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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.61 Salvador jan./mar 2021  Epub 18-Out-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v30.n61.p38-51 

EDUCAÇÃO DO CAMPO

O PROTAGONISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA EXPERIÊNCIA DA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFRB

THE LEADING ROLE OF SOCIAL MOVEMENTS IN THE EXPERIENCE OF THE POST GRADUATION IN FIELD EDUCATION AT UFRB

EL PAPEL PRINCIPAL DE LOS MOVIMIENTOS SOCIALES EN LA EXPERIENCIA DE LA POSGRADO EN EDUCACIÓN DE CAMPO EN LA UFRB

Silvana Lúcia da Silva Lima*  (UFRB)
http://orcid.org/0000-0002-1367-0543

*Pós-Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutorado em Geografia pela Universidade de Sergipe (UFS). Professora Associada II da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cruz das Almas, Bahia, Brasil. Atuando nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação do Campo. E-mail: silvana@ufrb.edu.br


RESUMO

A política pública de Educação do Campo é uma forma de o Estado garantir o acesso à educação com suas especificidades e enquanto direito geral e universal. Para tanto, as universidades públicas foram convocadas a articular processos de produção do conhecimento socialmente comprometidos com a qualidade da reprodução social da vida camponesa, e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) respondeu ao chamado criando cursos de graduação e pós-graduação, entre eles o Mestrado em Educação do Campo, que traz uma proposta contra-hegemônica de formação que busca respostas técnico-científicas e teórico-práticas para os dilemas e problemas enfrentados pelos povos do campo, em especial no campo educativo. Para a realização do artigo, foram analisados os documentos do referido programa, feita uma revisão bibliográfica de textos e a avaliação dos 73 trabalhos de conclusão de curso registrados no programa. Os temas e objetos de pesquisa, para além de serem opções individuais dos(as) mestrandos(as), são problemas da realidade pautados pelos movimentos sociais, as associações, grupos de produção ou coletivos de educadores e fóruns, evidenciando o comprometimento dos(as) mestrandos(as), docentes, orientadores(as) e do próprio curso com a produção do conhecimento e as demandas dos povos do campo. A diversidade manifestada no curso de Pós-Graduação em Educação do Campo da UFRB, via seus sujeitos, temas de pesquisa, produtos da pesquisa, origem territorial e filiações políticas e institucionais, contribui com o projeto de universidade pública e gratuita que a Educação do Campo defende, pintada de povo com todas as suas cores, credos, raças e bandeiras de lutas progressistas.

Palavras-chave: Movimentos sociais; Contra-hegemonia; Pós-graduação

ABSTRACT

Public policy on field education is a way for the State to guarantee access to education with its specificities and as a general and universal right. To this end, public universities were called upon to articulate knowledge production processes socially committed to the quality of social reproduction of peasant life and the Federal University of Recôncavo da Bahia (UFRB) responded to the call by creating undergraduate and graduate courses, among them the Master in field education, which brings a counter-hegemonic training proposal that seeks technical-scientific and theoretical-practical answers to the dilemmas and problems faced by rural people, especially in the educational field. For the realization of the article, the documents of the referred program were analyzed, a bibliographic review of texts was made and an evaluation of the 73 course completion works registered in the program. The themes and research objects, in addition to being individual options for master students, are reality problems guided by social movements, associations, production groups or collectives of educators and forums, showing the commitment of Master's students, teachers, supervisors and the course itself with the production of knowledge and the demands of the people of the field. The diversity manifested in the Postgraduate Course in field education at UFRB via its subjects, research themes, research products, territorial origin and political and institutional affiliations contributes to the public and free university project that field education advocates, painted of people with all their colors, creeds, races and flags of progressive struggles.

Keywords: Social movements; Against hegemony; Graduate

RESUMEN

La política pública de Educación campesina es una vía para que el Estado garantice el acceso a la educación con sus especificidades y como derecho general y universal. Para ello, se convocó a las universidades públicas a articular procesos de producción de conocimiento socialmente comprometidos con la calidad de la reproducción social de la vida campesina y la Universidad Federal de Recôncavo da Bahia (UFRB) respondió a la convocatoria creando cursos de pregrado y posgrado, entre ellos los Máster en Educación campesina, que trae una propuesta de formación contrahegemónica que busca respuestas técnico-científicas y teórico-prácticas a los dilemas y problemas que enfrenta la población rural, especialmente en el ámbito educativo. Para la realización del artículo se analizaron los documentos del referido programa, se realizó una revisión bibliográfica de textos y una evaluación de los 73 trabajos de finalización de curso registrados en el programa. Los temas y objetos de investigación, además de ser opciones individuales para los estudiantes de maestría, son problemas de realidad guiados por movimientos sociales, asociaciones, grupos de producción o colectivos de educadores y foros, mostrando el compromiso de) los estudiantes de maestría, docentes, supervisores y el propio curso. con la producción de conocimiento y las demandas de la gente del campo. La diversidad manifestada en el Postgrado en Educación Campesina de la UFRB a través de sus materias, temas de investigación, productos de investigación, origen territorial y afiliaciones políticas e institucionales contribuye al proyecto de universidad pública y libre que promueve Educación campesina, pintado de personas de todos sus colores, credos, razas y banderas de luchas progresistas.

