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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.61 Salvador ene./mar 2021  Epub 18-Oct-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v30.n61.p219-232 

EDUCAÇÃO DO CAMPO

AGROECOLOGIA NAS ESCOLAS DO CAMPO: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

AGROECOLOGY IN COUNTRYSIDE EDUCATION: A PROCESS UNDER CONSTRUCTION

AGROECOLOGÍA EN ESCUELAS DE CAMPO: UN PROCESO EN CONSTRUCCIÓN

Nivia Regina da Silva*  (MST/ENFF)
http://orcid.org/0000-0002-9546-5171

Gilvania de Oliveira Silva de Vasconcelos**  (UFRPE)
http://orcid.org/0000-0002-3625-2483

*Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Guararema, São Paulo, Brasil. Coletivo do eixo de Agroecologia da Editora Expressão Popular. E-mail: nivia1917@gmail.com

**Doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: gilvania.vasconcelos@ufrpe.br


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo promover o exercício teórico e prático da aproximação entre a Educação do Campo e a Agroecologia, no diálogo com experiências realizadas em territórios, fruto da vivência profissional e militante das autoras, e com a agenda de movimentos populares do campo, redes de agroecologia e de pesquisadores(as) que buscam nas relações que constituem a Educação do Campo e Agroecologia, no âmbito da questão agrária, na crítica ao agronegócio e suas violações sobre a vida humana e na natureza, a construção de um projeto para o campo com base na Agroecologia, considerando a formação dos sujeitos transformadores desta realidade social e ecológica. As experiências demonstram as possibilidades das conexões entre essas áreas, resultado de uma práxis, de luta, de conhecimentos integrados no diálogo de saberes em territórios dos povos do campo.

Palavras-chave: Educação do Campo; Agronegócio; Agroecologia; Territórios

ABSTRACT

This work aims to promote the theoretical and practical exercise of the approximation between Countryside Education and Agroecology, in the dialogue with experiences carried out in territories, as a result of the professional and militant experience of the authors, and with the agenda of popular movements in the field, agroecology networks, researchers, that seek in the relationships that constitute Countryside Education and Agroecology, in the context of the agrarian issue, in the criticism of agribusiness and its violations on human life and nature, the construction of a project for the countryside based on Agroecology, considering the formation of the transforming subjects of this social and ecological reality. The experiences demonstrate the possibilities of the connections between these areas, the result of a praxis, of struggle, of knowledge integrated in the dialogue of knowledge in territories of the peoples of the countryside.

Keywords: Countryside Education; Agribusiness; Agroecology; Territories

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo promover el ejercicio teórico y práctico de la aproximación entre Educación de Campo y Agroecología, en el diálogo con experiencias realizadas en los territorios, fruto de la experiencia profesional y militante de las autoras, y con la agenda de movimientos populares en el campo, las redes agroecológicas, los investigadores, que busquen en las relaciones que constituyen la Educación Rural y la Agroecología, en el ámbito de la cuestión agraria, en la crítica al agronegocio y sus violaciones a la vida humana y en la naturaleza, la construcción de un proyecto para el campo basado en Agroecología, considerando la formación de los sujetos transformadores de esta realidad social y ecológica. Las experiencias demuestran las posibilidades de conexión entre estos espacios, fruto de una praxis, de lucha, de saberes integrados en el diálogo de saberes en los territorios de los pueblos del campo.

Palabras clave: Educación de campo; Agronegocios; Agroecologia; Territorios

1 Introdução

A aproximação entre a Educação do Campo e a Agroecologia tem sido objeto muito trabalhado neste período recente, construída num diálogo sistemático, em diferentes tempos, espaços e dimensões: em seminários e encontros, nas escolas do campo com os complexos temáticos, temas geradores e como disciplina; nas escolas de agroecologia, nos cursos tecnólogos, de graduação e pós-graduação, em processos educativos não formais.

A Educação do Campo encontra na Agroecologia uma parceria pelas suas relações constitutivas que se vinculam estruturalmente ao movimento das contradições no âmbito da questão agrária, dos projetos de agricultura, da matriz tecnológica e de organização no campo (CALDART, 2012), que se opõe ao modelo de educação rural que trata o camponês e as populações tradicionais como algo do passado, arcaico ao “progresso” e à modernização conservadora, bem definida pelo agronegócio.

Esse modelo de desenvolvimento do campo, que tem sua origem na modernização conservadora da agricultura, com base na monocultura, uso intensivo de produtos químicos sintéticos e biotecnologias, para produção de mercadorias para a agroexportação, foi e ainda é defendido nas escolas, seja no campo ou na cidade, e tem se colocado nessas como símbolo do avanço contemporâneo de um “campo moderno e produtivo”.

É preciso evidenciar os prejuízos socioambientais do agronegócio à sociedade, como os camponeses enfrentam e realizam outras formas de produção e reprodução da vida em seus territórios, por meio da agroecologia, e construir processos educativos, tendo as escolas como espaços imprescindíveis, na formação de sujeitos transformadores dessa realidade, elaborando propostas de estudos em Agroecologia junto aos diferentes projetos pedagógicos, programas e disciplinas.

