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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.29 no.59 Salvador jul./sept 2020  Epub 19-Jul-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n59.p77-94 

DOSSIÊ TEMÁTICO

OS CENTROS INTEGRADOS DE EDUCAÇÃO NA BAHIA (1968 A 1971)

THE INTEGRATED CENTERS OF EDUCACION IN BAHIA (1968 TO 971)

LOS CENTROS INTEGRADOS DE EDUCACIÓN EN BAHIA (1968 A 1971)

Edna Pinheiro Santos*  (UNEB)
http://orcid.org/0000-0001-7536-4245

Jaci Maria Ferraz de Menezes**  (UNEB)
http://orcid.org/0000-0001-9889-4257

*Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia (PPGEduC/UNEB). Membro do Grupo de Pesquisa Memória da Educação na Bahia (UNEB). Professora do Ensino Fundamental 1 da Rede Particular de Ensino. E-mail: ednasantos1989@gmail.com

**Doutora em Ciencias de La Educación pela Universidade Católica de Córdoba (UCC). Professora Plena da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Memória da Educação na Bahia (UNEB). E-mail: jacimnz@hotmail.com


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre uma experiência educativa para o ensino secundário na cidade de Salvador/Bahia entre as décadas de 1960 e 1970, considerada inovadora no período em que foi construída. Apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado que analisa os Centros Integrados de Educação, dando destaque ao Centro Integrado Anísio Teixeira, uma escola que oferecia do ensino primário ao secundário com cursos técnicos profissionalizantes, cujo foco era dar a crianças e jovens uma educação completa, uma educação que auxiliasse o indivíduo não apenas quanto aos aspectos cognitivos ou intelectuais, mas também no seu desenvolvimento como um todo e na formação para o trabalho. O artigo traz uma breve análise da Escola Única, cujos princípios e concepção foram a base para a experiência dos Centros Integrados e, em seguida, examina suas especificidades e como eles foram de fato efetivados a partir de depoimentos de pessoas que participaram do seu planejamento e daquelas que viveram o cotidiano da experiência posta em prática - ex-professores e ex-alunos. Por fim, registra a importância da mesma para a história da educação secundária na Bahia em seu tempo e para a atualidade, ou seja, o seu legado enquanto experiência educacional inovadora.

Palavras-chave: Educação secundária; Escola Única; Educação na Bahia; Escola em tempo integral

ABSTRACT

This article aims to discuss an educational experience for secondary education in the city of Salvador / Bahia between the 1960s and 1970s considered innovative in the period in which it was built. It presents the results of a master's research that analyzes the Integrated Education Centers, highlighting the Integrated Center Anísio Teixeira, a school that offered primary and secondary education with professional technical courses, whose focus was to give children and young people an education complete, an education that would help the individual not only in terms of cognitive or intellectual aspects, but also in their development as a whole and in training for work. The article provides a brief analysis of the Unique School, whose principles and design were the basis for the experience of the Integrated Centers and then examines its specificities and how they were actually carried out based on the testimonies of people who participated in its planning and those who they lived the daily life of the experience put into practice - former teachers and former students. Finally, it registers its importance for the history of secondary education in Bahia in its time and for today, that is, its legacy as an innovative educational experience.

Keywords: Secondary education; Unique school; Education in Bahia; Full-time school

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo discutir una experiencia educativa para la educación secundaria en la ciudad de Salvador / Bahía entre las décadas de 1960 y 1970 considerada innovadora en el período en que se construyó. Presenta los resultados de una investigación de maestría que analiza los Centros de Educación Integrada, destacando el Centro Integrado Anísio Teixeira, una escuela que ofrecía educación primaria y secundaria con cursos técnicos profesionales, cuyo enfoque fue dar una educación a niños y jóvenes. completa, una educación que ayudaría al individuo no solo en los aspectos cognitivos o intelectuales, sino también en su desarrollo como un todo y en su formación para el trabajo. El artículo trae un breve análisis de la Escuela Única, cuyos principios y diseño fueron la base de la experiencia de los Centros Integrados y luego examina sus especificidades y cómo realmente se llevaron a cabo a partir de los testimonios de las personas que participaron en su planificación y quienes vivieron la vida cotidiana de la experiencia puesta en práctica: antiguos profesores y antiguos alumnos. Finalmente, registra su importancia para la historia de la educación secundaria en Bahía en su tiempo y para hoy, es decir, su legado como experiencia educativa innovadora.

Palabras clave: Educación secundaria; Escuela Única; Educación en Bahía; Escuela a tiempo completo

Introdução

O presente artigo parte de uma investigação realizada durante o curso de mestrado com a finalidade de identificar e analisar a expansão do ensino secundário na Bahia a partir da segunda metade do século XX, tomando como base a necessidade de novos modelos de escolas que proporcionassem essa expansão para além do Colégio Central da Bahia, até então a principal instituição de educação secundária do estado, e da Escola Normal, voltada para a formação de professores para o ensino primário.

Nesse contexto, buscou-se colocar em evidência a proposta educativa idealizada pelo secretário de educação Luís Navarro de Britto durante o governo de Luís Viana Filho, entre os anos de 1967 e 1971, no que se refere a esta expansão do ensino secundário na Bahia tão necessária, mas que deveria atender as necessidades da sociedade baiana tanto em relação a sua característica populacional, quanto às demandas sociais e para o trabalho, ou seja, formar o cidadão para exercer profissões e também pensar numa preparação para a universidade.

Este artigo é um recorte de um trabalho de investigação que buscou, através principalmente da pesquisa documental e bibliográfica, traçar o percurso de montagem dessa, até então, nova estrutura educativa para o ensino secundário na Bahia. Uma proposta que visava eliminar as divisões entre as modalidades do ensino - educação primária, ginasial e o ensino secundário - colocando-as num único espaço e extinguindo a necessidade de exames de admissão para que o educando tivesse acesso ao nível ginasial, realizando de forma automática a passagem entre os níveis a fim de ampliar as possibilidades educativas para os educandos.

Partindo da teoria da Escola Única, tendo com principal precursor o espanhol Lorenzo Luzuriaga, Luís Navarro de Britto cria um plano de educação para a Bahia cujas propostas trazem principalmente uma educação única para todos, no sentido de utilizar dos mesmos espaços e oportunidades educativas, sendo estes espaços amplos e equipados para a formação profissional que atenda a demandas locais levando em consideração os desejos e necessidades da comunidade onde cada escola será inserida.

Neste texto apresentamos inicialmente a base teórica que fundamenta as ideias de Escola Única, logo em seguida tratamos dos Centros Integrados de Educação no plano de educação de Luís Navarro de Britto, como foi planejado e inserido em comunidades específicas levando em conta suas demandas educativas. Analisamos também as relações entre educação técnica e tecnicista a fim de mostrar que a função educativa pretendida pelos Centros não era apenas de formação para o mundo do trabalho, mas para a vida como um todo, e finalizamos com a exposição de depoimentos relativos à experiência de um dos Centros Integrados que entrou em funcionamento, o Centro Integrado Anísio Teixeira, localizado numa comunidade pobre da cidade de Salvador.

Escola Única e Escolas Compreensivas

A proposta da Escola Única surge na Europa, no início do século XX, e tem o seu sentido remontado diversas vezes, em diversos países. De acordo com Lorenzo Luzuriaga (1934), um dos precursores do movimento na Espanha, três definições já utilizadas do termo podem ser destacadas para os usos já feitos da expressão. O primeiro trazendo a ideia de unificação do primário; outro voltado para a abertura da escola ao acesso de mais pessoas; e, por último, a escola com o “aproveitamento” dos mais capazes - selecionar mesmo que de classes diferentes.

