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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.61 Salvador ene./mar 2021  Epub 18-Oct-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v30.n61.p103-122 

EDUCAÇÃO DO CAMPO

A POLÍTICA DE FORMAÇÃO TÉCNICOPROFISSIONAL DA FUNDAÇÃO ITESP PARA ASSENTADOS DA REFORMA AGRÁRIA

THE POLICY OF TECHNICAL-PROFESSIONAL TRAINING FOR ITESP FOUNDATION TO BENEFICIARIES OF AGRARIAN REFORM

LA POLÍTICA DE FORMACIÓN TÉCNICA Y PROFESIONAL DEL FUNDACIÓN ITESP PARA ASENTAMIENTOS DE REFORMA AGRARIA

Juliana Binatto Schaer Gonzaga*  (UNOESTE)
http://orcid.org/0000-0002-9310-978X

Marcos Vinicius Francisco**  (UEM)
http://orcid.org/0000-0002-5410-2374

Erika Porceli Alaniz***  (UEMS)
http://orcid.org/0000-0002-8855-4045

*Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). Advogada Pública da Fundação ITESP, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. E-mail: juschaer@hotmail.com

**Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente, SP. Docente do Departamento de Ciências do Movimento Humano (DMO) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, Paraná, Brasil. E-mail: mvfrancisco@uem.br

***Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: a.porcelierika@gmail.com


RESUMO

A Fundação ITESP é responsável pelas políticas agrária e fundiária no estado de São Paulo. Objetivou-se identificar e analisar os pressupostos políticos, ideológicos e pedagógicos explícitos e subjacentes à formação técnico-profissional para os assentados da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP). Adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental, a partir do referencial teórico-metodológico do materialismo histórico-dialético. Os documentos analisados consistiram nos convênios firmados pela Fundação ITESP para oferta de cursos profissionalizantes aos assentados, tendo como partícipes o Centro Paula Souza e os municípios de Euclides da Cunha Paulista, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio e Rosana. Constatou-se que embora os convênios abarquem formação técnico-profissional por parte do poder público a jovens beneficiários da reforma agrária, estão envoltos por uma ideologia empresarial, com o objetivo de preparar a força de trabalho para as grandes empresas do agronegócio e reproduzir o sistema de classes.

Palavras-chave: Fundação ITESP; Formação técnico-profissional; Assentamentos; Ideologia empresarial

ABSTRACT

The ITESP Foundation is responsible for agrarian and land policy in the São Paulo state. Sought to identify and analyze the political, ideological and pedagogic presuppositions explicit and underlying technical vocational training proposed by ITESP Foundation. Bibliographic and documentary research was adopted, and the theoretical-methodological framework is anchored in the perspective of historical-dialectical materialism. The documents analyzed consisted of agreements signed by the ITESP Foundation for the provision of vocational courses to settlers in the state of São Paulo, with the Paula Souza Center and the municipalities of Euclides da Cunha Paulista, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio and Rosana. The results show contradictions in the conjuncture of the mentioned formative action, because although the agreements deal with the implementation of technical-professional training proposal by the public power to beneficiaries of the agrarian reform, in fact, are surrounded by an entrepreneurial ideology, with the purpose of preparing the workforce for the big agribusiness enterprises and reproducing the class system.

Keywords: ITESP Foundation; Technical-professional training; Settlements; Business ideology

RESUMEN

La Fundación ITESP es responsable por la política agraria y territorial en el estado de São Paulo. El objetivo fue identificar y analizar los supuestos explícitos políticos, ideológicos y pedagógicos que subyacen a la formación técnica y profesional de los pobladores de la Fundación ITESP. Se adoptó la investigación bibliográfica y documental, basada en el marco teórico-metodológico del materialismo histórico-dialéctico. Los documentos analizados consistieron en convenios suscritos por la Fundación ITESP para ofrecer cursos de formación profesional a pobladores del estado de São Paulo, con participantes del Centro Paula Souza y los municípios de Euclides da Cunha Paulista, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio y Rosana. Se encontró que si bien los convenios mencionados cubren la formación técnico-profesional por parte del gobierno a jóvenes beneficiarios de la reforma agraria, están rodeados de una ideología empresarial, con el objetivo de preparar la fuerza laboral para las grandes empresas agroindustriales y reproducir el sistema de clases.

Palabras clave: Fundación ITESP; Formación técnica y profesional; Asentamientos; Ideología empresarial

Introdução

A Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP) é uma fundação pública estadual, vinculada à Secretaria da Justiça e Cidadania, criada pela Lei Estadual nº 10.207, de 08 de janeiro de 1999 (SÃO PAULO, 1999). Nos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto Estadual nº 44.944, de 31 de maio de 2000 (SÃO PAULO, 2000), verifica-se que além de ser dever da Fundação ITESP a prestação de assistência técnica às famílias assentadas, também lhe cabe promover a capacitação dos beneficiários dos assentamentos na área rural e, para tanto, existe a possibilidade de firmar convênios com instituições públicas ou privadas.

Nessa esteira e com fulcro na legislação que dispõe sobre a política educacional do campo, delineada mais adiante, a Fundação ITESP, em 07 de julho de 2017, celebrou convênio de cooperação técnico-educacional para a oferta de cursos profissionalizantes a jovens beneficiários de assentamentos rurais, com os seguintes partícipes: Centro Paula Souza, autarquia estadual de regime especial, nos termos do artigo 15, da Lei Estadual nº 952, de 30 de janeiro de 1976 (SÃO PAULO, 1976), criado pelo Decreto-Lei Estadual de 06 de outubro de 1969 (SÃO PAULO, 1969) e associado à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); e os municípios de Euclides da Cunha Paulista, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio e Rosana, pertencentes à região do Pontal do Paranapanema, situada no extremo sudoeste do estado de São Paulo e marcada pelo conflito de terras.

A partir de dados trazidos por Mazzini (2007), é possível denotar o envolvimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na luta pela terra. Inclusive, ao tratar da atuação de movimentos socioterritoriais, especialmente a do MST, na região do Pontal do Paranapanema. De acordo com Feliciano (2018), foi a partir de 1990, com a primeira ocupação do MST na região do Pontal do Paranapanema, que a expansão da luta pela terra tomou proporções maiores. Embora a questão das terras devolutas no Pontal do Paranapanema fosse de conhecimento regional, o MST a tornou visível para toda a sociedade. Fez uso da estratégia das ocupações de terras e formação de acampamentos rurais. Consoante ao artigo 16 do Estatuto da Terra - Lei Federal nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (BRASIL, 1964) -, a reforma agrária tem como objetivo estabelecer um sistema de relações entre o homem, o uso da terra e a propriedade rural, que tenha a capacidade de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural.

Na atual conjuntura, a juventude rural está sujeita ao avanço de um modelo de educação voltado aos interesses do agronegócio. Para Bogo (2016), a Educação do Campo se encontra em disputa com o agronegócio, que visibiliza na educação a possibilidade de convencer populações de que o projeto capitalista se trata do único possível.

A política de Educação do Campo brasileira é regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.352, de 04 de novembro de 2010 (BRASIL, 2010), o qual também dispõe acerca do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Convém destacar que é integrante da política educacional do campo e que, segundo o artigo 12 do Decreto acima, tem como objetivos: a oferta de educação formal aos jovens e adultos beneficiários do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em todos os níveis de ensino; a melhoria das condições do acesso à educação do público do PNRA; bem como proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais por meio da qualificação do público do PNRA e dos profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos assentamentos.

