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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.29 no.59 Salvador jul./sept 2020  Epub 19-Jul-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n59.p30-42 

DOSSIÊ TEMÁTICO

O SUBCAMPO DO ENSINO SECUNDÁRIO EM SANTA CATARINA (1942-1961)

THE SECONDARY TEACHING SUBFIELD IN SANTA CATARINA (1942-1961)

EL SUBCAMPO DE LA EDUCACIÓN SECUNDÁRIO EM SANTA CATARINA (1942-1961)

Norberto Dallabrida*  (UDESC)
http://orcid.org/0000-0002-5100-2028

Letícia Vieira**  (USP)
http://orcid.org/0000-0002-1093-3010

*Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail: norbertodallabrida@gmail.com

**Doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Servidora da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. E-mail: leticia.vieira1990@gmail.com


RESUMO

Este artigo analisa como ocorreu a expansão do ensino secundário no estado de Santa Catarina de 1942 (Reforma Capanema) a 1961 (LDB), considerando as redes privadas e o ensino público. Para tanto, adota a perspectiva de Pierre Bourdieu que concebe o espaço social formado por campos e subcampos, constituídos por leis, jogos e capitais específicos. Assim, o ensino secundário é considerado um subcampo que integra o campo educacional catarinense. Constata que, de 1942 a 1961, o ensino secundário catarinense teve uma expansão inédita devido ao aumento dos colégios católicos, à fundação de educandários luteranos, ao oferecimento de cursos ginasiais e colegiais pelo governo estadual em escolas normais e institutos de educação. O subcampo do ensino secundário em Santa Catarina, portanto, foi marcado pela privatização dominada pela rede escolar católica.

Palavras-chave: Ensino secundário; Expansão; Santa Catarina; Privatização

ABSTRACT

This paper analysis how the secondary teaching expansion happened in Santa Catarina State from 1942 (Capanema Reform) to 1961 (LDB), considering the private and public teaching system. Therefore, it is adopted Pierre Bourdieu perspective that conceives the social space formed by fields and subfields, constituted by laws, games and specific capitals. Thus, the secondary teaching is considered a subfield that integrates the Catarinense educational field. It is registered that, from 1942 to 1961, the Catarinense secondary teaching had an unusual expansion due to the increasing Catholic Schools, the Lutheran Educational Foundations, offering the Junior High School and High School courses by the State Government in Normal Schools and Educational Institutes. The Secondary Teaching subfield in Santa Catarina, although, was highlighted by privatization mastered by Catholic School system.

Keywords: Secondary teaching; Expansion; Santa Catarina; Privatization

RESUMEN

Este artículo analisa como se produjo la expansión de la educación secundaria en el estado de Santa Catarina desde 1942 (Reforma Capanema) hasta 1961 (LDB), considerando las redes privadas y la educación pública. Para ello, adopta la perspectiva de Pierre Bourdieu quien concibe el espacio social formado por campos y subcampos, constituídos por leyes, juegos y capitales específicos. Por lo tanto, la educación secundaria se considera un subcampo que integra el campo educativo. Señala que, de 1942 a 1961, la educación secundaria en Santa Catalina tuvo una expansión sin precedentes debido al aumento de las escuelas católicas, la fundación de colégios luteranos, la provisión de cursos de secundaria por parte del gobierno de estade de Santa Catalina en escuelas y institutos educativos normales. El subcampo de la educación secundaria en Santa Catalina, por lo tanto, estuvo marcado por la privatización dominada por la rede de escuelas católicas.

Palabras clave: Educación secundaria; Expansión; Santa Catalina; Privatización

Desde a sua instituição até o início da década de 1960, no estado de Santa Catarina o ensino secundário de caráter privado e católico foi dominante. Logo após a instalação do regime republicano, o ensino secundário brasileiro foi reestruturado por meio da Reforma Benjamin Constant, de 1890, que previa a implantação de um estabelecimento de ensino secundário público - chamado de ginásio - em cada unidade da federação brasileira. Assim, em 1892, o estado de Santa Catarina criou, na sua capital, o Ginásio Catarinense, que ganhou novo regimento e vida institucional regular após a Revolução Federalista (1893-1894). No entanto, o Ginásio Catarinense não era prestigiado pelas elites estaduais, que enviavam os seus filhos para colégios de outros estados, particularmente ao Ginásio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo, dirigido por padres jesuítas alemães. Em 4 de novembro de 1905, o Governo do estado de Santa Catarina e os jesuítas alemães do Rio Grande do Sul assinaram um contrato para a instalação de um colégio da Companhia de Jesus na capital catarinense - Florianópolis -, que foi recebido pela imprensa local com críticas de tom anticlerical e antielitista. No início de 1906, o colégio dos jesuítas, direcionado para as elites estaduais, começou a funcionar sob o nome de Ginásio Santa Catarina e o ginásio público estadual foi fechado, privatizando o ensino secundário catarinense (DALLABRIDA, 2001).

