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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.29 no.59 Salvador jul./sept 2020  Epub 19-Jul-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n59.p162-179 

DOSSIÊ TEMÁTICO

ENSINO SECUNDÁRIO NO CASARÃO DA PRAÇA DA BANDEIRA: GINÁSIO PARAENSE (1930-1937)

SECONDARY SCHOOL IN THE HOUSE OF PRAÇA DA BANDEIRA: GINÁSIO PARAENSE (1930-1937)

ENSEÑANZA SECUNDARIA EN LA CASARONA DE LA PLAZA DE LA BANDEIRA: GINÁSIO PARAENSE (1930-1937)

Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França*  (UEPA)
http://orcid.org/0000-0002-6974-2606

Laura Maria Silva Araújo Alves**  (UFPA)
http://orcid.org/0000-0003-2936-605X

*Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Integrante do Grupo de Pesquisa História da Educação da Amazônia (GHEDA/UEPA). E-mail: socorroavelino@hotmail.com

**Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora Titular da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa Constituição do Sujeito, Cultura e Educação (ECOS/UFPA). E-mail: laura_alves@uol.com.br


RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar o processo de organização do ensino secundário público no Ginásio Paraense, em Belém do Pará, nos anos de 1930 a 1937. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa documental e bibliográfica. Para compreender esse processo, buscou-se reunir uma diversidade de fontes, como legislação do ensino, mensagens de governo e jornais. Os autores base deste estudo são Dallabrida (2009), Nunes (2000), Silva (2018), Souza (2008), Pessanha (2015), entre outros. Trata-se do primeiro estabelecimento de ensino secundário público, criado em Belém do Pará em 1841, tendo, ao longo dos anos, se constituído referência de estudos secundários na região Norte do país. No ano de 1937, era o único da região a oferecer o curso secundário fundamental e complementar. Um lugar de difusão do conhecimento científico e literário.

Palavras-chave: Ginásio Paraense; Ensino secundário; Sistema de avaliação; Belém do Pará

ABSTRACT

This article aims to analyze the process of organizing public secondary education at the Ginásio Paraense, in Belém-PA, from 1930 to 1937. Methodologically, it is a documental and bibliographical research. To understand this process, a diversity of sources was gathered, such as teaching legislation, government messages and newspapers. The authors of this study are Dallabrida (2009), Nunes (2000), Silva (2018), Souza (2008), Pessanha (2015), among others. It is the first public, created in Belém- PA in 1841, and over the years has become a reference for secondary studies in the northern region of Brazil. In 1937, was the only one in the region to offer the secondary and complementary courses. A place of diffusion of scientific and literary knowledge.

Keywords: Ginásio Paraense; Secondary school; System of avaliation; Belém Pará

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar el proceso de organización de la enseñanza secundaria pública en el Ginásio Paraense, en Belém do Pará, de 1930 a 1937. Metodológicamente, es una investigación documental y bibliográfica. Para comprender este proceso, buscamos reunir una diversidad de fuentes, incluyendo legislación educativa, mensajes gubernamentales y periódicos. Los autores básicos de este estudio son: Dallabrida (2009), Nunes (2000), Silva (2018), Souza (2008), Pessanha (2015), entre otros. Primer establecimiento público de educación secundaria, creado en Belém do Pará en 1841, teniendo a lo largo de los años se convirtió en una referencia para estudios secundarios en el norte de Brasil. En 1937, fue el único en la región en ofrecer cursos secundarios y fundamentales. Lugar de difusión del conocimiento científico y literario.

Palabras clave: Ginásio Paraense; Escuela secundaria; Sistema de avaliación; Belém Pará

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo analisar o processo de organização do ensino secundário público no Ginásio Paraense em Belém do Pará, nos anos de 1930 a 1937. Para darmos conta desse propósito, buscamos reunir um número significativo de fontes documentais e bibliográficas sobre a organização do ensino secundário em âmbito nacional e local. As análises se ancoram na legislação de ensino, em mensagens de governos e jornais. Os teóricos bases são Dallabrida (2009), Nunes (2000), Silva (2018), Souza (2008), Pessanha (2015), entre outros.

Esse estabelecimento de ensino foi criado em 28 de junho de 1841, pelo Presidente da Província do Pará, Bernardo de Souza Franco, tendo sido denominado de Liceu Paraense. Foi o primeiro estabelecimento de ensino secundário público dessa província, responsável pela formação de jovens que se destacaram na política, nas ciências, nas letras, nas artes e no magistério nessa região e fora dela. Esse estabelecimento de ensino foi denominado, em 1855, de Colégio Paraense; em 1870, de Liceu Paraense; em 1901, de Ginásio Paes de Carvalho; e em 1931, de Ginásio Paraense.

As mudanças nos nomes refletem os cursos por ele ofertados, as disputas políticas na região e as adequações do ensino secundário às políticas emanadas do Governo Federal. O predomínio de “paraense” nas designações representava uma homenagem ao Pará, demarcando a sua identidade cultural. O Liceu Paraense foi equiparado ao Ginásio Nacional (Colégio Pedro II) em 1892. Para manter o status de instituição equiparada, buscou adequar os seus estudos às diretrizes nacionais traçadas para a organização do ensino secundário no país. Conhecido atualmente como Colégio Estadual Paes de Carvalho, localizado na Praça Dom Pedro II, nº 10, Bairro da Campina, na Praça da Bandeira, completará 159 anos em junho de 2020.

Esse estabelecimento de ensino secundário foi considerado pelo Governador D. Eurico Freitas do Vale, em Mensagem dirigida à Assembleia Legislativa, em 7 de setembro de 1930 (PARÁ, 1930), um dos mais organizados do estado do Pará, pelo êxito de sua educação. Expondo à Assembleia sua preocupação, o diretor, Dr. Amazonas de Figueiredo, relatou a dificuldade do edifício do Ginásio em comportar, a cada ano, um número cada vez mais crescente de candidatos à matrícula. Ele destacou a crise financeira por que atravessava o estado, sem recursos para construção de um prédio mais amplo e arejado, para atender às exigências pedagógicas. Assim, a primeira ideia que se teve em mente para resolver a situação emergencial foi restringir a matrícula. Entretanto advertiu que, no momento em que se discutisse a disseminação do ensino secundário, não se poderia tomar uma medida “vexatória e injusta mesmo máxime para os que não têm recursos pecuniários para procurar os estabelecimentos de ensino secundário” (PARÁ, 1930, p. 6).

O governador chamou atenção que não seria somente o número de salas que o preocupava, o que, em parte, parecia mais ou menos solucionado, mas, na verdade, o desdobramento das turmas, o que implicava o trabalho dos professores que já atuavam e a contratação de novos mestres. Destacamos que o diretor lembrou em seu relatório a conveniência de se cobrar uma taxa mensal dos alunos, por meio da qual seria possível obter os recursos para contratar novos professores, prática essa utilizada em quase todos os estados brasileiros (PARÁ, 1930).

Mais adiante, frisou que a falta de salas para atender ao número crescente de candidatos foi solucionada, em parte, com a transferência das turmas para o prédio onde funcionava a Câmara, no Palacete Municipal. Essa mudança temporária possibilitou uma remodelação de parte do edifício do Ginásio Paes de Carvalho, tendo sido gastos na reforma vultosas importâncias, que saíram dos próprios cofres do estabelecimento. Houve uma reordenação do espaço para atender à expressiva demanda de matrícula, de 524 alunos em 1929 e de 654 alunos em 1930 (PARÁ, 1930).

