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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.61 Salvador ene./mar 2021  Epub 18-Oct-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v30.n61.p299-314 

EDUCAÇÃO DO CAMPO

ESCOLA PÚBLICA DO CAMPO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: DESAFIOS ÀS PRÁTICAS FORMATIVAS DO PROGRAMA ESCOLA DA TERRA NO BRASIL E NA AMAZÔNIA PARAENSE

RURAL PUBLIC SCHOOL IN THE CONTEXT OF EDUCATIONAL POLICIES: CHALLENGES TO THE FORMATIVE PRACTICES OF THE EARTH’S SCHOOL PROGRAM IN BRAZIL AND IN THE PARAENSE AMAZON

ESCUELA PÚBLICA DEL CAMPO EN EL CONTEXTO DE POLÍTICAS EDUCATIVAS: DESAFÍOS PARA LAS PRÁCTICAS FORMATIVAS DEL PROGRAMA ESCUELA DE LA TIERRA EN BRASIL Y EN EL PARAENSE AMAZON

Salomão Mufarrej Hage*  (UFPA)
http://orcid.org/0000-0001-7801-0696

Hellen do Socorro de Araújo Silva**  (UFPA)
http://orcid.org/0000-0002-5443-2373

Maria Natalina Mendes Freitas***  (UFPA)
http://orcid.org/0000-0003-0034-5618

*Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente do Instituto de Ciências da Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Linguagens e Saberes da Amazônia, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém, Pará, Brasil. E-mail: salomao_hage@yahoo.com.br.

**Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura e da Faculdade de Educação do Campo do Campus Universitário do Tocantins-Cametá (UFPA). Belém, Pará, Brasil. E-mail: hellenaraujo@ufpa.br

***Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora da Faculdade de Educação no Campus Universitário de Bragança (UFPA). Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Infância, Educação e Cultura na Amazônia Paraense (UFPA). Belém, Pará, Brasil. E-mail: mnfreitas@ufpa.br.


RESUMO

Este artigo tem sua origem nas atividades formativas, investigativas e de intervenção realizadas pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ) através do Programa Escola da Terra. Elas pautam uma análise do contexto das escolas públicas do campo, particularmente as escolas rurais multisseriadas, e os desafios que se apresentam à execução do Programa Escola da Terra da Amazônia Paraense em meio aos retrocessos das políticas educacionais. A metodologia envolveu estudos bibliográficos, documentais e pesquisa de campo. Pautamos na discussão o contexto, princípios e desafios às práticas formativas de professoras/es no âmbito do Programa Escola da Terra executado no Brasil e na Amazônia Paraense, destacando o controle, a fragmentação e a hierarquização do tempo, do espaço e do conhecimento na escola impostos pelo modelo seriado de ensino, como base de sustentação de sua hegemonia, assim como alguns sinais que convergem para o enfrentamento e a desconstrução dessa hegemonia, assentados no processo de transgressão desse modelo hegemônico, que se materializa nas escolas do campo e quilombolas, sob a organização do ensino (multi)seriado.

Palavras-chave: Políticas educacionais; Educação do Campo; Seriação; Formação de professores; Interdisciplinaridade

ABSTRACT

This article have their origin in the formative, investigative and intervention activities carried out by the Study and Research Group on Rural Education in the Amazon-GEPERUAZ through the Earth’s School Program. They are based on an analysis of the context of public schools in the countryside, particularly the multi-grade rural schools and the challenges that arise in the implementation of the Earth’s School Program in the Amazonian region in the midst of the setbacks of educational policies. The methodology involved bibliographic, documentary studies and field research. We point in the discussion the context, principles and challenges to the teachers' forming practices within the scope of the Earth’s School Program carried out in Brazil and in the Amazon of Pará; highlighting the control, fragmentation and hierarchy of time, space and knowledge at school imposed by the monograde teaching model, as a basis for sustaining its hegemony; as well as some signs that converge to confront and deconstruct this hegemony, based on the transgression process of this hegemonic model, which materializes in rural and quilombola schools, under the organization of (multi)grade education.

Keywords: Educational policies; Rural education; Grading; Teachers formation; Interdisciplinarity

RESUMEN

Este artículo tienen su origen en las actividades de formación, investigación e intervención que realiza el Grupo de Estudio e Investigación en Educación Rural en la Amazonía-GEPERUAZ a través del Programa Escola da Terra. Se basan en un análisis del contexto de las escuelas públicas en el campo, particularmente las escuelas rurales multigrado y los desafíos que surgen en la implementación del Programa Escola da Terra en la región amazónica en medio de los retrocesos de las políticas educativas. La metodología involucró estudios bibliográficos, documentales e investigación de campo. En la discusión discutimos el contexto, principios y desafíos de las prácticas de formación de maestros en el ámbito del Programa Escola da Terra realizado en Brasil y en la Amazonía de Pará; resaltar el control, la fragmentación y la jerarquía del tiempo, el espacio y el conocimiento en la escuela que impone el modelo serial de enseñanza, como base para sostener su hegemonía; así como algunos signos que confluyen para enfrentar y deconstruir esta hegemonía, a partir del proceso de transgresión de este modelo hegemónico, que se materializa en las escuelas rurales y quilombolas, bajo la organización de la educación (multi) serial.

Palabras clave: Políticas educativas; Educación del Campo; Agrupamiento escolar; Formación docente; Interdisciplinariedad

Introdução1

Este artigo socializa um conjunto de reflexões que expressa o acúmulo de conhecimentos obtidos ao longo de quase duas décadas com as práticas educativas e de militância que o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ) tem desenvolvido com as escolas públicas do campo, pautando a problemática que as escolas rurais multisseriadas têm enfrentado nas Amazônias e no Brasil.