Palabras clave: Movimientos sociales; Contra la hegemonía; Estudios de posgrado

Introdução

Os movimentos de luta por terra, água e territórios corroboram com o pensamento de Virginia Fontes quando afirma que “a verdadeira democracia é a que dá voz às maiorias, e não apenas no momento do voto. É a forma social que assegura que estas governem, decidam os rumos da vida social” (CASIMIRO, 2018, p. 9).

Nessa perspectiva, os movimentos lutam também por apoio à reforma agrária popular, produção dos pequenos agricultores, pela educação, saúde, cultura, questões de gênero, sexualidade e geração, questões étnico-raciais e todas as formar de racismo e exclusão, construindo a contra-hegemonia.

A política pública é “uma forma de atuação do Estado para garantir direitos sociais”, um direito geral e universal que não pode ser categorizado como simples acesso à cidadania na perspectiva da igualdade jurídico-política, porque esta última “oculta a impossibilidade real de a igualdade se materializar nas sociedades capitalistas”, como bem explica Molina (2013, p. 586).

Os movimentos sociais organizados, nacional e internacionalmente, se mobilizam para disputar os projetos governamentais, participando ativamente dos processos coletivos de elaboração das políticas públicas, nem sempre permitidos. Neste caso, cabe destacar que os planos e políticas e suas formas de elaboração evidenciam o perfil do governo, do governante e dos grupos de poder que os sustentam e apoiam, por isso, nem todos os governos priorizam responder às demandas dos movimentos sociais.

Na história do Brasil só existiram espaços efetivos da construção sociopolítica popular nos governos Lula (2002-2010) e Dilma (2011-2016), período em que foram aprovadas diversas políticas públicas voltadas à educação dos povos do campo, de apoio à produção da agricultura familiar e camponesa, de proteção dos povos tradicionais e contra diversas formas de opressão.

Nesse campo e período histórico, as universidades públicas foram convocadas a articular processos de produção do conhecimento socialmente comprometidos com a qualidade da reprodução social da vida camponesa. Tal conjuntura permitiu destinar recursos para fomentar a produção de alimentos na agricultura familiar e camponesa, promover a Economia Solidária em associação com o Programa Fome Zero, promoveu a convivência no semiárido mediado pelo Programa Um Milhão de Cisternas, ampliou a assistência técnica, potencializou a Agroecologia criando o Brasil Agroecológico, estruturou escolas, apoiou várias políticas de formação de professores, entre tantas outras que demandaram a elaboração de projetos políticos e pedagógicos de formação inicial e continuada para temas específicos, todos considerando a diversidade dos sujeitos do/no campo como camponeses, as necessidades dos Sem terra, quilombolas, afrodescendentes, povos originários, pescadores etc.

Cabe destacar que todo esse processo foi interrompido pelo golpe midiático-jurídico-parlamentar de 2016 contra a presidenta Dilma. Com os governos posteriores, todos os programas e projetos gestados em conjunto com a classe trabalhadora do campo e da cidade foram suspensos e/ou profundamente ameaçados, incluindo aqueles que foram transformadas em políticas públicas, tornando-se ações de Estado e não de governos, e por isso não poderiam ser desconstruídas.

Sobre tal questão, Freitas (2018, p. 15) explica:

O governo de coalizão do PT que assumiu em 2003 representou um momento no qual as forças desenvolvimentistas nacionais procuraram enfrentar o setor empresarial e político vinculado ao neoliberalismo daquela época, que pretendia apoiar seus lucros na ‘mais-valia’ das cadeias produtivas internacionais (cf. Berringer, 2015). Combalida ao final de treze anos no poder, a coalizão foi vencida por esta ‘nova direita’ que associada a outras vertentes políticas, organizou com apoio jurídico, parlamentar e midiático o golpe de 2016, dentro da ‘democracia liberal’, corroendo suas instituições.

Esse autor destaca ainda que a Educação foi fortemente disputada, inclusive nos governos do PT, que também abriu espaço para processos de privatização da educação. É este processo que bate forte na porta das universidades públicas, negando sua importância, suas construções teórico-metodológicas e precarizando-as para forçar um aprofundamento da relação com as empresas capitalistas, sucumbindo-as mais ainda aos ditames do mercado capitalista que se sustenta na exploração e expropriação da classe trabalhadora.