A crise financeira que assolava o Pará nessa época era decorrente da queda da exportação da borracha para os mercados internacionais. A grande crise instalada em 1910 levou o Governo a conter gastos no serviço público. Houve também queda na arrecadação, que se prolongou até a década de 1930. Nesse contexto, o número de funcionários nas repartições públicas diminuiu significativamente, escolas primárias foram extintas, professores foram exonerados, recursos destinados às escolas sofreram cortes e o funcionalismo público recebeu seu salário com atraso. As populações pobres foram as mais atingidas por conta do aumento considerável no preço dos gêneros alimentícios e dos aluguéis. A urbanização na cidade de Belém estava muito distante das ruas em que residia a maioria da população. O bonde elétrico só trafegava nas ruas centrais e o racionamento da energia elétrica tornava a vida dos seus moradores ainda mais difícil, sendo que apenas “a elite política e econômica usufruía de um núcleo urbano com serviços básicos de infraestrutura, como por exemplo, água encanada, luz elétrica, ruas caçadas, bondes, limpeza pública e telégrafo” (COELHO, 2008, p. 14).

Quando o Major Magalhães Barata foi indicado pelo Presidente Getúlio Vargas, em 1930, para ser interventor no estado do Pará, vivia-se uma crise econômica, política e social de grande proporção. Os aliados civis e militares que o indicaram para a interventoria formavam um bloco político que se rompeu em 1935, não ocorrendo “a eleição do interventor para o governo constitucional do Estado” (FONTES, 2013, p. 132).

Essa autora, analisando a mensagem do interventor Magalhães Barata, publicada no Diário do Estado, destaca que ela representava a memória por ele construída sobre a sua interventoria e a situação política do país. Assumiu na narrativa o poder de intervir na sociedade do seu tempo. A memória construída tinha por objetivo fazer com que Getúlio Vargas apoiasse sua candidatura para o Governo do estado, a quem considerava um revolucionário como ele. Na mensagem, agradeceu ao exército pelo seu processo formativo, destacando que seu caráter, espírito, disciplina, lealdade e franqueza foram adquiridos na caserna. O interventor se considerava participante dos movimentos militares “dos anos vinte e trinta, um tenente. Coloca-se como um homem do exército brasileiro com participação na política. Ao definir o seu perfil, percebe-se como produto do ‘filtro admirável da dignidade nacional’, o exército” (FONTES, 2013, p. 135).

Ainda segundo a historiadora, o interventor Magalhães Barata era defensor de um estado autoritário, forte e centralizador. A democracia que defendia era aquela dirigida por militares revolucionários, a quem caberia implantar um Estado centralizador e forte. Ele se colocava como responsável pelos setores mais pobres da população brasileira, mas os considerava incapazes de construir o país sem “a condução de um governo militar revolucionário” (FONTES, 2013, p. 138).

É nessa interventoria que serão tomadas as primeiras medidas para adequar as normas estabelecidas pelo Governo Federal para a organização do ensino secundário no Ginásio Paraense no Pará. Contudo, o que é ensino secundário? O ensino secundário corresponde à escolarização entre o ensino primário e o superior. Na Reforma Francisco Campos (BRASIL, 1931a), o ensino secundário constitui-se em um longo período de estudos, voltado à formação das elites e parcelas da classe média. Até os anos de 1950, “ele era o único curso pós-primário que preparava e habilitava os estudantes para o ingresso nos cursos superiores, diferenciando-se dos cursos técnico-profissionalizantes e normal” (DALLABRIDA, 2009, p. 186).

REFORMA DO GINÁSIO PARAENSE DE 1933

O interventor federal, Major Magalhães Barata, atendendo às diretrizes nacionais para organização do ensino secundário pelo Decreto nº 991, de 21 de junho de 1933 (PARÁ, 1933), expediu a Reforma do Ginásio Paraense, o qual foi equiparado ao Colégio Pedro II pelo Decreto do Governo Provisório da República de Getúlio Vargas de nº 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931). A Reforma do Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, consubstanciada nesse decreto federal, deu organicidade ao ensino secundário, tornou a frequência obrigatória e buscou acabar com os exames preparatórios e parcelados.

Nessa reforma, o ensino secundário, com duração de sete anos, foi dividido em dois ciclos, o fundamental e o complementar. O primeiro ciclo, comum a todos os alunos, tinha duração de cinco anos e visava oferecer uma formação geral. Já o segundo, constituído de dois anos, era propedêutico para o ensino superior. Eram apresentadas aos candidatos três opções para matrícula: curso jurídico; curso de medicina, farmácia, odontologia; e curso de engenharia e arquitetura. A Reforma do Ginásio Paraense foi organizada em conformidade com a reforma empreendida por Francisco Campos.

A referida reforma estabeleceu que o ensino secundário do Ginásio Paraense tinha por objetivo difundir o ensino das ciências e das letras, funcionando em regime de externato. Suas turmas não poderiam exceder a cinquenta alunos. Seu ensino ginasial, organizado de acordo com a legislação federal, ofertava dois cursos seriados: fundamental (5 anos) e complementar (2 anos).

A Reforma do Ginásio Paraense estabeleceu que o primeiro curso tinha por finalidade oferecer aos alunos uma formação geral. Figuravam nele, na primeira série, as disciplinas: Português, Francês, História da Civilização, Geografia, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, Desenho e Música (Canto Orfeônico); na segunda série: Português, Francês, Inglês, História da Civilização, Geografia, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, Desenho e Música (Canto Orfeônico); na terceira série: Português, Francês, Inglês, História da Civilização, Geografia, Matemática, Física, Química, História Natural, Desenho e Música (Canto Orfeônico); na quarta série: Português, Francês, Inglês, Latim, Alemão (facultativo), História da Civilização, Geografia, Matemática, Física, Química, História Natural e Desenho; na quinta série: Português, Inglês, Latim, Alemão (facultativo), História da Civilização, Geografia, Matemática, Física, Química, História Natural e Desenho.

É perceptível, nesse programa de ensino, a predominância da Língua Portuguesa em relação às línguas estrangeiras e uma diminuição considerável do Latim. É significativa a presença, em todos os anos do curso fundamental, dos conhecimentos matemáticos, históricos, geográficos, físicos, químicos e naturais. Percebemos uma distribuição mais equilibrada dos conhecimentos literários e científicos. O Canto Orfeônico, ofertado nos três primeiros anos do curso fundamental, ganhou visibilidade nesse plano de ensino, assumindo um papel fundamental na construção da nacionalidade (SOUZA, 2008). Já o curso complementar, obrigatório para a matrícula dos candidatos em determinados instituições de ensino superior, compreendia as seguintes disciplinas: Alemão ou Inglês, Latim, Literatura, Geografia, Geofísica e Cosmografia, História da Civilização, Matemática, Física, Química, História Natural, Biologia Geral, Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia e Estatística, História da Filosofia e Desenho.

Ainda de acordo com essa legislação, os candidatos ao Curso Jurídico cursavam, na primeira série: Literatura, Latim, História da Civilização, Noções de Economia e Estatística, Biologia Geral, Psicologia e Lógica; e na segunda série: Literatura, Latim, Geografia, Higiene, Sociologia e História da Filosofia. A Literatura e o Latim predominam nesse programa de ensino. “E notável a conciliação entre a educação humanista e os novos saberes relacionados as ciências sociais como Noções de Economia e Estatística, Biologia Geral e Higiene visando preparar o jovem para a vida social (SOUZA, 2008, p. 163).