O colégio dos jesuítas alemães de Florianópolis foi o único estabelecimento de ensino no território catarinense até o início da década de 1930, mas, por questões de equiparação ao Colégio Pedro II, em 1918, passou a se chamar Ginásio Catarinense. A partir da Reforma Francisco Campos, de 1931, que reestruturou o ensino secundário brasileiro conferindo dois ciclos - o fundamental de 5 anos e o complementar de 2 anos -, no estado de Santa Catarina houve uma primeira expansão desse nível de escolarização. Assim, além do Ginásio Catarinense, que passou a ter os dois ciclos do ensino secundário, foram criados sete novos ginásios que ofereciam somente o ciclo fundamental. Esses novos ginásios se estabeleceram nas principais cidades catarinense que funcionavam como capitais regionais devido à descentralização do estado catarinense. A maioria deles era vinculado a congregações católicas como os jesuítas, franciscanos, Irmãos Maristas e Irmãs da Divina Providência, dois tinham ajuda parcial dos seus respectivos municípios, e somente o Ginásio Lagunense tinha um currículo laico. A grande maioria dos ginásios era destinada para os adolescentes homens, o curso ginasial do Colégio Coração de Jesus era para mulheres e os ginásios Barão de Antonina e Lagunense praticavam a coeducação dos gêneros (DALLABRIDA; CARMINATI, 2007).

A Lei Orgânica do Ensino Secundário, oficializada pelo Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, que integrava a Reforma Capanema durante a ditadura getulista, reestruturou o ensino secundário brasileiro, passando a ter o curso ginasial de 4 anos e o ciclo colegial de três anos - formado pelos cursos clássico ou científico (SOUZA, 2008). Essa nova legislação educacional provocou uma nova expansão do ensino secundário em nível nacional, particularmente do curso ginasial. Nesta direção, este trabalho procura analisar como ocorreu a expansão do ensino secundário no estado de Santa Catarina, de 1942 a 1961, considerando as redes privadas e o ensino público. No ano de 1942 foi decretada a Lei Orgânica do Ensino Secundário e, em 1961, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que criou o ensino médio, integrando o ensino secundário, os cursos técnico-profissionais e o curso normal, fato que estabeleceu a equivalência da escolarização secundária entre o ensino primário e o ensino superior. A análise deste texto focaliza somente o ensino secundário, etapa da escolarização que preparava para o ingresso no ensino superior.

Para tanto, adota-se a perspectiva bourdieusiana, que concebe o mundo contemporâneo formado por campos, microcosmos sociais que têm autonomia relativa, constituídos por leis, jogos e capitais específicos (CHAUVIRÉ; FONTAINE, 2003). Segundo Nogueira e Nogueira (2004, p. 36), “o conceito de campo é utilizado por Bourdieu, precisamente, para se referir a certos espaços de posições sociais no qual determinado tipo de bem é produzido, consumido e classificado”. Os campos são marcados, necessariamente, por disputas pelo controle e legitimação dos bens produzidos e classificados, de forma que no seu interior há relações de força entre “posições dominantes” e “posições inferiores”. Nesta direção, Bourdieu (1983, p. 89) anota que “para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas etc.”. Para esse sociólogo francês, pensar em termos de campo é pensar de modo relacional, que significa identificar os agentes nos diferentes setores da realidade social de forma interdependente, como num jogo de xadrez, e em perspectiva histórica. Na obra La noblesse d`État, para pensar as grandes écoles como uma etapa específica do ensino superior francês, Bourdieu (1989) criou o conceito de subcampo.

O ensino secundário é pensado como um subcampo do campo do sistema de ensino, que, no Brasil, até 1971 era formado por outros subcampos como a educação pré-escolar, ensino primário e ensino superior. O ensino secundário brasileiro era uma longa etapa do sistema, formada por sete anos e dividida em dois ciclos, sendo direcionada sobremaneira para as classes privilegiadas. O subcampo do ensino secundário em Santa Catarina, de 1942 a 1961, foi instituído pelas posições da rede de educandários privados e pelos colégios públicos estaduais e municipais. O presente texto, portanto, procura compreender as posições do ensino secundário catarinense, da Lei Orgânica do Ensino Secundário até a promulgação da primeira LDB, procurando cotejar a presença de educandários privados e colégios públicos.

Expansão dos educandários confessionais

Durante a chamada “Era Vargas”, as reformas do ensino secundário oficializadas por meio de decretos-lei em 1931 (Reforma Francisco Campos) e em 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário) criaram novas estruturas para o ensino secundário. Enquanto a primeira criou os ciclos fundamental (5 anos) e complementar (2 anos), a segunda reestruturou os dois ciclos, estabelecendo o curso ginasial, comum a todos os secundariastas e com duração de quatro anos, e o ciclo colegial, de três anos e diversificado em curso científico e curso clássico. Assim, a partir do início da década de 1930, o ensino secundário apresentou um crescimento vertiginoso em nível nacional, como constata Pinto (2008, p. 150):

O ensino primário passou de 2,2 milhões de alunos em 1933 para 4,2 milhões em 1950, com um crescimento de 90%; no ensino superior, a matrícula expandiu-se de 24 mil para 44 mil, o que corresponde a 80%; e no ensino secundário o número de alunos passou de 66.420 para 389.762, ocorreu uma expansão de na ordem de 490%. Esse crescimento explosivo do ensino secundário levou à improvisação de professores e, consequentemente, à queda da qualidade de ensino.