No entanto, esses sentidos por si não traduzem a intenção real da Escola Única definida por Luzuriaga (1934) em seu livro A Escola Única, de 1934. Segundo esse autor, talvez nem este termo determinasse da maneira exata como esta deveria ser. Escola Unificada seria o termo mais apropriado, pois representa da melhor maneira a ideia que esta aspira representar, “a de totalidade unitária de partes ou elementos diversos” (LUZURIAGA, 1934), enquanto Escola Única traz consigo uma ideia exclusivista, de única, uniforme e, assim, centralizadora, restringindo o caráter de abertura e acesso a todos que a escola deveria defender. Contudo, com o uso constante da expressão esta ficou conhecida por Escola Única mesmo.

Portanto, Escola Única é definida por Luzuriaga (1934, p. 8) da seguinte forma: “É a organização unitária das instituições educacionais de um povo, de sorte que elas sejam acessíveis a todos os seus membros, segundo suas aptidões e vocações e não segundo sua situação econômica, social e confessional.”

Dois conceitos, segundo Luzuriaga (1934), definiriam a educação ou a necessidade de mudança na educação naquele período. A “escola ativa” e a “escola única”. “Aquela [a escola ativa] se refere ao conteúdo, à vida interna das instituições educativas. Esta [a escola única] diz respeito à forma, à organização exterior dessas instituições.” (LUZURIAGA, 1934, p. 9).

Uma mudança interna e externa na escola, partindo dos seus conteúdos, objetivos pedagógicos ao modo como esta se organiza e sua relação com a sociedade na qual faz parte. Sendo assim, a escola única diz respeito a um ideal pedagógico, aspirações educacionais que exigiam mudanças principalmente na escola, ou seja, no modo como esta se organizava através da interligação entre os níveis educacionais. A escola precisava criar mecanismos de inclusão a fim de ampliar oportunidades de acesso a todos sem que para isto o educando precisasse passar por exames que avaliassem suas aptidões para o acesso ou passagem entre os níveis de ensino.

Todavia, algumas interpretações errôneas eram feitas quanto aos objetivos da Escola Única. Dentre estas, Luzuriaga (1934) destaca os três equívocos mais frequentes: o monopólio do Estado sobre a educação - embora defenda o acesso de todos à escola, ela não supõe que o Estado seja o único responsável pela oferta de escolas; a obrigatoriedade do laicismo - esta não é exigida, é chamada atenção apenas para a ideia de que “[...] nem as escolas nem os alunos sejam separados ou divididos por motivos religiosos confessionais; mas não se impõe forçosamente a laicização.” (LUZURIAGA, 1934, p. 12); e, por último, a confusão da Escola Única com a ideia de “seleção dos mais capazes”. Sobre isso, Luzuriaga (1934, p. 12) mostra que:

A seleção dos mais capazes vem sendo realizada há tempo em quase toda a Europa, nos exames de ingresso aos centros de ensino médio e superior, ainda que limitada a pequeno número de alunos. A escola única é a escola para todos, para capazes e para os incapazes. A necessidade da seleção está na insuficiência das instituições atuais e não em que haja razão que aconselhe a não educação dos incapazes.

A seleção feita pela Escola Única serviria apenas para mostrar que tipo de educação convém a cada educando de acordo com suas habilidades, pois era certo de que nem todos possuem as mesmas habilidades, e a escola estando pronta para receber todos os tipos de pessoas poderia direcioná-las ao que melhor poderia ser feito por cada um, dando a estes um bem-estar pessoal além do aumento das potencialidades de aprendizagem.

A verdadeira seleção é a que se fará na vida, depois da escola. Não se deve antecipar a realidade, pela exclusão de alguns, sem ter certeza de suas condições e êxitos. A escola não pode substituir a vida: deve e pode preparar para ela e ate fazê-la viver; não, porém, pôr-se em seu lugar. Por isso, a seleção por exclusão só pode ser aceita como fatalidade, como deficiência da educação atual: não deve nunca, porém, ser considerada como condição essencial da escola única, que é, repetimo-lo, a escola para todos. (LUZURIAGA, 1934, p. 13-14).

Completando o sentido e a importância da Escola Única, outro conceito se faz necessário para esta pesquisa, o de escola compreensiva ou abrangente. Este termo é utilizado no projeto dos Centros Integrados de Educação (1960-1970) justamente por tratar da escola como um espaço onde crianças de todas as origens e habilidades seriam educadas em uma única escola. Essa definição remonta à década de 1920 e, como já citado, amplia e completa o sentido da Escola Única com seus objetivos de acesso ampliado de educação, extinção dos exames entre os níveis educacionais e a educação integral do indivíduo levando em conta suas habilidades e desejos.

São escolas destinadas a oferecer oportunidades educacionais para todas as crianças sem dividi-las em uma idade de forma precoce em diferentes “grupos de oportunidade”, com base em um instrumento questionável de seleção, dando abertura a uma gama muito maior de talentos, aspirações e abordagens à aprendizagem, ou seja, a educação da cultura geral aliada à formação profissional em um só lugar. As escolas compreensivas preveem a educação integral do aluno num mesmo espaço físico.

Vale destacar aqui a reflexão do Professor Antônio Matheus do Amaral, Diretor do Departamento de Ensino Médio da Bahia em 1967, durante palestra proferida no II Simpósio Universitário da Bahia, Salvador, outubro de 1969, com o tema “Profissionalização no Ensino Médio”, citado por Atta (2015) no livro Alguma memória da Gestão de Luís Navarro de Britto na Secretaria de Educação do Estado da Bahia - 04/1967 a 02/1970, ao falar dos Colégios Compreensivos como formas de interligar interesses educacionais diversos num mesmo espaço físico, ligando assim não só os diversos setores da escola entre si, mas esta com a comunidade na qual se inseria, atendendo as demandas explicitadas por ela.

É importante compreender as bases teóricas que serviram para a criação do projeto das escolas estudadas nessa pesquisa, pois os movimentos renovadores da pedagogia iniciados com a Escola Moderna na Pedagogia Libertária e os demais que a seguiram provam em si a necessidade de mudança da escola e da educação como um todo. O desejo de ruptura com o tradicional ou com qualquer fator de atraso ao desenvolvimento do individuo e da sociedade.

A proposta nesse momento é pensar a escola como um espaço de interação e construção da sociedade e não como um mero reprodutor desta, um local onde não circulam apenas conhecimentos prontos e sim onde são produzidos a cada dia novos conhecimentos, quebrando a ideia do professor como centro do saber e do aluno como um receptáculo do conhecimento produzido socialmente.

Os movimentos renovadores, como a Escola Nova, transposta para o Brasil através do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, protagonizado principalmente por educadores na luta por uma escola e por uma educação realmente significativa que aliasse vida, cidadania e trabalho, abrindo possibilidade para um processo de ensino-aprendizagem que desse ao educando a oportunidade de se ver e agir de forma consciente na sociedade a que pertencia. Uma escola de caráter democrático que deixa de ser um espaço de privilégios sociais para exercer de fato o seu papel social, dando a todas as pessoas oportunidades iguais de acordo com as suas habilidades, que seriam potencializadas pela escola e não por pertencer a esta ou a aquela classe social, grupo racial, gênero, entre outros.