Na contramão desse processo, a luta pela Educação do Campo segue porque é resultante da luta pela reforma agrária e do enfrentamentos aos processos históricos de exclusão dos povos do campo historicamente materializados na fome, no sem terra, no boia-fria, no migrante, na escola precária, no professor sem identidade com o campo, na violência e no desemprego, revelando a presença de um Estado comprometido com o projeto elitista e excludente elaborado, aprovado e gestado pela classe dominante nacional, associada ao capitalismo internacional.

A condição da exclusão causa desencanto (GENTILI; ALENCAR, 2012), sustenta o projeto de universidade elitista (BAUER, 2010) e de reforma empresarial da educação (FREITAS, 2018), é produto do escravismo colonial (GORENDER, 2016) e do racismo estrutural (ALMEIDA, 2019), alimentando o racismo ambiental, a homofobia e a violência de gênero. Por isso, a luta de classes não acabou.

Os processos sociopolíticos anteriormente citados estão imersos nas questões agrária e camponesa, que, segundo Sérgio Sauer (2013) seguem exigindo atualizações, aprofundamentos e enfrentamentos práticos e políticos dos trabalhadores organizados e do poder público. Para Sauer (2013, p. 168), as disputas territoriais são problemas contemporâneos e “expressões ou lutas sociais e políticas por um lugar e pelo direito de ser e existir”.

A questão agrária do século XXI enfrenta o velho problema da concentração fundiária e seu par dialético, a pobreza rural. Os grupos econômicos seguem realizando a mais valia pela via commodities agrícolas e não agrícolas e pela estrangeirização das terras, ambos ancorados nas narrativas de uma demanda mundial crescente por alimentos e necessidade do biocombustível, transformando tudo em mercadoria.

De acordo com François Dufour (BOVÉ; DUFOUR, 2001), a questão se explica também na criação do Acordo Geral sobre as Tarifas Aduaneiras e o Comércio de 1947, substituído pela Organização Mundial do Comércio, em 1995. A partir da rodada do Uruguai, em 1986, a política neoliberal por eles criada, fundada na filosofia do livre comércio, forçou a redução das tarifas alfandegárias e outras políticas de incentivos fiscais, ampliando os campos de produção, transformando tudo em mercadoria, inclusive a vida do trabalhador, tomado como escravo contemporâneo.

A política agrícola neoliberal acentuou a degradação ambiental e ampliou os impactos das mudanças climáticas na agricultura camponesa, que sofre com as queimadas, com a escassez de água e o avanço da desertificação, permitindo e legitimando a apropriação indevida dos territórios de vida e trabalho dos camponeses, expulsando-os para as cidades, acentuando os conflitos agrários subjacentes enfrentados pelos movimentos que compõem a Via Campesina.

Contudo, dialeticamente, no seio da luta por reforma agrária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi aprendendo a fazer o enfrentamento ancorado na reflexão e na ação. Para avançar precisou alfabetizar e articular processos de escolarização e de formação política de sua militância, fazendo articulações com outros movimentos e redes sociais, universidades e poder público, resultando nesse projeto grandioso que a é Educação do Campo.

A ação-reflexão-ação os fez enxergar que sem educação não é possível a libertação e a emancipação do seu povo, constituindo o que Caldart (CALDART et al., 2013) chamou de Pedagogia do Movimento ancorada na Educação Popular e na Pedagogia Socialista.

A Educação do Campo surgiu nos acampamentos e assentamentos anunciando outras formas de luta, projetando outras possibilidade de vida no campo e, denunciando a realidade camponesa ao reconhecer as péssimas condições das escolas rurais e a negação subjacente de seus projetos pedagógicos, a ausência de formação específica para profissionais que atuam nas escolas rurais, os riscos do transporte escolar, a profundidade do analfabetismo funcional e as subjugações das políticas de crédito e assistência técnica que impunham aos recém-assentados as determinações da revolução verde. Foi necessário criar salas de aula de alfabetização, pautar ao poder público projetos de escolarização, organizar eventos e jornadas de lutas regionais e nacionais, até chegar aos cursos universitários de graduação e pós-graduação. Enfim, foi uma longa caminhada, consolidada na instituição de políticas públicas e na criação do Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC).

Educação em tempos de esperança: os movimentos sociais ocupam a universidade

A resistência dos povos no campo permitiu que a Bahia configurasse uma agricultura familiar e camponesa grande, diversa e forte, com uma dimensão do potencial das organizações políticas que abrigam.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o estado possuía 762 mil estabelecimentos, congregando aproximadamente 3,8 milhões de pessoas, respondendo por 74% da mão de obra no campo e 33% do PIB agropecuário do país (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2014). Os números também revelam a potência dos problemas e desafios a serem superados, evidenciando a necessidade de pensar, lutar por e elaborar um projeto popular de educação e formação dos/as trabalhadores e trabalhadoras do/no campo.