Se a Reforma Francisco Campos já havia proporcionado uma expansão significativa do ensino secundário em nível nacional, a decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário vai provocar ainda mais a implantação de cursos ginasiais, científicos e clássicos. Como o número de faculdades de Filosofia, Ciências e Letras era muitíssimo reduzido, o ensino secundário passou a ter a grande maioria de professores que não tinham formação específica para as disciplinas que ministravam - os chamados professores leigos. Não sem razão, esta situação precária do corpo docente do ensino secundário impulsionou a criação da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) por meio do Decreto nº 34.638, de 17 de novembro de 1953. A CADES fazia parte do chamado “campanhismo” no campo educacional brasileiro, isto é, políticas públicas emergenciais marcadas pela crença no conhecimento técnico e no envolvimento de intelectuais modernizadores (PINTO, 2008). A instituição da CADES, em 1953, certamente indica a grande expansão do ensino secundário ocorrida após a Lei Orgânica do Ensino Secundário. Essa campanha proporcionava cursos de férias para os professores leigos com o propósito de lhes conferir habilitação específica para ministrar aulas nos cursos do ensino secundário, marcando a década de 1950 e parte do decênio seguinte.

No entanto, havia uma clara assimetria no número de matriculados no curso ginasial, primeiro ciclo do ensino secundário comum a todos os alunos, e no ciclo colegial. Segundo Souza (2008), em 1954 havia 459.489 alunos matriculados no ciclo ginasial e 76.286 no ciclo colegial, que representavam, respectivamente, 85,8% e 15,2%. E, entre os matriculados no ciclo colegial, também havia um contraste, porque 85,7% estavam matriculados no curso científico e somente 14,3% no curso clássico. O curso científico preparava os alunos para o ensino superior na área de medicina e das engenharias, sendo considerado mais distinto e geralmente frequentado por grupos socialmente mais endinheirados. De outra parte, em nível nacional, em 1954, Souza (2008, p. 205) assevera que “nas escolas públicas estavam matriculados 143.465 alunos, isto é, 26,8% do alunado, enquanto a rede particular atendia 392.310 alunos (73,2% dos matriculados)”. Entre os 1.771 colégios de ensino secundários existentes no Brasil, somente 435 eram de caráter público, sendo 348 estaduais, 68 municipais e 19 federais (SOUZA, 2008). Assim, verifica-se que o ensino secundário, na década de 1950, era ainda muito privatizado e aquele de caráter público era oferecido, de forma predominante, pelos estados federados.

No estado de Santa Catarina, em 1942 havia somente oito educandários de ensino secundário (ginásios), sendo seis dirigidos por congregações católicas e dois parcialmente auxiliados por prefeituras municipais. Dentre esses educandários católicos, somente o Colégio Catarinense tinha implantado, na década de 1930, o segundo ciclo do ensino secundário - o curso complementar (SOUZA, 2005). A Lei Orgânica do Ensino Secundário alavancou a implantação de novos estabelecimentos de ensino secundário, de modo que, em 1949, no seu relatório anual, o governador Aderbal Ramos da Silva registra que, no território catarinense, havia 23 educandários particulares, sendo 17 ginásios e 6 colégios (SANTA CATARINA, 1950). Trata-se de um crescimento expressivo em um curto espaço de tempo, porque o número de escolas de ensino secundário quase quadriplicou em sete anos. Dois anos depois, o número de educandários particulares era de 30, de forma que os ginásios tinham crescido para 24, mas o número de colégios permanecia o mesmo (SANTA CATARINA, 1952). Em 1956, o número de ginásios e colégios particulares permanece o mesmo (SANTA CATARINA, 1957), indicando o limite da expansão do ensino secundário em cidades médias de Santa Catarina. Desta forma, verifica-se que, logo após a vigência da Lei Orgânica do Ensino Secundário, houve um grande crescimento dos educandários de ensino secundário, mas na década de 1950 ocorreu estabilização do número de colégios e pequeno crescimento dos ginásios.

Ao analisar a reestruturação do ensino secundário realizada pela Lei Orgânica do Ensino Secundário, Souza (2008, p. 172) chama atenção para “a padronização dos tipos de estabelecimento de ensino - o ginásio destinado a ministrar o curso de primeiro ciclo e o colégio, compreendendo, além do curso ginasial, os cursos de segundo ciclo”. Os termos ginasial e, sobretudo, colegial se enraizaram na tradição oral e também na mídia impressa, de modo que atualmente ainda há referência à atual etapa do ensino médio como colegial. O estabelecimento de ensino secundário que conseguia implantar o curso científico ou o clássico passava a ter o status de colégio, que lhe conferia uma distinção escolar e social. Não sem razão, logo após a decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário, alguns ginásios existentes em cidades catarinenses envidaram esforços para implantar o segundo ciclo do ensino secundário, passando a se chamar colégios. Em Santa Catarina, seis ginásios passaram a oferecer os dois ciclos do ensino secundário, sendo dois deles na capital catarinense e um deles, o Colégio Bom Jesus, passou a ser administrado pela Sociedade Filantrópica Bom Jesus, que era vinculada à Igreja Luterana (TERNES, 1986); e somente um direcionado para mulheres, o Colégio Coração de Jesus, que somente em 1947 passou a oferecer o curso científico para mulheres (MARTINI, 2008). Constata-se, portanto, que, a partir da Lei Orgânica do Ensino Secundário havia uma clara assimetria de gênero no crescimento dos colégios em Santa Catarina.