Por se tratar de um processo em construção, propomos no presente texto uma contribuição ao debate, com o objetivo de promover o exercício teórico e prático como aproximação da Agroecologia com a Educação do Campo, considerando os diferentes contextos, em diálogo com experiências realizadas em alguns territórios.

Essa tem sido uma demanda marcada pela agenda dos movimentos populares do campo, das redes e articulação da agroecologia, de pesquisadores(as) destas áreas, trazendo como necessidade a internalização e capilarização da Agroecologia dentro das escolas do campo, potencializando a produção do conhecimento agroecológico na interação do diálogo de saberes entres sujeitos da educação do campo e os seus territórios.

Esse processo tem como base a conexão epistemológica entre Educação do Campo e Agroecologia, para elaboração de matrizes educativas,1 promovendo experiências de práticas pedagógicas que buscam a transformação da realidade nos diferentes contextos sociais e ecológicos.

Esse caminho tem se apresentado como um campo de análise e elaboração tensionado por uma diversidade de sentidos convergentes, complementares ou não, o que faz dessa construção um movimento dialético, que implica uma aproximação não simplificada de diferentes campos acadêmicos, das diferentes ciências naturais, sociais e humanas, que seguiram dissociadas, baseadas na concepção da ciência moderna que determinou visão de ciência e produção do conhecimento, na qual tudo foi separado e dicotomizado: a natureza e o humano, a mente e o corpo.

A exemplo disso, podemos observar as tentativas de aproximações histórias entre as ciências agrárias e a ecologia, como o caso de Klages (1928), considerado pioneiro na aplicação da Ecologia2 às Ciências Agrícolas, nas quais analisava a distribuição das espécies cultivadas, chamando a atenção para as complexas relações existentes entre a planta e seu ambiente. Outros diversos estudos importantes, a partir da década de 1920, foram sendo sistematizados em escolas teóricas e filosóficas, realizando um processo de crítica da revolução industrial e sua ação sobre a agricultura, assim como na segunda metade do século XX com a revolução verde, contribuindo para o surgimento do movimento alternativo e, posteriormente, da Agroecologia, a exemplo da Biodinâmica, Agricultura Natural, Agricultura Orgânica, Agricultura Biológica e Permacultura.3

Entretanto, com o avanço do processo de industrialização com atrelamento da agricultura, muitas iniciativas permaneceram marginalizadas (EHLERS, 1994), e os avanços da ecologia e da agronomia seguiram, majoritariamente, separados na Academia.

Para Gliessman (2001), a Agroecologia, considerada como ciência emergente, se coloca como ferramenta importante de mediação, ao posicionar-se com uma abordagem integradora de várias áreas do conhecimento, de formulações e métodos, abrindo possibilidades de novas formulações e processos metodológicos.

Isso significa que a Agroecologia como ciência sistematizada representa a consolidação de um corpo científico, que no âmbito acadêmico, nos estudos e pesquisas ampliaram-se para novos campos do conhecimento e abordagens em interação com diferentes disciplinas e com os conhecimentos e saberes tradicionais, o que contribui para estabelecer conceitos e metodologias com maior possibilidade de realizar ações no redesenho dos agroecossistemas, levando em conta multiplicidade de fatores sociais, econômicos, políticos, ecológicos, culturais, étnicos.

Neste artigo, traremos, como parte do exercício da aproximação e diálogo entre Educação do Campo e Agroecologia, experiências nas quais tivemos distintas participações e/ou aproximações ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que tem buscado iniciativas para aprofundar as reflexões da Agroecologia nas escolas da educação básica, e outra ligada à educação técnica, através do Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA) enquanto proposta metodológica de fortalecimento para o desenvolvimento local sustentável.

2 Fundamentação teórica

Para compreender o agronegócio e adentrar as determinações históricas da sua constituição, é necessário observar o desenvolvimento do capitalismo no campo e seus fundamentos de permanente reprodução ampliada, principalmente pós-revolução industrial, e posteriormente com a revolução verde em meados do século XX, que construíram dinâmicas que ordenaram o trabalho nas suas relações de produção, mediadas pelo pensamento positivista4 e mecanicista de como transformar, dominar e controlar a natureza, numa relação predatória e destrutiva com os processos naturais (ROLO, 2015).

Essa análise é importante para entender as mudanças na agricultura e nos diferentes sistemas agrários ao longo do tempo, e na produção do conhecimento, realizadas por um sociometabolismo da modernidade conservadora. O agronegócio como expressão contemporânea desse modelo representa uma aliança entre diversos setores (latifundiários, bancos privados, empresas transnacionais, meios de comunicação) que manteve e ampliou a concentração da terra e a violência contra os camponeses e os povos tradicionais, e complexificou a apropriação privada da natureza e da biodiversidade, bem como o uso intensivo do pacote tecnológico na relação da oligopolização da cadeia alimentar.

O interesse dos setores do agronegócio, com papel destacado para os principais meios de comunicação, para executivos e legisladores, pesquisadores e especialistas, conformaram base da formação da “opinião pública” na crença dessa “modernidade” da agricultura para erradicação da miséria, da fome, o que na verdade trouxe aprofundamento da situação de insegurança alimentar e de vulnerabilidades.