Ademais, nos termos do artigo 14, inciso II, também do Decreto Federal nº 7.352, de 04 de novembro de 2010 (BRASIL, 2010), o PRONERA compreende o apoio a projetos na área de formação profissional conjugada com o ensino de nível médio, por meio de cursos de educação profissional de nível técnico, superior e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento.

Mediante os aspectos apresentados, nesta pesquisa assumiu-se como objetivo geral identificar e analisar os pressupostos políticos, ideológicos e pedagógicos explícitos e subjacentes à formação técnico-profissional para os assentados da Fundação ITESP.

Metodologia

A opção metodológica consistiu na pesquisa bibliográfica e na análise documental dos convênios de cooperação técnico-educacional celebrados pela Fundação ITESP com o Centro Paula Souza e com os municípios paulistas de Euclides da Cunha Paulista, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio e Rosana, para a oferta de curso profissionalizante em agronegócio aos jovens beneficiários da reforma agrária.

Sobre a pesquisa bibliográfica, Gil (2008) a descreve como aquela desenvolvida a partir de material já elaborado, especialmente constituído de livros e artigos científicos. No que tange à análise de documentos de política educacional, Evangelista e Shiroma (2019) ponderam ser necessário explicitar os objetivos que se fazem explícitos ou velados em textos e documentos, bem como se estão articulados com a manutenção ou superação do projeto hegemônico burguês. Todo documento é materializado a partir dos condicionantes históricos, mediante múltiplas determinações. Ou seja, há que se atingir a essência e o que está por trás de tais documentos.

No que se refere aos materiais relacionados à Fundação ITESP, selecionou-se os publicados a partir do ano 2000, tendo em vista a criação dessa instituição. As demais referências privilegiaram a década de 1990 em diante, devido à influência do discurso e das reformas de caráter neoliberal no setor educacional.

Documentado em fichas, esse material foi tabulado e, posteriormente, cotejado com a literatura especializada a fim de organizar as unidades analíticas. No intuito de melhor explicitar as contradições dos documentos públicos em estudo, foram trazidos alguns elementos da proposta de formação profissional do MST. Dos documentos da Fundação ITESP, extraiu-se alguns temas recorrentes, quais sejam: a ideologia privatista na esfera pública e a contradição no discurso entre o projeto de educação para fortalecimento dos assentamentos, combinado com a influência do agronegócio.

Foram então estabelecidas as seguintes unidades analíticas que permitiram o aprofundamento teórico e conceitual, bem como a análise da formação profissional da Fundação ITESP: 1) A lógica mercantil e a relação público e privado: impactos na formação técnico-profissional; 2) Pressupostos do Agronegócio versus formação técnico-profissional para assentados.

Como referência teórico-metodológica e analítica, optou-se pela perspectiva do materialismo histórico-dialético.

Marx (2006), sob o prisma do materialismo histórico-dialético, afirma que, historicamente, existe uma modificação das relações sociais de produção, que se transformam com a alteração e o desenvolvimento das forças de produção. Na sua totalidade, as relações de produção formam a sociedade, as relações sociais, porquanto o capital também é uma relação social de produção.

Sobre o materialismo histórico-dialético, Netto (2011, p. 31), valendo-se das contribuições de Marx e Engels, a partir “da análise da realidade histórica e expressamente materialista”, afirma que é possível identificar que

[...] o ser social - e a sociabilidade resulta elementarmente do trabalho, que constituirá o modelo da práxis - é um processo, movimento que se dinamiza por contradições, cuja superação o conduz a patamares de crescente complexidade, nos quais novas contradições impulsionam a outras superações.

Análise documental dos convênios de cooperação técnico- educacional firmados pela fundação itesp

• Elementos da proposta de formação profissional do MST

Considerando que a celebração dos convênios de formação técnico-profissional para os assentados se insere na política pública de formação e capacitação dos agricultores beneficiários dos assentamentos praticada pela Fundação ITESP, e que para se evidenciar as contradições presentes nos convênios públicos em exame será feita uma contraposição entre a formação técnico-profissional da Fundação ITESP e a proposta e demanda de educação do movimento social, no caso o MST, serão trazidos, nesse subitem, alguns elementos da formação profissional no âmbito do Movimento, a fim de possibilitar a explicitação das contradições existentes na parceria objeto de estudo. Frise-se que a formação técnico-profissional da Fundação ITESP traz uma perspectiva diversa da concepção de formação defendida pelo MST, movimento que mais avança na proposição de um projeto educativo para a educação do campo no Brasil (FRANCISCO; ALANIZ, 2014).

No que tange à perspectiva de formação educativa do MST, Hammel, Farias e Sapelli (2015) apontam que, desde a década de 1980, a partir de autores como Pistrak, Makarenko, Vigotski, dentre outros, vem sendo estabelecida a construção de proposta contra-hegemônica, que não responda somente às necessidades didático-pedagógicas do processo educativo escolar, mas represente a ocupação do espaço escolar, com intuito de formar a classe trabalhadora.

Com relação às expectativas do MST, no que diz respeito à formação educativa de seus integrantes, Caldart (2010) esclarece que a Pedagogia do Movimento assume que a grande tarefa dos educadores é desencadear processos que combinem diferentes práticas pedagógicas, assim como refletir para que constituam um movimento educativo coerente, em torno de valores e de princípios comuns, comprometidos com a formação dos sujeitos, as transformações sociais e luta pela dignidade humana.

Há cursos do MST desde a educação infantil até o nível superior (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2001), com vistas à formação política e técnica dos sujeitos Sem Terra. Assim, desde 2002 foram desencadeadas ações pelo MST para consolidar práticas educativas em Agroecologia, expressas na emergência de 26 escolas de Agroecologia do Movimento (SANTOS, 2014). Como exemplo de escolas que atendem às necessidades da população camponesa, em oposição ao agronegócio (Educação do Campo), na perspectiva da Agroecologia, tem-se a Escola Milton Santos, localizada em Maringá (PR) e pertencente ao MST. Funciona em regime de alternância e possui metodologia reconhecida pelo PRONERA (ROHDEN, 2017).

Para Caldart (2015), os que defendem a perspectiva agroecológica estão atentos às inúmeras denúncias sobre os efeitos nefastos da agricultura capitalista para a vida humana e a natureza. Ou seja, procuram conhecer as alternativas que vêm sendo construídas pelos trabalhadores camponeses a fim de desenvolver outra lógica de agricultura e educação escolar.

• Características gerais dos convênios

No tocante à política pública de formação e capacitação dos agricultores beneficiários dos assentamentos da Fundação ITESP, dessume-se do discurso governamental considerar que o conhecimento é construído na interação com o outro e no contexto social em que o sujeito está inserido, e não apropriado de forma linear. Assim, tal proposta pedagógica levaria em conta as dimensões cultural, social, profissional e política, porquanto as ações de formação teriam passado a ser discutidas como um dos eixos das políticas de desenvolvimento das comunidades assentadas (PILLA; ANDRADE; MARQUES, 2013).