Os Centros Integrados de Educação na Bahia

Os Centros Integrados surgem como uma proposta promissora para a expansão do ensino médio1 na Bahia (BRITTO, 1970), com a principal finalidade de atender as demandas educacionais e do mercado de trabalho, tendo sua direção principal voltada para o desenvolvimento social por meio da educação. Sendo assim, Dilza Atta (2015) traz no seu depoimento ao grupo Memória da Educação na Bahia, tendo como título Alguma memória da Gestão de Luís Navarro de Britto na secretaria de Educação do Estado da Bahia - 04/1967 a 02/1970, dados e depoimentos advindos da memória e dos estudos da professora depoente e de outros personagens importantes para este estudo, ou seja, pessoas que fizeram parte da construção e implantação do projeto dos Centros Integrados e deixaram seus relatos que são, no documento citado, compilados e analisados por ela.

Nesse sentido, a educação e desenvolvimento, segundo Atta (2015), se traduz até no slogan do então governador Luís Vianna Filho (1968-1971) e pode ser descrita através da fala do professor Antônio Matheus do Amaral Leal, então Diretor do Departamento de Ensino Médio, em palestra proferida no II Simpósio Universitário de Educação, em outubro de 1969, sob o título “A profissionalização no Ensino Médio”. Assim ele analisa o referido slogan “Educação é desenvolvimento”:

A relação educação/desenvolvimento parte da premissa de que educação significa preparação do homem para desempenho do seu papel na sociedade e de que desenvolvimento econômico pressupõe determinadas mudanças estruturais nesta mesma sociedade. A partir dessa concepção e considerando que as transformações sociais não se operam espontaneamente, mas que se verificam através da intervenção do homem, atribui-se ao processo educacional parcela ponderável de responsabilidade no preparo exigido a uma adequada e renovada atuação. [...] (LEAL, 1969 apud ATTA, 2015, p. 13-14).

As mudanças econômicas que aconteciam em todo o país precisavam ser acompanhadas nos demais setores da sociedade e o sistema educacional traz consigo a característica necessária para a realização dessas mudanças por meio da sua funcionalidade básica, que é a de socializar conhecimentos elaborados pela humanidade e preparar o indivíduo para a sociedade que o cerca, e, nesse momento, uma sociedade carente de um tipo específico de mão de obra e, mais ainda, de uma educação que não se voltasse apenas para o nível superior de ensino. Sendo assim, essa autora traz mais do depoimento do professor Antônio Matheus do Amaral Leal em 1969:

[...] Como agência formal de reelaboração e transmissão cultural ou na sua função de agente de socialização, a escola não pode estar alheia ao seu meio, dado que o sistema educacional nada mais é que o componente de um sistema global mais amplo - a sociedade como um todo.

Numa sociedade em mudança [e estava muito claro para todos nós que os anos sessenta do século passado em todo o mundo ocidental se caracterizava por violentos processos de mudança] sua função extravasa dos limites de mera transmissão e assume características de renovação. Como tal, pode e deve ser considerada como variável do desenvolvimento socioeconômico, atuando como instrumento hábil de mudança, ao tempo em que sofre os condicionamentos das transformações operadas.

Por outro lado, o desenvolvimento socioeconômico requer um sistema educacional que não se limite, apenas, a conduzir um grupo a altos níveis de cultura, mas que, ao mesmo tempo, oriente-se em benefício da produtividade do trabalho, além de proporcionar a valorização de cada indivíduo como membro da sociedade, atendida também a função diferenciadora que lhe permita bem desempenhar suas atividades, dentro da divisão de trabalho instituída em uma comunidade. (LEAL, 1969 apud ATTA, 2015, p. 13-14).

A escola teria então que se adaptar a essas novas demandas de desenvolvimento e buscar outros meios para dar uma educação completa que buscava sentidos mais completos e não se resumia a um único objetivo, ou seja, a preparação para o curso de nível superior. Atendendo as demandas econômicas do momento se atenderia também a demandas sociais de diversos estudantes que, por um motivo ou outro, não ingressavam no ensino superior após os estudos na educação básica.

Partindo dessa ideia, Atta (2015) esboça de fato o modelo dos Centros Integrados, que nesse texto será potencializado por meio do projeto original elaborado pelo secretário Luís Navarro de Britto e sua equipe na Secretaria de Educação e Cultura durante o governo de Luís Vianna Filho, entre 1967 e 1971.

Segundo Atta (2015), os Centros Integrados de Educação aparecem pela primeira vez na Lei nº 2463/67 (BAHIA, 1967), a Lei Orgânica de Ensino do Estado da Bahia. Entretanto, antes de falar destes Centros é importante reforçar que eles verticalizam e horizontalizam o sistema de educação básico na Bahia, ou seja, os níveis de educação (da educação da primária ao ensino secundário, como eram então denominados). E o ensino secundário seria assim dividido: “Art. 42 - O ensino secundário será ministrado em dois (02) ciclos - o ginasial com a duração de quatro anos (04) séries anuais e o colegial com duração de três (03), no mínimo” (BAHIA, 1967, p. 12) passariam a funcionar em um mesmo espaço físico (mesmo complexo escolar).

Art. 40 - O Estado Instalará Centros Integrados de Educação reunindo unidades escolares de currículos diversificados até o nível colegial e com a finalidade exploratória das aptidões do educando e atendimento às necessidades do desenvolvimento econômico e social do Estado. (BAHIA, 1967, p. 11).

Além da Lei Orgânica de 1967, é importante citar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971) -, outro documento importante que traz para discussão a necessidade de escolas profissionalizantes cuja finalidade é dar aos educandos uma formação geral e profissional, embora alguns estudiosos da área e educadores considerem os objetivos de profissionalização pretendido pela lei como de contenção e impedimento das classes mais pobres ao acesso as universidades, ponto que será melhor explorado no próximo item deste texto.

Dessa forma, a articulação entre os níveis da educação é algo que se faz necessário para uma educação completa do indivíduo, dando-lhe a oportunidade de estudar áreas diversas de acordo com suas aptidões e não limitando a educação à preparação para o trabalho apenas em seu caráter social voltado para o desenvolvimento econômico da comunidade onde vive, mas sim o trabalho também numa dimensão educativa, como defendido pelo educador baiano Anísio Teixeira ao criar o projeto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, projeto de educação integral já citado neste texto, até porque o então secretário Dr. Luís Navarro tinha no CECR um referencial para a elaboração do projeto que deu origem aos Centros Integrados, mesmo que estes surjam de outra necessidade social e momentos educacionais. Assim, a proposta de qualificação para o trabalho na Bahia no fim dos anos 1960 antecipa uma medida que já estava em discussão no país e em outras partes do mundo e que pouco tempo depois se torna presente na LDB que se segue à do ano de 1961. A nova lei de diretrizes e bases da educação nacional estabelece:

Art. 1º O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania. (BRASIL, 1971, p. 1).

Atta (2015) descreve então qual a ideia geral dos Centros Integrados e como deveriam funcionar, e quais os aspectos mais relevantes desta experiência que a fez ganhar um destaque na educação baiana.

Centro Integrado de Educação, inovando nos aspectos estruturais (superando a segmentação dos vários níveis de ensino, unificando-os); nos aspectos pedagógicos (com o uso de métodos ativos, de ofertas diversificadas de modalidades de técnicas de trabalho, da interação com a comunidade do entorno da escola); nos aspectos administrativos (com a criação de vários conselhos apoiando uma direção quase colegiada); na construção de um grande conjunto arquitetônico posto a serviço da educação pública, esta crença, transformada em sonho, fez nascer a experiência educacional seguramente mais importante no sistema público baiano depois da Escola Parque de Anísio Teixeira, este, inclusive, seu inspirador em muitos pontos, segundo Navarro de Britto e de quem esta experiência pedagógica herdou o nome. (ATTA, 2015, p. 16).