Na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a abertura para o diálogo com a Educação do Campo se deu com a criação do componente curricular Educação do Campo. Contudo, a relação com os movimentos sociais só foi estabelecida via curso de Pós-Graduação em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial do Semiárido (2011-2013), fruto do Edital nº 01/2010, que mobilizou 153 candidatos para o processo seletivo do curso, 50 aprovados e 45 formados mediante apresentação de monografia de final de curso, todos educadores do campo oriundos de 32 municípios da Bahia e 1 do Piauí, ora atuando em 23 redes municipais de ensino, e outros em 15 movimentos, redes e organizações sociais do campo, como mostra o Quadro 1.

Quadro 1 Origem dos egressos do curso de Pós-Graduação em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial do Semiárido Brasileiro da UFRB 

Origem laboral ou política do egresso Nº de Egressos
Redes municipais de ensino 23
Movimento dos Trabalhadores(as) Assentados(as), Acampados(as) e Quilombolas (CETA) 1
Pastoral da Juventude Rural (PJR) 1
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) 1
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) 2
Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) 1
Articulação do Semiárido (ASA) 1
Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) 2
Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG/BA) 3
Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE) 2
Escola Família Agrícola de Ilhéus (EFAI) 1
Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco (FUNDIFRAN) 1
Movimento de Organização Comunitária (MOC) 1
Gestão Pública 2
Redes de Economia Solidária 1
ONG ambientalista 1
Total 44

Fonte: Elaborado pela autora deste artigo.

Eram tempos de esperança que permitiram que os sujeitos protagonizassem a forma e o conteúdo da concepção de educação pública e da Educação do Campo, avançando na Pedagogia da Alternância. Esses tempos permanecem na resistência.

A militância dos movimentos e redes sociais ocupou a universidade com suas bandeiras, músicas, mística e auto-organização, imprimindo uma nova práxis ao cotidiano do trabalho acadêmico, reivindicando a continuidade do processo formativo e, sempre de forma colaborativa e propositiva, a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação. O resultado foi a criação do Mestrado Profissional em Educação do Campo (PPG Educampo), dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) com habilitação em Ciências Agrárias, Ciências da Natureza e Matemática, a Licenciatura em Pedagogia com ênfase na Educação do Campo via PARFOR e os cursos superiores em Tecnologia em Agroecologia (Pronera-INCRA/UFRB/EFASE) e Tecnologia em Alimentos. Os referidos cursos mudaram a dinâmica do Centro de Formação de Professores (CFP), campus de Amargosa, Bahia, e do Centro de Ciências e de Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (CETENS), campus de Feira de Santana.

Na elaboração dos Projetos Pedagógicos dos cursos de Pós-Graduação em Educação do Campo, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) dialogou com a produção do conhecimento historicamente referenciado e com 6 programas ou políticas públicas pautadas pelos movimentos sociais, a saber: 1) Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) - Decreto n.º 7.352/2010 (BRASIL, 2010); 2) Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), que não possui legislação própria, sendo normatizado por editais específicos; 3) Parecer sobre os dias letivos para a aplicação da Pedagogia de Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA) - Parecer CNE/CEB nº 1/2006 (BRASIL, 2006); 4) Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) - Lei nº 10.696/2003 (BRASIL, 2003); 5) Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) - Decreto nº 7.794/2012 (BRASIL, 2012); 6) Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007).

O PPG Educampo foi aprovado pela CAPES em outubro de 2012, iniciando suas atividades didáticas em abril de 2013. A literatura acadêmica, os programas e políticas públicas conquistados pelos povos do campo e os Movimentos Sociais orientaram sua definição curricular e estruturação das linhas de pesquisa.

Seguindo a proposta da Especialização, foram criadas duas linhas de pesquisa, congregando 12 docentes e 12 mestrandos por turma:

  1. Formação de Professores e Organização do Trabalho Pedagógico das Escolas do Campo;

  2. Trabalho, Movimentos Sociais do Campo e Educação.

O encontro de planejamento em 2016 ampliou as vagas docentes e discentes para 20, redefinindo e ampliando as linhas de pesquisa a fim de garantir voz e espaço aos novos sujeitos e temas de pesquisa propostos por docentes e estudantes:

  1. Formação de Professores e Organização do Trabalho Pedagógico das Escolas do Campo;

  2. Agroecologia, Trabalho, Movimentos Sociais do Campo e Educação;

  3. Cultura, Raça, Gênero e Educação do Campo.

O PPG Educampo é o único programa de pós-graduação do Brasil que trata especificamente da Educação do Campo e segue enfrentando o desafio de contribuir com as lutas sociais para romper com as profundas situações de exclusão e negação de direitos dos povos do campo e da cidade. Já formou cerca de 85 mestres em Educação do Campo e abriu, entre 2013 e 2020, 8 turmas.