Os alunos que se destinavam aos Cursos de Medicina, Odontologia e Farmácia estudavam, na primeira série: Inglês ou Alemão, Matemática, Física, Química e História Natural, Psicologia e Lógica; e na segunda série: Inglês ou Alemão, Matemática, Física, Química, História Natural, Sociologia e Desenho. As disciplinas científicas como Física, Química, História Natural e Matemática ocupavam uma posição central nas séries desses cursos. Estudavam línguas modernas.

Os que pretendiam ingressar nos Cursos de Engenharia e Arquitetura cursavam, na primeira série: Matemática, Física, Química, História Natural, Geofísica e Cosmografia, Psicologia e Lógica; e na segunda série: Matemática, Física, Química, História Natural, Sociologia e Desenho. Os conhecimentos matemáticos, físicos, químicos e naturais se configuravam como primordiais nesses anos do curso.

No programa de ensino do curso complementar existiam disciplinas consideradas fundamentais para preparar os alunos para o ingresso no curso superior. As disciplinas-chave eram: Latim e Literatura, “para o ingresso em Direito; Física, Química e História Natural para o ingresso em Medicina, Farmácia e Odontologia; e Matemática para o ingresso em Engenharia e Arquitetura” (DALLABRIDA, 2009, p. 188).

Não há referência na Reforma do Ginásio Paraense, de 1933, do conteúdo e da carga horária das disciplinas do curso fundamental. Entretanto, observamos que a Língua Portuguesa se fazia presente em todos os anos do curso. Houve um crescimento das línguas estrangeiras modernas, ministradas nas quatro séries desse curso, e a diminuição do Latim, ofertado nos dois últimos anos. A presença marcante das ciências demarca a sua importância no curso fundamental. Além dessas disciplinas obrigatórias, o Ginásio poderia oferecer outras que julgasse necessárias para a formação dos alunos.

O Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, em 31 de julho de 1931 (BRASIL, 1931b), publicou, no Diário Oficial da União, os programas do curso fundamental do ensino secundário com as respectivas cargas horárias semanais de cada série do curso e suas instruções pedagógicas. O Ginásio Paraense, equiparado ao Colégio Pedro II, organizou seus programas de ensino de acordo com essas orientações.

A Língua Portuguesa tinha por objetivo habilitar os alunos a se expressarem corretamente, despertando neles o interesse pela leitura dos bons escritores, devendo adquirir um cabedal de conhecimentos indispensáveis à formação de seu espírito e de sua educação literária. Os ensinamentos nos primeiros anos do curso deveriam ser práticos, reduzidos ao máximo às lições de gramáticas, transmitidos por meio de processos indutivos.

O professor deveria, desde o início, explorar ao máximo a leitura, a qual se constituía como “ponto de partida de todo o ensino, não se esquecendo que, além de visar a fim educativos ela oferece um manancial de ideias que fecundam e disciplinam a inteligência, prevenindo maiores dificuldades, nas aulas de redação e estilo” (BRASIL, 1931b, p. 12105). Mesmo que se desse preferência, nos primeiros anos do curso, aos exercícios orais, dever-se-ia destinar quinze minutos de aula para a realização de trabalhos escritos.

Os exercícios orais continuavam na terceira série, mas a maior parte do tempo era destinada à redação de cartas e diálogos, compostos pela classe e por assuntos por ela sugeridos. A partir do quarto ano, dava-se início à redação livre que permeou todo o curso. A maior parte do tempo era destinada à produção de correspondência, descrição e narrações. As composições escritas dos alunos eram realizadas fora da classe, devendo o professor sugerir leituras para auxiliá-los na atividade. O ensino literário subordinado ao da língua na quarta série tornou-se preponderante na quinta série. Os professores trabalhavam com os alunos as regras de produção literária e fomentavam estudo de obras de autores portugueses e brasileiros. “A ênfase continuava a ser dada à aquisição da língua nacional, em especial ao aprendizado da escrita e da fala corretas” (SOUZA, 2008, p. 155). A Língua Portuguesa ministrada nos cinco anos do curso secundário fundamental compreendia uma carga horária de 17 horas, assim distribuída: 1º ano - 4 horas, 2º ano - 4 horas, 3º ano - 3 horas, 4º ano - 3 horas e 5º ano - 3 horas (BRASIL, 1931b).

O ensino das línguas vivas estrangeiras, como Francês, Inglês e Alemão, tinha por finalidade oferecer aos alunos “através do conhecimento linguístico os fatos mais notáveis da civilização de outros povos” (BRASIL, 1931b, p. 12106). Os alunos deveriam, de forma clara e objetiva, expressar seus pensamentos oralmente e por escrito nessas línguas. Segundo a referida Portaria, o ensino das línguas realizado por meio da própria língua, ordenado progressivamente, deveria utilizar “objetos de uso comum, quadros que representem aspectos da vida cotidiana, familiares ao estudante, como por exemplo, a escola, a casa, a cidade, o comercio, a família, o campo etc.” (BRASIL, 1931b, p. 12106).

O ensino das línguas compreendia uma variedade de exercícios como ditados, leituras, diálogos, poesias, recitação e tradução de obras literárias estrangeiras. A carga horária do Francês, distribuída nos quatro anos do curso fundamental, correspondia a um total 9 horas de aulas: 1º ano - 3 horas, 2º ano - 3 horas, 3º ano - 2 horas e 4º ano - 1 hora. O Inglês também se fazia presente nesses anos com a mesma carga horária, bem como o Alemão, em caráter facultativo.

O ensino do Latim visava proporcionar aos alunos conhecimentos sobre a vida econômica, social e política dos romanos. O professor deveria trabalhar essa disciplina de modo a retirar do aluno a noção de “língua morta”. Recomendava-se que o professor mostrasse aos alunos como o Latim se difundiu pela Itália e pelo mundo e como influenciou outras línguas. Os alunos deveriam pronunciar corretamente o Latim, ler e traduzir autores latinos. Essa disciplina era ofertada nos dois últimos anos do curso fundamental, compreendendo 6 horas de aulas: 4º ano - 3 horas e 5º ano - 3 horas.

A História da Civilização objetivava proporcionar aos alunos não apenas a formação humana, mas também possibilitar conhecer o que o homem produziu no decorrer dos tempos e nos diferentes lugares, bem como a sua educação política, cabendo-lhe contribuir “para que o adolescente se familiariza-se com os problemas particulares impostos ao Brasil pelo seu desenvolvimento e adquira ainda perfeita consciência dos deveres que lhes incumbem para com a comunidade” (BRASIL, 1931b, p. 12108).

De acordo com essa Portaria, o professor, na escolha dos conhecimentos da História da Civilização a serem ensinados aos alunos, não deveria sobrecarregar a memória de modo a prejudicar a educação de seu poder crítico. Caberia evitar minúcias, “ensinando-se apenas os fatos dominantes do processo histórico, isto é, os que esclarecem todo um período ou são a chave de acontecimentos ulteriores” (BRASIL, 1931b, p. 1208).

A História da Civilização contribuiria com a Geografia na ministração de assuntos que expressassem as relações existentes entre a organização econômica, formas de produção, estrutura social, Estado, ordem jurídica e expressões espirituais. História do Brasil e História da América se constituíram o centro do ensino da História da Civilização e não poderiam ser trabalhadas isoladamente. Os alunos, a princípio, deveriam adquirir conhecimentos sobre o mundo e o descobrimento para que pudessem realizar o estudo simultâneo da História Geral, da História da América e da História do Brasil. A evolução da humanidade, os grandes acontecimentos e a vida dos grandes homens marcavam o ensino da História da Civilização. Essa disciplina fazia-se presente nos cinco anos do curso fundamental com uma carga horária de 2 horas em cada ano do curso, totalizando 10 horas.