Sebastião Pinheiro faz uma crítica ao processo de transformação da agricultura em agronegócio:

[...] agricultura é uma das palavras mais lindas que existe e não significa cultivo somente. Ela envolve uma cultura que tem uma espiritualidade, uma religiosidade, valores e a natureza associadas a ela. A agricultura passou a ser agronegócio. Isso foi um baque tremendo. Saiu a cultura e entrou o negócio. Foram retirados valores da agricultura e agronegócio passou a significar só dinheiro. (WEISSHEIMER, 2018).

Dialogando com essas ideias, os estudos de Loureiro e Lamosa (2014) destacam como o pensamento do agronegócio tem entrado nas escolas, principalmente no campo. Isto tem se dado em diferentes frentes, como o programa de educação ambiental “Agronegócio na escola”, que, desde 2001, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) passou a difundir e construir na rede pública de ensino de diversos municípios.

Esses autores refletem que o Programa citado faz parte de diferentes movimentos de entrada das empresas nas escolas públicas brasileiras. Os principais foram: Movimento Brasil Competitivo (MBC), Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e Movimento Todos pela Educação. A entrada se deu por meio de projetos de educação ambiental formulados por estas organizações nas escolas públicas.

Esse fato também é destacado nos estudos de Araújo (2016) realizados no extremo sul baiano, que atestam que a presença do projeto do agronegócio nas escolas não está só nas escolas públicas, mas em outras iniciativas não escolares, como programas de arte e educação e formação profissionalizante para jovens no campo.

Sobre essa entrada do agronegócio nas escolas, essa autora reforça.

Não constitui novidade no Brasil atual a presença do agronegócio realizando ações educacionais, seja nas escolas públicas através de programas educacionais quanto em ações não escolares através de ações com arte-educação, formação profissional da juventude e outras. Tais ações encontram-se expostas nos sites das empresas, associações e ou fundações que constituem o setor, revelando a existência de inúmeros projetos em andamento nas escolas públicas do campo e da cidade em todo o Brasil. (ARAUJO, 2016, p. 28-29).

O território onde se encontram as escolas, segundo Fernandes e Molina (2004), é um espaço de constante disputa entre agro-negócio e agri-culturas, onde o primeiro se caracteriza “pelo latifúndio, uso de agrotóxico e monocultura vegetal e animal, tecnologias externas, poucas pessoas e concentração de miséria. O segundo, policulturas, paisagens complexas, tecnologias apoiadas no saber local, com muitas pessoas” (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 85).

É nesse contexto de conflitos que a Educação do Campo se desenvolve. E como diz Caldart (2012), essa realidade não é nova, mas a Educação do Campo inaugura uma forma de fazer seu enfrentamento, evidenciando que esse modelo do agronegócio promove a preparação de mão de obra para os processos de modernização e expansão das relações capitalistas na agricultura, gerando uma marginalização ainda maior da agricultura camponesa e da Reforma Agrária, e negando seus acessos a direitos, especialmente a uma educação que seja no e do campo, contextualizada à sua realidade e à sua forma de vida neste território. Afinal,

[...] como defender a educação dos camponeses sem confrontar a lógica da agricultura capitalista que prevê sua eliminação social e mesmo física? Como pensar em políticas de educação no campo ao mesmo tempo em que se projeta um campo com cada vez menos gente? E ainda, como admitir como sujeitos propositores de políticas públicas movimentos sociais criminalizados pelo mesmo Estado que deve instituir essas políticas? (CALDART, 2012, p. 263).

Em virtude desses aspectos, a Educação do Campo encontra na Agroecologia uma possibilidade de projetar a materialidade do seu projeto, na análise social e ecológica da realidade, permitindo a concretização de um novo projeto de campo, diferente do agronegócio, com o fortalecimento da identidade camponesa, dos povos tradicionais e sua resistência de permanência no campo, como sujeitos da práxis agroecológica.

Esses sujeitos sociais do campo são fundamentos importantes nas matrizes constitutivas da Educação do Campo e da Agroecologia. Segundo Caldart (2020, p. 1),

A Educação do campo surgiu e teceu sua identidade na diversidade dos territórios camponeses e de seus sujeitos. Territórios envolvem diferentes sujeitos, lugares, relações sociais, lutas, culturas, trabalho; organização da vida social sob condições de lugar e de tempo. Seus sujeitos construtores são diversos; na origem, nos vínculos de trabalho, cultura, gênero, etnia, raça [...].

É por meio desses territórios que a Agroecologia tem sua origem na práxis histórica camponesa e dos povos originários. Embora o uso contemporâneo tenha aparecido em meados do século XX, ganhando corpo de conhecimentos sistematizados como ciência, com conteúdo e metodologias, é neste período recente que ganha grande relevância sua dimensão de luta e movimento, na perspectiva de luta e resistência dos povos do campo na garantia das sua reprodução social, seja o direito à alimentação saudável no campo e na cidade, na perspectiva da Segurança e Soberania Alimentar, seja no debate de elementos para outro projeto societário.

Construir um processo de aprendizagem em Agroecologia no contexto das escolas do campo requer pensar as matrizes pedagógicas em diálogo com os sujeitos do campo, a partir da análise sobre os seus territórios, as alterações no percurso histórico das agriculturas, a relação do trabalho na transformação da natureza, as mudanças nas dinâmicas dos diferentes sistemas agrários, no tempo e no espaço (RIBEIRO et al. 2017).