Cabe dizer que os movimentos e redes sociais do campo encontraram na UFRB um campo fértil para a implantação e vivência da “pedagogia da esperança, um antídoto limitado ainda que necessário contra a pedagogia da exclusão” (GENTILI; ALENCAR, 2012, p. 43).

Muitos foram os desafios, problemas, dilemas e contradições encontrados e enfrentados, mas os docentes, gestores e militantes da Educação do Campo e da luta pela terra, territórios e soberania alimentar acreditaram que “o poder hegemônico não tem, nem terá nunca, a última palavra [...] [que] há razões de sobra para afirmar que um outro mundo é necessário, urgente e possível” (GENTILI; ALENCAR, 2012, p. 21).

Lutas, realidades camponesas e o trabalho como princípio formativo

No PPG Educampo o trabalho é princípio formativo, compreendido à luz de Frigotto e Ciavatta (2013), ou seja, o trabalho é fundamento da constituição do gênero humano, mecanismo que permite aos humanos retirar da natureza seus meios de vida. É dever e é direito, tanto para profissionais da educação quanto para gestores públicos ou militantes dos movimentos sociais. Para esses autores, “daí deriva a relação entre trabalho e a educação em todas as suas formas, em que se afirma o caráter formativo do trabalho e da educação como ação humanizadora, mediante o desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano.” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2013, p. 749)

O trabalho no campo, associado à luta pela terra, construiu novos sujeitos e novas lutas; acredita-se que o trabalho nas escolas guiadas por uma filosofia camponesa da educação também irá formar novos sujeitos construtores de uma nova realidade de vida e trabalho para a classe trabalhadora.

As turmas de Pós-Graduação em Educação do Campo da UFRB foi espaço do reencontro daqueles sujeitos alfabetizados e escolarizados nos projetos de educação dos sem terra, particularmente em turmas do PRONERA. Este teve a capacidade de organizar processos que escolarizaram forjando os trabalhadores para a luta, contribuindo com a autoconstrução da identidade de Sem Terra, criando as condições objetivas para que o êxodo rural fosse substituído, ao menos parcialmente, pela permanência no campo.

O quantitativo de pessoas vivendo e trabalhando no campo gerou uma demanda por serviços sociais básicos, como educação. Para compreender a realidade educacional do campo baiano, o Fórum Estadual de Educação do Campo (FEEC) demandou à Secretária da Educação do Estado da Bahia (SEC) a realização de um diagnóstico da situação das escolas. Para tanto, a SEC contratou uma equipe de consultores da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para realizar a referida pesquisa, permitindo-lhes estruturar uma política estadual de Educação do Campo, o que não necessariamente ocorreu.

O Diagnóstico das Escolas do Campo do Estado da Bahia (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015) analisou dados do Censo Escolar relativo às escolas rurais de 2010 e 2012. O estudo evidenciou vários problemas que persistem e estão sendo agravados no campo, tais como: “a entrada na escola não significa a sua permanência”; na EJA, “o número de concluintes também é menor que o número de matrículas” (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015, p. 34). O estudo afirma que “os dados levantados trazem à tona dúvidas sobre a efetividade do papel social da escola” (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015, p. 35), levando a concluir que “a falta de condições de acesso do jovem à educação funciona como um elemento impulsionador do processo de migração juvenil” (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015, p. 37).

Ao analisar o que fundamenta o processo de escolha e seleção dos conteúdos pelos docentes nas escolas rurais baianas, o documento revela que 55% não seguem as diretrizes específicas para as escolas do campo, seguindo, prioritariamente, os critérios com base no livro didático e/ou diretrizes oficiais gerais, sem preocupação efetiva com a vida camponesa (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015).

Ao analisar a proposta pedagógica das escolas rurais baianas, o estudo mostrou que 38,07% têm por referência a LDB, 26,43%, a Lei nº 11.648/2008, que trata da cultura africana e afro-brasileira, e 15% se fundamentam nas diretrizes da Educação do Campo, um percentual bastante significativo (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015).

O documento também analisou a aquisição de alimentos pelas escolas rurais, onde apenas 48,72% adquirem os gêneros alimentícios que compõem o cardápio escolar de agricultores familiares (SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, 2015).

Os dados apresentados revelam a necessidades de formação inicial e continuada de professores dialogando com a Educação do Campo e a Agroecologia, reverberando em ações formativas em todas as universidades da Bahia.