Desde 2002 teria ocorrido um investimento da Fundação ITESP ao capacitar seus profissionais e beneficiários, mediante parcerias com instituições governamentais de âmbito estadual e federal, em programas que abordam as seguintes temáticas: geração de renda com sustentabilidade, agroecologia, gestão coletiva do leite, produção e comercialização de artesanato, organização de grupo de mulheres para produção e comercialização, dentre outros (PILLA; ANDRADE; MARQUES, 2013).

Pois bem, existem notáveis contradições entre o discurso governamental da Fundação ITESP e as expectativas dos assentados beneficiários da reforma agrária. Enquanto os movimentos sociais camponeses defendem uma formação técnico-profissional diferenciada, a considerar a agroecologia, além de possuírem demandas específicas por organização, por uma forma de vida, pela cooperação, pela agricultura em pequenos lotes, pela produção de alimentos e pela reprodução social do movimento de modo sustentável, o Estado, por sua vez, na figura da Fundação ITESP, endossa a lógica do grande capital, opera em seu benefício e em favor do agronegócio, porquanto o discurso presente nos convênios em si abarca essa lógica, no sentido de formação de força de trabalho para atender à demanda do capital, sua reprodução. Passa-se, então, a esmerilar os convênios para formação técnico-profissional.

O primeiro convênio analisado consistiu no mais recente dentre os quatro, ou seja, o instrumento celebrado pela Fundação ITESP em 07 de julho de 2017 com o município de Mirante do Paranapanema, para a instalação de classe descentralizada do Centro Paula Souza, no Assentamento Fazenda Haroldina, tendo como público-alvo a população beneficiária de assentamentos de trabalhadores rurais. Em seguida, foram objetos de estudos, respectivamente, os seguintes instrumentos firmados em 17 de abril de 2015: convênio com o município de Teodoro Sampaio para a instalação de classe descentralizada no Assentamento Santa Zélia; convênio com o município de Rosana para a instalação de classe descentralizada no Assentamento Gleba XV de Novembro; e convênio com o município de Euclides da Cunha Paulista para a instalação de classe descentralizada no Assentamento Santa Rosa. Na Figura 1 é possível vislumbrar a localização dos municípios paulistas com os quais os convênios públicos foram celebrados, quais sejam, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha Paulista, na legenda identificados respectivamente como 14, 32, 26 e 08.

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (2011, p. 17).

Figura 1 Mapa da Região do Pontal do Paranapanema, com a localização dos municípios com os quais os convênios públicos foram firmados 

No bojo de cada um dos quatro convênios de formação técnico-educacional da Fundação ITESP, são trazidas as seguintes informações sobre os municípios partícipes:

Mirante do Paranapanema, localizado a sudoeste do Estado de São Paulo, às margens do rio Paranapanema, [...] nas edições de 2010 e 2012 do IPRS, [...] classificou-se no Grupo 4,1 municípios com baixos níveis de riqueza e com deficiência em um dos indicadores sociais. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano, o IDH Municipal foi de 0,724 [...]. Sua economia é baseada no comércio e na agricultura. (SÃO PAULO, 2017, p. 3).

Teodoro Sampaio, localizado a sudoeste do Estado de São Paulo, às margens do rio Paranapanema, [...] hoje, ocupa o Grupo 4 do IPRS, com um índice de Desenvolvimento Humano de 0,741 (IDHM). Sua principal atividade econômica é o cultivo de cana-de açúcar. (SÃO PAULO, 2015a, p. 3).

Rosana, [...] às margens do rio Paranapanema, é limitada ao norte pelo rio Paraná, ao sul pelo rio Paranapanema, a leste pelo córrego de Guaná e Ribeirão Grande e a oeste pela confluência dos rios Paraná e Paranapanema, ponto de grande atração turística do município. [...] Hoje, ocupa o Grupo 4 do IPRS, com um índice de Desenvolvimento Humano de 0,764 (IDHM). A agropecuária é a principal atividade econômica do município, especialmente a criação de bovinos. (SÃO PAULO, 2015b, p. 3).

Euclides da Cunha Paulista, localizado a sudoeste do estado de São Paulo, as margens do rio Paranapanema, [...] hoje, ocupa o Grupo 52 do IPRS1, com um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,704. (IDHM). É um município baseado essencialmente na agricultura. (SÃO PAULO, 2015c, p. 3).

Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio e Rosana enquadram-se como municípios com baixos níveis de riqueza e com deficiência em um dos indicadores sociais. Euclides da Cunha Paulista, por sua vez, caracteriza-se como um dos municípios mais desfavorecidos do estado de São Paulo, tanto em riqueza quanto em indicadores sociais. Porquanto, a situação econômica e ambiental da região é derivada de uma história produzida em torno da baixa dinâmica econômica, permanência e ampliação de desigualdades sociais e recorrente agressão ao meio ambiente (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2011).

No que diz respeito a algumas especificidades que serão expostas no momento oportuno, discorrer-se-á a partir do primeiro analisado e mais recente, qual seja, a parceria com o município de Mirante do Paranapanema, para depois mencionar eventuais elementos comuns às outras três parcerias. Na Cláusula Segunda do convênio com o município de Mirante do Paranapanema - das atribuições dos partícipes - são evidenciadas as obrigações de cada entidade envolvida no Convênio em estudo. A princípio, cabe ao Centro Paula Souza a instalação da habilitação profissional técnica do curso e a seleção dos candidatos para ingresso, além de ser o responsável pela alçada acadêmica, no que tange à indicação de professor para exercer as funções de coordenador; disponibilização de docentes para lecionarem na classe descentralizada; realização do registro e acompanhamento acadêmicos dos alunos; supervisão do processo de ensino e aprendizagem; além das avaliações e expedição de certificados e diplomas. Ainda, compete ao Centro Paula Souza avaliar o Convênio ao final do Primeiro e Terceiro Módulos (SÃO PAULO, 2017).

Na Cláusula Segunda, subitem 2.2, são descritas as atribuições do município (Mirante do Paranapanema). É possível notar que, em suma, se cingem às instalações físicas necessárias: despesas com energia elétrica, água, linha telefônica e serviços de apoio; equipamentos necessários às atividades práticas; alimentação escolar; transporte de alunos e professores. Ademais, compete ao município colaborar para a divulgação verbal e por escrito da inscrição para o exame de seleção no curso de Agronegócio, até porque, para que seja possível a instalação do curso, mister se faz que a relação candidato-vaga no procedimento de seleção de alunos seja igual ou superior a 1% (SÃO PAULO, 2017).

Também na Cláusula Segunda, subitem 2.3, se encontram as responsabilidades da Fundação ITESP. Dessume-se da análise documental, as atribuições da Fundação ITESP se relacionam a aspectos de auxílio na operacionalização da parceria e acompanhamento. Cabe à Fundação, ainda, prestar assistência técnica integrada às práticas profissionais dos componentes curriculares específicos, além de supervisionar a execução por parte de seus técnicos. Na alínea d consta a obrigação de realizar a divulgação verbal e por escrito da abertura do prazo para inscrição no exame de seleção para o curso de Agronegócio, em conjunto com o Centro Paula Souza (SÃO PAULO, 2017).