Atta (2015) chama atenção para a ideia de que os Centros Integrados, dando destaque ao Centro Integrado Anísio Teixeira (CIAT), deveriam ser uma experiência cujas finalidades e objetivos poderiam se modificar ou se adaptar de acordo com as necessidades que fossem surgindo; era um projeto em constante construção. E embora Britto (1970) não descreva os Centros Integrados enquanto experiência educacional, afirma que “permite mais do que qualquer outro tipo de unidades existentes a realização de experiências pedagógicas e de experiências didáticas” (BRITTO, 1970, p. 79).

É importante destacar que o momento em que a proposta dos Centros Integrados foi elaborada trata-se de um período de transformações vivenciadas em todo o mundo e a educação vivencia essas mudanças através das novas necessidades de demanda de mão de obra, como já citado neste texto, porém Atta (2015) chama atenção para uma característica específica do CIAT que é a de permanente relação com a comunidade. A escola então desempenharia uma função que vai além dessa formação e precisaria da comunidade para desempenhá-la.

Formação técnica ou tecnicista: formação para vida ou apenas para o trabalho?

Em 1970, o Ministro da Educação Coronel Jarbas Passarinho reuniu um grupo composto por nove membros objetivando elaborar, em um prazo extremamente curto, um relatório que representasse um projeto para a atualização e expansão dos ensinos fundamental e colegial. Faz-se importante ressaltar que desse grupo havia apenas dois integrantes com alguma experiência anterior no tema. Um deles, o padre salesiano José de Vasconcelos, membro do Conselho Federal de Educação (CFE), era oriundo de uma congregação religiosa que se dedicava ao ensino profissional para crianças carentes com a finalidade de mantê-los “longe do pecado e da subversão”. O outro membro era Geraldo Bastos Silva, dos quadros do Ministério, integrante da Equipe de Planejamento do ensino Médio (EPEM) e do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEM). Fora isto, ninguém, incluindo os dois antes mencionados, possuía experiência com o ensino técnico industrial, comercial ou agrícola.

O material produzido por esse grupo de trabalho foi entregue ao então ministro que, por sua vez, submeteu-o ao Conselho Federal de Educação (CFE). O CFE realizou pequenas alterações que não afetam o tema deste capítulo, e que deram origem a um anteprojeto de lei submetido ao Congresso Nacional. Este anteprojeto foi examinado e avaliado por uma comissão mista formada por deputados e senadores que enfrentaram a tarefa de revisar as 357 emendas propostas que, na maioria dos casos, eram desnecessárias.

O projeto substitutivo foi alvo de proteção e, desta forma, conseguiu aprovação da Câmara sem alterações, o que o dispensou de passar pelo Senado (SAVIANI, 2008). Isso não ocorreu com a Lei nº 5.540/68 (BRASIL, 1968), que dispunha sobre a reforma do ensino superior e recebeu vários vetos do general Costa e Silva, já que foi colocada em tramitação em um período de efervescência política no qual ocorriam intensas movimentações de estudantes contra o governo da época. A Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971) não sofreu um veto sequer do Presidente general Emílio Médici, revelando o alinhamento do Poder Legislativo ao Executivo naquela conjuntura.

A Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971), de 11 de agosto de 1971 - Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º Graus -, propõe um projeto de política educacional que prevê o ensino profissional para todo o 2º grau. Baseado no texto da lei, o direcionamento do ensino médio, que outrora era destinado a formar alunos em candidatos a vagas do ensino superior, passaria a ser a preparação de técnicos e auxiliares técnicos para o mercado de trabalho (CUNHA, 1973). Deste modo, ingressar no ensino superior deixa de ser a prioridade da formação dos alunos de ensino médio.

Cunha (1973) afirma que profissionalizar o ensino médio é colocado como forma de solucionar problemas relacionados à força de trabalho, pois proporcionaria uma maior oferta de profissionais de nível médio que, no contexto da idealização da lei, era reduzida e, em contrapartida, já faria com que estes estudantes concluíssem o segundo grau munidos de uma formação profissional que os desobrigaria a se candidatarem a cursos superiores.

Nesse sentido, esse autor coloca que essa ideia se embasa em uma pressuposição não confirmada - não se sabia através de dados ou levantamentos se, de fato, havia baixa mão de obra técnica - e, baseado nisto, portanto, mesmo que fosse possível afirmar a existência de certa escassez de mão de obra técnica, não se podia dizer qual a real necessidade desses profissionais em números que comprovassem que haveria empregos para todos sem prejuízo aos níveis salariais (CUNHA, 1973).

Ainda segundo Cunha (1973), pode-se questionar se o aumento no número de profissionais técnicos não poderia fazer com que a indústria reduzisse salários aos mesmos níveis já pagos a cargos referentes aos trabalhadores oriundos do ensino médio normal, isto com base nas forças da lei da oferta e da procura. A este respeito, no caso de uma conclusão positiva, torna-se possível questionar ainda a real efetividade da mudança de todo o ensino médio para técnico com o objetivo de formar profissionais para o mercado industrial.

Cunha (1973) prossegue afirmando que a inexistência de uma manifestação efetiva dos empresários relacionada ao sistema educacional, implícita na ausência de indicadores reais sobre a demanda de técnicos, nos permite analisar a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º graus sob as funções que ele define como: (i) função manifesta (formar profissionais para suprir a carência de mão de obra) e (ii) função latente (conter a aspiração social), conforme se lê a seguir:

Quanto ao novo ensino médio, profissional, apontamos a existência de alvos não manifestos além da cobertura de uma suposta carência de profissionais de nível médio e da eliminação da frustração de concluintes que não têm formação profissional e são compelidos a busca-la em cursos superiores. Estas seriam suas funções manifestas. Suas funções não manifestas seriam de conter os crescentes contingentes de jovens das camadas médias que buscam nos cursos superiores um requisito cada vez mais indispensável à ascensão social através das hierarquias ocupacionais. É o que chamamos de função contenedora. (CUNHA, 1973, p. 21).

Contemporâneo à Ditadura Militar, o ensino técnico industrial proposto na já mencionada Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971) surge, conforme apontam Xavier, Ribeiro e Noronha (1994), como forma de proporcionar uma estabilidade que em si era desmoralizadora e excludente e que já havia sido empreendida de 1964 em diante. Neste sentido, no contexto político e social sob o qual foi estabelecida a lei, a educação passou a atender às exigências da sociedade industrial e tecnológica, sobretudo com os novos enfoques da economia em redução de tempo, esforços e custos.

Dessa forma, a educação técnica se encontra atribuída aos princípios de racionalidade, organização, objetividade e eficiência, que, por sua vez, estavam atrelados ao capital internacional. Se, por um lado, o então governo Médici utilizava-se dos meios de comunicação para exaltar o Estado brasileiro, por outro, em 1966, diversos acordos feitos pelo governo militar tornam-se públicos - os acordos MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development), que definiam o recebimento de assistência técnica pelo Brasil, além de apoio financeiro na constituição de reformas.

Aranha (1996) reforça a função contenedora do ensino tecnicista ao afirmar que tais reformas têm, como historicamente apresentam-se os ideais da ditadura, caráter autoritário, vertical e domesticador, que almeja vincular o sistema educacional ao modelo econômico dependente imposto pela política norte-americana para a América Latina, que se sustenta em três pilares: educação e desenvolvimento; educação e segurança; educação e comunidade. Nos três casos, constata-se um discurso muito mais aproximado do controle governamental do que da formação do indivíduo de forma libertária e consciente.