Foi com esse olhar mais apurado para as condições objetivas e subjetivas da existência dos camponeses e das escolas do campo que a UFRB abriu suas portas para os movimentos e redes sociais do campo e suas demandas, criando os cursos anteriormente citados.

Assim como na graduação, os docentes da Pós-Graduação em Educação do Campo, dentro dos seus limites de formação inicial, se abriram para conhecer e compreender os territórios, a vida e a realidade camponesa, tornando-os contexto, conteúdo e tema de pesquisa a serem trabalhados à luz das teorias e métodos específicos, prevalecendo a perspectiva crítica entre docentes.

O objetivo do PPG Educampo

[...] é capacitar professores(as) das redes públicas de ensino, gestores(as) públicos e articuladores(as) dos movimentos sociais do campo para implementar o projeto de Educação do Campo delineado a partir das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo (RESOLUÇÃO CNE/CEB 1, 03/04/2002) e da Política Nacional de Educação na Reforma Agrária (Decreto nº 7.352, 04/11/2010). (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, 2012).

O PPG Educampo entende que a Educação do Campo é um projeto educativo que tem por referência os sujeitos sociopolíticos que vivem e trabalham no campo. Segundo Arroyo (1999), estas são pessoas totais, ou seja, são trabalhadores(as), pais, filhos(as), homens, mulheres, velhos, adultos, jovens e crianças que carecem de vida digna, de terra, educação, saúde, lazer, renda, força e sabedoria política para fazer girar a roda de sua própria história. São pessoas concretas, sujeitos de direitos, o que para nós justifica as escolhas teóricas e metodológicas do projeto, bem como a definição de seu público-alvo.

Os sujeitos e seus trabalhos de conclusão de curso: um permanente diálogo com a realidade camponesa e povos tradicionais

O PPG Educampo possui educandos oriundos de 7 estados do Brasil: Bahia, Alagoas, Maranhão, Ceará, Sergipe, Minas Gerais e Espírito Santo. Eles atuam em diversas redes de ensino de âmbito municipal, estadual ou federal; alguns sem vinculação com a materialidade de origem da Educação do Campo, outros são militantes dos movimentos e redes sociais do campo e da economia solidária, ampliando o número de instituições políticas que hoje dialogam com a UFRB: Movimento de Trabalhadores Rurais Assentados e Acampados da Bahia, Pastoral da Juventude Rural, Movimento dos Pequenos Agricultores (SE e MG), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (BA, SE, MA, ES e CE), Movimento dos Atingidos por Barragens, Rede de Educação do Semiárido Brasileiro, Fórum Estadual de Educação do Campo, Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Escola Família Agrícola do Sertão, Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco, Partido dos Trabalhadores, Associação dos Professores Licenciados do Brasil, ONG Centro Sapucaia, Movimento Slow Food e Rede BATUC - Turismo Comunitário da Bahia, Movimento da Educação do Campo - Rede Mineira de Educação do Campo, Associação da Comunidade Quilombola de Graciosa e Terreiro do Campo Bantu Indígena Caxuté/Coletivo Patrimônio Aldeia Guerém/Teia dos Povos.

O curso de formação superior inicial predominante entre os educandos/egressos do PPG Educampo é a Licenciatura em Pedagogia, seguido pela Licenciatura em Educação do Campo, Biologia, Geografia, Letras, Agronomia, História, Educação Física e Tecnologia em Agroecologia.

É importante destacar que o PPG Educampo já formou 16 egressos oriundos de políticas de Educação do Campo: Programa Nacional de Reforma Agrária (PRONERA) e Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), como mostra o Quadro 2.

Quadro 2 Número de egressos do PPG Educampo e origem acadêmica 

Número de egressos Curso de graduação Política pública Instituições de Ensino Superior
4 Licenciatura em Pedagogia [da Terra] PRONERA Universidade do Estado da Bahia
2 Licenciatura em Pedagogia [da Terra] PRONERA Universidade Federal do Maranhão
2 Licenciatura em Pedagogia [da Terra] PRONERA Universidade Federal do Pará
1 História PRONERA Universidade Federal da Paraíba
1 Tecnologia em Agroecologia PRONERA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná
2 Licenciatura em Educação do Campo PROCAMPO Universidade Federal da Bahia
1 Licenciatura em Educação do Campo PROCAMPO Universidade Federal de Sergipe
3 Licenciatura em Educação do Campo PROCAMPO Universidade Federal de Minas Gerais

Fonte: Elaborado pela autora deste artigo.

Os egressos do PPG Educampo atuam em 6 Escolas Famílias Agrícolas, 2 Centros de Educação Profissional da Bahia, na gestão educacional ou em secretarias ligadas ao desenvolvimento agrário, na militância dos movimentos ou redes sociais e/ou em diversas escolas do/no campo.