Com relação aos convênios celebrados com os municípios de Teodoro Sampaio (SÃO PAULO, 2015a), Rosana (SÃO PAULO, 2015b) e Euclides da Cunha Paulista (SÃO PAULO, 2015c), em 17 de abril de 2015, no que toca às obrigações de cada uma das entidades envolvidas, quais sejam, Centro Paula Souza, Fundação ITESP e município, verifica-se semelhanças àquelas evidenciadas no convênio com Mirante do Paranapanema. Todavia, a responsabilização pela aquisição e manutenção dos equipamentos necessários às atividades práticas, bem como pelo material didático e de consumo, que no convênio com Mirante do Paranapanema é incumbência do município, nos outros três instrumentos constam como obrigação do Centro Paula Souza. Por sua vez, a responsabilidade pela disponibilização de instalações físicas, despesas com energia elétrica, água, linha telefônica, serviços auxiliares de apoio, de manutenção, limpeza e vigilância do prédio escolar, que no convênio com Mirante do Paranapanema são atribuições do município, nas parcerias com os municípios de Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha Paulista são responsabilidades da Fundação ITESP.

Em síntese, responsabilidades que na ocasião dos instrumentos celebrados, em 2015, incumbiam às entidades do estado de São Paulo, no convênio mais atual, qual seja, o firmado com o município de Mirante do Paranapanema, no ano de 2017, passaram a ser deveres do município, apesar de este ser portador de baixos níveis de riqueza, deficiência em um dos indicadores sociais e possuir baixa capacidade de arrecadação financeira. Tais aspectos evidenciam, num curto espaço de tempo, a minimização do papel do Estado, por meio de suas entidades, na promoção de convênios que tenderiam a beneficiar parcela da população que se encontra às margens do processo de apropriação e objetivação dos bens produzidos historicamente pelo gênero humano. Fica explícito o enxugamento da máquina estatal. Essa é uma lógica perversa, cada vez mais atrelada ao capital (FELICIANO, 2009; LEAL, 2017).

Após apontamentos sobre as características gerais dos convênios celebrados, passar-se-á ao estudo das unidades analíticas que permitiram o aprofundamento teórico e conceitual, bem como à análise da formação profissional da Fundação ITESP.

• A lógica mercantil e a relação público e privado: impactos na formação profissional da Fundação ITESP

Quanto aos convênios celebrados pela Fundação ITESP com o Centro Paula Souza e os municípios supracitados, enfatizar-se-á os seus aspectos relacionados à lógica mercantil e à relação público e privado, considerando-se as seguintes dimensões: a) projeto formativo político-ideológico explícito e subjacente; b) no que se refere à questão teórico-prática da formação e aos conteúdos.

• Projeto formativo político-ideológico explícito e subjacente

É possível afirmar que a Fundação ITESP é um “braço” do Estado, que materializa o sistema do capital e orienta a sua expansão. Nesta esteira, o discurso presente nos convênios de cooperação técnico-educacional em análise é explícito no sentido de um projeto formativo político-ideológico atendendo aos interesses do capital, das grandes empresas do agronegócio. Destarte, o modelo de sociedade subjacente a essa lógica é o da sociedade capitalista, na qual a concentração das riquezas materiais queda-se nas mãos de uma classe dominante, enquanto uma massa humana depauperada sofre os efeitos da pobreza e da desigualdade.

Na Cláusula Primeira - objeto do Convênio -, além de explicitar o Assentamento Rural e o respectivo Município de localização da Classe Descentralizada, quais sejam, Assentamento Haroldina, em Mirante do Paranapanema (SP), deixa claro o público a que a formação técnica é direcionada: os agricultores familiares. Todavia, no decorrer deste artigo, resta evidenciado que, contraditoriamente aos interesses dos beneficiários da reforma agrária, a Fundação ITESP endossa a lógica do capital e do agronegócio, em detrimento dos fundamentos defendidos pelos trabalhadores camponeses, a exemplo da formação das pessoas inseridas em um determinado meio, sua materialidade, cultura, atualidade, natureza, sociedade, além de prezarem pela agroecologia (SÃO PAULO, 2017). O teor de referida Cláusula também se encontra presente nos convênios celebrados com os municípios de Teodoro Sampaio (SÃO PAULO, 2015a), Rosana (SÃO PAULO, 2015b) e Euclides da Cunha Paulista (SÃO PAULO, 2015c).

Quanto ao público-alvo do Convênio firmado com o município de Mirante do Paranapanema, o instrumento dispõe:

IV - PÚBLICO-ALVO

População beneficiária dos Assentamentos de Trabalhadores Rurais:

- jovens que concluíram o Ensino Médio;

- jovens que estão cursando o Ensino Médio;

- adultos e trabalhadores que concluíram o Ensino Médio;

- adultos e trabalhadores que estão cursando o Ensino Médio. (SÃO PAULO, 2017, p. 5).

Cumpre salientar que cláusula semelhante à acima destacada consta dos convênios em que são partícipes os demais municípios (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c). Entretanto, apesar de o público-alvo da parceria consistir, em regra, em jovens beneficiários dos assentamentos rurais, o Estado, na figura da Fundação ITESP, ao assumir a lógica do grande capital, busca, mediante a força da sua ideologia dominante, apresentar a esses jovens uma visão da realidade como se não existisse alternativa ao modo capitalista de agricultura, ao agronegócio. Inclusive, a seguir será revelado, por meio dos convênios celebrados, que o objeto específico do curso é o agronegócio e não a agroecologia, como defendida pelo MST.

DO OBJETO A SER EXECUTADO

GERAL 1. Expandir o atendimento à demanda por Educação Profissional no Estado de São Paulo, por meio da instalação de Classe Descentralizada.

ESPECÍFICO 2. Instalação de uma turma do curso Técnico em Agronegócio, com 40 vagas e carga horária de 1.500 h/a, com início previsto para agosto/2017 e término em dezembro/2018. (SÃO PAULO, 2017, p. 4).

Verifica-se que essa expansão se encontra atrelada a um projeto de desenvolvimento hegemônico, voltado para o agronegócio e reprodução do capital, e não em prol dos trabalhadores da agricultura, da reforma agrária popular. Nas justificativas descritas no bojo do convênio com o município de Mirante do Paranapanema para a instalação de classe descentralizada do Centro Paula Souza no Assentamento Fazenda Haroldina, firmado no ano de 2017, descreveu-se a Fundação ITESP como responsável pelos assentamentos estaduais paulistas da reforma agrária e a busca da profissionalização das comunidades assentadas, com melhorias quanto às práticas profissionais, planejamento e administração do mercado e produção (SÃO PAULO, 2017).

Impende mencionar que a mesma disposição foi verificada nos convênios celebrados com os municípios de Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha Paulista (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c). Ocorre que o que está previsto quanto à busca pela profissionalização das comunidades assentadas, com ênfase em práticas profissionais, planejamento e administração do mercado e produção, não corresponde ao contexto social e político dos beneficiários da reforma agrária, mas sim a uma profissionalização para o setor produtivo do capital.