Se o número de colégios teve certo crescimento logo após a decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário e esteve praticamente estabilizado na década de 1950, os ginásios tiveram uma expansão expressiva na rede de colégios confessionais. Em 1942 havia oito ginásios no território catarinense, mas, segundo dados oficiais, sete anos depois já eram 17 (SANTA CATARINA, 1950) e, em 1951, aumentaram para 24 (SANTA CATARINA, 1952), passando a ter certa estabilização na década de 1950. Assim, na primeira década após a vigência da Reforma Capanema do ensino secundário, de 1942, o número de estabelecimentos que ofereciam somente o curso ginasial em Santa Catarina triplicou. Deve-se considerar que os colégios, que eram identificados com o oferecimento do segundo ciclo do ensino secundário, também ofereciam o seu primeiro ciclo. A rede privada de ginásios era totalmente confessional porque dirigida por congregações católicas e por associações da Igreja Luterana. Na medida em que os novos ginásios foram sendo instalados nas cidades médias, o ensino secundário passou a atender partes das classes médias e mesmo grupo sociais do mundo rural - particularmente nos educandários que abrigavam internato para vocações religiosas de padres ou irmãos leigos.

A ordem católica que teve maior número de ginásios da Lei Orgânica do Ensino Secundário até o início da década de 1960 foi a Congregação dos Irmãos Maristas, que fora fundada na França, em 1817, por Marcelino Champagnat e emigrara para o Rio Grande do Sul no final do século XIX. Os Irmãos Maristas estabeleceram-se inicialmente no oeste de Santa Catarina, acompanhando descendentes de imigrantes europeus - especialmente ítalo-brasileiros - do Rio Grande do Sul que colonizaram essa parte do território catarinense. A porta de entrada dos Irmãos Maristas deu-se por meio da aquisição do Ginásio Aurora - localizado em Caçador e pertencente ao casal de imigrantes italianos Dante e Albina Mosconi - em 1938 (TRIDAPALLI, 2007). A obra educacional marista estendeu-se para Joaçaba e Chapecó, cidades emergentes de porte médio, também por meio da criação de ginásios. Na região norte/nordeste de Santa Catarina, os discípulos de Champagnat fundaram ginásios em Jaraguá do Sul, Canoinhas, São Bento e Joinville, sendo que nesta última cidade passaram a disputar clientela com o luterano Colégio Bom Jesus. E, em 1961, os Irmãos Maristas marcaram presença no sul catarinense pela instituição do Ginásio Masculino São José, no início de 1961, na cidade de Criciúma. No ano seguinte essa escola passou a se chamar Ginásio Marista e, em 1966, com a implantação do curso científico, foi nomeado de Colégio Marista (AZZI, 1999). Até 1961, a rede de ginásios maristas no território catarinense foi formada por oito unidades escolares, indicando uma expansão expressiva.

Na escolarização ginasial dos adolescentes homens deve-se destacar também a Congregação Salesiana, fundada por Dom Bosco na Itália, em 1859, e que emigrara para o Brasil no final do século XIX, pelo estabelecimento de ginásios no Vale do Itajaí. Em Santa Catarina, os salesianos instalaram-se inicialmente em Ascurra, município agrícola povoado por descendentes de imigrantes italianos, onde instalaram uma escola primária, mas, a partir de 1946, criaram o Ginásio São Paulo, que passou a receber alunos externos no final da década de 1950. Em 1948, em Rio do Sul, criaram o Ginásio Dom Bosco, que passou a conferir escolarização secundária somente para os adolescentes homens, enquanto o Ginásio Maria Auxiliadora tornou-se exclusivamente feminino, obedecendo a divisão de gênero prescrita nas determinações oficiais da Igreja Católica (ARECO, 1998). E, em 1956, a Congregação Salesiana adquiriu o Ginásio de Itajaí - criado oito anos antes por uma sociedade anônima -, que passou a se chamar Ginásio Salesiano Itajaí e se transformou numa referência escolar regional (AZZI, 1997). Entre meados da década de 1940 e início da década de 1960, os salesianos, portanto, estabeleceram três ginásios em um município rural de ascendência italiana e em duas cidades médias do Vale do Itajaí-Açu, contribuindo significativamente com o avanço da rede católica de ginásios.