Segundo essa Portaria (BRASIL, 1931b), o ensino de Geografia, articulado ao das Ciências Físicas e Naturais, visava ministrar aos alunos conhecimentos sobre o meio ambiente das sociedades humanas. Competiria à Geografia possibilitar aos alunos conhecerem a estrutura física da terra, o relevo do solo, o litoral, o clima, a hidrografia e os recursos naturais. Manteria uma relação com o ensino da História, possibilitando aos estudantes conhecerem as raças, as línguas, as religiões, os costumes e a organização política e econômica.

Como a História, a Geografia deveria contribuir para a formação política dos alunos. Estudaria, em conexão com a Astronomia e a Física, a posição da terra no universo. O ensino da Geografia deveria ser realizado sempre com mapas e atlas. Deveria ser utilizado nas duas primeiras séries do curso fundamental o método intuitivo por meio de demonstração e experiências. As atividades escritas ou orais realizadas em classe ou fora dela deveriam despertar e estimular os alunos a desenvolver seu senso crítico. Esse ensino deveria ser realizado quando possível na natureza. Isso tornaria a observação mais apurada, pois possibilitaria o contato direto com a realidade objetiva. Daí a necessidade de excursões a estabelecimentos industriais, portos, estradas, alfândegas, observatórios astronômicos, museus, centros agrícolas e pecuários, laboratórios etc. Essa disciplina figurava nos cinco anos do curso secundário fundamental com uma carga horária de 11 horas, assim distribuídas: 1º ano - 3 horas, 2º ano - 2 horas, 3º ano - 2 horas, 4° ano - 2 horas e 5º ano - 2 horas.

Já o ensino da Matemática tinha por objetivo desenvolver a cultura espiritual do aluno, habilitando-o ao rigor do raciocínio para expressar de forma clara seu pensamento. Deveria o professor despertar no aluno a capacidade de agir com presteza e atenção na resolução de problemas matemáticos. Ao ensino da Matemática caberia instrumentalizar o aluno a realizar cálculo mental. Ele deveria compreender as operações elementares e adquirir habilidades para aplicá-las.

O professor, por meio de frequentes exercícios numéricos, deveria despertar no aluno a confiança na resolução de problemas. Ao método heurístico, empregado no ensino da Matemática, caberia manter o aluno sempre em atividade, possibilitando-lhe ser um descobridor e não um receptor passivo do conhecimento. Os conhecimentos matemáticos deveriam ser adquiridos por meio da experimentação, observação e raciocínio analítico. O ensino da Matemática compreendia aritmética, álgebra e geometria (BRASIL, 1931b). Ministrada em todos os cinco anos do curso fundamental, compreendia uma carga horária de 3 horas em cada ano do curso, perfazendo um total de 15 horas/aula.

O ensino das Ciências Físicas e Naturais tinha por objetivo disponibilizar ao aluno noções gerais sobre os fenômenos da natureza, sua aplicação na vida cotidiana, na cidade e no campo, buscando desenvolver nele habilidades de observação, experimentação, raciocínio e imaginação. Os exercícios, considerados importantes para os conhecimentos dos fenômenos físicos, não deviam ser excessivos. Os tópicos do programa e a escolha dos exemplos a serem tratados em classe pelo professor deveriam atender a questões da vida cotidiana.

Caberia ao professor explicar a lição de forma concreta, utilizando-se para tal de materiais visuais como gravuras, diagramas e quadros murais. Deveria realizar demonstração experimental, lançando mão de aparelhos e dispositivos simples, muitas vezes improvisados, de modo a estimular o pensamento imaginativo do aluno para novas experiências. O programa para o ensino das Ciências Físicas e Naturais compreendia estudos da água, do ar, da terra, aspectos físicos, cósmicos, biológicos e sociais (BRASIL, 1931b). Essa disciplina era ofertada nos dois primeiros anos do curso secundário com uma carga horária de 4 horas, correspondentes 2 horas/aula a cada ano.

O ensino da Física tinha por objetivos ministrar aos alunos conhecimentos científicos dos fenômenos físicos e iniciá-los na prática do método experimental, contribuindo para a formação do seu espírito e para a apreciação dos conceitos e das leis naturais. Para atender a esses objetivos, segundo a Portaria (BRASIL, 1931b), o professor deveria ensinar os alunos como observar os fenômenos físicos, para que fossem capazes de estabelecer as leis e teorias que os regem. Para que o ensino da Física fosse proveitoso, era necessário e indispensável que os alunos participassem do processo didático, auxiliando o professor nas demonstrações experimentais.

A execução do programa requeria alguns aparelhos, que não deveriam ser numerosos, complicados nem caros. Recursos de vida cotidiana poderiam ser utilizados nas demonstrações. Nos trabalhos de demonstrações, feitos pelo professor ou pelos alunos, exercícios práticos deveriam priorizar atividades que despertassem nos alunos o senso crítico e a análise reflexiva.

Caberia ao professor organizar um programa de exercícios práticos aos alunos de acordo com os recursos disponíveis no laboratório. Esses exercícios poderiam ser compostos de dez ou mais questões a serem realizadas pelos alunos individualmente ou em grupo com a finalidade de despertar o trabalho autônomo e estimular a reflexão sobre as questões solicitadas pelo professor. Essa disciplina, ofertada nos três últimos anos do curso secundário, compreendia uma carga horária de 7 horas/aula: 3° ano - 2 horas, 4º ano - 2 horas e 5º ano - 3 horas.

Com o ensino da Química, objetivava-se oferecer aos alunos conhecimentos sobre a composição e estrutura interna dos corpos, bem como propriedades e leis que regem suas transformações. Esse ensino deveria ser lógico, científico, educativo e aplicado à vida cotidiana. Para atender a essa finalidade, o professor deveria não limitar o ensino da Química a simples exposições de conhecimentos. Caberia a ele despertar o interesse dos alunos pelo processo de investigação e pela aplicação dos conhecimentos adquiridos. Para tanto, era necessário que os alunos compreendessem fenômenos químicos por meio da observação e experimentação. Eles deveriam classificar, relacionar, comparar, discutir, comprovar e realizar sínteses químicas. Essa disciplina, também ofertada nos três últimos anos do ensino secundário fundamental, como o ensino da Física, tinha a mesma carga horária, distribuída da mesma forma nos anos de estudos: 3º ano - 2 horas, 4º ano - 2 horas e 5º ano - 3 horas:

[...] em meio das transformações incessantes da natureza viva é inerte, 'a perceber os fenômenos químicos, distinguindo-os, pelos seus caracteres de descontinuidade e irreversibilidade, de outros de origem correlata a estuda-los, paliativa e quantitativamente, convencendo-se, pela observação e experimentação, de que obedecem as leis certas e definidas, a classificar metodicamente os fatos assim verificados, relacionando-os com a composição e a estrutura intima dos corpos, cujas propriedades precisam ser discutidas e comprovadas; a reconhecer ainda que tais propriedades dependem, umas, da composição apenas, enquanto outras antes resultam da estrutura intima; a verificar, enfim que os inúmeros corpos naturais derivam de um número reduzido de elementos primitivos, o que permite não só diferenciá-los por uma nomenclatura e uma notação perfeitas, como reproduzi-los a vontade e deles obter novos corpos, criando dessa forma as possibilidades indefinidas da síntese química. (BRASIL, 1931b, p. 12119).