É importante ter como linha de construção a história da agricultura (MAZOYER; ROUDART, 2001), dialogando com os processos históricos locais, envolvendo os sujeitos do campo, das florestas, das águas, dentre as particularidades que podem se apresentar.

A história da agricultura deve ser analisada sob a ótica da história da natureza e da história da sociedade humana a fim de entender a agri-cultura como processo de coevolução ecológica e social (RIBEIRO et al., 2017; SEVILLA GUZMAN; GONZALEZ DE MOLINA, 1996). Estes elementos proporcionam trabalhar a agricultura em seu sentido ampliado, como resultado histórico da relação ser humano-natureza,

As formas e dinâmica da organização do trabalho são essenciais nessa composição analítica, pois o trabalho “[...] remete à produção do ser humano como um ser da natureza, mas também como produto da sociedade e da cultura de seu tempo” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 749).

Portanto, na ação da transformação da natureza, na criação das condições materiais à vida e no processo de produção de conhecimento, o trabalho sofreu alterações com o desenvolvimento das relações sociais, construindo rupturas, não respondendo mais no sentido da não garantia das necessidades humanas, resultando num trabalho explorado, seja na condição de trabalho escravo, servil, seja assalariada (LUKÁCS, 2012; NETTO; BRAZ, 2007).

O trabalho desenvolvido na Agroecologia deve ter como unidade de análise os “agro-eco-sistemas”,5 que são ecossistemas que sofreram modificações e interferências pela ação humana, e de grandes processos (GLIESSMAN, 2001). Nos agroecossistemas podemos analisar os sistemas de produção, suas conexões e interações nos diversos subsistemas, levando em conta aspectos ecológicos, sociais, culturais, econômicos, políticos e organizativos. As escolas do campo estão inseridas nos agroecossistemas, e fazem parte desta interação.

Essas categorias ajudam a buscar mediações entre diferentes áreas e formas de conhecimento, realizar conexões inter e intradisciplinares, levar à articulação do saber local com conhecimentos científicos, permitindo a implantação de sistemas agrícolas com biodiversidade ecológica e diversidade cultural.

Para tanto, é necessário compreender que uma mudança de abordagem ou enfoque passa por enfrentar os limites do atual paradigma produtivista e cartesiano, que realiza apropriação mecanicista da natureza do ser humano em suas conexões e interações. A agroecologia como abordagem integra formulações e métodos de diversas áreas do conhecimento (HECHT, 1989), observando as possibilidades e limitações de um pluralismo duplo, metodológico e epistemológico (SEVILLA, 2011), como forma de dinamizar a relação entre distintas formas do conhecimento. O que compreende a integração como uma “totalidade” em movimento dinâmico, permeado de contradições, sujeito a conflitos, rupturas, transformações.

3 Experiências da agroecologia nas escolas do campo: Questões de conteúdo e método

A formação dos sujeitos sociais do campo, entendidos como os sujeitos da transformação política da sociedade, como afirmava Freire (1993), tem buscado na Agroecologia ferramentas para uma transformação social e ecológica da realidade.

As perguntas que dão mobilidade à construção de novos projetos pedagógicos tem sido: “Com qual concepção de vida queremos formar os sujeitos sociais do campo?”; “Como formar educadores/as comprometidos com a transformação das condições de vida da humanidade?”

Questões como essas têm contribuído para dar direcionamentos ao que Caldart (2015a) chama de as razões fundamentais, do por que se ocupar da Agroecologia nas escolas do campo, retomando razões humanistas, éticas, políticas, epistemológicas, pedagógicas da Educação do Campo na defesa da vida, da produção de alimentos saudáveis, de uma agricultura sustentável.

A aproximação entre Educação e Agroecologia tem construído diversas iniciativas e experiências significativas. Contudo fizemos a opção de socializar duas: uma ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outra, ao Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA- PE), assim como a realização de diferentes processos, que acumularam para a elaboração de uma proposta básica de conteúdo e método.

3.1 Experiência do MST

O Movimento Sem Terra, a partir de uma demanda concreta das escolas do campo localizadas nos assentamentos ou entorno, por meio do setor de educação do MST, promoveu um diálogo com educadores(as) dessas escolas para buscar caminhos de construção da aproximação entre Agroecologia e Educação do Campo.

A demanda apresentada por educadores e educadoras organizados nos movimentos populares do campo apontaram a urgência de construir espaços de debate e elaboração sobre Agroecologia, com proposições de conteúdo e método, para trabalhar nas escolas, visto que:

  • a) A Agroecologia era uma realidade concreta nos territórios, desde as práticas camponesas e povos tradicionais, como projeto para o campo contestador da agricultura realizada pelo agronegócio, e, portanto, inserido no projeto da Educação do Campo;

  • b) A presença de empresas do agronegócio nas escolas, promovendo projetos educacionais com vertente da educação ambiental acrítica, estruturando e realizando projetos pedagógicos formais e não formais, com elaboração de materiais didáticos em diálogo com secretarias da educação e com ONGs.