O perfil das turmas levou os pós-graduandos a encarar de forma diferente dos demais pós-graduandos os problemas comuns relativos à permanência na universidade, organizando-se coletivamente quanto à hospedagem, lutando por espaço na residência estudantil destinada aos estudantes do PROCAMPO e organizando cozinhas e lanches comunitários.

A trajetória de vida dos educandos e mestrandos em Educação do Campo os levaram a desenvolver pesquisas capazes de elaborar reflexões teóricas e respostas concretas aos dilemas vividos pelos povos do campo, dentro e fora das escolas, como revela o Quadro 3.

Quadro 3 Temáticas de TCC por linhas de pesquisa (2013-2019) 

Temáticas Número de trabalhos
Linha 1 Linha 2
Formação de professores/educadores 11 4
Agroecologia 1 6
Alfabetização 1 -
Artes 1 -
Assentamentos rurais 1 1
Associativismo 1 -
Avaliação e planejamento 2 -
Comunidades tradicionais (de Terreiro, Quilombola e Fundo e fecho de pasto) 1 3
Cultura camponesa - 3
Cultura corporal - 1
Currículo 2 1
Desenvolvimento territorial 1 1
Economia solidária - 2
Educação antirracista 1 -
Educação do MST 1 -
Educação profissional - 2
Educação superior - 1
Educação/questão ambiental 1 1
Educação quilombola 1 -
Educação de Jovens e Adultos 1 -
Emancipação humana 1 -
Escolas do campo 7 1
Escola Família Agrícola 1 1
Juventude 2 6
Licenciaturas em Educação do Campo 3 -
Identidade 1 -
Marcos regulatórios da Educação (do Campo) 2 -
Migração campo-cidade - 1
Movimentos sociais e redes sindicais 1 5
Mulheres, Gênero e Sexualidade 3 6
Multisseriação 5 -
Organização política 1 -
Pedagogia da Alternância 3 -
Políticas afirmativas e Permanência 3 -
Políticas educacionais 4 -
Políticas públicas de desenvolvimento territorial e agrário 1 1
Práticas educativas 3 2
Projeto político pedagógico 3 1
PRONERA 3 -
Questão agrária 2 5
Reforma agrária e luta pela terra e território 1 2
Segurança alimentar - 1
Semiárido - 2
Teoria e método 3 -
Território camponês (e das águas) 1 3
Trabalho docente 1 -
Trabalho 1 5

Fonte: Elaborado pela autora deste artigo.

Para a elaboração do Quadro 3, consultamos os trabalhos de conclusão de cursos, listando até 3 categorias de análise presentes no resumo e/ou no título do projeto. As temáticas identificadas revelam a diversidade de temas, sujeitos, territórios da investigação, bandeiras de lutas e pressupostos pedagógicos, teóricos e metodológicos de análise.

Os temas mais pesquisados foram Formação de professores/educadores do campo (14), Mulher, Gênero e sexualidade (9), Escolas do/no campo (8), Juventude (8), Agroecologia (8), Questão agrária (7), Movimentos e redes sociais (6). Entretanto, podemos fazer uma segunda aproximação do tema políticas educacionais e chegaremos a 10 pesquisas distintas. Cabe ainda destacar que as pedagogias fundantes da Educação do Campo (Educação popular, Pedagogia socialista, Pedagogia do movimento e Pedagogia histórico crítica) são transversais ao conjunto das pesquisas que, em conjunto com a questão agrária, são orientadoras da elaboração dos conceitos, das escolhas dos métodos num número significativo de pesquisa.

As temáticas Formação de professores, Elaboração de projetos pedagógicos e Políticas educacionais denunciam as condições estruturais das escolas do/no campo brasileiro, bem como as péssimas condições do trabalho docente materializadas em contratos temporários e mal remunerados; alta rotatividade do quadro de profissionais, implicando na descontinuidade dos processos formativos, incluindo aqueles realizados a partir das pesquisas dos mestrandos; profissionais formados em sua maioria por universidades e faculdades privadas; desconhecimento das especificidades das políticas públicas de Educação do Campo.

Os trabalhos sobre Agroecologia resgatam a Questão agrária para refletir sobre a base sócio-histórica dessa matriz produtiva, destacando o papel das mulheres e da juventude rural na sua construção, bem como apontam demandas relacionadas à educação em Agroecologia e à produção de conteúdos e metodologias fundamentadas no trabalho enquanto princípio formativo. Em todos os casos, são feitas denúncias do agronegócio e das políticas de exclusão, inerentes ao sistema capitalista.