Cabe-se destacar alguns pontos da LDB de 1971 citados por Kuenzer (1997, p. 16-21):

É eliminado o sistema de ensino baseado em ramos, cria um único sistema fundamental, fundindo o primário com o ginásio que será chamado de 1º grau e será feito em oito anos e implanta uma nova estrutura de ensino; [...] A equivalência entre o ramo secundário e propedêutico é substituída pela obrigatoriedade da habilitação profissional para todos os que cursassem o que passou a ser chamado de 2º grau sendo cursado entre três a quatro anos; [...] Os currículos do 1º e 2º graus passam a ter duas partes: uma de núcleo comum, com disciplinas obrigatórias em todo o país e outra diversificada, segundo as peculiaridades locais, planos dos estabelecimentos e diferenças individuais dos alunos.

Como citado, a ideia de profissionalização do ensino surge com o país objetivando participação na economia internacional, ou seja, o sistema educacional ficaria, nesse contexto, com o papel de preparar os recursos humanos para este novo mercado. A reforma proposta, portanto, visou conter o movimento operário e institucionalizar uma formação necessária a um crescimento de produção na economia do país ambicionado pela burguesia, que exigia qualificação mínima de profissionais da indústria.

Destacando o caráter de ampliação do modelo educacional reacionário empreendido desde o início do período ditatorial, Saviani (1983) compara a lei de 71 com a anterior, Lei nº 4.024/61, que, no trecho que trata sobre os objetivos gerais, trazia o mesmo texto de sua sucessora. Embora o início da ditadura em 64 representasse uma mudança política, não houve mudança no cenário econômico, onde já predominavam interesses capitalistas que se alinhavam ao cenário internacional, visto que mais de 50% do parque industrial brasileiro era composto por empresas transnacionais, justificando, portanto, a continuidade dos ideais educacionais.

A lei de 71, em essência, tinha por objetivo principal desacelerar os avanços das ideias progressistas de esquerda que eram contra os interesses do regime político então vigente. Assim, trazia também como consequência a exclusão desses alunos dos níveis mais elevados de ensino, como a educação superior.

Kuenzer (1997, p. 17, grifo do autor) resume os objetivos do ensino técnico industrial conforme o contexto:

[...] a contenção da demanda de estudantes secundaristas ao ensino superior, que havia marcado fortemente a organização estudantil no final da década de 60; [...] a despolitização do ensino secundário, por meio de um currículo tecnicista; [...] a preparação de força de trabalho qualificado para atender às demandas do desenvolvimento econômico que se anunciava com o crescimento obtido no ‘tempo do milagre’, o qual pretensamente anunciava o acesso do Brasil ao bloco do 1º mundo; [...] essas demandas eram marcadas pelo surgimento de empresas de grande e médio porte, com organização taylorista/fordista, produção em massa de produtos homogêneos, grandes plantas industriais, economia de escala, utilização de tecnologia intensiva de capital com base rígida, eletromecânica.

A mudança ocorrida em 1971 colocou pela primeira vez o ensino destinado ao trabalho como intenção explicita da formação dos 1º e 2º graus e o desenvolvimento profissional, formação individual e a prática dos conceitos de cidadania dentro desse processo de educação integral. Na prática, porém, tornava-se fácil observar a exclusão dos jovens da classe trabalhadora por meio da lei instituída no referido ano e da principal função exercida por esta, que era a formação de mão de obra para o mercado. Com isto, esse grupo fica fora do ensino superior, conforme reforçam Xavier, Ribeiro e Noronha (1994).

As estratégias da LDB de 1971 giravam em função de ideais de desenvolvimento com mais ênfase privatizante da educação e de forma compulsória na formação profissional ou, em outras palavras, a Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971) tinha uma dupla função - visava, em princípio, a alocação rápida do jovem estudante no mercado de trabalho e, na outra ponta, exercia a função discriminatória, tendo em vista que a pregada igualdade de oportunidade via ensino técnico, na realidade, não garantia a ascensão social, pelo contrário, distanciava os jovens do direito a formação superior.

Cunha (1973) reforça que o desejo de ascender fica, de certa maneira, mais radicado nessa estrutura social na medida em que a necessidade de profissionais técnicos é muito mais suposição do que realidade. Logo, era de se prever o que de fato se concretizou - a implantação concreta deste modelo educacional exercia uma maior função preliminar à universidade do que os seus princípios negavam. Este fato se comprova na análise da organização curricular trazida pela Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971), que, em seu texto, introduz a igualdade de carga horária tanto para a cultura geral, quanto para a técnica em todos os setores do ensino médio. Soma-se a isto o fato de ter se tornado elevada a proporção de estudantes saídos do ensino médio técnico que se candidatavam a universidades e se matriculavam nestas.

Em verdade, Cunha (1973) reforça, o novo ensino médio técnico era inferior em qualidade de preparação para ingresso no ensino superior se comparado ao restante do ensino médio e, como formador de mão de obra, também não era efetivo, haja vista que seus egressos não tinham as vagas de emprego efetivas a sua disposição. Sendo assim, a mudança de todo o ensino médio para o formato de médio técnico poderia se tornar um grande erro de plano de projeto educacional, ou seja, este novo formato desqualifica a efetividade do ensino médio como formação preliminar ao ensino superior sem de fato cumprir ao que se propôs, o que, no fim, poderia vir a reforçar uma sociedade elitista sem ganho em produtividade.

Na sequência, a dualidade ainda permanece nas entrelinhas do sistema educacional do país, embora a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º graus tenha passado por reformas. Apesar de a Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971) ter sofrido algumas alterações em sua essência, sobretudo no que se refere ao fim da obrigatoriedade da profissionalização, quando o Art. 23 desta Lei é revogado pela Lei nº 7.044/82 (BRASIL, 1982), na qual o termo “profissionalização obrigatória” é substituído pelo termo “preparação para o trabalho”, a problemática da dicotomia estrutural permanece nas reformas educacionais no país.

Ao passo que se industrializava, o discurso de necessidade de qualificação para o desenvolvimento econômico se reforçava e, aliado a isto, um modelo de economia atrelado ao capitalismo internacional se dirigia para que a sociedade utilizasse a LDB consensualmente como referência, oprimindo, desta forma, movimentos que se colocassem na posição de questionadores da lei, considerados como movimentos de esquerda que poderiam comprometer ou subverter a “ordem social”.

Segundo Frigotto (1998), mesmo com a transição do cenário político ditatorial para a democracia, as políticas destinadas à educação não garantem equidade para a população, e mantêm a dependência internacional. A educação formal e a qualificação são colocadas como elementos da competitividade, da reestruturação produtiva e da empregabilidade.

Nesse movimento, esconde-se uma modificação importante na sociabilidade capitalista e no campo educacional que resulta dessa construção de um ideal iniciado com a LDB de 1971. Os órgãos públicos garantem apenas um nível mínimo de escolaridade e de suporte à população mais pobre. O Banco Mundial situa a educação e a qualificação como estratégia para alívio da pobreza, o que, no plano ideológico, coloca esses temas como “assistência” ou “filantropia” para a política pública. Desloca-se a responsabilidade social para o plano individual, ou seja, embora existam politicas declaradas de emprego e renda, dentro de um projeto de desenvolvimento social são os próprios indivíduos que devem adquirir competências ou habilidades no campo cognitivo, técnico, de gestão e atitudes para se tornarem competitivos e empregáveis (FRIGOTTO, 1998).

Em suma, pode-se dizer que Educação Profissional e o Ensino Médio na etapa final da Educação Básica tendem a ter uma importância decisiva na sua função de formar jovens, seja usando-se como base o estabelecimento dos princípios do tecnicismo, seja não os usando. Com isso, superar a linha tênue que provoca a discussão sobre a integração versus separação constituída historicamente nas mudanças do Ensino Médio do Brasil pode fazer com que o sistema educacional caminhe para uma posição que o faça cumprir o seu papel, garantindo o respeito da igualdade social.