Igualmente, nas justificativas ao convênio com o município de Mirante do Paranapanema, consta expressamente a busca por formação de mão de obra qualificada. Tal segmento também se faz presente nos demais convênios firmados (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c). Pois bem, ao mesmo tempo em que o Estado menciona a oferta de formação técnico-profissional dirigida a jovens e adultos em situação de exclusão e vulnerabilidade social, ao visar a promoção socioeconômica e o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais envolvidas, contraditoriamente, se volta para um suposto aumento da empregabilidade mediante a formação de mão de obra qualificada, o que não corresponde à realidade, conforme será exposto mais adiante. No mesmo sentido, com relação às metas do convênio com o município de Mirante do Paranapanema, têm-se a formação de profissionais capacitados para atender às necessidades do município de Mirante do Paranapanema. O mesmo teor quanto às metas pode ser visualizado nos convênios com os municípios de Teodoro Sampaio (SÃO PAULO, 2015a), Rosana (SÃO PAULO, 2015b) e Euclides da Cunha Paulista (SÃO PAULO, 2015c). Consta o objetivo de criação de novos postos de trabalho e colaborar para a formação de jovens capacitados, qualificados, que desenvolvam, apliquem habilidades e atitudes empreendedoras no mercado de trabalho, e que venham a fomentar a criação de novos negócios.

De acordo com Souza (2014), a noção de qualificação sob o ponto de vista do trabalhador possui como referencial a economia neoclássica, em especial a teoria do capital humano. Nela, o trabalhador representa o “capital humano”, medido pela escolaridade. Conforme essa autora, no plano microeconômico, o capital humano trata-se do elemento-chave no conjunto dos fatores de produção, com tecnologia fornecida pelo modelo industrial capitalista, em conjunto com o capital físico, quantidade de trabalho e matérias-primas, cujo escopo é a maximização do lucro do empresário. No plano macroeconômico, a qualificação seria elemento indispensável para o crescimento econômico, na medida em que ajustaria as demandas do mercado de trabalho à oferta do sistema educacional (SOUZA, 2014). Ainda, consoante com Souza (2014), no que toca à qualificação do posto de trabalho, que tem forte referencial na sociologia, consolidada pela organização da produção e do trabalho da empresa taylorista-fordista, fica restrita à função que cada trabalhador deva exercer no posto de trabalho obtido na escola e/ou no ambiente de trabalho, desenvolvendo a ideia do poder da educação como mecanismo para galgar posições qualificadas. Sobre esse processo, Manfredi (1999, p. 20) pondera que “[...] mascara os demais mecanismos sociais (inerentes a processos sociais mais abrangentes) e organizacionais (mecanismos de credenciamento estabelecidos internamente pelas empresas) que condicionam o acesso e a manutenção do trabalhador no mercado formal de trabalho”.

Souza (2014) ressalta que as noções de competência e empregabilidade surgem também como forma de justificativa das escolhas feitas pelas autoridades brasileiras como parte da política econômica dos anos 1990, porquanto a dificuldade se engrandece num ambiente de redução do produto, bem como de vulnerabilidade do trabalhador. Como legado de um modelo de desenvolvimento, a população é desfavorecida e excluída. Ademais, sob a forma de desemprego, precarização ou flexibilidade, essa condição da força de trabalho brasileira se perpetua, independentemente dos períodos de conjuntura favorável.

Krawczyk, ao discorrer sobre a ênfase que muitas escolas estão dando a questões como o empreendedorismo, argumenta que essa ideia está muito forte e se trata da chave do projeto empresarial, que consiste em formar o jovem com uma ideia de que ele pode construir o seu próprio futuro, independentemente das condições objetivas (OLIVEIRA, 2014).

No tocante ao campo da pedagogia, o convênio com o município de Mirante do Paranapanema, e os convênios com os outros três municípios, no excerto que trata sobre o método, ressalta que focará em desenvolver habilidades e competências a propiciarem formação dos alunos ao mercado de trabalho. Na íntegra, o trecho mencionado:

V - MÉTODO

O Centro Paula Souza implantará a Habilitação Profissional de Técnico em Agronegócio, por intermédio da Etec Professora Nair Luccas Ribeiro que terá a responsabilidade de coordenar a Classe Descentralizada, atuando no campo pedagógico e administrativo, focando no desenvolvimento de habilidades e competências que propiciem formação do discente para o mercado de trabalho. (SÃO PAULO, 2017, p. 6).

Alaniz (2007), ao analisar a terminologia competência, pontua que ela foi migrada do campo empresarial para o educacional. Ou seja, nessa ótica, competência é pressuposto de adaptação individual do trabalhador ou estudante às condições sociais excludentes e adversas que vigoram no mercado, no atual estágio de desenvolvimento do sistema capitalista.

Essa autora complementa que a terminologia competência possui como pilares valores de mercado, tais como a competitividade, o sentido da qualidade, o engajamento ou aceitação e a produtividade. Ademais, esta noção foi inserida em substituição à noção de qualificação, em uma conjuntura caracterizada pelo desemprego estrutural e a fragilização dos sindicatos dos trabalhadores. Destarte, procurou-se individualizar as relações de trabalho por competências, porquanto cada trabalhador tenha a responsabilidade por ampliar a sua certificação, no intuito de se manter empregável e/ou subir na hierarquia da empresa (ALANIZ, 2007).

No mesmo diapasão, Frigotto (2017, p. 28), ao citar o retorno do fundamentalismo mercantil no capitalismo, alerta que no plano social e didático-pedagógico “tratava-se de encontrar noções adequadas ao que se propalou ser um mundo de mudanças e de incertezas, quando na verdade é de uma insegurança produzida socialmente. Em vez de afirmar o direito ao emprego, numa sociedade em que já não há lugar para todos no mercado de trabalho”, materializa-se a ideia de que cada sujeito deverá produzir a sua empregabilidade.

Por todo o exposto, nesse momento desmantela-se o discurso da Fundação ITESP. A mera formação para o mercado de trabalho não se enquadra nem de longe no que preceitua a Educação do Campo defendida pelo setor de educação do MST. A perspectiva do Estado, na figura da Fundação ITESP, alinha-se a uma “pedagogia da hegemonia”.

A propósito, Krawczyk, em resposta ao questionamento sobre como as práticas e concepções originárias do mundo corporativo chegaram às escolas, esclarece que existem dois projetos em disputa para formação de jovens, sendo que um deles pensa a formação destes numa perspectiva integral, no sentido de uma formação humana, capaz de permitir que ele integre os conhecimentos científicos, culturais e a compreensão do trabalho, visando formar um jovem capaz de refletir sobre sua própria ação e a dos outros. Já o outro projeto, defendido pelo empresariado, tem se tornado cada vez mais forte nos últimos dez anos, está diretamente vinculado a um mercado de trabalho cada vez mais estreito para os jovens. Promove-se uma associação direta entre mercado de trabalho e educação e, assim, uma visão estreita do que é capaz de fazer a escola na formação dos jovens. Krawczyk chama a isso de aliança entre os grupos empresariais e o poder público para pensar a política educacional no País (OLIVEIRA, 2014).

Nessa ocasião, convém ressaltar que no campo brasileiro tem ocorrido um aprofundamento do capitalismo dependente em associação ao capital internacional, unificado pelo capital financeiro. A título de exemplo, destaca-se o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e Transnacionais da Agricultura, tais como Monsanto, Syngenta, Stora Enzo. Tal situação é legitimada pelo Código Florestal, Lei dos Transgênicos, dentre outras normas legais. Severas medidas de contingenciamento de recursos da reforma agrária, saúde e educação são impostas pelo governo, implicando na desterritorialização progressiva das comunidades camponesas. Quadro agravado quando, na implementação e execução das políticas públicas, o governo deslegitima a participação popular (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2014).