Entre as produções de conhecimento do referido grupo de pesquisa destacam-se as seguintes obras produzidas em parcerias com outros grupos e sujeitos coletivos que pautam as escolas públicas do campo como foco de investigação: Educação do Campo na Amazônia: retratos de realidades das escolas multisseriadas no Pará (HAGE, 2005); Escola de direito: reinventando a escola multisseriada (HAGE; ANTUNES-ROCHA, 2010); Heterogeneidade: fios e desafios da escola multisseriada da ilha de Urubuoca (FREITAS, 2010); Transgressão do paradigma da (multi)seriação como referência para a construção da escola pública do campo (HAGE, 2014) e a organização do livro Programa Escola da Terra: cartografia da diversidade e complexidade de sua execução no Brasil (HAGE et al., 2018).

Essas produções resultaram da interação com as práticas educativas das/os professoras/es do campo, particularmente das escolas multisseriadas, que só foi possível porque pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação lato e stricto sensu, com representantes dos movimentos sociais e sindicais, além das/os professoras/es que vivenciam de fato o trabalho docente nas escolas multisseriadas, se propuseram desde 2002 a apresentar sua realidade por meio das denúncias e anúncios de situações que vivenciam nas escolas, de abandono nas suas condições de funcionamento pelo poder público, mas que em meio a esse descaso se reinventam e produzem práticas de resistências para garantir o direito à educação do campo, das águas e das florestas nos territórios rurais da Amazônia Paraense.

Nesses estudos temos constatado que uma parte significativa das escolas do campo são multisseriadas ou possuem turmas multisseriadas, são escolas anexas, unidocentes, que envolvem uma complexidade de aspectos que implicam em sua existência e atuação, enquanto forma predominante de atendimento à escolarização dos sujeitos do campo nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e de forma menos expressiva na Educação Infantil, atendendo os estudantes “encostados” que acompanham seus irmãos mais velhos, e nos anos finais do Ensino Fundamental, e em alguns casos, até no Ensino Médio.

Essa realidade nos oportuniza identificar uma contradição muito característica na dinâmica das escolas rurais multisseriadas: o quadro dramático de precarização e abandono em que as escolas se encontram, reflexo do descaso com que tem sido tratada a escolarização obrigatória ofertada às populações do campo; e ao mesmo tempo, as possibilidades construídas por educadoras/es, gestoras/es e sujeitos do campo, no cotidiano das ações educativas, evidenciando situações criativas e inovadoras que desafiam as condições adversas que configuram a realidade existencial dessas escolas.

Essa situação dramática de precarização das escolas públicas, particularmente as escolas rurais multisseriadas, se intensificou a partir do ano de 2016 com a ruptura política (PORTO-GONÇALVES et al., 2018) vivenciada no Brasil, pois trouxe para o cenário da política brasileira uma onda conservadora (ALMEIDA, 2019) que se constitui articulada às forças sociais economicamente liberal, moralmente reguladora, seguramente punitiva e socialmente intolerante.

Esse descaso para com a educação e as escolas públicas se acirra a partir de 2020, quando o mundo vivencia os impactos da pandemia do vírus da Covid-19, que revela uma intensa crise na saúde pública e privada, e que no Brasil se intensifica pela propagação da morte com a necropolítica, que é definida como “o poder e a capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer” (MBEMBE, 2018, p. 5), posição implementada por parte do Governo Jair Bolsonaro e defendida pelo Movimento Bolsonarista. Assim, a pandemia causada pelo coronavírus agrava a crise estrutural do capital, escancara os limites e contradições da dinâmica de acumulação do capital, sobretudo na atual fase de hegemonia neoliberal (ANTUNES, 2020).

Dessa forma, os interesses sociais mais uma vez são subjugados pelos interesses do capital, impactando a educação neste contexto de pandemia, o que termina por naturalizar o ensino remoto como única alternativa de escolarização a ser ofertada por parte do poder público e das empresas educacionais. Ensino este que exclui os trabalhadores e seus filhos, os pobres e os povos do campo, das águas e da floresta pelas dificuldades de acesso às tecnologias com o uso de internet, o que tem ampliado a exclusão social e as desigualdades dos contingentes mais vulneráveis da sociedade.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo apresentar reflexões sobre as escolas públicas do campo, particularmente acerca daquelas que organizam o ensino por meio da multisseriação, e destacar os desafios do Programa Escola da Terra da Amazônia Paraense, que atua com a formação continuada das/os professoras/es que atuam nessas escolas e turmas, em meio aos retrocessos que vêm sendo impostos às políticas educacionais e sociais na atualidade.

Nossos estudos têm se desenvolvido ancorados em uma práxis educativa que se assenta na escuta das/os professoras/res participantes, dos formadores e coordenação pedagógica do Programa, buscando entrelaçar algumas das seguintes dimensões apontada pelos estudos de Henz (2010), a saber: ético-político, técnico-científica, epistemológica, estético-afetiva e pedagógica, estreitando desta forma nossa relação com a teoria freireana que tem nos acompanhado e nos referenciado ao longo desses anos.

Outro contributo importante que procuramos exercitar nas formações executadas pelo Programa Escola da Terra é a interação entre o conhecimento da vida e o conhecimento escolar por meio do exercício desafiador de eleger a Formação em Alternância como estratégia teórico-metodológica que reconhece que diferentes tempos, espaços e saberes são formativos dos sujeitos, e que portanto tem se constituído como um eixo importante do processo formativo das/os professoras/es que atuam nas escolas do campo, das águas e da floresta.

A Formação em Alternância integra escola, família e comunidade, e com isso “permite a troca de conhecimentos e o fortalecimento dos laços familiares e do vínculo dos educandos com o assentamento ou com suas comunidades, com o movimento social e com a terra” (CALDART, 2004, p. 105), ou seja, estabelece uma relação estreitada pelas experiências de vida e de trabalho, que envolvem a água, os rios, a mata como espaço histórico de convivência de sujeitos coletivos entre si e com a natureza. É nesta realidade que se encontram as/os professoras/es participantes das formações mediadas pela Alternância Pedagógica, visto que esta se constitui como uma metodologia de resistência cultural diante de realidades tão plurais como as Amazônias, com os mais diversos territórios rurais que se afirmam por meio de sua cartografia social.