  • c) A ausência ou insuficiência de material pedagógico para trabalhar Agroecologia nas diversas etapas de aprendizagem, e a necessidade de construir planos de estudos que abarcasse o tema ambiental e da Agroecologia nas escolas do campo;

  • d) A perspectiva de pensar o papel das escolas no projeto da Reforma Agrária Popular.

Como caminhos, foram realizados diferentes momentos acumulativos, como a realização de jornadas de lutas, formação de educadores, elaboração de cartilhas, cadernos e planos de estudos, realizando diálogo com poderes locais e gestores da Educação do Campo nos territórios, como descrito nas etapas a seguir.

a) A luta como ferramenta pedagógica

A luta pela Reforma Agrária Popular colocou na agenda a importância da produção da alimentação saudável e da Agroecologia como parte estrutural do seu programa agrário. Como parte deste programa, o setor de educação do MST lançou em 2015 a Jornada Cultural Nacional: alimentação saudável, um direito de todos, organizada pelo setor de educação em diálogo com setores de produção e saúde, para ser trabalhada em todos os espaços, encontros, escolas, assentamentos e acampamentos, como parte de um trabalho massivo de educação.

A Campanha Nacional contra Agrotóxicos e pela vida, organizada por um conjunto de movimentos populares do campo e da cidade, organizações sindicais e estudantis, pesquisadores, em diálogo com setor de educação do MST, internalizou processos de debate e estudos nas escolas sobre agrotóxicos, modelo do agronegócio e transgênicos, resultando em momentos de seminários, aulas, atividades didáticas e recreativas, elaboração de materiais audiovisuais. Permanecendo a demanda de elaboração de uma cartilha infantil com características de gibi.

Os Encontros dos Sem Terrinha, nos últimos anos, tratou de temas ligados à Jornada Cultural Nacional: alimentação saudável, um direito de todos, e abordou com diferentes linguagens os temas dos agrotóxicos e transgênicos, os impactos na saúde humana e no meio ambiente, o tema da Agroecologia, e a denúncia dos programas do agronegócio para escolas do campo, a exemplo dos programas Agrinho (FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESADO DO PARANÁ, 2020) e Despertar (SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL, 2020).6

b) Formação de educadores e educadoras em Agroecologia

Foram realizados encontros, seminários e cursos para ouvir a realidade e as demandas dos educadores(as), seus acúmulos teóricos e práticos, e realizar estudos sobre a Agroecologia.

Podemos destacar o Curso Básico de Educação em Agroecologia da Região Nordeste, realizado em quatro turmas, nos seguintes estados: Bahia, em2016; Paraíba, em 2017; Ceará, em 2018; e Pernambuco, em 2019, com carga horária de 80 (oitenta) a 140 (cento e quarenta) horas‐aulas, em parceria com universidades públicas (WANDERLEY; CHAVES; SILVA, 2020).

Assim como o I Seminário sobre Educação em Agroecologia nas Escolas do Campo, no Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC), em Veranópolis (RS), organizado pelo setor de educação do MST da Região Sul em 2016. A presença dos educadores(as) do sul do Brasil proporcionou reflexões levando em conta as experiências do trabalho já realizado nas escolas com complexos temáticos7 e temas geradores,8 como também nas escolas de Agroecologia, a exemplo do Paraná - Escola Milton Santos e Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA) -, podendo projetar continuidade de debate e elaborações com a constituição de um grupo de trabalho.

c) Organização de materiais

Muitos materiais foram sendo elaborados, mas podemos destacar três que têm sido utilizados em diferentes estados e por diferentes organizações: o caderno de Educação em Agroecologia De onde vem nossa comida (SILVA; VARGAS, 2016), como material didático para as escolas; o plano geral de formação para educadores(as) sistematizado no caderno Agroecologia na Educação Básica - questões propositivas de conteúdo e metodologia (RIBEIRO et al., 2017); e como ferramentas metodológicas, o Inventário da realidade: guia metodológico para uso nas escolas do campo (CALDART, 2017).

d) Proposta em construção de um plano de estudo

A partir dos acompanhamentos de diferentes processos, em particular no Extremo Sul da Bahia, onde a Agroecologia foi incorporada como disciplina em diversos municípios, iniciou-se um processo de aproximação e sistematização dos elementos centrais na formulação de planos de estudos em Agroecologia nas escolas da educação básica. Este caminho ainda está em construção, porém é possível identificar os eixos que têm contribuído para uma matriz pedagógica agroecológica.

  • 1) Relação sujeito/sociedade e natureza

    • Conhecimentos sobre a natureza como relação humana e categoria histórica;

    • O alimento como base da vida humana: estudo sobre as formas agriculturais e os sistemas agrários;

    • O trabalho tem como dimensão formativa e criativa o desenvolvimento do conhecimento na interação com natureza;

    • Os agroecossistemas como unidade de análise, elaboração e ação; estudos dos processos ecológicos como sucessão ecológica, cadeia trófica, biocenose, para estudar as interações e conexões da biodiversidade e agrobiodiversidade.