O professor deveria trabalhar com os alunos os conhecimentos mais importantes da Química, o desenvolvimento dos seus conceitos fundamentais no decorrer dos tempos, os grandes vultos de sua história, as suas contribuições para a saúde, para a vida e para o desenvolvimento econômico das nações. As demonstrações experimentais dessa ciência eram fundamentais para que o ensino da Química não se tornasse cansativo e desinteressante para os alunos.

A partir do ensino da História Natural, visava-se proporcionar aos alunos “conhecimento de formas vivas e inertes do mundo objetivo atuais e passado, nas suas incessantes transformações e em suas relações mútuas, e, ao mesmo tempo iniciá-los na prática de observação” (BRASIL, 1931b, p. 12120). O ensino da História Natural deveria educar a atenção reflexiva dos alunos, seu raciocínio, a capacidade de fazer generalizações, seu senso crítico e estético, para que pudessem apreciar a beleza e a harmonia da natureza. Esse ensino deveria ser realizado em contato direto com o mundo objetivo. Inicialmente, os alunos estudariam isoladamente as formas minerais, vegetais e animais e depois buscariam compará-las, adquirindo noções de conceitos de espécie e de agrupamento em conjuntos naturais.

A História Natural concorreria tanto para dar aos alunos uma formação geral, como para oferecer conhecimento sobre o seu organismo e suas necessidades funcionais. Os conhecimentos trabalhados com os alunos deveriam ser úteis para as suas vidas e aplicados no cotidiano. Os estudos das Ciências Naturais no terceiro ano do Curso Fundamental, atendendo às exigências do método indutivo, seria realizada por meio de ensaios descritivos e diálogos entre professor e alunos. Os conhecimentos seriam adquiridos por meio da observação em contato com a realidade. As excursões deveriam ser utilizadas como estratégias de ensino, pois possibilitariam aos alunos tanto o seu desenvolvimento físico, como a apreciação da natureza. O ensino da História Natural compreendia Botânica e Zoologia, Mineralogia e Geologia. Essa disciplina, assim como a Física e a Química, era ofertada nos três últimos anos do curso fundamental com a mesma carga horária de 7 horas, assim distribuída: 3º ano - 2 horas, 4º ano - 2 horas e 5º ano - 3 horas.

O ensino de Desenho tinha por objetivo desenvolver nos alunos habilidades de representação gráfica como expressão da cultura. Deveria ser organizado de modo a atender às necessidades do ensino da História, Geografia, Ciências Físicas e Naturais, profundamente “ligados à aprendizagem da matemática de quem recebem as regras rigorosas dás traçados, os exercícios de Desenho, em troca, fornecem-lhe as figuras de demonstração e as resoluções gráficas dos problemas” (BRASIL, 1931b, p. 12123). Os conteúdos organizados dos mais simples aos mais complexos deveriam despertar a curiosidade dos alunos para aprender, bem como serem trabalhados simultaneamente. O Desenho figurava nas quatro séries do curso fundamental como desenho do natural, desenho decorativo, desenho convencional e, na última série, como desenho projetivo e natural. Esse ensino compreendia três aulas semanais na 1ª e 2ª séries e 2 horas/aula na 3ª, 4ª e 5ª séries.

O ensino de Desenho, de acordo com a Portaria (BRASIL, 1931b), ganhou maior visibilidade. Zuim (2001, p. 74), com base nessa Portaria, dividiu esse ensino “em quatro modalidades, a saber: Desenho do Natural, Desenho Decorativo, Desenho Geométrico e Desenho Convencional”. Saberes a serem ensinados nessas quatro modalidades:

  • - Desenho do Natural - Desenho de observação, feito à mão livre, com estudo da luz, sombra e perspectiva.

  • - Desenho Decorativo - Estudo dos elementos e das regras da composição visual.

  • - Desenho Geométrico - Estudo das construções da geometria euclidiana plana, com o propósito de resolver os problemas do plano bidimensional, com utilização dos instrumentos de desenho;

  • - Desenho Convencional - Inclui a geometria descritiva, ramificações do desenho técnico e desenho esquemático. (ZUIM 2001, p. 74).

A Portaria expedida pelo Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, tornou o ensino do Desenho no secundário fundamental mais amplo. Zuim (2001), apoiada nos estudos de Nascimento (1994 apud ZUIM, 2001), observa que se buscou nessas quatro modalidades básicas um certo equilíbrio entre o desenho artístico e o desenho técnico.

O ensino do Canto Orfeônico tinha por objetivo a formação moral e intelectual dos alunos. Predominaram, no início, o estudo prático e teoria, e solfejo. O ensino deveria ser recreativo, marcado por cânticos variados e composições de autores consagrados, já incorporados ao patrimônio artístico. Os cantos trabalhados de acordo com as idades dos alunos contribuiriam para aguçar seus órgãos auditivos e da fonação, possibilitando-lhes compreender o sentido do ritmo.

Ao professor caberia fazer leitura das letras dos cantos, comentários teóricos e musicais, corrigir as incorreções observadas na execução dos trechos, principalmente o ritmo, a entonação e a dicção. O professor poderia recorrer a vitrolas para desenvolver a habilidade auditiva dos alunos. “O professor explicará aos alunos a tecnologia musical, dará notícias biográficas, geográficas e históricas, articulando o ensino da música com as demais disciplinas” (BRASIL, 1931b, p. 12125). O Hino Nacional e o Hino da Bandeira, assim como outros hinos patrióticos, constituíam elementos centrais no programa de ensino da Música. Os cânticos patrióticos deveriam despertar nos alunos o amor e o orgulho pelo Brasil, país forte e pacífico, visando ao engrandecimento nacional. O professor deveria organizar o seu programa de modo a atender a três elementos básicos: canto, teoria musical e audição fonográfica. Esse ensino compreendia duas aulas semanais na 1ª e 2ª series e três horas na 3ª série.

O ensino da Música já constava nos programas da escola primária no Brasil desde o final do século XIX. Todavia, a introdução do Canto Orfeônico como disciplina obrigatória no currículo do ensino secundário foi estabelecida pela Reforma Francisco Campos - Decreto n° 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931a). Essa disciplina foi marcada por um significado especial, “uma vez que se vinculou a um amplo projeto político-cultural de difusão dos valores cívicos e de construção da nação brasileira, projeto predominante no período entre 1930 e 1960” (MONTEIRO; SOUZA, 2003, p. 116).

A importância da música coral está diretamente ligada ao movimento nacionalista ocorrido no Brasil e nos países europeus. A música coral, por volta da Primeira Guerra Mundial, começou a ser vista por músicos e educadores com o poder de mobilizar grandes públicos e divulgar ações de civismo. No Brasil, um dos maiores incentivadores do canto coral nas escolas foi Villa-Lobos.

A Educação Física tinha por finalidade o desenvolvimento harmonioso do corpo e do espírito dos alunos, contribuindo “para formar o homem de ação física e moralmente sadio, alegre e resoluto, cônscio do seu valor e das suas responsabilidades” (BRASIL, 1931b, p. 12426). Para atingir tal finalidade, deveria ser organizada para proporcionar o desenvolvimento integral do organismo dos alunos, corrigir a constituição de corpos franzinos por meio de exercícios e movimentos que trabalhassem a respiração e movimentos coordenados, incentivar a realização de jogos recreativos e esportivos, desenvolver habilidades de coragem, de conhecimento de si mesmo, despertar o sentimento de tolerância e de cavalheirismo.