A metodologia deste estudo se fundamenta no Materialismo Histórico e Dialético, tendo a realidade concreta como o ponto de partida para aprofundar o estudo acerca deste objeto, com a perspectiva de desvelar as múltiplas determinações e o concreto pensado (KOSIK, 2002).

Nos estudos que realizamos procuramos compreender a educação do campo como totalidade e contradição, assim como a mediação, para afirmar a importância do enraizamento do ser social no sentido ontológico de que os sujeitos são movidos pelo trabalho como condição de existência e de resistência. O caminho investigativo se ancora em observação, análise documental e pesquisa de campo vivenciadas ao longo do processo formativo, executadas em múltiplos territórios da Amazônia Paraense.

Este texto apresenta reflexões e aborda o contexto do Programa Escola da Terra no Brasil e na Amazônia Paraense, e compartilha aspectos da experiência do processo formativo, bem como suas contribuições para fortalecermos a construção da escola pública do campo como uma prática de resistência e r-existência em face às precárias condições em que as escolas rurais multisseriadas se encontram.

Programa Escola da Terra: contexto, princípios e desafios às Práticas Formativas de Professoras/es no Brasil e na Amazônia Paraense

O Programa Escola da Terra integra as ações do Programa Nacional de Educação do Campo, responsabilizando-se pela formação continuada de professoras e professores que trabalham em escolas e turmas multisseriadas que atuam nas escolas localizadas em comunidades e territórios camponeses e quilombolas com expressivo protagonismo de luta, de trabalho e de práticas culturais, mas que enfrentam altos índices de analfabetismo, precarização de infraestrutura das escolas e baixos índices de desenvolvimento humano.

Ele foi institucionalizado pela Portaria nᵒ 579, de 02 de julho de 2013 (BRASIL, 2013), que institui a Escola da Terra no âmbito do Ministério da Educação, e desde 2014, quando iniciou sua execução, de acordo com a Secretaria das Modalidades Especializadas (SEMESP). O Programa encontra-se em sua sexta edição, tendo atingido 23 estados e o Distrito Federal com sua implementação, excetuando os estados do Acre, Roraima, Rondônia e Mato Grosso do Sul, envolvendo diretamente vinte e quatro Universidades Públicas Federais. Ao todo, cerca de 21 mil professoras/es das escolas e turmas multisseriadas dos territórios rurais e quilombolas foram atendidos pelo Programa desde a sua implantação, e neste ano de 2020, 17 estados brasileiros estão executando o Programa, enfrentando os desafios impostos pela Pandemia às redes de ensino, especialmente às escolas do campo, das águas e da floresta (HAGE, 2020).

Para a formação continuada das professoras e professores, o Programa oferta curso de aperfeiçoamento com carga horária de no mínimo 180 horas (em alguns casos, curso de especialização de no mínimo 322 horas), executado por meio da Formação em Alternância, que reconhece e articula diferentes espaços, tempos e saberes formativos, apresentando-se como o diferencial que inova na formação das/aos educadoras/es quando comparada à organização de cursos convencionais, ao possibilitar aos sujeitos e educadoras e educadores do campo a participação em processos formativos e mesmo a continuidade nos estudos sem deixar de viver/morar/trabalhar/militar nos territórios rurais, lócus onde esses sujeitos produzem e reproduzem sua existência e convivência social.

Além do curso de formação continuada mencionado, o Programa oferece também: ações de acompanhamento pedagógico e gestão dos processos formativos e das práticas pedagógicas das educadoras e educadores cursistas, por meio de uma equipe constituída de coordenadores estaduais e municipais, e de tutores das redes municipais de ensino; e recursos didáticos e pedagógicos que constituem kits compostos por jogos, mapas, recursos para alfabetização/letramento e matemática, para atender às especificidades formativas das turmas dos anos iniciais do ensino fundamental compostas por estudantes de variadas idades nas escolas do campo e em escolas de comunidades quilombolas.

Diferentemente de outras políticas de formação continuada ofertadas pelo Ministério da Educação (MEC) neste período mais recente, o Programa Escola da Terra, além de possuir diretrizes e orientações comuns de uma política nacional, assegura autonomia aos estados para elaborar uma proposta pedagógica própria, como uma estratégia de valorização da heterogeneidade que configura as dimensões sociopolítica, territorial, pedagógica, cultural e administrativa específicas resultantes das relações e interações conflitivas e consensuais que se estabelecem entre as universidades, os entes federados nas esferas federal, estadual e municipal, e os movimentos sociais e sindicais populares do campo durante a execução do Programa em cada um dos estados brasileiros (HAGE et al., 2018, p. 16).

Ao assumir os princípios da Educação do Campo como eixos estruturantes do processo formativo, o Programa Escola da Terra reconhece a diversidade de territórios e territorialidades do campo existentes no país, nos estados e municípios, e a complexidade que configura as relações sociais neles existentes; e aposta na construção da “unidade na diversidade”, ao materializar as ações protagonizadas pelos coletivos que assumem sua execução em cada um dos estados, com suas metodologias e construções teórico-metodológicas específicas, definidas com o acúmulo de experiências das Universidades com a participação no Movimento da Educação do Campo em seus estados.

Em cada um desses estados, a execução do Programa Escola da Terra tem sido efetivada e gestada por coletivos que vão se constituindo sob a coordenação de uma Universidade Pública que possui articulação com o Movimento da Educação do Campo em parceria com a coordenação de educação do campo da Secretaria Estadual e técnicos que são indicados pelas Secretarias Municipais de Educação que aderiam ao Programa por meio do Plano de Ações Articuladas.