  • 2) Totalidade, movimento e contradição

    • Promover mediações das diferentes áreas do conhecimento, através dos temas geradores, os complexos temáticos e as disciplinas, levando em conta a realidade concreta, os estágios de aprendizagem de cada sujeito social, o conteúdo abordado em cada fase, realizando conexões conceituais e práticas;

    • A escola como ferramenta de aproximação campo-cidade, reflexão sobre a natureza e a produção de alimentos.

  • 3) Relação escola, trabalho e produção

    • Como pilar essencial do projeto educativo, tendo como base os agroecossistemas, uma mediação integradora entre a escola, o processo de produção e o trabalho;

    • Conexão da escola com a comunidade onde se encontra, realizando ações concretas de aulas, pesquisas e trabalho prático para a produção vegetal e animal in natura ou beneficiada, nos lotes, nos sítios, nas cooperativas e associações, com as famílias e coletivos de produção;

    • Realização de pesquisa e trabalho prático agropecuário na escola, estabelecendo conexões teórico-práticas na relação com as disciplinas, temas geradores ou complexos temáticos, e contribuindo na produção de alimentos para a escola.

  • 4) Sujeitos epistemológicos: sujeitos da educação do campo

    • Metodologias que contribuem na formulação de outras bases epistêmicas, através de processos como diálogo de saberes (TONÁ; GUHUR, 2012), “Método Campesino a Campesino” (SOSA et al., 2012), em que a construção do conteúdo da Agroecologia nas escolas garanta o diálogo com os diversos sujeitos do campo, com as experiências e conhecimentos socioambientais e agriculturais de onde se encontram as escolas;

    • Reconhecer os povos do campo como sujeitos da Agroecologia, que através do seu trabalho captam o potencial dos agroecossistemas com os quais convivem as gerações, e que vai além do elemento técnico-produtivo, mas adentra aspectos culturais, étnicos, espirituais etc.

3.2 Experiência do Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA)

Vamos destacar aqui a experiência que o Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA) vem desenvolvendo em Pernambuco, mas com abrangência em estados vizinhos.

Desde o final da década de 1980, o SERTA iniciou o serviço de assistência técnica às famílias de agricultores, em parceria com as Comunidades Eclesiais de Base e sindicatos. Nas décadas seguintes, a equipe técnica do SERTA, depois de muitas reflexões, e com a conjuntura político-econômica bastante desfavorável para a agricultura familiar, essa equipe de animadores das comunidades assistidas decidiram buscar apoio e parcerias com os gestores públicos, chegando, dessa forma, às escolas públicas para discutir e propor mudanças na vida das famílias camponesas.

Acredita-se que não adiantava trabalhar com os pais e mães uma proposta de desenvolvimento sustentável9 se nas escolas havia um trabalho com as crianças de desvalorização do modo de vida do camponês e da camponesa.

Durante os anos 2000, em diálogo com gestores públicos surge a possibilidade de projetos com algumas prefeituras da Zona de Mata pernambucana por meio de programas de formação de educadores e educadoras municipais. Essa parceria com as algumas prefeituras do estado possibilitou a formação de professores em algumas escolas municipais, ajudando nas mudanças dos projetos pedagógicos e na metodologia e conteúdos.

Paralelamente, foi implementando suas instalações educativas, em 2005 no município de Glória do Goitá (PE), e em 2009 em Ibimirim (PE), onde atualmente acontecem o curso técnico em agroecologia, formação de educadores e educadoras, enfim, funcionam como um centro de formação em seu amplo sentido.

Há uma preocupação e defesa de que a formação de educadores e educadoras seja por meio de uma proposta educativa crítica, que questione o sistema, as desigualdades, que busque a historicidade e a explicação às causas reais, com o objetivo de formar para a liberdade e para a transformação.

Seu trabalho educativo tem destaque por meio da proposta metodológica conhecida como Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (PEADS), cujos princípios são formados por bases filosóficas e teórico-metodológicas que determinam a metodologia e o material didático (MOURA, 2015), valorizando o território, a produção, o modo de vida e o trabalho das famílias. Essas temáticas vêm para dentro da escola e compõem os conteúdos.

Ou a escola é a favor do desenvolvimento sustentável, ou é a favor de outros modelos de desenvolvimento. Portanto, o ensino formal precisa ser incorporado ao desenvolvimento sustentável, pois contribui mais fortemente para a formação da cultura e não pode ser deixado de lado. O SERTA desenvolve toda uma proposta educacional, que revisa os currículos e o papel da escola. (MOURA, 2015, p. 168).

Esse autor defende que essa escola seja capaz de perceber que a comunidade ou território, conjuntamente com as famílias que vivem neste local, seja capaz de construir conhecimentos, desde que levados em consideração sua cultura, seu trabalho na agricultura e pecuária, por meio de diagnósticos que potencializam e valorizam os elementos naturais, sua história, a vida cultural, assim agindo na comunidade (MOURA, 2015).

Qual a relação entre território, família, conhecimento e escola que se espera com a proposta da PEADS? Moura (2015, p. 180-182) descreve alguns princípios desta proposta:

  • O papel da escola é construir valores, conhecimentos e preparar as pessoas para vida;

  • A professora, as famílias, os alunos, todos aprendem e ensinam;

  • Educandos elaboram suas próprias ideias;

  • Todos constroem conhecimentos que são avaliados e se autoavaliam;

  • Privilegia-se a vida real, o trabalho, as potencialidades das pessoas e o seu território, como objetos de conhecimento [...].