Era fundamental que os diretores dos estabelecimentos de ensino secundário dessem uma atenção especial ao ensino da Educação Física e que os professores cooperassem com os instrutores dessa disciplina. Os alunos deveriam ser organizados em classe de acordo com a sua idade e desenvolvimento físico: 1ª classe - 11 a 13 anos, 30 minutos de aula; 2ª classe - 13 a 16 anos, 45 minutos de aula; 3ª classe - 16 a 18 anos, 45 minutos de aula; 4ª classe - 18 anos em diante, 45 minutos de aula. A organização do programa da Educação Física seguia as diretrizes do Centro de Educação do Exército. Exercícios, jogos recreativos, esportes individuais e coletivos compunham as suas práticas educativas.

A Educação Física, obrigatória em todos os anos do ensino secundário, marcada pela prática da higiene corporal e pela disciplinarização de corpos e mentes, tinha por finalidade a formação de uma juventude saudável, forte e obediente aos propósitos sociais, políticos e econômicos do Governo Provisório de Getúlio Vargas. A atuação dos militares na constituição dessa disciplina escolar foi marcante, tendo eles assumido a direção e controle da educação do corpo em âmbito ministerial (CHAVES JUNIOR, 2004; SOUZA, 2008).

EXAMES DE ADMISSÃO, PARCIAIS E FINAIS NO GINÁSIO PARAENSE

A Reforma Francisco Campos - Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931a) - estabeleceu a obrigatoriedade do exame de admissão para ingresso no primeiro ano do ensino secundário. A inscrição nesse exame seria realizada de 1 a 15 de fevereiro mediante requerimento assinado pelo candidato ou seu representante legal. Nele, constariam a idade do candidato, filiação, naturalidade e endereço, devendo ser acompanhados de atestados de vacinação antivariólica recentes e de recibo de pagamento da inscrição.

Para se inscrever no exame de admissão, o candidato deveria ter a idade mínima de onze anos. Não seria permitida, na mesma época, inscrição no exame de admissão em mais de um estabelecimento de ensino, sendo considerados nulos os exames que transgredissem esse dispositivo. Os exames realizados na segunda semana de fevereiro só poderiam ser feitos no estabelecimento de ensino onde o candidato pretendia estudar. As bancas examinadoras dos exames do Colégio Pedro II deveriam ser constituídas por três professores, designados pelo diretor. As bancas dos estabelecimentos de ensino em regime de inspeção permanente ou preliminar seriam compostas por dois professores do quadro docente sob a presidência de um dos inspetores do instituto.

O exame de admissão compreendia provas escritas, “uma de português (redação e ditado) e outra de aritmética (cálculo elementar), e de provas orais sobre elementos dessas disciplinas e mais e mais sobre rudimentos de Geografia, História do Brasil e Ciências Naturais” - conforme Art. 22 do Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931a). Ao Departamento Nacional do Ensino caberia emitir instruções para regular o processo de realização dos exames de admissão e de julgamento das provas.

Para Andrade (2019), o ensino secundário de caráter elitista foi uma das marcas de sua trajetória histórica. Sempre esteve restrito a uma pequena parcela da população mais favorecida em detrimento da maioria da população menos favorecida. Ao discorrer sobre os exames de admissão, fundamentada nas análises de Sposito (2001 apud ANDRADE, 2019), enfatiza que esse exame, instituído pela Reforma Francisco Campos, tornou-se uma das principais causas da seletividade do ensino secundário, tornando-se “obrigatório até a promulgação da Lei n. 5.692, de 11 de agosto - que unificou o ensino primário e secundário” (ANDRADE, 2019, p. 67).

Em Belém do Pará, em 4 de fevereiro de 1932, foram publicadas no Diário Oficial instruções para o exame de admissão ao Curso Ginasial (PARÁ, 1932), expedidas pelo Departamento Nacional do Ensino de acordo com o artigo 23 do Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931a). Nesse documento, o Secretário do Ginásio Paraense, Leônidas Monte, em conformidade com as instruções em vigor, torna público, por ordem do diretor do Ginásio Paraense, que se encontravam abertas por um espaço de dez dias, a contar de 1° de fevereiro, na Secretaria, as inscrições para os exames de admissão, no horário das 8h às 12h, para os candidatos que pretendessem matricular-se no Ginásio ou em outros estabelecimentos de ensino.

De acordo com essas instruções (PARÁ, 1932), para a inscrição nos exames de admissão, o responsável legal do candidato deveria dirigir à Diretoria do Ginásio um requerimento, expondo as condições de idade, filiação, naturalidade e residência, devendo anexar ao requerimento os seguintes documentos: a) certidão de idade original ou equivalente que provasse ter o candidato a idade mínima de onze anos; b) atestado médico de especialista ou fornecido pela seção competente de repartição oficial de Saúde Pública de que o candidato não era portador de doença infectocontagiosa dos olhos; c) atestado médico que comprovasse que o candidato não sofria de qualquer doença infectocontagiosa; d) atestado de vacinação antivariólica recente; e e) recibo de pagamento de taxa de inscrição de trinta mil réis (30$000). Esses exames compreendiam provas escritas e orais.

A prova escrita de Português constava de um ditado de quinze linhas e de uma redação. Nessa prova, se apreciava também a caligrafia. A prova de aritmética compreendia três problemas elementares e práticos. Sobre a prova oral, a única informação que se tem é que versaria sobre o programa oficial adotado. Os candidatos, para serem aprovados nos exames de admissão, deveriam obter, pelo menos nas matérias em seu conjunto, a média cinco.

O exame de admissão se constituiu “por algumas décadas a linha divisória decisiva entre a escola primária e a escola secundária” (NUNES, 2000, p. 45). Essa autora, apoiada nas discussões de Graça (1998 apud NUNES, 2000), ressalta que os exames de admissão funcionaram como ritos de passagens, marcados por significados e simbologias, cercados por conflitos em que os adolescentes ainda não sabiam como lidar com o fracasso. Cursos preparatórios foram sendo criados para preparar candidatos ao exame de admissão ao primeiro ano do ensino secundário. Nesse processo, foi selecionado o grande livro que continha todo o conteúdo a ser cobrado nas provas. Livro que servia de referência para os candidatos durante um ano ou meses.

Segundo Nunes (2000, p. 45), alguns alunos em São Paulo, assim como ela, na década de 1950, “manuseavam o Meu livro de admissão, em Aracaju, como informa Graça, boa parte deles frequentava a Crestomatia [...] livros enormes e caros, cuja aquisição resultava em sacrifício para algumas famílias desejosas de matricular seus filhos no ginásio”.

O livro “Admissão ao Ginásio, de autoria de Aída Costa (Português), Renato Pasquale/Marcius Brandão (matemática), Aurélia Marino (história do Brasil) e Renato Stempniewski (Geografia)” (SILVA, 2018, p. 2), foi publicado pela primeira vez no país em 1943, pela Editora Brasil, tendo ultrapassado em 1970 mais de 550 edições. A publicação e circulação desse livro se deram durante a obrigatoriedade dos exames de admissão ao ginásio.

Essa obrigatoriedade “contribuiu para definir e ampliar significativamente um nicho que se tornaria importante no mercado editorial brasileiro: livros preparatórios, de acordo com os programas oficiais” (SILVA, 2018, p. 2). Esses livros, na capa e contracapa, informavam aos leitores que estavam adequados às leis que regulamentavam os exames de admissão, legitimando assim sua circulação e uso. Eles eram destinados aos alunos que cursavam o último ano do ensino primário e aos seus professores. Esses livros didáticos começaram a ser publicados no país na década de 1930. Alguns deles alcançaram sucessivas edições e tiragens até o ano de 1971 quando foi extinta oficialmente a obrigatoriedade dos exames de admissão.