Em prol desse padrão de desenvolvimento capitalista é que surgem as parcerias público-privadas no contexto educacional brasileiro, inclusive do campo, e conforme Adrião e outros (2012, p. 545), “temos a considerar, inicialmente, que o incentivo às parcerias encontra estímulo nas orientações governamentais para a gestão pública no Brasil desde o Plano Diretor para a Reforma da Administração e Aparelho do Estado (1995)”.

Peroni e Caetano (2015) salientam a existência de uma perspectiva salvacionista por parte do Estado, na qual o privado mercantil é tido como o meio capaz de garantir a qualidade da educação pública, ao partir do pressuposto neoliberal de que o Estado está em crise, e não o capitalismo. Tal concepção possui como estratégia a reforma do Estado ou diminuição de sua atuação a fim de superar a crise. Nesse sentido, as falhas do Estado deverão ser superadas pelo mercado, e assim a lógica do mercado merece prevalecer, no intuito de que ele seja mais produtivo e eficiente.

• No que se refere à questão teórico-prática da formação e aos conteúdos

Quanto à questão teórico-prática da formação, verifica-se que no Projeto Político Pedagógico da ETEC Professora Nair Luccas Ribeiro, à qual estão vinculadas as classes descentralizadas do curso de Técnico em Agronegócio em estudo, não existe uma definição sobre qual o processo pedagógico que os norteia. Da leitura do documento é possível visualizar apenas uma sucinta explanação sobre parcerias, nos seguintes moldes:

Considerando a realidade e as necessidades dos assentamentos do município de Mirante do Paranapanema, Rosana e Teodoro Sampaio, criou-se as Classes Descentralizadas de Mirante do Paranapanema (São Bento), em Teodoro Sampaio (Santa Zélia) e, Rosana (Assentamento Gleba XV de Novembro), em parceria com o ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) e as Prefeituras. Esta parceria é desenvolvida com aulas práticas ministradas pelos técnicos do ITESP, e a parte teórica pelos docentes da ETEC Professora Nair Luccas Ribeiro, juntamente com a colaboração dos municípios como alimentação e transporte, o curso em andamento é o Técnico em Agronegócio. (SÃO PAULO, 2018, p. 36).

Veja-se que, de forma genérica, somente se faz menção às aulas práticas ministradas por técnicos da Fundação ITESP e às aulas teóricas pelos docentes da ETEC, sem especificação de método pedagógico. Registre-se que o MST busca uma formação alinhada à pedagogia do movimento, conforme já explanado. Todavia, tal perspectiva não consta de forma expressa e nem implícita nos convênios objetos de análise, que, pelo contrário, encontram-se no sentido de formação de mão de obra para o grande capital.

Dentre as atribuições dos municípios, nas parcerias firmadas, na esteira da lógica capitalista e da influência da ideologia privatista na esfera pública, salta aos olhos a responsabilidade, dentre outras, de visitas às empresas. Destacam-se visitas técnicas às grandes empresas do agronegócio, como, por exemplo, a Usina Odebrecht Agroindustrial, o Abatedouro de Aves JBS, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), dentre outras (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c).

Pois bem, a disposição de visitas às empresas do agronegócio denota a induvidosa presença da ideologia privatista nos convênios de cooperação educacional objetos de estudo. Verificam-se, pois, duas tendências na relação público e privado na educação: na primeira, o Estado se afasta da execução, porém continua como avaliador e financiador das políticas sociais que passam a ser ofertadas por diferentes agentes privados, implicando na chamada propriedade pública não-estatal; na segunda, mesmo que os serviços e atividades se mantenham sob a propriedade do Estado, eles passam a ser geridos pela lógica de mercado, conhecida como a esfera do quase-mercado (ADRIÃO et al., 2012; PERONI; CAETANO, 2015).

Nessa toada, pode-se afirmar que os convênios de cooperação técnico-educacional em análise enquadram-se na esfera denominada quase-mercado, pois, em verdade, apesar de serem celebrados entre três entes públicos (Fundação ITESP, Centro Paula Souza e Municípios), porquanto a propriedade permanece estatal, são orientados pela lógica de mercado.

No que diz respeito aos conteúdos da formação técnico-profissional em estudo, relacionando à lógica mercantil e à relação público e privado, convém frisar que no bojo do convênio firmado pela Fundação ITESP com o município de Mirante do Paranapanema, mais especificamente no seu anexo I, consta a bibliografia a seguir delineada para subsidiar a formação técnico profissional, que também pode ser observada nos demais convênios celebrados (SÃO PAULO, 2015a; 2015b; 2015c):

  • BIBLIOGRAFIA Acervo bibliográfico com material básico de Administração e Administração Rural, revistas e jornais.

  • Aprendendo a Aprender (Coleção Você S.A)

  • MUNFORD, Alan - editora Nobel.

  • PALETTA, Marco Antonio - Guia Prático para abertura de novos negócios.

  • MAXIMIANO, Antonio César Amaru - Administração para Empreendedores

  • ABRANTES, José - Associativismo e Cooperativismo - Interciência

  • TESCH, Walter - Dicionário Básico do Cooperativismo - Brasília: SESCOOP, 2000

  • MAGALHÃES, Ronise de Fiqueiredo - Dicionário Prático de Cooperativismo - Belo Horizonte: Mandamentos, 2000 - 2001

  • PANZUTTI, Ralph - Educação Cooperativista -, org. Coleção Estudo e Pesquisa n. 3/2001. São Paulo: OCESP-SESCOOP/SP, 2001.

  • Manuel de Indicadores de Responsabilidade Social das Cooperativas. São Paulo: OCESP-SESCOOP/SP, 2003.

  • OLIVEIRA, Djalma Pinho Rebouças de - Manual de Gestão de Cooperativas - Atlas.

  • SINGER, Paul & Souza, André Ricardo de - A Economia Solidária no Brasil: A autogestão como resposta ao desemprego -, org. São Paulo: Contexto, 2000.

  • AIDAR, Antônio Carlos Kfouri - Administração Rural -, org. São Paulo, Paulicéia, 1995.

  • ARMANI, Domingos - Como elaborar Projetos? Guia Prático para elaboração e gestão de projetos sociais - Porto Alegre: Tomo Editorial, 2002.

  • SANTOS, Gilberto José dos, MARION, José Carlos, SEGATTI, Sonia Administração de Custos na Pecuária - Atlas

  • BATALHA, Mário Otávio - Gestão Agroindustrial, vol. I e II - Atlas

  • ZVJBERSZTAIN, Décio, NEVES, Marcos Fava - Economia e Gestão de Negócios Agroalimentares -, edit Thomson Learning.

  • MOORE, David S. Estatística Básica e sua Prática - editora LTC.

