isso vai ajudá-los a compreender, tudo bem.’ Mas estava virando bagunça e perdendo a função de ‘rotina’, de sequência das atividades do dia. Combinei que só iríamos mexer no momento de colocar na ordem no início da tarde (chamo uma criança por vez para colocar) e depois só veríamos com os olhos. Mesmo assim, tive que chamar atenção várias vezes de crianças que estavam mexendo. (PI D).31

Nos registros seguintes no diário e nas conversas do WhatsApp, observa-se continuidade da interação da díade e outros assuntos foram abordados. Alguns meses depois, PI D avaliou sua participação no PHM, agradeceu o apoio de MC, pontuou que a mentoria possibilitou “repensar ideias, atitudes, maneiras de conduzir atividades, a ter novos olhares”; além disso, sentia-se acolhida ao relatar situações difíceis vividas na escola. Em suas palavras: “Sentia-me segura por ter alguém confiável me aconselhando.” (PI D).32

Discussão

Ao analisar a utilização do WhatsApp como ferramenta complementar no processo de formação docente, mais especificamente no contexto do PHM, a partir do estudo de caso de uma M que faz uso do aplicativo para interagir com a sua PI, foi possível evidenciar as presenças cognitiva, social e docente e o CI apontados por Anderson e outros (2001), Garrison e Vaughan (2008) e Vaughan, Cleveland-Innes e Garrison (2013). A despeito de o WhatsApp costumeiramente configurar-se como um meio de interação com mensagens curtas, rápidas e sobre assuntos tratados de modo pontual, vislumbraram-se potencialidades, limites e desdobramentos pedagógicos nas conversas intergeracionais mantidas na díade, tendo em vista os processos de ensino e aprendizagem percebidos.

Ao considerar-se que as presenças cognitiva, social e docente, a partir do referencial teórico, são definidas pelas interações ou transações pedagógicas estabelecidas dentro do AVA, as quais se configuram a partir da atuação/in-tervenção de mentores ou professores, assim como o CI, notam-se algumas diferenças quanto à origem de tais elementos, reconhecidos não apenas nas intervenções realizadas pela formadora (M), como também estão presentes nas mensagens da própria iniciante. Por exemplo, no primeiro episódio analisado, pôde-se observar que ao relatar uma situação que não deu certo em sala de aula e ao enviar fotos e/ ou vídeos de suas práticas, a PI demonstra sua presença cognitiva na interação com a M, e ao conversar sobre um determinado tema, a partir de um evento disparador, há um reconhecimento do problema e certo senso de confusão. A intervenção precisa e questionadora da M possibilitou que a PI se envolvesse na exploração do problema e começasse a pensar sobre ele, conectando-o com seus conhecimentos e/ou experiências anteriores. Percebe-se, em síntese, os seguintes elementos que caracterizam a presença cognitiva da PI: evento disparador, exploração do evento e integração possibilitando a construção de significados e encaminhando a PI para uma resolução da situação, apoiada pela mentora. No segundo episódio relatado, a despeito de uma pausa nos diálogos nas diferentes ferramentas adotadas entre PI D e MC sobre o tema “rotina”, após um período de um mês, o assunto retorna em outra ferramenta - o diário, com a PI D comentando as implicações de suas ações relacionadas ao uso de cartazes de rotina com a participação das crianças. Nesse caso, além das presenças docente, social e cognitiva de MC e da PI D, há ocorrência das fases de um CI, via WhatsApp, que foram conduzidas pela MC, mas com ampla participação da PI D - propiciando uma comunicação sustentada, aberta e respeitosa, em que ambas se sentem confortáveis e que possibilitou revelar as aprendizagens e sentimentos positivos da PI.

Uma primeira potencialidade do uso do WhatsApp é a possibilidade de manutenção do curso de uma transação educacional que propicia reflexões e aprendizagens profissionais da docência, por meio de uma conversa virtual assíncrona ou síncrona, que pode ser acompanhada de vídeos, áudios, fotos e documentos.

Outra potencialidade se deu associada ao posicionamento da mentora para marcar sua presença docente e mantê-la ao longo do tempo. Nesses momentos, apresentou questionamentos e direcionamentos, dicas e exemplos de suas práticas bem-sucedidas. Possibilitou troca de ideias, avaliações, feedbacks e a construção conjunta de possível solução dos problemas evidenciados pela PI - que, por seu turno, engajou-se com sua M nos CI que resultaram em aprendizagens importantes da sua parte.

Uma terceira é derivada do tipo de aprendizagem móvel promovida entre M e PI que se mostrou pautada na conveniência, na rapidez, no fato de que experiências sugeridas pela mentora envolveram conteúdos que se mostraram compatíveis com a adoção de narrativas curtas e diretas no WhatsApp; o engajamento das interlocutoras, condições favorecedoras e convenientes de seu uso, permitindo as conversas em qualquer local e a qualquer hora, em alguns casos de modo síncrono - a partir de situações experienciadas pela PI e acompanhadas pela M.