No caso específico do estado do Pará, a experiência de formação do Programa Escola da Terra tem sido coordenada em suas três edições pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) em articulação com o MEC, a Coordenação da Educação do Campo, das Águas e da Floresta da Secretaria de Educação do Estado do Pará e as coordenações ou setores de educação do campo das secretarias municipais de educação; e legitimada pela longa trajetória que a Universidade Federal do Pará (UFPA) tem desenvolvido na construção da política de Educação do Campo com a sua participação e liderança no Fórum Paraense de Educação do Campo e no Fórum Nacional de Educação do Campo, assim como no diálogo com o Ministério da Educação na execução de distintas ações e programas de Educação do Campo.

A primeira edição do Programa no Pará realizou-se no período de 2014 a 2016, tendo como foco a Formação Permanente de Educadores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental nas Escolas Rurais e Quilombolas, nos seguintes municípios: Abaetetuba, Acará, Augusto Correa, Bragança, Cametá, Moju, Mojuí dos Campos, Santarém e Tracuateua. Vale ressaltar que entre os critérios para adesão dos municípios ao Programa considerou-se os municípios com maior número de escolas e turmas multisseriadas e o interesse das prefeituras em desenvolver parcerias com a UFPA. A previsão era de formar um total de 1.500 cursistas, sendo 97 tutores e 1.421 professoras e professores das escolas com turmas multisseriadas rurais e quilombolas. Ao final das atividades formativas, permaneceram e finalizaram a formação um contingente de 1.335 cursistas, sendo 93 tutores e 1.282 professoras e professores das escolas com turmas multisseriadas rurais e quilombolas, evidenciando um índice de conclusão e certificação de 91,6%.

A segunda edição ocorreu no período de 2017 a 2018, com a formação de 300 cursistas, sendo 170 professoras e professores das escolas multisseriadas e 30 tutores, indicados pelas secretarias municipais de educação dos municípios de Breves, Bujaru, Mocajuba, São Caetano de Odivelas, São Domingos do Capim e São Sebastião da Boa Vista. Nesta edição priorizamos a parceria com municípios que possuíam reservas extrativistas, em razão das populações e escolas que ocupam esses territórios serem muito pouco assistidas pelas políticas sociais e educacionais, e os movimentos sociais representativos dessas populações demandarem do Ministério da Educação ações mais efetivas sintonizadas com a Educação da Floresta.

A terceira edição está sendo desenvolvida no biênio 2020-2021, neste contexto de Pandemia, com a formação de 220 cursistas, sendo 200 educadoras e educadores que atuam nas escolas multisseriadas e 20 tutores indicados pelas secretarias de educação dos municípios de Limoeiro do Ajuru, Tomé Açu e Castanhal, definidos entre os municípios do estado do Pará que aderiram ao Pacto pela Educação do Campo, criado pelo Ministério Público do Estado do Pará após a Audiência Pública sobre o Fechamento de Escolas no Campo no Estado do Pará, realizada em setembro de 2019, no Auditório da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, promovida pelo Fórum Paraense de Educação do Campo, Comissão do Direito à Educação da OAB - Sessão Pará e Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará.

Em todas as três edições o Programa tem sido executado no Pará com os seguintes objetivos, conforme sua proposta educativa (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, 2014):

  • Promover a formação permanente e acompanhada de professoras e professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental ofertados pelas escolas das comunidades rurais e quilombolas, subsidiando-os para a organização do trabalho pedagógico numa perspectiva interdisciplinar.

  • Oportunizar a construção de metodologias e recursos didáticos e pedagógicos que atendam às especificidades formativas das populações do campo e quilombolas.

  • Valorizar as/os educadoras/es que atuam nas escolas do campo e quilombola ao oportunizar a eles formação humana e profissional.

  • Contribuir para a qualidade social da escola pública do campo e quilombola.

No estado do Pará, o Programa objetiva desenvolver um processo de formação crítico-criativa das/os educadoras/es que atuam nas escolas do campo e quilombolas que favoreça aprendizagens significativas, orientando-se por uma proposta curricular que assume como referência para a formação as experiências pessoais concretas vivenciadas pelas/os professoras/es cursistas e pelos grupos culturais com os quais essas/es professoras/es convivem e trabalham, proporcionando a elas/es o acesso ao conhecimento acadêmico e contribuindo com a produção de conhecimentos e experiências que ajudem no fortalecimento e valorização do campo e das escolas existentes nos seus territórios (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, 2014).

Essa proposição orienta a realização dos tempos/espaços formativos que constituem as alternâncias ao longo de todo o processo de formação das/os educadoras/es realizado pelo Programa, referenciado por princípios educativos que fundamentam a organização do trabalho pedagógico numa perspectiva interdisciplinar e sintonizado com as demandas e peculiaridades das populações do campo e quilombolas, conforme estabelecem seus objetivos explicitados anteriormente:

  1. O trabalho, entendido como produção da existência humana na relação com a natureza, ou seja, como um processo de humanização de homens e mulheres e ao mesmo tempo de apropriação, uso e controle do território pelos sujeitos do campo e quilombola, orienta o processo formativo no âmbito do Programa, partindo-se do entendimento de que as/os professoras/es cursistas necessitam compreender tanto o significado do trabalho na sociedade capitalista e seu caráter alienante, quanto a importância do domínio de seus fundamentos para que os sujeitos do campo disputem seus territórios e neles possam produzir suas próprias tecnologias e com elas se emanciparem.