  • BARROS, Jorge Pedro Dalledonne de - Negociação - SENAC

  • BARROS, Jorge Pedro Dalledonne de - Visão Estratégica - SENAC

  • PEREIRA, Marines - Administração Sem Segredo - Phorte

  • CRUZIO, Helnom de Oliveira - Marketing Social e Ético nas Cooperativas - editora FGV

  • SCHIMITT, Bernd H - Marketing Experimental - Nobel

  • SILVA, Luiz Mauricio de Andrade da - Tomada de decisões em Pequenas Empresas - Ed. Cobra

  • FRANCA, Paulo - Captação de Recursos para Projetos e Empreendimentos - SENAC

  • VALLE, Cyro Eyer do - Qualidade Ambiental ISO 14000 - SENAC

  • COTA, Marco Antonio F da & COSTA, Maria de Fátima Barrozo da - Segurança e Saúde no Trabalho: Cidadania, Competitividade e Produtividade - editora Quality/mark

  • FUSFELD, Daniel R. - A Era da Economia - Saraiva. (SÃO PAULO, 2017, p. 66-68).

Ao se lançar olhar à sugestão bibliográfica, verifica-se a presença de literatura voltada a uma visão mercadológica, porquanto o Estado, na defesa do grande capital, endossa formação técnico-profissional em agronegócio, em contraposição à agroecologia almejada pelos movimentos camponeses.

Ao analisar o convênio celebrado com o município de Mirante do Paranapanema (SÃO PAULO, 2017), é possível visualizar que as disciplinas ofertadas no curso Técnico em Agronegócio possuem dimensões semelhantes às constantes dos convênios com os municípios de Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha Paulista (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c). Ademais, convém esclarecer que no tocante ao plano de curso presente nos quatro convênios (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c, 2017), caso o discente cumpra os módulos I, II e III do curso e a carga horária total de 1200 horas, mais 120 horas de trabalho de conclusão de curso, será habilitado profissionalmente como Técnico em Agronegócio. De outra banda, se o estudante cursar apenas os módulos I e II e a carga horária de 800 horas, a sua qualificação profissional será “Técnica em Nível Médio de Auxiliar em Supervisão de Produção Agropecuária”. Vale advertir que ambas as habilitações estão imbuídas pela lógica do capital.

Pois bem, verifica-se que o Estado, na formação técnico-profissional em estudo, oferta aos jovens beneficiários da reforma agrária disciplinas que, em quase sua totalidade, vão no sentido do planejamento e administração do mercado e produção: Economia na Agropecuária; Gestão Cooperativista e Associativista; Gestão da Produção Vegetal I e II; Gestão da Produção Animal I e II; Saúde e Segurança do Trabalho Rural; Ética e Cidadania Organizacional; Aplicativos Informatizados I e II; Inglês Instrumental; Plano de Negócios no Agronegócio I e II; Cadeias Produtivas do Agronegócio; Linguagem, Trabalho e Tecnologia; Pesquisa e Experimentação Agrícola; Planejamento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Agronegócio; Comercialização Agropecuária e Agroindustrial; Legislação Rural; Implantação e Gestão de Projetos Agropecuários; Gestão Ambiental; Coordenação do Trabalho Rural; Administração de Recursos Materiais; Desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Agronegócio (SÃO PAULO, 2017).

Dessume-se que a matriz curricular da formação técnico-profissional de Técnico em Agronegócio é bastante divergente da preconizada para o curso de Técnico em Agroecologia, almejada pelos movimentos camponeses e que possibilita um desenvolvimento rural sustentável (LEAL, 2017). Ainda com relação aos convênios firmados (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c), são indicados diversos programas de informática a serem utilizados no curso Técnico em Agronegócio. Ou seja, são programas cuja utilização não condiz com um projeto técnico educacional em defesa da agroecologia. Portanto, além de no bojo dos documentos terem sido extraídos temas recorrentes relacionados à ideologia privatista na esfera pública, também se faz presente a influência do agronegócio, os quais serão enfatizados na próxima unidade analítica.

• Pressupostos do agronegócio versus formação técnico-profissional para assentados

Neste momento, discorrer-se-á sobre a segunda unidade analítica que possibilitou o aprofundamento teórico e conceitual, assim como a análise da formação profissional da Fundação ITESP. Nas justificativas extraídas do convênio celebrado com o município de Mirante do Paranapanema (SÃO PAULO, 2017), constam as seguintes disposições acerca das Habilitações Profissionais ofertadas pelo Centro Paula Souza:

O Centro Paula Souza é o grande responsável pela Educação Profissional no estado de São Paulo. Por meio de suas Escolas Técnicas, Classes Descentralizadas e Faculdades de Tecnologia está presente, até o momento, em mais de 300 municípios, ofertando as mais diversas Habilitações Profissionais em diferentes Eixos Tecnológicos [...] Por sua Unidade de Ensino Médio e Técnico, vem desenvolvendo diferentes ações, no sentido de ampliar a sua abrangência, quanto ao setor agropecuário, mais especificamente à Agricultura Familiar, Agroecologia e Agronegócios. (SÃO PAULO, 2017, p. 2).

Conforme demonstrado no trecho acima, que se repete nos convênios firmados com os municípios de Teodoro Sampaio (SÃO PAULO, 2015a), Rosana (SÃO PAULO, 2015b) e Euclides da Cunha Paulista (SÃO PAULO, 2015c), existe uma gama de cursos disponibilizados pelo Centro Paula Souza, dentre os quais se enquadram tanto o de Técnico em Agroecologia quanto o de Técnico em Agronegócio.

Convém evidenciar que anteriormente à celebração dos primeiros três convênios de cooperação técnico-educacional para a oferta de curso Técnico em Agronegócio no ano de 2015, de acordo com Leal (2017), a Fundação ITESP optou por implantar na região do Pontal do Paranapanema formação técnica em agroecologia, que atendeu aos assentamentos rurais Santa Zélia, em Teodoro Sampaio, Santa Rosa, em Euclides da Cunha Paulista, e Gleba XV de Novembro, em Rosana. Leal (2017), no que tange à classe descentralizada então instalada no Assentamento Santa Zélia, identificou diversas contradições nessa formação agroecológica, pois em muito divergia da formação em agroecologia realizada nas escolas próprias do MST, como é o caso da Escola Milton Santos, havendo preocupação com a: história de luta do Movimento; valorização à soberania alimentar e não à acumulação do capital; utilização de técnicas de cultivo que fortaleçam a agricultura camponesa; instauração do diálogo com a comunidade, quanto às metodologias e objetivos formativos, técnicas de cultivo, dentre outros.

De acordo com Leal (2017), entrevistas realizadas com alunos e gestores evidenciaram que o curso de formação técnico-profissional em Agroecologia, no Assentamento Santa Zélia, não contemplou os seus fundamentos no que toca à preservação ambiental, adequado manejo do solo a fim de preservá-lo, e na produção sem agrotóxico, direcionada para a soberania alimentar. Pelo contrário, apesar de o convênio ter mencionado que o Curso Técnico em Agroecologia buscava o desenvolvimento sustentável dos assentamentos locais, mediante a manutenção do jovem no campo, concluiu-se que muitos dos discentes que realizaram o curso objetivavam um emprego na Usina Sucroalcooleira e não possuíam a percepção da existência de contradição nesse desejo, mesmo após terem se formado.

Nota-se que embora o curso anteriormente implantado pela Fundação ITESP, qual seja, de Técnico em Agroecologia, nos dizeres de Leal (2017), fosse permeado por contradições, porque o agronegócio também se fazia presente, ainda que no discurso, os documentos do curso contemplavam a agricultura familiar e a agroecologia, tal nomenclatura desapareceu nos convênios de formação técnico-profissional em Agronegócio da Fundação ITESP, celebrados a partir do ano de 2015, com o Centro Paula Souza e com os municípios objetos da presente análise.