De outra parte, na escolarização ginasial feminina, a Congregação da Divina Providência, que tinha a maior rede escolar direcionada para meninas e moças, teve presença absoluta no território catarinense. Essa congregação católica feminina, cuja sede era a capital catarinense, administrava nesta cidade o Colégio Coração de Jesus, que foi a primeira escola que ofereceu curso ginasial para mulheres e a partir de 1947 passou a oferecer o curso científico para mulheres. Tratava-se do educandário modelo das Irmãs da Divina Providência, que tinha internato para abrigar as filhas das elites do interior de Santa Catarina e funcionava ao lado da sede da província homônima. Nas principais cidades catarinenses, as Irmãs da Divina Providência tinham escolas que ofereciam jardim de infância e curso primário, mas, impulsionadas pela Lei Orgânica do Ensino Secundário, passaram a oferecer o primeiro ciclo do ensino secundário, criando ginásios direcionados para moças. É o caso dos ginásios Santa Rosa de Lima, de Lages, Sagrada Família, de Blumenau, São José, de Tubarão, e Madre Teresa Michel, de Criciúma. Essa rede de ginásios das Irmãs da Divina Providência era dominante na educação catarinense, demandando estudos históricos.

Além de dirigir o Colégio Bom Jesus, de Joinville - conforme visto acima -, a Igreja de Confissão Luterana fundou, no início de 1947, na cidade de Brusque, por meio da Sociedade Escolar Evangélica, o Ginásio Cônsul Carlos Renaux. Esse estabelecimento de ensino secundário foi instituído com o auxílio da elite econômica local porque o nome do seu patrono era o do principal industrial da cidade, que doou Cr$ 100.000 (cem mil cruzeiros) para o estabelecimento do ginásio. Seis anos depois, o Ginásio Cônsul Carlos Renaux criou o internato Oswaldo von Buettner, cujo nome foi dado ao industrial brusquense que viabilizou materialmente o seu funcionamento. Até 1958, esse ginásio luterano funcionava somente no período matutino, mas, a partir do ano seguinte, também oferecia o primeiro ciclo do ensino secundário no período noturno (RISTOW, 1999). Na cidade de Brusque, os padres dehonianos - que pertenciam à Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus - instituíram, em 1953, o Ginásio São Luiz, que se transformaria em colégio somente no início da década de 1970 (KOCH, 1992). Em boa medida, esse ginásio católico era um contraponto ao Ginásio Cônsul Carlos Renaux, de modo que, em Brusque, a disputa ginasial no subcampo do ensino secundário catarinense colocava-se efetivamente pela atração, respectivamente, das clientelas luterana e católica.

Da decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário até o início da década de 1960, constata-se o crescimento vigoroso de colégios confessionais masculinos e femininos que ofereciam ensino secundário. No entanto, houve uma clivagem entre os colégios que ministravam o ensino secundário completo, localizados nas principais cidades catarinenses e em número reduzido, e os ginásios que ofereciam somente o curso ginasial, estabelecidos em cidades de porte médio e pequeno e bem mais numerosos. Nesse momento histórico, de acordo com as orientações papais, os educandários católicos eram distintos em gênero, mas aqueles que eram frequentados somente por adolescentes homens eram em número bem maior. E, em relação ao segundo ciclo do ensino secundário, havia vários colégios católicos masculinos e somente um feminino - o Colégio Coração de Jesus - e poucos ginásios católicos para moças, indicando desigualdades de gênero.

A tímida rede pública de ensino secundário

Se a decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário gerou, de imediato, a expansão do ensino secundário na rede privada, o mesmo não aconteceu no sistema estadual de ensino. Nesse momento histórico não havia estabelecimentos de ensino secundário mantidos pelo Governo de Santa Catarina devido à existência de um contrato assinado, em 1920, entre o Governo do Estado de Santa Catarina e a Sociedade Literária Padre Antônio Vieira, que determinava que o Ginásio Catarinense teria o status de estabelecimento de ensino secundário oficial e o Governo Estadual não poderia criar, durante a vigência do contrato, outro ginásio oficial no estado de Santa Catarina. Esse contrato entrou em vigor em 1º de janeiro de 1921 e tinha um prazo de duração de 25 anos, de forma que ele estabeleceu a privatização do ensino secundário em Santa Catarina (DALLABRIDA, 2006). Salve melhor juízo, trata-se de um caso único no Brasil de ausência do governo estadual na oferta do ensino secundário, que conferia um traço ainda mais elitista a essa etapa do ensino secundário, que era praticamente inacessível às classes populares. Em 1946 - ano em que terminou o contrato entre os jesuítas e o Executivo catarinense - foram envidados esforços a fim de instituir o ensino secundário de caráter público estadual em Santa Catarina.

No início do ano seguinte, nas cidades de Florianópolis, Blumenau e Lages foram criados os primeiros cursos ginasiais mantidos pelo estado de Santa Catarina. O curso ginasial público e gratuito na capital catarinense foi criado, oficialmente, no início de 1947, no Instituto Estadual Dias Velho (SANTA CATARINA, 1947), que era, desde o início do regime republicano, a instituição escolar catarinense por excelência de formação de professores do ensino primário. Nascida em 1892 como Escola Normal Catarinense, esse educandário docente passou a se chamar, em 1935, Instituto de Educação, congregando diferentes modalidades de escola normal, bem como grupo escolar, escola isolada e jardim de infância. Entre a criação e a implantação desse curso ginasial, houve pressão para que o governador Aderbal Ramos da Silva renovasse o contrato com a Companhia de Jesus, impedindo a implantação do ensino secundário público, gratuito e laico. No entanto, apesar dessa tensão, o estado de Santa Catarina envidou esforços junto ao Ministério da Educação e Saúde para a implantação do curso ginasial no Instituto de Educação Dias Velho, que ocorreu no início do ano letivo de 1947 (DALLABRIDA, 2017). Este fato é significativo para a história do ensino secundário público e gratuito no território catarinense.