  2. Pesquisa, Trabalho Docente e Indissociabilidade entre Teoria e Prática: a pesquisa ocorre durante todo o processo formativo realizado pelo Programa, em seu caráter bibliográfico, com o estudo de artigos e textos de referência acadêmica, e em seu caráter diagnóstico da realidade dos territórios e comunidades do campo e quilombola, em que se inserem as escolas em que as/os educadoras/es atuam, combinando reflexões coletivas por meio de estudos que oportunizam a compreensão e a intervenção qualificada nessa mesma realidade. Ela é compreendida como uma atividade que integra as ações educativas que se realizam na escola e que são construídas a partir da indissociabilidade entre teoria e prática no interior da escola. Pesquisa enquanto campo de produção de conhecimento e investigação das práticas educativas que se assenta numa concepção crítica, social e histórica sobre o trabalho, a diversidade e a complexidade que configuram o contexto escolar. As professoras/es são entendidas/os enquanto sujeitos históricos que concebem a pesquisa como instrumento para qualificar o trabalho docente e instrumentalizar novas possibilidades concretas de atuação junto às crianças, jovens e adultos nas escolas públicas do campo e quilombola;

  3. A Interdisciplinaridade, inspirada na perspectiva freireana de educação, orienta o processo formativo das/os professoras/es cursistas, assumindo a dialogicidade entre os diversos segmentos escolares, entre os saberes da tradição e os conhecimentos científicos e entre as áreas do conhecimento como fundamentais para a construção coletiva do currículo e para a organização do trabalho pedagógico nas escolas das comunidades do campo e quilombolas;

  4. A cultura, entendida no plural, como a diversidade de modos de ser e viver, de saber e fazer das populações do campo e quilombolas da Amazônia e seus processos de significação simbólica, lutas, resistências, inovações e cosmologias, que traduz identidades, autoimagens, signos, valores e linguagens, e que, no caso específico dos territórios rurais, se constitui pela inter-relação de Terra, Água e Floresta como referências na constituição das identidades individuais e coletivas dos sujeitos, como campos de interação, resistências e lutas pela produção familiar na agricultura, na pesca e no extrativismo, e pelo território em que vivem;

  5. A Memória, como lembrança que se guarda no inconsciente, como guardiã de informações que podem fixar e reproduzir comportamentos e atos mecânicos encadeados quer a propósito da recordação ou do esquecimento, quer do silenciamento ou da visibilização, será entendida como componente importante na formação de professoras/es e dos demais sujeitos participantes do Programa, ao incidir na construção, reconhecimento e negação de identidades individuais e coletivas constitutivas da pluriversidade de territorialidades existentes nas Amazônias, que se afirmam em meio às relações de poder e desigualdades existentes na sociedade;

  6. A organização social e política constitui referência fundante na formação inicial e continuada de professoras/es, entendendo-se que a participação das educadoras e educadores nos movimentos e organizações sociais do campo e quilombola é fundamental para a construção de estratégias organizativas locais. E seus desdobramentos podem incidir qualitativamente: na afirmação da educação e da escola pública como direito humano e social; na implementação de políticas públicas importantes para o reconhecimento do campo como lugar de vida, de trabalho e de dignidade humana; para a disputa pela hegemonia na sociedade.

A definição desses princípios tem nos ajudado a compreender e ao mesmo tempo confrontar com uma visão estreita, fragmentada e hierarquizante, mas muito recorrente na comunidade acadêmica e na sociedade, que cristaliza a Universidade como o lócus do saber teórico e as escolas e as comunidades do campo e quilombolas como espaço do saber empírico, da prática e da experiência. Essa compreensão tem permeado o processo de produção e apropriação de conhecimentos que se realiza ao longo do desenvolvimento do Programa, em todos os seus tempos e espaços formativos realizados na Universidade, assim como nas escolas e comunidades do campo e quilombolas.

Da mesma forma, os princípios anunciados têm nos auxiliado na compreensão e apreensão do trabalho docente “[…] como processo humano concreto, determinado pelas formas históricas de produção e reprodução da existência, o que implica compreendê-lo inscrito na totalidade do trabalho, tal como se objetiva no modo de produção capitalista” (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 19-20), e na materialidade do trabalho docente e suas interfaces com a diversidade e complexidade existente nas escolas públicas das comunidades do campo e quilombola. Trabalho este que envolve os atores que fazem partem do cotidiano escolar, as dimensões constitutivas em que se materializa esse trabalho; como e em que condições os docentes o realizam (OLIVEIRA; VIEIRA, 2012).

Os princípios constituem as referências para a organização curricular da proposta de formação de professoras/es que construímos e assumimos nas atividades formativas realizadas pelo Programa, em que priorizamos a definição de eixos como estratégia para articular os componentes curriculares selecionados para a formação das/os professoras/es cursistas, fortalecer a perspectiva interdisciplinar e enfrentar a rigidez e a hierarquia que comumente predominam na organização curricular disciplinar e seriada, e infelizmente ainda predominante na maioria das escolas públicas do campo e quilombola.

O eixo central que articula todo o processo formativo na experiência do Programa no Pará foca a Organização Interdisciplinar do Trabalho Pedagógico nas Escolas do Campo e Quilombolas das Amazônias. Com ele realizamos uma aposta de que as/os professoras/es cursistas, com a formação oportunizada pelo Programa, se tornem mais competentes para conduzir o processo educativo dos sujeitos do campo e quilombolas, cuidando do ensino e aprendizagem dos estudantes e planejando o currículo de forma interdisciplinar. O que para nós significa tomar como referência as especificidades culturais e territoriais dos sujeitos do campo e quilombolas, para utilizar adequadamente metodologias participativas, tecnologias educacionais e recursos didáticos como mediações da prática educativa, para estabelecer relações dialógicas entre educadoras/es-educandas/os e demais seguimentos escolares.

Integram esse Eixo Curricular dois subeixos, que de forma articulada, oportunizam as/os professoras/es cursistas, a formação pedagógica e as referências conceituais advindas das áreas do conhecimento, explicitados a seguir.

Quadro 1 Subeixos do Programa Escola da Terra - Pará 

Subeixo 1 Educação do campo e quilombola nas Amazônias: movimentos sociais, diversidade e interdisciplinaridade
Subeixo 2 Planejamento, currículo, metodologias e avaliação nas escolas do Campo e Quilombolas - interdisciplinaridade na organização do trabalho docente

Fonte: Universidade Federal do Pará (2014, p. 4).