Nesse contexto, o projeto dos Centros Integrados está imerso a uma efervescência causada por mudanças na estrutura do ensino médio e na urgência por uma escola que priorize uma formação total do indivíduo atenta às demandas da comunidade a que pertence, levando em consideração a importância da formação técnico-profissionalizante e o acesso à universidade.

Os Centros Integrados em funcionamento - o caso do CIAT

O Anísio Teixeira é uma escola apaixonante. Apaixonante pelo legado que o educador Anísio Teixeira deixou encrostado nas paredes da escola. É uma escola que ajuda e transforma membros da comunidade. (CM ex-aluno do Centro Integrado Anísio Teixeira em entrevista para a pesquisa de mestrado intitulada História da Educação na Bahia e suas experiências inovadoras: A Escola Nova e a Escola Única (1950-1960)). (SANTOS, 2016, p. 82).

Os Centros Integrados de Educação, com o passar do tempo, adquiriram novas características de acordo com as necessidades e demandas políticas educacionais advindas das mudanças educacionais, econômicas e políticas que efetivamente surgiriam com o passar do tempo. Entretanto, consideramos para esta pesquisa apenas o tempo em que o Centro Integrado Anísio Teixeira, um dos três Centros Integrados da capital Salvador, locus da pesquisa, foi assim denominado, atendendo da educação primária ao ensino médio com a educação profissionalizando e, principalmente, articulando tanto na questão pedagógica quanto em espaço físico os diversos níveis da educação.

Para uma análise mais fiel e interessante sobre essa experiência, optou-se nesta pesquisa pela realização de entrevistas semiestruturadas, em que se buscou entrevistar pessoas que participaram da experiência do CIAT enquanto alunos, professores, funcionários ou outro membro diretamente ligado a escola. Essas entrevistas foram aqui analisadas em seu conteúdo transcrito na sua forma integral, ou seja, tal qual foi dito pelo entrevistado, com a finalidade de por meio disto ser possível fazer inferências segundo a técnica de análise de conteúdo.

Foram entrevistados dois participantes da experiência, que vivenciaram momentos diferentes dela, em níveis educacionais diferentes. O primeiro entrevistado, que será aqui denominado pelas iniciais CM, foi ex-aluno durante a década de 1970, cursando o Ensino Secundário com habilitação para o curso de Desenho Arquitetônico e hoje é professor da escola; e JB, a segunda entrevistada, também ex-aluna, durante os anos de 1968 a 1971, cursando o nível ginasial de ensino, e professora da escola há 25 anos. É importante destacar que a escola funciona com uma estrutura diferente, com a nomenclatura atual de Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde Anísio Teixeira (CEEPSAT).

Pesquisadora: Como você teve acesso como aluno à escola?

JB: Na época, ainda havia a admissão escolar,2 então, para se entrar no ginásio depois de ter feito os 5 anos da escola primária, para se entrar para o ginásio se fazia o exame de admissão, que é uma espécie de vestibular, e eu fiz no Duque de Caxias. Mas quando saiu o resultado, muitos dos alunos do Duque de Caxias foram espalhados para outras escolas que estavam surgindo na época. Ainda não era a inauguração, quando começamos aqui a escola ainda estava em construção.

CM: Bom... No período que eu era aluno, primeiro eu estudava no complexo escolar. Na década de 80 existia os Centros Integrados e existia os Complexos Escolares. Os Complexos Escolares tinham por finalidade formar o menino no ensino fundamental (II) de hoje, de 5ª a 8ª série. E quando eu tirei a 8ª série, o primeiro grau eu queria fazer desenho, e as escolas de nome que tinha o curso de desenho era o Central, o Anísio Teixeira e o Luiz Tarquínio. Eram essas três escolas. O Anísio Teixeira era mais conceituado no contexto arquitetônico, era uma escola que constantemente conseguia colocar os alunos na universidade, tanto a Universidade Federal como a Católica, que eram as duas universidades de ponta que nós tínhamos, e o Anísio Teixeira conseguia colocar os meninos nas universidades pra fazer os cursos de engenharia e arquitetura, e eu queria fazer o curso de arquitetura, e eu já tinha o objetivo de fazer desenho arquitetônico. (SANTOS, 2016, p. 83).

Há um destaque à relevância do CIAT no que diz respeito a sua característica de “porta de entrada” para a universidade e não apenas para o mercado de trabalho, como pretendia o ensino técnico naquele período, como já discutido neste texto de acordo com a análise da Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971) e alguns autores que analisam esse período de expansão do ensino médio técnico no Brasil.

Característica que Atta (2015) considera de fundamental importância para colocar o CIAT como uma experiência educacional diferenciada. Sobre isto essa autora destaca os objetivos pretendidos pelo Departamento de Ensino Médio no Plano Integral de Educação e Cultura.

1 - Criar uma escola onde o aluno seja acompanhado dos sete aos dezoito anos [no CIAT, havia curso pré-primário] por uma equipe de professores que trabalhem coordenadamente, a fim de que possam ser dadas condições para o desenvolvimento harmônico, respeitando a sua evolução psicológica e a sua necessidade de integração social.

2 - Pôr em experiência uma ‘escola polivalente, pública, gratuita’, que se propõe ministrar educação comum e não seletiva, acolhendo na medida do possível as crianças de uma comunidade, por diversas que sejam as naturezas de suas aptidões.

3 - Dar ao aluno a oportunidade de integrar-se na comunidade, através do desenvolvimento de habilidades básicas, com grande número de atividades para opção, a fim de que mais facilmente ele se dê conta de suas tendências, bem como permita seja preparada mão-de-obra de nível médio que responda à demanda do mercado de trabalho.

4 - Criar uma escola que seja núcleo de desenvolvimento da comunidade, incentivando-se:

A que os alunos descubram as necessidades da comunidade para promovê-la;

A que eles possam utilizar os recursos da comunidade;

A que o povo possa utilizar as instalações da escola como um meio de enriquecimento cultural. (ATTA, 2015, p. 15).

A escola desempenharia outras funções além da preparação de profissionais para o mercado de trabalho, aliás, o texto indica em seu terceiro objetivo a colocação de profissionais no mercado de trabalho como mais um dos objetivos e não o objetivo principal, dando destaque aos demais objetivos que trazem como ponto principal a relação do educando e da escola com a comunidade à qual pertence na tentativa de que este busque, junto a escola, melhorias para si e para a localidade a que pertence.

Pesquisadora: Onde você morava e quais caminhos você percorria pra chegar (ao Centro Integrado)?

JB: Aqui mesmo na Caixa D’água. Na rua Saldanha Marinho. Morei ali pertinho da Escola Parque, por muito tempo. Saí só a 16, 18 anos que estou fora daqui, mas era descer e subir essa ladeira com os colegas e os colegas inclusive, as colegas da minha sala formávamos um grupo. Algumas iam na minha casa, outras passavam para formar um grupo e o ponto de encontro era na minha casa e descíamos e na hora de subir também era a mesma coisa, porque todos iam lá pra cima, lá pra Saldanha Marinho, de lá uma ia pro Pau Miúdo, outra ia pro Queimadinho.

CM: Eu morava na Djalma Dutra, e tinha outros colegas meus que moravam em Cosme de Farias, Luiz Anselmo e outros que moravam no Engenho Velho (de Brotas). Eles desciam a Ladeira dos Galés e passava lá em casa, porque eu morava na Djalma Dutra, ali na Sete Portas, e a gente vinha andando. A gente ia andando e vinha andando, a gente não pegava ônibus por causa da questão do transporte. E o dinheiro que o pai da gente dava pra transporte nós fazíamos merenda, mas vinha andando e ia andando aqui pro Anísio. (SANTOS, 2016, p. 84, 85).