Segundo Silva (2018), os exames marcaram a vida dos alunos, de suas famílias e de professores, “particularmente aqueles que se incumbiam (ou eram incumbidos) de prepará-los para que obtivessem sucesso nas provas escritas e orais em quatro áreas de conhecimento: português, matemática, história do Brasil e geografia” (SILVA, 2018, p. 2).

Os livros preparatórios, ainda de acordo com essa autora, marcados por significados, fazem parte das memórias dos alunos que nos anos de 1930 a 1960 neles estudaram em casa, na escola e nos cursinhos para se submeterem aos exames de admissão ao ensino secundário. Ao mesmo tempo que os alunos cursavam o último ano do ensino primário, tinham que se preparar cursando aulas particulares na casa dos professores ou em cursinhos especializados. Isso se constituía realidade para os que desejavam prosseguir seus estudos no ensino secundário e que podiam pagar pelos ensinamentos requeridos nos exames. Os livros mais lembrados são os multidisciplinares que tratavam de Português, Matemática, História do Brasil e Geografia e que traziam na capa os nomes dos autores responsáveis por cada área do conhecimento, muitos deles reconhecidos nacionalmente, como é o caso do livro “Admissão ao Ginásio”.

A aprovação nos exames de admissão assumia uma importância equivalente à aprovação no exame vestibular que dava acesso ao ensino superior. A seletividade marcava o exame de admissão. O fracasso dos alunos nos exames era algo inevitável, pois não se sabia se o nível de exigências das provas correspondia aos conteúdos trabalhados nas quartas séries das escolas primárias. Isso contribuiu para a disseminação de cursos de admissão, organizados por particulares que cobravam altas taxas, impossibilitando as populações mais pobres a participarem do processo seletivo (NUNES, 2000).

O Decreto nº 991, de 21 de junho de 1933 (PARÁ, 1933), Reforma do Ginásio Paraense, expedido pelo Major interventor federal Magalhães Barata no Pará, ao tratar sobre os exames de admissão para ingresso dos candidatos no primeiro ano do Ginásio Paraense destacava que as inscrições ocorriam de 1 a 15 fevereiro, sendo os exames anunciados por editais fixados na portaria desse estabelecimento de ensino e publicados no Diário Oficial do Estado. Aos pais, tutores ou responsáveis pelos candidatos que requeriam inscrições nos exames de admissão, caberia apresentar requerimentos solicitando suas inscrições.

Nesses requerimentos deviam constar idade, filiação, naturalidade e residência dos candidatos, devendo ser acompanhados das seguintes documentações: atestado de vacinação antivariólica e recibo de pagamento da taxa da inscrição. Os candidatos deveriam comprovar, por meio de registro civil, ter onze anos de idade ou a complementar até junho do ano em que requeriam as suas inscrições.

Os exames de admissão realizados no Ginásio Paraense seriam válidos para matrícula no primeiro ano do Colégio Pedro II e nos estabelecimentos oficiais equiparados. Já os candidatos que realizassem seus exames de admissão em estabelecimentos de ensino sob regime de inspeção só poderiam se matricular no primeiro ano do Ginásio Paraense mediante a devida autorização da Diretoria Geral da Educação Federal.

Os alunos, durante o ano letivo, realizavam nos cursos fundamental e complementar exames parciais e finais. Para cada classe e disciplina desses cursos havia quatro provas escritas parciais nos meses de maio, junho, setembro e novembro. Essas provas não poderiam ter nenhum tipo de identificação. Aos que violassem essa regra era atribuída a nota zero. Era obrigatório na realização das provas o uso do papel de acordo com o modelo indicado pela Diretoria Geral de Ensino Federal. Aos alunos que as perdessem era atribuída nota zero. Poderia o diretor autorizar a realização de provas de segunda chamada para aqueles que não as realizaram por motivo de doença, desde que apresentassem documentação comprobatória.

No processo de deferimento, teria que se ouvir ainda o Inspetor Federal - Decreto nº 991, de 21 de junho de 1933, Artigo 78, §1º a 5º (PARÁ, 1933). As provas parciais eram aplicadas e avaliadas pelos professores e fiscalizadas pelo inspetor federal. Depois de finalizadas, eram acondicionadas, lacradas, assinadas pelo diretor e pelo inspetor federal e remetidas para esse funcionário para revisão das notas. A nota de cada prova parcial correspondia à média aritmética das notas atribuídas pelo professor e pelo inspetor federal.

De acordo com essa legislação, ao final do ano letivo, os alunos eram submetidos a provas finais, que constavam, em cada disciplina, de prova oral ou prova oral nas disciplinas que exigiam trabalhos de laboratórios e versavam sobre todos os conteúdos do programa de ensino. Para essas provas, eram constituídas bancas examinadoras, formadas por três professores do Ginásio Paes de Carvalho e indicadas pelo diretor. A nota final de cada aluno correspondia à média aritmética das três notas parciais dos avaliadores. Os alunos que se retirassem da banca depois de sorteado o ponto da prova eram considerados inabilitados. Inabilitados também eram aqueles que buscavam se comunicar durante as provas. A eles era atribuída a nota zero. Era expressamente proibido aos alunos utilizarem, durante as provas, anotações e livros. Os alunos que lançassem mão de meios fraudulentos, tanto nas provas parciais, como nas finais, eram expulsos das salas de aula e não poderiam mais realizar novas provas.

Os alunos eram convocados por ordem alfabética pela imprensa para realizarem as provas finais com 24 horas de antecedência. Eram considerados aprovados na última série ou promovidos à série seguinte os que obtivessem notas igual ou superior a 30 em cada disciplina e média aritmética igual ou superior a 50 no conjunto das disciplinas obrigatórias da série. A nota final de uma disciplina correspondia à média ponderada das três notas finais dos trabalhos escolares, das provas parciais e finais, cada uma delas com peso, respectivamente, 1, 8 e 1.

Não poderiam se submeter às provas finais de primeira época e segunda os alunos cuja média aritmética das notas dos trabalhos escolares e das provas parciais fossem inferiores a 30 e que não tivessem atingido três quartos de frequência nas aulas. Os alunos, para serem admitidos aos exames de segunda época, deveriam comprovar com documentação as razões que impossibilitaram a realização da prova. Os que realizaram os exames de primeira época e não obtivessem êxito em uma ou duas disciplinas poderiam requerer a sua realização.

Em 3 de junho de 1938, o Jornal Folha do Norte publicou uma reportagem intitulada “A Fase Agitada e Inquieta das Provas Parciais no Ginásio Paraense”, que marcou a realização das provas parciais dos cursos fundamental e complementar daquele estabelecimento de ensino no que diz respeito à inspeção, “que tudo exigia e acabou por não inspecionar coisa alguma - Mas a Congregação do Ginásio cumpriu seriamente o seu dever, mantendo a idoneidade e as tradições do estabelecimento” (A FASE..., 1938, p. 8).

O inspetor fiscal efetivo, Dr. Julio Lima, encontrava-se no sul do país com permissão oficial. Assim, ele indicou dois inspetores para que assumissem a função, um do Colégio Moderno, que não assumiu a atribuição, e outro do Instituto Nossa Senhora de Nazaré, que aceitou, depois de ter finalizado a fase de provas do instituto onde servia. Essa ocorrência gerou a supracitada turbulência. A reportagem destacou que o inspetor do Instituto Nossa Senhora de Nazaré deve ter aceito inspecionar as provas por nutrir antipatia ao Ginásio Paraense, tendo iniciado o seu trabalho desconsiderando o corpo docente da instituição e prejudicando os alunos, que eram chamados, muitas vezes, para a realização das provas, esperavam por muito tempo, mas as provas eram adiadas. Com isso, dava-se o dispêndio de energia e de tempo “dos professores que iam ao Ginásio para esperar pela vontade autoritária do inspetor que, em poucos dias, só teve o mérito de se incompatibilizar com lentes e alunos daquela casa de ensino” (A FASE..., 1938, p. 8).