O Subeixo 1 possui, enquanto descritor, a caracterização dos territórios do campo e quilombolas no Brasil e nas Amazônia. Movimentos Sociais e a Organização Política dos Sujeitos do Campo e quilombolas. Diversidade social, cultural e territorial das populações do campo e quilombolas. Educação do Campo e Quilombola: princípios, Fundamentos e concepções. Política e Legislação educacional relacionadas à Educação do Campo e Quilombola. Identidade da escola do campo e quilombola: (multi)seriação e transgressão do paradigma seriado de ensino. Trabalho docente, currículo integrado e práticas educativas Interdisciplinares.

Objetivamos com esse eixo ampliar a visão das/os professoras/es cursistas sobre: a pluriversidade ambiental, produtiva e cultural que configura os territórios do campo e quilombolas no Brasil e nas Amazônias; a importância dos movimentos sociais com suas mobilizações e lutas para assegurar na legislação e nas políticas públicas o Direito à Educação dos sujeitos do campo e quilombola, com os princípios, fundamentos e concepções da Educação da Escola do Campo e Quilombola; a realidade e desdobramentos da (multi)seriação no fracasso escolar dos sujeitos do campo e quilombolas, e nas possibilidades do trabalho docente e de práticas educativas interdisciplinares como possibilidade de transgressão do paradigma seriado urbano de ensino.

O Subeixo 2 possui o seguinte descritor: leitura de mundo e leitura da palavra: práticas de alfabetização nas escolas do campo e quilombolas. Atividades variadas que possibilitem práticas comunicativas em diferentes gêneros textuais, orais e escritos, de usos, finalidades e intenções diversos. Atividades de produção e de recepção de textos significativos para as crianças, produzidos nas mais variadas situações de uso da linguagem oral e escrita. Noções lógico-matemáticas envolvendo o trabalho e a vida nos territórios do campo e quilombola. Tempo e espaço nas escolas do campo e quilombolas: saberes e vivências a partir do cotidiano da comunidade. Meio Ambiente no contexto das escolas do campo e quilombolas: cuidar e educar.

Com esse eixo curricular nos processos formativos que realizamos no Programa, procurou-se fortalecer a perspectiva interdisciplinar por meio do diálogo entre os conhecimentos escolares articulados por meio das áreas de conhecimentos e os saberes da tradição produzidos pelos sujeitos do campo e quilombolas em meio a suas práticas culturais realizadas em suas atividades de trabalho para a produção de sua existência e nos processos de apropriação e usos dos seus territórios.

Esse eixo pretende pautar com destaque o processo de alfabetização articulado às práticas de letramento dos sujeitos, por entender que ele representa um grande desafio ao trabalho docente nas escolas do campo e quilombolas, especialmente quando elas organizam o ensino em forma de (multi)seriação. No Programa, a Alfabetização é entendida como um processo de apropriação do princípio alfabético e das relações que se podem estabelecer entre este e as convenções ortográficas de uma língua para a leitura e produção de textos escritos em conformidade com o sistema de notação gráfica dessa língua.

Com a articulação entre os eixos curriculares e as dinâmicas exercitadas, fortalecida pela interação entre as áreas de conhecimento, pretendemos contribuir com o reconhecimento da compreensão de que a interdisciplinaridade é muito mais que uma categoria de conhecimento, por valorizar as ações desenvolvidas a partir das experiências, das vivências das/os educadoras/es com a realidade dos territórios do campo e quilombola. A ousadia que move as práticas formativas do Programa Escola da Terra em desenvolver o percurso formativo dos educadores pelo viés interdisciplinar consiste no desejo de apreender os modos de fazer e de pensar no cotidiano, nos quais estão imersas/os as/os educadoras/es do campo e quilombolas, para que sejam sujeitos transgressores em suas práticas educativas, através de alternativas que reinventem e recriem as redes de saberes com seus conhecimentos, suas crenças, sua riqueza cultural que espraia nas manifestações coletivas vividas em todo o percurso formativo.

A formação continuada e permanente desenvolvida no Programa Escola da Terra sempre esteve em estreita ligação com uma leitura crítica da realidade local e global, corroborando o desenvolvimento da curiosidade dos sujeitos de saberem identificar suas necessidades e assim potencializar o protagonismo rumo às transformações sociais, que são necessárias para assegurar o direito dos povos do campo e quilombola de acessar uma escola pública sintonizada com seus interesses, seu trabalho e sua cultura, conforme expressa o texto base da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo:

[...] A Escola do Campo,

Não é um tipo diferente de escola,

É a escola em movimento,

Reconhecendo e ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais,

Que também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade,

Com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura,

Seu jeito próprio de ser, de viver e de se reproduzir socialmente.

[...] A Escola do Campo,

É aquela que trabalha desde os interesses, a política, a cultura e a economia dos diversos povos do campo,

Ela possui o jeito do campo,

E inclui neste jeito as formas de organização, de vida e de trabalho dos povos do campo,

Porque são construídas política e pedagogicamente pelos sujeitos do campo;

Porém, ela somente será construída nessa perspectiva,

Se os povos do campo, em sua identidade e diversidade, assumirem este desafio,

Não sozinhos, mas também não sem sua própria luta e organização. (KOLING; MOLINA, 1999, p. 10).

A identidade da Escola do Campo e Quilombola não precisa necessariamente ser referenciada pela seriação ou (multi)seriação, ainda que historicamente parte significativa dessas escolas organizem o ensino em forma de (multi)seriação para o atendimento à escolarização dos sujeitos do campo e quilombolas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e de forma menos expressiva na Educação Infantil e nos anos finais do Ensino Fundamental, assim como na Educação de Jovens e Adultos e no Ensino Médio.

Importante esclarecer que os estudos, aproximações e diálogos que estabelecemos com integrantes das comunidades escolares inseridas nos territórios dos povos tradicionais e camponeses envolvidas em ações realizadas no âmbito do GEPERUAZ têm permitido compreender que a (multi)seriação - situação em que um professor é responsável pela condução do trabalho pedagógico com estudantes de várias séries e níveis concomitantemente, em uma mesma sala de aula - não substitui a seriação, não altera os pilares desse paradigma, ao contrário, constitui a forma precária, viável e exequível que o modelo seriado de ensino encontrou para se concretizar e manter sua hegemonia nos territórios rurais.