Outra característica do CIAT é a localização. Ele estava localizado num bairro popular de Salvador cuja maioria da população era pobre e era uma espécie de centro para outras comunidades do entorno. Nas entrevistas é possível perceber o quanto a escola representou para a comunidade e como era grande a busca por uma vaga nela, como chama atenção CM em outro trecho da entrevista:

CM: [...] Quando a gente veio fazer a matrícula, era uma fila enorme pra se matricular aqui. A fila descia a Ladeira do Paiva toda e chega na Estrada da Rainha, tinha que chegar aqui 4h30, 4 horas da manhã pra você chegar próximo ao portão, mesmo assim já tinha que chegava um dia antes de começar a matrícula, e eu não sabia disso. Quando eu cheguei aqui já era 6 horas da manhã, a fila já estava na Estrada da Rainha, e naquela época a Estrada da Rainha era uma estrada muito desconfortável para locomoção de pessoas, tinha o Rio das Tripas aberto, era uma confusão, e aí eu tive que vim um dia antes à noite pra me matricular, mas mesmo assim só poderia ficar as pessoas que já eram ‘de maior’, não podia ficar o ‘de menor’ [...]

Pesquisadora: Como era o seu cotidiano na escola?

CM: Quando nós chegamos aqui nós tínhamos uma rotina interessante aqui no Anísio. Primeiro nós tínhamos as nossas aulas, no caso eu estudava à tarde. A 16 horas nós tínhamos o lanche, depois do lanche eu tinha aula até umas 18 horas, então era de 13h10 até as 18 horas nós tínhamos aula. E eu nunca tive aula vaga, era entrando um professor e saindo outro, entrando um e saindo outro, e a rotina do Anísio era assim. Pela manhã eu tinha educação física. A educação física começava aqui no Anísio às 6 horas da manhã. Ia de 6 horas às 7h30, e no processo de educação física, como eu já jogava handebol, eu passei a treinar handebol. (SANTOS, 2016, p. 85-86).

Segundo traz o PIEC, citado também por Atta (2015), as atividades ofertadas pela escola deveriam seguir a ideia descrita abaixo:

BÁSICAS - atividades de sustentação da dinâmica da escola que se distribuirão entre o Conselho de Alunos, o Jornal da Escola, a Biblioteca, a Cooperativa, o Banco, o Centro de Saúde, a Cantina, entre outros.

ESPONTÂNEAS - de iniciativa dos alunos, provavelmente expressas em clubes com motivação e interesse dos próprios discentes.

ESPECÍFICAS - envolvendo um grau de sistematização maior: Área de Comunicação - vernáculo, línguas estrangeiras, matemática, desenho, música, outras linguagens e Estudos do Meio - estudos sociais e ciências. Aqui está o tronco comum do currículo que todos os alunos deverão cursar. Mas há ainda a Área das Manualidades - diferenciação optativa, referente às necessidades regionais ligadas à área do trabalho.

Nesse esquema, os alunos cursarão em comum as áreas correspondentes ao previsto para Estudos do Meio e Comunicação, separando-se nas diferentes técnicas, de acordo com opções tais como construção de estradas, administração, desenho técnico, secretariado, eletrotécnica, técnicas de raio-X, laboratorista entre outras. (ATTA, 2015, p. 16, grifo do autor).

As atividades acima descritas são destacadas também no depoimento da professora Eugênia Lúcia, no livro Experiências Inovadoras em Educação na Bahia (MENEZES et al., 2001). Participante da experiência do CIAT no seu período inicial, Eugênia dá ênfase à função da escola que não pretendia se afastar da formação do educando para pensar e agir para transformar a si e a sociedade em que vivam. Nesse sentido, as áreas equivalentes às Ciências Humanas e Exatas.

Pesquisadora: Qual o legado que o CIAT deixa em sua opinião?

CM: O Anísio Teixeira é uma escola apaixonante. Apaixonante pelo legado que o educador Anísio Teixeira deixou encrostado nas paredes da escola. É uma escola que ajuda e transforma membros da comunidade. A gente observa que no entorno do Anísio Teixeira muitas mudanças foram feitas em prol dos conhecimentos técnicos que os alunos que estudavam ali tiveram dentro da escola, pra levar pra suas casas e dar um ar arquitetônico pra sua casa simples, mas com conhecimento técnico que iria dar um conforto à comunidade. E a gente observa que no entorno da escola essas mudanças técnicas foram frutos do Anísio Teixeira. As casas mudaram aqui. Quando eu estudei aqui via casas de ‘supapo’, que não eram de bloco, mas com o conhecimento técnico que nós tivemos aqui, tendo contato com engenheiros, com arquitetos, a gente levou esse conhecimento pra gente modificar a estrutura da casa da gente, pra gente ter uma casa digna. (SANTOS, 2016, p. 86-87).

Completando o sentido de mudança evidenciado pelo entrevistado, o depoimento a seguir analisa a atual representatividade da escola para a educação e para a comunidade a que pertence:

J.B: [...] Que ela [a escola] é ainda uma referência estadual que só se rivaliza com uma outra em Alagoinhas. A outra estaria um pouco mais avançada em termos talvez da questão financeira, que tenha um pouquinho mais que ela, ou talvez não, não sei dizer qual a situação daquela de Alagoinhas porque a nossa é essa aqui, que você está vendo, mas nós temos alguma coisa que a faz ser referência, que é o cuidado que se tem, ou esse empenho do professor em procurar fazer com que o aluno, já que é uma escola voltada para a profissão, tenha o seu desempenho bom lá fora. (SANTOS, 2016, p. 87).

Aspectos importantes referentes ao funcionamento da escola, como organização de cargas horárias de professores, seriação e avaliação, também chamam atenção:

Pesquisadora: Sobre as práticas dos professores ou metodologias utilizadas na escola, de quais você mais se recorda?

JB: Olha... Metodologia eu ando e viro comento aqui no colégio o seguinte: que muita coisa já aconteceu aqui no colégio e hoje aparece como novidade. Pra começar essa divisão em unidades, que depois daqui eu fui para o ICEIA e no ICEIA eu aprendi que aquilo se chamava de unidades de trabalho, e depois aquele nome também desaparece e aparece, tudo como novidade e tal, mas naquela época as... O ano letivo dividido em etapas e cada etapa chama de unidade, e cada unidade tinha um tema e depois vai aparecer nos PCNs também né, como novidade. Então você tinha um tema e você trabalhava aquele tema e era também as disciplinas integradas. (SANTOS, 2016, p. 87-88).

As unidades de trabalho são descritas pelo professor Juscelino Barreto como uma divisão do ano letivo para todos os cursos e turnos de funcionamento da escola. Tendo como exemplo o curso noturno, ele diz:

Dividimos o ano letivo (que para o curso noturno era de 150 dias, mas nós arredondamos para 180 dias) em quatro períodos, cada período de 45 dias. O aluno tinha Português ao longo do ano e, a cada 45 dias, uma área distinta: Ciências Humanas, Ciências, Matemática e Iniciação Profissional. (MENEZES et al., 2001, p. 129).

Em um período anterior à propagação das ideias de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade pelos manuais de educação tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Atta (2015) chama atenção para a divisão das áreas de conhecimento no CIAT como algo que permitia a relação entre as diversas áreas do saber, se articulando e elaborando os saberes necessários a cada criança, adolescente ou adulto que passasse por lá.