A Escola Normal de Lages foi implantada em 1934 e, no início do ano seguinte, foi transformada em Instituto de Educação de acordo com as prescrições da Reforma Trindade - decretada pelo Decreto nº 05, de janeiro de 1935 (PINTO, 2002). O Instituto de Educação de Lages converteu-se, desta forma, na segunda escola completa de formação de professores(as) para o ensino primário e a única localizada no interior de Santa Catarina. Em 1947, esse instituto de educação passou a oferecer o curso ginasial público e gratuito, que se converteu em um fato significativo porque o ensino secundário em Lages era ofertado somente por colégio católicos - o Colégio Diocesano e o Colégio Santa Rosa de Lima (COSTA, 1947). Além de ser o maior município da serra catarinense, Lages era a sede da família Ramos, que havia sido influente no final do período imperial e na primeira república e voltou a exercer ainda mais poder na política catarinense com a Revolução de 1930. Não sem razão, foi durante a interventoria de Aristiliano Ramos (1933-1935) que foi criada a Escola Normal de Lages, logo transformada em Instituto de Educação homônimo. E, no início do Governo Aderbal Ramos da Silva (1947-1951), que ela passou a oferecer o curso ginasial que também praticava a coeducação, proporcionando escolarização secundária para adolescentes oriundos de grupos sociais desfavorecidos que não podiam pagar um colégio privado.

Com o fechamento de escolas teuto-brasileiras no auge da nacionalização autoritária, levada a cabo em Santa Catarina pelo interventor Nereu Ramos, em Blumenau foi criado o Grupo Escolar Pedro II, que, em 1947, agregou uma escola normal e um curso ginasial. Nessa cidade industrial, até esse momento, o ensino secundário era oferecido nos colégios Santo Antônio e Sagrada Família, que eram dirigidos por congregações católicas. As aulas do primeiro ciclo do ensino secundário iniciaram no primeiro semestre de 1947, no período vespertino, com duas turmas da 1ª série do curso ginasial (DUARTE, 2007). Assim como os cursos ginasiais de caráter público estadual em Florianópolis e em Lages, o de Blumenau também praticava a coeducação, de modo que a primeira turma de ginasianos(as) da Escola Normal Pedro II era formada por 34 homens e 29 mulheres, o que indicava pouco desequilíbrio de gênero, incomum no ensino secundário brasileiro. No início de 1951, após a formatura da primeira turma de ginasianos(as), o curso ginasial da Escola Normal de Blumenau passou a se chamar Ginásio Estadual Pedro II (CIPRIANI, 2006). Uma terceira cidade catarinense, portanto, passava a oferecer o curso ginasial público e gratuito, oportunizando o acesso ao primeiro ciclo do ensino secundário para cidadãos que não pertenciam às elites locais.

O Ginásio Barão de Antonina foi instituído na cidade de Mafra, em 1937, pela Associação Mafrense de Ensino, agremiação civil criada no ano anterior com o intuito de oferecer o curso ginasial, tendo o apoio de alguns municípios de região norte de Santa Catarina e, especialmente, de Mafra. Ele se diferenciou no subcampo do ensino secundário catarinense pelo fato de também praticar a coeducação - assim como ocorria com os cursos ginasiais dos educandários públicos estaduais (MARTINS, 2009). Em 1950, o Ginásio Barão de Antonina implantou o curso científico, que era um passo ousado porque Mafra e os municípios vizinhos eram de médio porte, passando a se chamar Colégio Barão de Antonina. No entanto, no início de 1952, os seus bens imóveis e móveis, que pertenciam à Associação Manfrense de Ensino, foram doados ao estado de Santa Catarina, que transformou o Colégio Barão de Antonina num estabelecimento de ensino público e gratuito. Assim, o governo estadual estabeleceu a Escola Normal Barão de Antonina, que continuava a ter somente um curso ginasial (MARTINS, 2009). Desta forma, até a década de 1960, o único estabelecimento de ensino secundário que era parcialmente auxiliado por uma prefeitura municipal catarinense era o Ginásio Lagunense, mas oferecia somente o curso ginasial (SILVA; DALLABRIDA, 2007).

Constata-se que, no período em análise, e somente a partir de 1947, em Santa Catarina havia apenas quatro estabelecimentos de ensino público e gratuito que ofereciam o curso ginasial, quais sejam: institutos de educação de Florianópolis e de Lages e as escolas normais de Blumenau e de Mafra. Desta forma, o curso ginasial de caráter público e gratuito em Santa Catarina foi anexado aos estabelecimentos de formação de professores(as) do ensino primário, que tiveram que ser reinventados na sua estrutura e no seu corpo docente para admitir alunos(as) ginasianos(as). Embora instituídos de forma improvisada em escolas de formação de professores do ensino primário, esses cursos ginasiais tiveram um importante papel na institucionalização do ensino secundário público e gratuito, porque oportunizavam escolarização média para pequena parte da população que não integravam as elites.