A não compreensão dessa questão por grande parte dos sujeitos que ensinam, estudam, investigam ou demandam a educação no campo e na cidade fortalece a visão negativa, pejorativa, depreciativa que circula sobre as escolas rurais, especialmente quando são organizadas sob a forma da (multi)seriação, quando comparadas às escolas urbanas, responsabilizando as escolas rurais (multi)seriadas pelo fracasso escolar dos sujeitos do campo. E mais, essa visão contribui para a naturalização do entendimento de que a solução para essa problemática consiste em transformá-las em escolas seriadas, como acontece nos territórios urbanos.

Em nosso entendimento, referenciado com os estudos e diálogos que temos realizado no âmbito do GEPERUAZ, o fracasso escolar acontece nas escolas do campo e quilombola justamente porque quando essas escolas organizam o ensino sob a (multi)seriação, assumem, legitimam e fortalecem os pilares da seriação em suas práticas educativas, entre os quais destacamos:

  • Homogeneização dos processos educativos que ocorrem na escola, incluindo o currículo, as metodologias e a própria formação/atuação das/os professoras/es, e desconsiderando as diversidades e os territórios e comunidades em que as escolas se encontram inseridas;

  • Fragmentação do espaço, tempo e conhecimento escolar, impondo a apartação deles dos espaços, tempos e saberes formativos existentes nas comunidades e territórios do campo, invisibilizando, negando e deslegitimando o ambiente familiar, a vizinhança, os coletivos e movimentos sociais, as práticas culturais e as práticas de trabalho cooperadas e diversificadas, nos quais circulam múltiplos conhecimentos de diferentes tradições epistemológicas;

  • Aquisição dos conhecimentos acumulados historicamente e concebidos de maneira sequencial e desarticulada, impondo uma estrutura hierárquica no currículo, em que o conteúdo se encontra ordenado de acordo com os graus de dificuldades e o sistema de pré-requisitos;

  • Agrupamento e desenvolvimento dos programas e conteúdos de ensino em séries, com a avaliação restrita à aplicação de exames e provas, servindo para mensurar o nível de aprendizagem dos estudantes; e seus resultados são utilizados para certificar os aptos e os não aptos e classificá-los numa perspectiva darwinista, ante a apropriação dos conhecimentos científicos, sob a tutela da escola;

  • Fortalecimento de valores como o individualismo, a competitividade, a seletividade, a meritocracia, produzindo a discriminação, a exclusão e a desigualdade.

Esses são de fato os desafios enfrentados pelo Programa Escola da Terra em suas práticas formativas quando objetiva desenvolver nas/os educadoras/es do campo e quilombola uma leitura crítica da realidade, potencializando o protagonismo e liderança deles na construção de uma escola pública sintonizada com os interesses, o trabalho e a cultura dos povos do campo e quilombolas.

Na compreensão que temos acumulado com os estudos realizados pelo GEPERUAZ, identificamos que é justamente a aplicação do modelo seriado de ensino nas escolas ou turmas multisseriadas que pressiona as/os professoras/es a organizarem o trabalho pedagógico de forma fragmentada, levando-os a desenvolver atividades de planejamento, curricular, de ensino e de avaliação isolados para cada uma das séries, de forma a atender aos requisitos necessários a sua implementação.

Acrescido ao processo de precarização da infraestrutura e à falta de condições materiais necessárias ao funcionamento adequado da escola, assim como à existência de uma grande parcela de educadoras/es sem formação adequada e com contratos temporários de trabalho, consequências da negação histórica dos direitos assegurados na legislação por parte dos gestores públicos, a organização do ensino sob a forma de (multi)seriação constitui-se como mais um fator que corrobora o fracasso escolar das escolas do campo e quilombolas, fortalecendo todo o estereótipo de atraso, de dificuldades para a efetivação do ensino e aprendizagem e de pouco aproveitamento por parte dos estudantes nessas escolas.

Assim sendo, consideramos, portanto, que a alteração da organização do ensino (multi)seriado para seriado não provocará mudanças e desdobramentos significativos e positivos no processo de ensino e aprendizagem, como imaginam muitas/os educadoras/es, pais, mães, estudantes, gestoras/es e outros sujeitos envolvidos ou não com as escolas do campo e quilombolas. Exatamente porque tanto no caso da (multi)seriação, como da seriação, os pilares que dão fundamentação ao processo educativo, de ensino e aprendizagem são os mesmos, como explicitados anteriormente.

Considerando as reflexões anteriores apresentadas sobre a materialização do modelo seriado de ensino nas ações educativas realizadas pelas escolas do campo e quilombolas quando organizam o ensino sob a forma de (multi)seriação, as práticas formativas do Programa Escola da Terra, referenciadas pelos estudos e diálogos realizados no âmbito do GEPERUAZ, nos ofereceram algumas pistas para fundamentar uma intervenção significativa nesse quadro complexo, cujo eixo central aponta a transgressão do modelo seriado de ensino como convergência dos esforços criadores e inventivos, já vivenciados pelas/os educadoras/es, estudantes, gestoras/es, pais, mães e lideranças comunitárias e dos movimentos sociais no cotidiano dessas escolas (HAGE; REIS, 2018).

A transgressão se efetiva com a realização de práticas educativas por parte das/os educadoras/es, estudantes, gestoras/es e demais integrantes da comunidade escolar que possam minar ou desconstruir os pilares da seriação, sua racionalidade e princípios de sociabilidade explicitados anteriormente, de modo a romper, superar, transcender ao “paradigma seriado de ensino”, que em sua versão precarizada se materializa sob a forma multi(seriação), na organização do ensino nas escolas do campo e quilombola (GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA AMAZÔNIA, 2007)

Isso seguramente não ocorrerá via decreto ou por imposição do poder público a todas as escolas concomitantemente, e menos ainda por decisão de pesquisadoras/es, educadoras/es ou de um segmento escolar isoladamente. A transgressão exige um processo formativo de todos os integrantes da comunidade escolar que fortaleça o seu protagonismo, empoderamento e emancipação, diante das condições subalternas, clientelistas e patrimonialistas que ainda se manifestam com muita intensidade nas relações sociais que se materializam nos territórios do campo e quilombolas (GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA AMAZÔNIA, 2010).