Uma limitação observada na análise dos dados, é que alguns assuntos/temas são abandonados temporariamente, outros não são retomados em razão da manutenção de conversas paralelas sobre outros assuntos e também pelo surgimento, ao longo do tempo, de novas situações que passam a nortear as conversações. Esse tipo de constrangimento exige da mentora, em termos práticos, um foco bastante acurado para que os temas, tendo sido colocados em pauta, não sejam perdidos. Por outro lado, as mudanças no curso das conversas ilustram a complexidade e, de certa maneira, a imprevisibilidade das situações enfrentadas numa sala de aula e que são, via de regra, apresentadas pelas PIs.

Uma segunda limitação relacionada à anterior é que dificilmente o uso do WhatsApp será a principal ferramenta de um programa de mentoria no modelo híbrido adotado. É necessário o uso de outras ferramentas de interação que permitam a realização de outras atividades online ou em encontros presenciais. Isso porque o WhatsApp comporta mais eficientemente conversas com frases mais curtas e focadas num tema específico. Neste sentido, o seu uso é adotado com uma finalidade específica e está condicionado ao contexto principal de formação, sendo fundamental que o mentor tenha clareza disso e o uso do aplicativo móvel seja planejado tendo em vista os objetivos delineados na mentoria e articulado com estratégias pedagógicas pertinentes.

Quanto aos desdobramentos pedagógicos o uso do WhatsApp, favoreceu a interação entre M e PI, o acompanhamento das ações da PI em sala de aula e a produção das crianças pela mentora. Permitiu à PI ler e ouvir a mentora, assim como “ver como se faz” algumas práticas pedagógicas discutidas. Esses aspectos mostram-se relevantes, pois se transformam numa ferramenta que possibilita o contato entre as participantes como se estivessem face a face, favorecendo o conhecimento de detalhes, situações, de processos e seus desdobramentos. Além disso, permitiu um diálogo rico sobre práticas pedagógicas, conhecimento pedagógico geral e conhecimento pedagógico do conteúdo, experiências emocionais. Pode ser uma resposta interessante à demanda de transformar o ensino envolvido nos processos de mentoria mais significativos e contribuir de modo profissional ao aprender a ensinar. Estudos adicionais devem ser realizados na perspectiva de ampliar a compreensão dos processos de aprendizagem da docência rela-clonados às conversas intergeracionais e o que efetivamente pode ser aprendido por meio do uso de aplicativos como o WhatsApp.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 04 de Dezembro de 2019; Aceito: 22 de Abril de 2020

1

Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UFSCar, processo n° 68145717.8.0000.5504y. Agradecemos o financiamento da FAPESP.

2

Concomitantemente ao desenvolvimento das ações de mentoria, as M são acompanhadas pelas pesquisadoras responsáveis pelo projeto de pesquisa. Dentre diversas atividades presenciais e virtuais propostas pela equipe, as M realizam registros semanais na ferramenta “diário de mentoria”, espaço no AVA no qual relatam e analisam as suas interações com as iniciantes, dentre outros aspectos relacionados à docência e à mentoria. As PIs também são estimuladas a fazer registros em seus diários sobre as vivências no início da docência. Cada M fornece um feedback a cada registro da PI, assim, muitas vezes, conversas são estabelecidas entre o registro da PI no diário e o feedback da M.

3

Visando preservar a identidade da professora iniciante neste artigo, ela será denominada PI D.

4

Na rede de ensino municipal na qual PI D atua, os professores no período probatório, mesmo sendo efetivos, não têm sede em uma escola, eles ficam à disposição na Secretaria Municipal de Educação para atuar em eventuais licenças de outros docentes. No caso da PI D, ela atuava em uma sala cuja professora regente estava em licença maternidade.

5

Registro realizado no dia 24/02/2018.

6

Registro realizado no dia 24/02/2018.

7

Visando preservar a identidade da mentora neste artigo, ela será denominada MC.

8

Registro realizado no Diário no dia 21/03/2018.

9

WhatsApp enviado para MC em 03/04/2018.

10

WhatsApp enviado para PI D em 03/04/2018.

11

WhatsApp enviado para MC em 03/04/2018.

12

WhatsApp enviado para PI D em 03/04/2018.

13

WhatsApp enviado para MC em 03/04/2018.

14

WhatsApp enviado para PI D em 04/04/2018

15

WhatsApp enviado para MC em 05/04/2018.

16

Anotação no Diário de 21/03/2018.

17

Anotação no Diário de 21/03/2018.

18

WhatsApp enviado para PI D em 21/03/2018.

19

WhatsApp enviado para PI D em 21/03/2018.

20

WhatsApp enviado para MC em 21/03/2018.

21

Troca de WhatsApp entre MC e PI D em 21/03/2018.

22

Troca de WhatsApp entre MC e PI D em 21/03/2018.

23

WhatsApp enviado para MC em 10/04/2018.

24

Registro realizado no Diário no dia 24/04/2018.

25

Registro realizado no Diário no dia 29/05/2018.

26

Registro realizado no Diário no dia 01/06/2018.

27

Registro realizado no Diário no dia 07/06/2018.

28

Registro realizado no Diário no dia 09/06/2018.

29

Registro realizado no Diário no dia 01/12/2018.

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