A formatura da primeira turma do curso ginasial público estadual nas escolas de formação de professores não implicou, necessariamente, na implementação do segundo ciclo do ensino secundário. Esse processo ocorreu somente no Instituto de Educação de Florianópolis que, em 1950, passou a oferecer os cursos clássico e científico, de forma que a reunião dos dois ciclos do ensino secundário formou o Colégio Estadual Dias Velho (COLÉGIO..., 1950; SECCO, 1973). A instituição do ensino secundário completo no Instituto de Educação Dias Velho representava uma transformação significativa pelo fato de o Colégio Estadual homônimo ser um estabelecimento de ensino que preparava professoras(es) normalistas. Naquele momento histórico, havia um fosso entre os cursos técnicos e a escola normal, que será superado oficialmente com a equivalência dessas etapas do ensino determinada pela LDB de 1961. Referindo-se à instituição do Colégio Estadual Dias Velho no Instituto de Educação homônimo, afirma Dallabrida (2017, p. 17-18): “Trata-se de um ensino secundário com o ginásio e os dois cursos do colegial que atendiam sobremaneira os estudantes que não podiam pagar os educandários privados, bem como por jovens cujos pais almejavam uma escola pública laica para os seus filhos”. Desta forma, em Florianópolis, a criação do Colégio Estadual Dias Velho representou uma opção para os estudantes secundaristas de ambos os gêneros porque, até 1947, havia somente dois colégios católicos voltados para as elites, mas segregados por gênero - o Colégio Catarinense e o Colégio Coração de Jesus.

O oferecimento de ensino secundário completo no Instituto de Educação Dias Velho engendrou o problema de espaço físico nesse educandário, fazendo com que o curso ginasial fosse oferecido no período diurno, enquanto os cursos científico e clássico funcionariam de noite - apropriado para aqueles estudantes que trabalhavam durante o dia. O caráter provisório e enjambrado desse estabelecimento de ensino foi constatado pelo governador Irineu Bornhausen na mensagem que enviou à Assembleia Legislativa em 1952, indicando a discrepância entre número de alunos previstos e os que, efetivamente, frequentavam o Instituto de Educação Dias Velho. Diz o governador:

O Instituto de Educação, estabelecimento padrão na formação do magistério, para cumprir sua finalidade necessita de prédio e instalações apropriadas, o que não acontece entre nós, onde a antiga Escola Normal, projetada e construída para abrigar 200 alunos, abriga, hoje, mais de um milhar, em turnos diferentes. Desnecessário será salientar os prejuízos e as deficiências que tal situação acarreta. Porém, para se atender a crescente frequência do Instituto, mantendo a produtividade do ensino, uma medida se impõe, de imediato: o desdobramento de diversas cadeiras (SANTA CATARINA, 1952, p. 19).

Esse problema somente será equacionado no início da década de 1960, com a construção e inauguração de amplo e moderno edifício escolar para o Instituto de Educação, que se tornou a maior escola de Santa Catarina e fortaleceu o oferecimento do ensino secundário.

Na Escola Normal Pedro II de Blumenau, o curso científico foi criado somente no início de 1957, o que provocou a criação do Colégio Estadual homônimo. Além de um certo arranjo entre as elites políticas, a implantação do segundo ciclo do ensino secundário na escola normal de Blumenau foi fruto de um movimento social, liderado pela União Blumenauense de Estudantes (UBE), que reivindicava um curso científico público, gratuito e noturno para os estudantes de Blumenau e sua região. A UBE havia sido criada, em 1952, por Vitor Fernando Sasse - aluno do 4º ano do curso ginasial do Ginásio Estadual Pedro II - e promovia eventos esportivos, culturais e políticos (DUARTE, 2007). Segundo Cipriani (2006), houve resistência à implantação do curso científico por parte do clero católico, que dirigia o Colégio Santo Antônio - o único educandário que oferecia o ensino secundário completo na cidade de Blumenau. Nesta direção, um dos adolescentes que se tornou aluno do Colégio Estadual Pedro II afirma:

Naturalmente que os padres [franciscanos] ficaram possessos com o nosso movimento e tentaram impedir de todas as formas que se implantasse o [curso] científico. Houve inclusive um debate público. Isso criou uma situação de animosidade que chegou a se refletir em eventos esportivos. Porque a UBE promovia torneios entre os colégios. A rivalidade chegou a tal ponto que quando se cruzavam [o Colégio] Santo Antônio versus o [Colégio] Pedro II, chegava a ocorrer, inclusive confrontos físicos entre os alunos. (CIPRIANI, 2006, p. 111).

Apesar desse conflito de interesses escolares e econômicos, o Curso Científico do Colégio Estadual Pedro II passou a ser oferecido no período noturno, que visava dar oportunidade de escolarização secundária para aqueles(as) adolescentes que trabalhavam durante o dia. Para atingir ainda mais esse objetivo, no final da década de 1950, o curso ginasial, que era oferecido no período diurno, também passou a ser ministrado à noite (CIPRIANI, 2006). Desta forma, pequena parte dos adolescentes que não integravam a elite do município de Blumenau passaram a ter a oportunidade de frequentar um colégio de ensino secundário público, gratuito e coeducativo. O Colégio Estadual Pedro II afirmou-se na cidade de Blumenau especialmente pela constituição de seu corpo docente, que tinha formação consistente e prestígio social. Ele contrastava com os educandários católicos da cidade de Blumenau - o Santo Antônio, que oferecia o ensino secundário completo para adolescentes homens e o Sagrada Família, que tinha o curso ginasial para moças -, que eram privados e distintos em gênero.