O inspetor chegou a vetar, em algumas salas, a organização dos pontos que não compreendia, mas que eram aprovados em outras. Desconfiava da autoridade dos professores, solicitando que abrissem os papéis para conferir os pontos (0-10), a fim de verificar se não havia fraudes. Além disso, modificou o horário das provas sem o consentimento do diretor e professores do Ginásio Paraense, exigindo que somente assistiria às provas com a presença do diretor-geral da educação. Diante dessas circunstâncias, a direção e os professores buscaram manter a disciplina de mais de mil alunos, queixosos e inquietos “em face da balbúrdia das provas, que muitos até chegaram ainda a perder, porque ora iam e não faziam, ora quando o inspetor adiava, mandava fazer em hora em que não havia tempo de serem avisados os alunos” (A FASE..., 1938, p .8). O inspetor, depois de causar todos esses inconvenientes e da repercussão negativa do seu trabalho no Ginásio Paraense e fora dele, decidiu não mais assistir às provas. Comparecia ao Ginásio, ficava sentado na secretaria e autorizava os professores a realizarem as provas de suas turmas

Foi exaustivo o trabalho dos professores e dos alunos nos últimos dois dias das provas parciais para não excederem o prazo de realização das provas. Os alunos chegaram a fazer duas provas por dia em decorrência da lentidão com que foram feitas as primeiras, em virtude do critério estabelecido pelo inspetor, “que tudo exigia a começo, para não exigir nada no fim (A FASE..., 1938, p. 8). Não foi identificada na reportagem a sua autoria, mas quem a realizou diz que as informações foram colhidas no Ginásio Paraense com o pessoal administrativo e docente e que naquela ocasião apresentava sinais de cansaço pelo trabalho dos últimos dias, o que poderia ter sido evitado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ginásio Paraense, equiparado ao Colégio Pedro II, deu início, nos anos de 1930, à implantação de medidas para se adequar às novas orientações estabelecidas pelo Governo Federal para a organização do ensino secundário no Brasil. Estruturou seu programa de ensino secundário em sete anos, compreendendo dois ciclos: um fundamental (5 anos) e outro complementar (2 anos), em consonância com o estabelecido pela Reforma de Francisco Campos (BRASIL, 1931a).

Segundo a Reforma do Ginásio Paraense de 1933 (PARÁ, 1933), esse estabelecimento de ensino poderia ministrar outras disciplinas que julgasse necessárias para a formação dos alunos, desde que elas não alterassem o regime das disciplinas obrigatórias estabelecidas em 1931. Essas disciplinas foram consideradas facultativas e, se comparadas às disciplinas obrigatórias, tinham um papel secundário. Não chegamos a localizar na pesquisa quais disciplinas seriam essas.

O sistema de fiscalização instituído nessa reforma buscava garantir que as prescrições fossem seguidas à risca. Entretanto, nem sempre o que é prescrito é realizado como planejado. Há que se considerar nesse processo as negociações que são feitas no interior da instituição sobre o currículo oficial. Fundamentada nas discussões de Goodson (2005 apud CALDAS, 2015) sobre o currículo como uma prática social e cultural, Pessanha (2015, p. 100) destaca “que nem sempre o que se planeja é necessariamente o que acontece nem o que está prescrito é necessariamente o que é aprendido”. Não podemos deixar de considerar que os professores planejaram suas disciplinas segundo as orientações do Governo Federal, mas que, no interior de suas salas de aulas, foram hábeis em criar conteúdo que julgavam válidos para o processo formativo dos alunos.

Ainda que a Reforma do Ginásio Paraense de 1933 (PARÁ, 1933) fizesse referência ao curso complementar secundário, ele só começou a funcionar em 1936. Nessa época, o Pará era o único estado da região Norte a oferecer esse curso. Para esse estabelecimento de ensino, dirigiu-se um número significativo de alunos que, para nele ingressar, teria que se submeter aos exames de admissão. A realização desses exames era divulgada na imprensa local e na secretaria do estabelecimento. As provas orais e escritas que os constituíam eram rigorosas. Os exames de admissão eram marcados por sentimentos de medo e nervosismo.

Clovis Moraes Rego (2002), rememorando seu ingresso no Ginásio Paraense em 1937, destaca a emoção que sentiu ao adentrar a imensa sala de aula do Ginásio para prestar o seu exame de admissão. Descreve em minúcias o ambiente interno da sala de aula, os seus bancos, que comportavam cada um deles seis alunos, a mesa da comissão examinadora, sobreposta ao estrado de madeira lhe dava evidência, e era constituída por três professores catedráticos. Ele foi examinado em Português pelo mestre Arnaldo Lobo. A prova escrita versava sobre um ditado em que o professor ficava de pé ditando e ele sentado, de longe, escrevendo: “nesta, ele sentado, perguntando-me, e eu de pé, mas bem de perto, frente à frente, nervosamente respondendo” (REGO, 2002, p. 67-68).

O elevado número de matrículas nos anos de 1935 a 1937 no curso fundamental e complementar do Ginásio Paraense figurava como reconhecimento de seus estudos no Pará. Segundo o Governador José da Gama Malcher, em 1936, matricularam-se no curso fundamental 450 alunos: 320 do sexo masculino e 130 do sexo feminino; em 1936, aumentou para 645: 457 alunos e 188 alunas; em 1937, achegou-se ao número de 788 matriculados: 542 do sexo masculino e 244 do sexo feminino (PARÁ, 1936).

No curso complementar, em 1936, a matrícula foi de 97 alunos e de 10 alunas. Em 1937, o número passou para 192 alunos e 26 alunas (PARÁ, 1937). Os dados mostram a predominância do sexo masculino nos cursos ofertados por esse estabelecimento de ensino. Mesmo a presença de mulheres ainda sendo tímida, elas começavam a ocupar progressivamente esse espaço educativo, que, nas suas origens, foi reservado aos homens.

REFERÊNCIAS

A FASE agitada e inquieta das provas parciais no Ginásio Paraense. Jornal Folha do Norte, Belém, p. 8, 03 jun. 1938. [ Links ]

ANDRADE, Nadia Arabadgi. A luta pela educação: conflitos e impasses pelo acesso ao ensino secundário no Estado de São Paulo (1930 a 1945). 2019. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2019. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/2208. Acesso em: 10 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Rio de Janeiro, 1931a. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19890-18-abril-1931-504631-publicacaooriginal-141245-pe.html. Acesso em: 10 jan. 2019. [ Links ]

BRASIL. Portaria Ministerial s/n, de 31 de julho de 1931. Programas do curso fundamental do ensino secundário e instruções metodológicas. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, p. 12105-12127, 31 de julho de 1931b. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/104322/1931%20-%20Portaria%20Ministerial%20-%20DOU%2031-07-1931%20-%20Programas%20do%20curso%20fundamental%20do%20ensino%20secund%C3%A1rio%20e%20instru%C3%A7%C3%B5es%20metodol%C3%B3gicas.pdf?sequen. Acesso em: 10 fev. 2020. [ Links ]

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Recebido: 12 de Abril de 2020; Aceito: 25 de Agosto de 2020

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