Essa proposta preza muito pela valorização da realidade local e os conhecimentos que os educandos e educandas trazem da convivência familiar, além de potencializá-la. Essa realidade é enriquecedora para a aprendizagem, porque é com a família que o educando aprende a plantar, a cuidar dos animais, a reconhecer as plantas e sua utilidade - alimentar, medicinal e forrageira -, a ter consciência do uso racional da água, a ajudar a família a beneficiar a produção, a comercializar, a identificar e ajudar a desenvolver tecnologias sociais, a tomar consciência da organização social, bem como a identificar as causas dos conflitos por terras, a fazer o manejo sustentável e a reconhecer a importância do agroecossistema.

A construção do saber acontece em diferentes espaços (escola, sindicato, grupo de amigos e familiares). Talvez esse reconhecimento de diferentes saberes possa se tornar mais comum e seja reconhecido pela escola. Para Brandão (2006), o conhecimento, a consciência do saber, é fruto do contato “do” e “com” o meio natural, possibilitando, assim, as aprendizagens de uns “com” e “entre” os outros, culturalmente.

Consideramos que é por meio da observação e do trabalho que as crianças e jovens do campo desenvolvem, nessa parceria entre família e escola, a possibilidade de constituir habilidades práticas e cognitivas que contribuem para a formação humana.

A introdução do trabalho como princípio educativo em todas as relações sociais, na família, na escola e na educação profissional em todas as suas aplicações [...] supõe recuperar as dimensões da escola unitária e politécnica,10 ou a formação integral [...] introduzindo nos currículos a crítica histórico-social do trabalho no sistema capitalista e o sentido das lutas históricas dos trabalhadores no trabalho e na educação. (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 753).

Justifica assim a necessidade de a escola conhecer a realidade dos educandos e educandas para que possa trabalhar a serviço do desenvolvimento e melhoria das famílias, e possam desenvolver a “capacidade de ação, engenhosidade, capacidade de observação, trabalho inteligente coletivo” em seu território (SHULGIN, 2013, p. 113).

Como a Agroecologia pode entrar nas escolas, Caporal, Costabeber e Paulos (2006, p. 22) nos dão algumas pistas:

A agroecologia propõe uma prática educativa baseada em metodologias participativas que permitam a reconstrução histórica das trajetórias de vida e dos modos de produção, de resistência e de reprodução, assim como o desvendamento das relações das comunidades com o seu meio ambiente. Tais metodologias devem ajudar na identificação e compreensão, individual e coletiva, dos sucessos e insucessos dos estilos de agricultura praticados, assim como a identificação e análise dos impactos positivos e negativos do modelo dominante sobre a comunidade e o seu entorno. Do mesmo modo, estas metodologias devem contribuir para a identificação do potencial endógeno das comunidades, ou seja, recursos localmente disponíveis que, se usados adequadamente, possam fortalecer processos de desenvolvimento mais sustentáveis. Por este caminho metodológico se estabelecerão os temas geradores e as respectivas pautas para a ação individual e coletiva no sentido da mudança.

Para colocar em prática essas ideias, o SERTA implantou em duas unidades inúmeras tecnologias sociais que podem ser vistas pelos visitantes e utilizadas pelos educandos e educandas. Levando em consideração que a Agroecologia tem sua base nos princípios ecológicos que possibilitam o redesenho do agroecossistema, conservando os recursos naturais, valorizando a economia local, a segurança alimentar, a água, a energia e a tecnologia apropriada, a interação ser humano e ecossistema (MENDES, 2012).

O destaque desse espaço de formação consiste na gama de possibilidades para a realização da aproximação e divulgação da Agroecologia enquanto práxis educativa, além do curso formal, cursos não formais, encontros de educadores e educadoras do campo e a colônia de férias para crianças e adolescentes nas unidades educativas.

Podemos encontrar experimentos de técnicas de irrigação com material reciclável, canteiros ecológicos em forma de espiral, hortaliças plantadas em garrafas pet, além de espécies frutíferas, forrageiras, medicinais, mostrando como é possível plantar alimentos em pequenos espaços, secador solar a partir de reutilização de antena parabólica, algumas instalações feitas com base na bioconstrução, sistema natural de aquecedor de água, captação de água da chuva para cisterna, biodigestor, fogão ecológico, criação de animais de pequeno porte, compostagem, todas essas tecnologias construídas por meio da concepção da PEDS.

Praticamente, sua produção possibilita sustentar a cozinha da escola, garantindo de forma fácil e barata a segurança alimentar, segurança hídrica, segurança energética e segurança em nutrientes.

Essas experiências são bastante impactantes para todos e todas que passam nesses espaços educativos, seja como educandos e educandas, seja como visitantes. Tais experiências geram inquietações para se repensar o modo de vida que o sistema capitalista, consumista e insustentável naturalizou na sociedade moderna.

Quando falamos de produção de materiais didáticos, como já afirmado, é necessário que cada escola, cada realidade, produza seus conteúdos, suas cartilhas, seus mapas, os jogos didáticos, os vídeos contando suas experiências, vivências, conflitos e denúncias, imersos e por meio das metodologias participativas, como elemento diferencial da concepção de educação participativa, crítica e transformadora da realidade.