Os temas juventude, mulher e raça no campo têm aproximado diversos pesquisadores, evidenciando aspectos da realidade camponesa, impulsionando pesquisas, em especial relacionadas à luta camponesa e do povo preto por educação, emancipação, Agroecologia e ruptura da sociedade patriarcal, levando, em 2019, ao desmembramento da linha 2 e à criação da linha 3, apresentadas anteriormente.

Considerações finais

A trajetória do PPG Educampo evidencia o seu vínculo com as lutas e conjunturas políticas que forjaram a criação da Política Nacional de Educação do Campo e o FONEC, contribuindo com sua efetivação, sem abrir mão das especificidades das realidades locais que forjaram a UFRB, uma universidade pública no interior do estado da Bahia, amplamente comprometida com a inclusão e a diversidade social.

A especificidade de Educação do Campo atraiu para o programa sujeitos individuais e coletivos de 8 estados brasileiros, mais de 20 movimentos e redes sociais do campo, permitindo o registro de 73 pesquisas entre os anos de 2013 e 2019.

Os estudos se fundamentam em bases epistemológicas consolidadas no conhecimento historicamente produzido, dialogando com as pedagogias fundantes da Educação do Campo e o paradigma da questão agrária brasileira, defendendo uma ampla política de formação inicial e continuada dos educadores do campo, em especial daqueles que atuam nas escolas do campo e nas bases comunitárias dos territórios camponeses.

Ao pesquisar sobre as condições estruturais da vida no campo, da educação e das condições de reprodução social da vida camponesa, além de possibilitar o conhecimento e a leitura crítica da realidade, os estudos produzem elementos de denúncia, projetando caminhos para a transformação estrutural do campo brasileiro. Neste aspecto, a defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente inclusiva é premissa da mudança anunciada.

O PPG Educampo compreende que existe um vínculo indissociável entre educação, o campo enquanto base territorial da vida e os temas de pesquisa.

A linha 1 do programa prioriza a temática da formação dos profissionais da educação, a organização do trabalho pedagógico, a avaliação de práticas pedagógicas e a elaboração de projetos políticos pedagógicos e de políticas públicas destinadas a criar e fortalecer uma escola comprometida com o desenvolvimento agrário.

A linha 2 do programa dialoga com a formação dos povos do campo mediados pelo tema trabalho, agroecologia, políticas públicas de desenvolvimento territorial e agrário, garantindo o protagonismo dos movimentos e redes sociais do campo.

As duas linhas fazem um debate amplo com a diversidade que perpassa as distintas realidades, identificando as organizações políticas e a diversidade social, territorial, ambiental, política de gênero, geração e raça presentes na classe trabalhadora no campo brasileiro, estabelecendo uma ponte com uma perspectiva que precisa ser melhor aprofundada no curso: o trabalho é princípio formativo.

As pesquisas também revelam o comprometimento dos(as) mestrandos(as), docentes orientadores(as) e do próprio curso com as demandas dos povos do campo. Os projetos de pesquisa, para além de serem indicações individuais dos mestrandos, são indicativos apreciados e/ou aprovados pelos movimentos e rede sociais, associações ou coletivos de educadores e grupos de produção de origem, levando os pesquisadores a buscar caminhos de superação para os principais problemas encontrados, destacando um compromisso acadêmico e sua relação com uma função social da universidade num sentido mais amplo.

Como se trata de um mestrado profissional, os trabalhos de conclusão de curso assumem formatos distintos. Por isso, o PPG Educampo já cadastrou 35 dissertações, 24 relatórios, 11 cartilhas, um conjunto de notas pedagógicas e 2 cadernos de formação. Os relatórios são sistematizações dos trabalhos formativos realizados, da elaboração de 2 vídeos, de uma série de 10 programas de comunicação, do apoio na elaboração de um projeto político pedagógico e de um marco regulatório. Estes formatos são sínteses fundamentadas em reflexões teórico-metodológicas que visam cumprir a função da ampla socialização do conhecimento.

Pelo seu nível de comprometimento acadêmico e social, vários trabalhos de conclusão de curso se fundamentaram em ações de caráter extensionista, prevalecendo a pesquisa-ação ou pesquisa participante, e como procedimento metodológico a roda de conversa, os círculos de cultura, o grupo focal e/ou entrevistas semiestruturadas deliberando que a pesquisa também resulte num processo formativo que ocorre ora na escola, ora na comunidade.

A diversidade manifestada no curso de Pós-Graduação em Educação do Campo da UFRB, via seus sujeitos, temas de pesquisa, produtos da pesquisa, origem territorial e filiações políticas e institucionais, contribui com o projeto de universidade pública e gratuita que a Educação do Campo defende, pintada de povo com todas as suas cores, credos, raças e bandeiras de lutas progressistas.

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Recebido: 07 de Novembro de 2020; Aceito: 03 de Fevereiro de 2021

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