De fato, uma mudança dessa natureza, para se materializar de forma significativa, se constitui paulatinamente, enquanto processo que exige muito diálogo e reflexão, envolvendo todos os segmentos escolares, com estudos e pesquisas sobre as condições existenciais e as possibilidades de intervenção que atendam às peculiaridades das escolas do campo e quilombolas e seus territórios e comunidades, aproveitando o acúmulo das experiências e práticas criativas dos sujeitos que participam dessas escolas (multi)seriadas, de sua capacidade inventiva de fazer diferente mesmo quando as condições materiais, objetivas e subjetivas são muito desfavoráveis e as limitações e carências são muito profundas.

Considerações finais

Num cenário de aprofundamento da crise política e de recrudescimento do conservadorismo, favorecido com a implementação de um conjunto de contrarreformas antidemocráticas capitaneadas por forças políticas de orientação mercantil, ruralista, religiosa e paramilitar, pós impeachment da presidenta Dilma em 2016 e intensificadas com o resultado das eleições presidenciais de 2018, assistimos ao desmonte dos direitos trabalhistas consagrados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e dos direitos sociais da Constituição de 1988, e a ameaça aos processos de territorialização e reprodução social das classes trabalhadoras e povos tradicionais e camponeses.

Nesse contexto de correlações de forças, destacamos que a primeira medida tomada com a ascensão do vice-Presidente Michel Temer ao governo, em 2016, foi fazer avançar as reformas que permitiriam a redução dos gastos com saúde e educação, o que resultou na aprovação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, cujo objetivo era restringir os gastos sociais por vinte anos ao instituir um novo regime fiscal no Brasil (SILVA et al., 2020). Estas medidas atingiram diretamente a implementação das políticas direcionadas para formação inicial e continuada das/os professoras/es, a exemplo da efetividade do Programa Escola da Terra, que desde sua implementação, em 2014, vem diminuindo seu atendimento quanto ao número de municípios, professoras/es e, consequentemente, o atendimento aos sujeitos da educação básica.

As restrições na efetividade das políticas educacionais tendem a fortalecer a visão “Escola-Centrista”, por atribuir à escola a função social de contribuir com a manutenção das estruturas sociais, tais como se apresentam historicamente, fortalecendo relações sociais hierárquicas e darwinistas, em diversas situações e dinâmicas - entre as experiências formativas/educativas, nas relações escolares, entre as/os trabalhadoras/es da Educação e os estudantes - nas quais o “Tempo/Espaço/Conhecimento Escolar” é o que vale, é o que conta, só ele é legitimado na sociedade pelo processo de escolarização, por isso se atribui a denominação de “Educação Formal”, porque só ele certifica a “mão de obra” com as suas ações formativas, e suas credenciais são incorporadas no capital humano que constitui a empregabilidade, requerida pelo mercado na atualidade.

A visão “Escola-Centrista” é perversa porque fortalece a apartação e a desigualdade entre os processos e instituições educativas existentes na sociedade, categorizando-os e hierarquizando-os ao apresentar a escolarização como superior aos demais processos educativos/formativos que se realizam em diversos espaços e ambientes sociais, em que pese estes últimos serem legitimados pela própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB) de 1996 (BRASIL, 1996, p. 1), em seu Art. 1º, quando reconhece que “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

Esses processos educacionais construídos na família, nas relações de vizinhança e comunitárias, nas práticas culturais, nas atividades de trabalho e nas ações dos movimentos e organizações sociais não se orientam exclusivamente pelo critério convencional da relação idade-série, se opõem aos processos “Regulares de Ensino”, sendo considerados como de segunda categoria, não se identificando neles a eficiência e a qualidade de seus resultados, como se fossem inferiores quando comparados aos processos que se referenciam pela seriação stricto sensu.

Esse é o caso das Modalidades de Educação Básica: Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena e Educação Escolar Quilombola, que se constituem como processos escolares que reconhecem legalmente o “respeito as/os educandas/os e a seus tempos mentais, socioemocionais, culturais e identitários como um princípio orientador de toda a ação educativa” (BRASIL, 2010)

Nessa perspectiva, a Resolução nº 04, de 13 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), ao instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, reconhece legalmente os sujeitos da diversidade ao afirmar, no Art. 20, que todos os sujeitos “tenham a oportunidade de receber a formação que corresponda à idade própria de percurso escolar”. Esta legislação questiona que o parâmetro de acesso à escolarização não seja a correspondência idade-série na organização de suas experiências educativas.

Essa relação do enquadramento idade-série vem a ser o caso das escolas (multi)seriadas dos territórios do campo e quilombolas, que historicamente se pautam pelos princípios e pilares da seriação e que têm na visão “Escola-Centrista” a referência para promover os processos de escolarização ao associar o “Tempo/Espaço/Conhecimento Escolar Seriado” a um “Sistema Regular de Ensino”, denominando com essa expressão somente os processos de escolarização que assumem como critério de agrupamento dos estudantes a aplicação da relação convencional de idade-série, reconhecida pela legislação educacional.

Por fim, é em questionamento a esses parâmetros e definições que as práticas formativas do programa Escola da Terra vem executando, especialmente no estado do Pará, sob o desafio de se orientar pela perspectiva da Transgressão ao procurar confrontar e superar o modelo seriado de ensino que se impõe às escolas (multi)seriadas dos territórios do campo e da cidade.

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1Este texto é resultado dos estudos realizados no Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ) e foi realizado seguindo todos os protocolos com base no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, procurando respeitar os princípios éticos da pesquisa.

Recebido: 15 de Novembro de 2020; Aceito: 26 de Janeiro de 2021

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