4 Considerações finais

A construção deste artigo é provocada pela demanda e urgência da aproximação entre Educação do Campo e Agroecologia, num diálogo teórico-prático, em que as experiências nos têm mostrado as possibilidades de suas conexões, caminhos resultantes de uma práxis, de luta, de conhecimentos integrados ao diálogo de saberes em territórios dos povos do campo, das águas e florestas.

Agroecologia e Educação do Campo dialogam e se complementam na perspectiva de buscar a aproximação da escola com o processo da formação humana e das necessidades materiais da vida, considerando a potencialização das demandas reais nos territórios, onde o trabalho é um princípio para o desenvolvimento humano, considerando o trabalho numa lógica bastante distinta da concepção de trabalho defendido pelo capitalismo - exploração do trabalho.

A escola, em seu Projeto Pedagógico, precisa ter claro a necessidade de enfrentar as ideias do modelo do agronegócio para o campo, disputar e intervir na realidade. Portanto, o processo educativo é um forte aliado para desenvolver, difundir ideias, concepções e paradigmas de um modo de vida, considerando a diversidade de sujeitos e suas culturas e organizações políticas.

As experiências apresentadas por meio do MST e do SERTA têm construído materiais que podem e devem ser acessados.

É possível encontrar diversidade de outros materiais: cartilhas, jogos educativos, filmes, vídeos que podem ser acessadas nas redes sociais. No entanto, nesse trabalho junto às escolas do campo observamos que ainda são insuficientes os materiais existentes que trabalham a Agroecologia ou a educação ambiental na vertente crítica e contextualizada, principalmente materiais didáticos para trabalhar nas escolas com diferentes linguagens. Há necessidade de elaboração de materiais lúdicos, de acordo com a etapa de aprendizagem, que possam ser acessados pela rede pública de educação, seja do campo ou da cidade.

Outra demanda de fundamental importância é a continuidade na organização dos encontros de formação dos educadores/as regionais e em nível nacional para seguir no aprofundamento do debate da Agroecologia, também para envolver novos educadores/as neste processo, bem como realizar balanço de como tem sido este caminho, socializando as experiências e projetando novas elaborações.

Esse processo tem significado um avanço na reflexão e elaboração em conjunto com os sujeitos sociais do campo. Tais experiências vêm tomando espaço no Brasil e precisam ser socializadas, como motivo de inspirações para dar outros saltos, novas elaborações e experiências, ampliando para as diversas realidades, biomas, culturas. Assim, a práxis da Educação do Campo e Agroecologia ganha novos contornos, o que dá força e qualidade para a construção de processos educativos em Agroecologia, em seu sentido amplo, contribuindo para a restauração da nossa relação metabólica com a natureza, para a adoção massiva da Agroecologia, para a formação de sujeitos transformadores da realidade e da sociedade, como legado deixado por nosso grande educador do povo, Paulo Freire.

É fundamental considerar que este caminho entre a Educação do Campo e a Agroecologia proporciona fortalecimento da agenda de luta de ambas, amplia e projeta ações no campo da luta por direitos, por políticas públicas para efetivação e consolidação de uma educação agroecológica, com garantia a cada sujeito social do campo

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1Termo utilizado pelo Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enquanto proposta metodológica para se constituir um novo modo de fazer escola.

2Podemos encontrar outros nomes considerados pioneiros em Ehlers (1994).

3Veja no capítulo “Agricultura Alternativa”, no Dicionário de Educação do Campo, a contribuição de Petersen (2012) sobre o tema.

4O Positivismo afirmaria, ainda, a neutralidade da ciência e a existência de um método único e universal de conhecimento (ROLO; RAMOS, 2012). Para críticas ao Positivismo, ao reducionismo e à fragmentação do conhecimento, ver Levins (2015).

5Agroecossistema é a unidade fundamental de estudo na qual os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações socioeconômicas são vistas e analisadas em seu conjunto (ALTIERI, 1989).

6Programas sociais voltados principalmente para educação e aprendizagem rural, com abordagem na questão ambiental, em parcerias com empresas do agronegócio, envolvendo diferentes atores sociais.

7Consiste num método de organizar o programa ou plano de estudo da escola, de modo a permitir que os estudantes e professores aprofundem e ampliem o desenvolvimento do seu pensamento, diante da realidade atual (CALDART, 2015b).

8O tema gerador, segundo Freire (2014), é construído por meio de uma investigação temática, dentro de uma perspectiva libertadora e dialógica na problematização em torno da realidade.

9A concepção de desenvolvimento discutida nas reuniões trabalhava com as famílias aspectos políticos, religiosos, educativos, de organização e de produção animal e vegetal de forma que promovesse a vida digna dessas famílias em seus territórios.

10Consiste na pedagogia socialista de base do materialismo histórico dialético que incorpora a categoria trabalho educativo da escola - trabalho, conhecimento e ensino (PISTRAK, 2015; SHULGIN, 2013).

Recebido: 15 de Novembro de 2020; Aceito: 26 de Janeiro de 2021

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