Além de começar a ser oferecido oito anos após a decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário, até o início da década de 1960, o segundo ciclo do ensino secundário público e gratuito foi oferecido somente no Instituto de Educação de Florianópolis e na Escola Normal Pedro II. Trata-se de um número muito restrito de cursos científico e clássico, que contrastava com a presença ostensiva dos colégios confessionais, que ofereciam o ensino secundário completo. O Instituto de Educação de Lages e a Escola Normal Barão de Antonina tiveram que esperar a onda de massificação do ensino secundário catarinense da década de 1960 para implantar os seus cursos do ciclo colegial.

Considerações finais

No período desde a decretação da Lei Orgânica do Ensino até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, o ensino secundário no Brasil e em Santa Catarina teve um crescimento sem precedentes. Em 1942, o território catarinense, que tinha somente uma rede de ginásios católicos e dois ginásios auxiliados parcialmente pelas prefeituras municipais de Laguna e de Mafra, passou a constituir um efetivo subcampo do ensino secundário, formado por novos ginásios e colégios católicos, um ginásio e um colégio vinculado à Igreja Luterana e dois ginásios e dois colégios públicos mantidos pelo estado de Santa Catarina. Na capital catarinense, a partir da década de 1950, havia três estabelecimentos de ensino secundário com os dois ciclos, sendo dois católicos e divididos por gênero e um de caráter público estadual e coeducativo - o Colégio Estadual Dias Velho, que integrava o Instituto de Educação homônimo -, que apresentavam diferentes perspectivas curriculares e certa concorrência. Em outras grandes cidades catarinenses também se verifica disputas, geralmente veladas e não reveladas pelas fontes históricas, entre educandários católicos e ginásios e colégios públicos.

Os colégios católicos imprimiam um enquadramento disciplinar mais rigoroso, envolvendo o regime de internato, tinham um corpo docente mais afinado e estável e, seguindo as orientações oficiais da Igreja Católica, eram distintos em gênero. Os estabelecimentos de ensino secundário mantidos pelo poder público estadual tinham um corpo docente mais heterogêneo e diversificado, uma atmosfera disciplinar mais aberta e praticavam a coeducação. A rede de educandários dirigidos por congregações católicas masculinas e femininas representou a maior dos estabelecimentos de ensino secundário em Santa Catarina, que contrastava com os cursos ginasial, científico e clássico que funcionavam no instituto de educação e nas escolas normais e com os dois colégios luteranos. Se os estabelecimentos de ensino secundário, no recorte temporal em análise, eram típicas escolas urbanas, a Igreja Católica, por meio de seus seminários, oferecia ensino secundário na área rural.

Entre os colégios confessionais também houve uma certa disputa, mas de modo mais discreto, entre os estabelecimentos de ensino secundário das congregações católicas e aqueles vinculados às associações luteranas. Em Joinville, a maior cidade catarinense, o ensino secundário completo se consolidou logo após a decretação da Lei Orgânica do Ensino Secundário, por meio da criação do curso científico no Colégio Bom Jesus, que se vinculou a uma associação da Igreja Luterana. Esse colégio passou a ter concorrência católica a partir de 1960, quando foi criado o Ginásio São José, dirigido pela Congregação dos Irmãos Maristas. Assim como Joinville, a cidade de Brusque tinha ascendência germânica e, a partir da década de 1950, além de contar com o Ginásio Cônsul Carlos Renaux, mantido pela Igreja Luterana, tinha o Ginásio São Luís, administrado pelos padres católicos. Atravessados pela cultura cristã reformada, os educandários luteranos praticavam a coeducação, diferenciando-se da divisão de gênero própria dos colégios católicos.

Por fim, é importante constatar que, enquanto os educandários confessionais de ensino secundário tiveram prédio escolar próprio, alguns deles grandiosos e imponentes, situados em áreas burguesas das cidades catarinenses, os ginásios e colégios de caráter público estadual funcionaram, de forma improvisada e apertada, nos edifícios das escolas normais e dos institutos de educação. Estes sinais arquiteturais são indícios significativos de como era tratado o ensino secundário catarinense da Reforma Capanema até o início da década de 1960, de sorte que os poucos estabelecimentos de ensino secundário de caráter público estadual em Santa Catarina não tinham prédios próprios, forçando o seu funcionamento no período noturno. Em Santa Catarina, essa situação somente começará a ser revertida a partir da implementação do Planto de Metas - PLAMEG (1961-1965), do executivo estadual, que construiu novos edifícios escolares para o ensino secundário nas grandes e médias cidades catarinenses. Alguns dessas construções eram enormes porque tinham o propósito de massificar o ensino secundário de caráter público estadual, tonificando a pequena e tímida rede pública de ensino secundário

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Recebido: 13 de Abril de 2020; Aceito: 24 de Agosto de 2020

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