As avaliações também obtiveram um caráter diferenciado no CIAT; ao invés das notas tradicionais, passaram a ser usados conceitos. A avaliação, segundo Britto (1970), acontecia por meio de atividades diagnósticas constantes em que os professores, a fim de descobrir as aptidões dos educandos, acompanhariam estes até quando possível com o objetivo de que seu conhecimento se tornasse mais profundo a partir das atividades propostas durante o ano letivo.

Muito mais poderia ser exposto sobre o CIAT e suas propostas que visavam, principalmente, dar uma formação à criança, ao adolescente ou ao adulto, indo da educação primária ao ensino médio profissional, com o curso noturno sem, no entanto, se limitar a isso ou a uma educação tradicional. Buscava-se, acima de tudo, uma educação que pudesse dar condições ao indivíduo para melhorar a si e a comunidade a que pertencia. De nada adiantaria uma profissionalização se esta não estivesse voltada para a formação integral do educando, dando-lhe capacidade de compreender e transformar o meio a que pertence.

O trecho a seguir, retirado de uma das entrevistas realizadas durante a pesquisa de mestrado, evidencia bem essa ideia colaborativa pretendida pela escola e como o aprendizado dentro dela pode e deve transformar o ambiente no entorno:

CM: Eu vou narrar uma coisa interessante, o curso, como é que o curso mudou. Esse colega que a gente pulou o muro, ele morava aqui no beco do Cirilo [para fazer a matrícula] [...] Ele é economista, e quando a gente estudava aqui no Anísio a gente começou a estudar a parte técnica de Desenho Arquitetônico, Engenharia, a gente tinha contato com os engenheiros, professores nossos, e chegou um momento que a casa dele não tinha esgotamento sanitário, ainda não se tinha o esgoto, era fossa e a casa dele não tinha fossa, na casa dele a água ia pra dentro do solo, um sumidouro. Tinha um tubo, mas os dejetos caíam ali no solo e o solo absorvia os dejetos, e ele queria fazer uma fossa, e a gente conversou com o professor, que a gente já tava já no terceiro ano, a possibilidade da gente mesmo construir a fossa, e esse professor começou a explicar a gente como a gente poderia fazer a fossa dentro dos padrões técnicos que é chamado fossa séptica, e de que essa força poderia ajudar ele, que poderia também ajudar o meio ambiente de que os dejetos iriam passar por uma filtragem do próprio solo e esses dejetos ali iria fermentar, iria criar outros micro-organismos é de cunho biológico, ali um ia comer o outro e depois iria entrar pro solo, e o solo ia fazer a filtragem e a água ia descer pro lençol freático, e juntou todos os colegas pra cavar a fossa e nós fizemos essa fossa. Foram 10 colegas, e fizemos o projeto aqui no Anísio e marcamos, assim, todo final de semana de fazer uma parte dessa fossa na casa dele. E quando ele concluiu a gente até tirou foto, não sei nem se ele tem mais essa foto, e nós tiramos a foto. E fizemos esse trabalho com o conhecimento técnico com a escola do entorno, e em cima disso fizemos mais 3, 4, 5 fossas no entorno da comunidade, porque as pessoas não podiam fazer e a gente era aluno e a gente ajudava as pessoas a fazer, porque essa era a proposta do Anísio Teixeira. E a gente dizia assim: ‘Anísio tá gostando disso. Está horando o nome de Anísio Teixeira’. Nós tínhamos 17 pra 18 anos. (SANTOS, 2016, p. 89).

Alguns ex-alunos, que mais tarde obtiveram a formação de professores, retornaram à escola e, segundo os entrevistados, esse é um fator importante e faz manter ainda algumas características que esta possuía durante o período em que funcionou como Centro Integrado, mesmo após 48 anos.

CM: Eu vejo assim, a escola não perdeu essa essência, porque os professores ex-alunos, porque a gente tem um contingente de professores ex-alunos muito grande que tem isso incorporado dentro deles, né. E a gente não perder essa essência de Anísio Teixeira, que é apaixonante, e a gente é, com todas as dificuldades, né, com as políticas públicas para educação a gente observa que existe essa esperança de que as coisas possam tomar um outro cunho mais voltado para o filho do Trabalhador, de forma que é real, mais participativo, poderia ser melhor, poderia ser integrador no contexto do conhecimento. (SANTOS, 2016, p. 90).

De maneira geral, os objetivos traçados pelo secretário Dr. Luís Navarro de Britto para os Centros Integrados incluíam uma escola onde:

O aluno seja acompanhado dos sete aos dezoito anos por uma equipe de professores que trabalhassem coordenadamente [...] ministrar uma educação comum e não seletiva acolhendo, na medida do possível as crianças de uma comunidade, por diversas que sejam as naturezas de suas aptidões [...] Dar aos alunos a oportunidade de integrar-se na comunidade, através do desenvolvimento de habilidades básicas, com grande número de atividades para opção [...] (BRITTO, 1970, p. 82).

Assim sendo, os Centros Integrados diferenciam-se das escolas do período pelo seu caráter de integração dos diversos níveis da educação básica, da relação direta com a comunidade, a fim de agir na melhoria e transformação desta, pela formação para o trabalho para além das características puramente tecnicistas e, principalmente, por desempenhar uma função de continuidade da universalização da escola, uma escola para todos, cujas oportunidades são dadas de forma igual, respeitando suas habilidades e aptidões pessoais.

Considerações finais

A importância dos Centros Integrados de Educação traduzem aspectos referentes à busca por uma educação gratuita, de qualidade e para todos na tentativa de expandir o ensino secundário na Bahia, que até então era limitado, além de desejar proporcionar formações técnico-profissionalizantes que não só atendessem a demandas do mercado de trabalho, mas também a demandas locais, ou seja, das comunidades às quais essas escolas estariam relacionadas.

A compreensão do movimento da Escola Única, servindo de base teórica para a elaboração da proposta dos Centros Integrados, é fundamental, pois esta traz à luz dos debates em educação modos de transformar a educação tradicional e livresca com características ideológicas e metodológicas voltadas para a elite e para a manutenção dos papéis de poder numa sociedade capitalista em que qualquer pretensão ou tentativa de ascensão da classe trabalhadora é vista como algo negativo, que pode efetivamente modificar as estruturas da sociedade como esta se encontrava.

A educação defendida por esse movimento, transposta para o Brasil e para a Bahia com o intuito de atender as necessidades e características da nossa sociedade, busca dar um protagonismo ao educando e à comunidade onde ele vive, mostrar que o trabalho pode ser algo para além do mecânico ou puramente técnico. A educação e sua relação com o trabalho têm a sua função pedagógica ampliada e colocada em destaque na experiência estudada aqui.

Os Centros Integrados buscaram ir para além de uma formação meramente tecnicista, como aparentemente pretendida pelos projetos e leis educacionais da época. Trata-se de projeto educacional que visava, sim, dar ao educando uma formação técnica para atender demandas do mercado de trabalho então voltado para as necessidades da indústria e do desenvolvimento pretendido pelo país naquele momento. Contudo, além disto, ou aliado a isto, os Centros Integrados possuem em seu projeto o objetivo de dar o protagonismo da educação aos seus principais autores: professores, alunos, funcionários, gestores e a comunidade, numa tentativa de evidenciar o valor e a importância da escola na vida daqueles que participam dela.

REFERÊNCIAS

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1Ensino médio já era na época a expressão consagrada por lei - Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 - para tratar o ensino pós-primário: “Art. 34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário.” (BRASIL, 1961).

2O exame de admissão foi extinguido em 1971.

Recebido: 13 de Abril de 2020; Revisado: 24 de Agosto de 2020; Aceito: 27 de Agosto de 2020

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