A própria denominação do atual curso de formação, qual seja, Técnico em Agronegócio, além do minucioso exame dos instrumentos públicos a ele atinentes, denota um reconhecimento público e explícito por parte do Estado, na figura da Fundação ITESP, de que não é a agroecologia que o Estado deseja realizar, mas um projeto de desenvolvimento voltado para o agronegócio, formação de força de trabalho para atender à demanda do capital.

O convênio celebrado com o município de Mirante do Paranapanema traz nas suas justificativas que “a Escola Técnica Estadual Professora Nair Luccas Ribeiro, propôs-se a ministrar a Habilitação Profissional de Técnico em Agronegócio [...]” (SÃO PAULO, 2017, p. 4). No objetivo específico do convênio, consta a “Instalação de uma turma do curso Técnico em Agronegócio, com 40 vagas e carga horária de 1.500 h/a [...]” (SÃO PAULO, 2017, p. 4). Os convênios com os demais municípios trazem em seu bojo cláusulas semelhantes (SÃO PAULO, 2015a, 2015b, 2015c).

De acordo com Christoffoli e outros (2013), a expansão do modo capitalista de produção no campo, em especial mediante a adoção do modelo da Revolução Verde e do agronegócio, implica num processo de destruição das comunidades camponesas no meio rural brasileiro e na desagregação social, trazendo desafios para a sobrevivência e evolução das condições de vida sob a forma de produção familiar.

Cavalcanti e Fernandes (2008) alertam ser muito perigoso direcionar a funcionalidade de uma localidade ou de uma região para atender as demandas do agronegócio, por ser ele um modelo homogeneizador, imediatista e insustentável. Conforme esses autores, o discurso da competência do agronegócio parece surgir da sociedade como se não houvesse um agente propulsor dessa ideologia. Os agricultores, comerciantes ou prestadores de serviços buscam aquisição de vantagens com o “boom” do produtivismo agrícola em grande escala, porquanto a premissa do desenvolvimento desigual é instaurada por perspectiva hedonista mediante a sujeição inerente à condição de uma sociedade inclusa no processo, mesmo que em condições de subalternidade (CAVALCANTI; FERNANDES, 2008).

Aduz-se que o território do agronegócio se fundamenta na integração corporativa dos produtores, liderada pelas empresas, as quais reconfiguram o espaço em razão da lógica produtiva. Há uma união das empresas na defesa de seus interesses junto ao Estado, inserindo-as no orçamento público. No estado de São Paulo, pode-se afirmar intensa corrida pela compra ou arrendamento de terras para a cana-de-açúcar, além de um acentuado processo espacial de concentração fragmentada da terra, inerente ao modelo econômico global imposto (CAVALCANTI; FERNANDES, 2008).

Sobre o agronegócio canavieiro, Barreto e Thomaz Júnior (2012) ponderam que os interesses para expansão da monocultura da cana-de-açúcar no Brasil se pautam em grandes projetos governamentais que objetivam atender demanda energética interna, além de se inserir no cenário internacional, dentre os maiores produtores e exportadores de etanol e açúcar do mundo, de modo que não faltam incentivadores e interessados nesse aumento de produção.

Na região do Pontal do Paranapanema, essa expansão da monocultura de cana-de-açúcar tornou-se mais expressiva a partir de 2005, sobretudo a partir da implantação de novas unidades agroprocessadoras de cana-de-açúcar. Salienta-se que esse novo ciclo de expansão vem sendo aproveitado, de modo estratégico, como um novo elemento para valorização das terras e a justificar a sua “produtividade”, e assim latifundiários/grileiros utilizam o período de crescimento do agronegócio canavieiro na região para evitar a destinação de suas terras às políticas de Reforma Agrária (BARRETO; THOMAZ JÚNIOR, 2012).

Benini, Rabello e Feliciano (2014, p. 141-142), ao discorrerem sobre a influência da ideologia capitalista e do agronegócio canavieiro na juventude camponesa, ressaltam a ilusão criada por meio de artifícios ideológicos engendrados pelo capital com duas finalidades básicas: “Primeiro, para atrair estes jovens para o trabalho nas atividades da agroindústria canavieira”, como única possibilidade “do jovem ter emprego morando no campo”; segundo, a fim de difundir “a ideia de que não existe mais interesse desses jovens em continuar no campo”, não havendo necessidade do apoio do poder público para os camponeses.

Conclusão

Os resultados da pesquisa evidenciam contradições no cenário da educação profissional do campo, mais especificamente na formação técnico-profissional da Fundação ITESP, em assentamentos estaduais localizados na região do Pontal do Paranapanema. A princípio, registre-se que embora o Estado custeie formação técnico-profissional a jovens beneficiários da reforma agrária via convênios públicos, encontra-se imbuído por pressupostos políticos, ideológicos e pedagógicos explícitos e subjacentes voltados aos interesses do grande capital e do agronegócio.

O Estado, na figura da Fundação ITESP, materializa o sistema do capital e opera em seu benefício, orientado para a sua expansão e, explicitamente, define a sua posição de formação técnico-profissional a jovens assentados da reforma agrária, no intuito de atender ao grande capital, em contraposição à demanda específica do MST por formação profissional permeada pela luta social e em defesa da agroecologia.

Ou seja, há apenas a manutenção do status quo e do capitalismo hegemônico, com monopólio da propriedade privada e reprodução da sociedade de classes. Destarte, o modelo de sociedade que está subjacente à lógica endossada pela Fundação ITESP é a da sociedade capitalista, por meio da qual a concentração das riquezas materiais fica restrita a uma minoria da população.

Portanto, os movimentos sociais camponeses, em contraponto à Educação Rural imposta pelo Estado, com forte influência capitalista, propõem um modelo de Educação do Campo com foco no desenvolvimento pleno do ser humano e no intuito de construírem novas relações sociais. No âmbito dos movimentos sociais, existe proposta e prática diferenciada e específica de formação, inclusive técnico-profissional, tendo em vista a reprodução do movimento social na esfera da produção, da luta e da militância.

Enquanto os movimentos sociais camponeses defendem uma formação técnico-profissional diferenciada, a considerar a agroecologia, além de possuírem demandas específicas por organização, por uma forma de vida, pela cooperação, pela agricultura em pequenos lotes, pela produção de alimentos e pela reprodução social do movimento de modo sustentável, o Estado, por sua vez, na figura da Fundação ITESP, endossa a lógica do grande capital, do agronegócio, no sentido de formação de força de trabalho para atender à demanda do capital, e consequente reprodução. Ademais, o Estado procura, por meio da força da sua ideologia dominante, apresentar aos jovens beneficiários da reforma agrária uma visão da realidade como se não existisse alternativa ao modo capitalista de agricultura, ao agronegócio.

REFERÊNCIAS

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1Grupo 4: esse grupo apresenta baixa riqueza e níveis intermediários de longevidade e/ou escolaridade (SÃO PAULO, 2017).

2Grupo 5: Municípios mais desfavorecidos do Estado, tanto em riqueza como nos indicadores sociais. (SÃO PAULO, 2015c).

Recebido: 15 de Novembro de 2020; Aceito: 04 de Fevereiro de 2021

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